Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2229/16.0T8VNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ESTELITA DE MENDONÇA
Descritores: INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO DO FIDUCIÁRIO
Nº do Documento: RP201801162229/16.0T8VNG-B.P1
Data do Acordão: 01/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 803, FLS 196-202)
Área Temática: .
Sumário: I - A responsabilidade pelo pagamento da remuneração e das despesas do fiduciário é, em primeira linha, do devedor, uma vez que deve ser suportado pelas quantias objecto da cessão, atento o disposto no art.º 241.º n.º 1 do CIRE e art.º 28.º do Estatuto do Administrador Judicial.
II - É admissível o pagamento de remuneração ao fiduciário por adiantamento do Cofre Geral dos Tribunais (hoje, Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça) no valor devido pelo trabalho realizado e despesas suportadas, quando não existam quantias cedidas pelo devedor que permitam tal pagamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2229/16.0T8VNG-B.P1
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Recorrente: B...
Recorrido: Ministério Público e C...
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Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
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Nos autos em referência foi proferida a seguinte decisão (itálico de nossa autoria para melhor compreensão):
Fls. 90 e seguintes: Visto.
Nos termos do artigo 28.º da Lei 22/2013, de 26/2, “a remuneração do fiduciário corresponde a 10% das quantias objecto de cessão com o limite máximo de €5.000,00 por ano”.
Ante a clareza desse normativo, entendemos que, nos casos em que não tenha existido qualquer quantia objecto de cessão, não há que determinar o pagamento ao Sr. Fiduciário de qualquer quantia a título de remuneração.
Não se desconhece que existem decisões de tribunais superiores que arbitram o pagamento de uma remuneração nessas situações.
No entanto, salvaguardando o devido respeito por opinião contrária, não aderimos aos fundamentos invocados nessa jurisprudência exactamente por entendermos que a lei é explícita e clara nesse artigo.
O entendimento que propugnámos não obstará a que o Sr. Fiduciário seja ressarcido das despesas em que incorrer, desde que comprove documentalmente a sua existência.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.
Notifique.”

É desta decisão que vem interposto o presente recurso pelo apelante, que apresentou alegações e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
I. Vem o presente recurso interposto do douto aliás despacho judicial, proferido a fls (…), com a referência 383369493, datado de 10-07-2017, no qual o Tribunal a quo determinou: “Nos termos do artigo 28.º da lei 22/2013, de 26/2, “a remuneração do fiduciário corresponde a 10% das quantias objecto de cessão com o limite máximo de €5.000,00 por ano” Ante a clareza desse normativo, entendemos que, nos casos em que não tenha existido qualquer quantia objecto de cessão, não há que determinar o pagamento ao Sr. Fiduciário de qualquer quantia a título de remuneração. Não se desconhece que existem decisões de tribunais superiores que arbitram o pagamento de uma remuneração nessas situações. No entanto, salvaguardando o devido respeito por opinião contrária, não aderimos aos fundamentos invocados nessa jurisprudência exactamente por entendermos que a lei é explícita e clara nesse artigo. O entendimento que propugnámos não obstará a que o Sr. fiduciário seja ressarcido das despesas em que incorrer, desde que comprove documentalmente a sua existência. Pelo exposto, indefere-se o requerido.”
II. A respeito da remuneração do fiduciário, regula o n.º 1 do artigo 240.º do CIRE que a remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo do devedor.
III. O Estatuto do Administrador de Insolvência, aprovado pela Lei 22/2013 de 26 de Fevereiro, contempla expressamente que a remuneração devida ao fiduciário corresponde a 10% das quantias objecto de cessão, com o limite máximo de 5.000,00€ por ano.
IV. O douto entendimento do Tribunal a quo ao indeferir o pedido de fixação de remuneração devida ao recorrente, não obstante a inexistência de qualquer quantia cedida, com o fundamento de que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários corre por conta do devedor afronta a lei e é inconstitucional por permitir / prever trabalhar de forma gratuita.
V. O art.º 30.º do Estatuto do Administrador Judicial prevê a possibilidade do pagamento da remuneração do administrador da insolvência ser suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, quando a massa insolvente for insuficiente para o efeito.
VI. Embora aí não seja contemplada norma equivalente para o fiduciário, quando não existam quantias cedidas pelo devedor, não pode deixar de equiparar-se as duas situações, sob pena, como se referiu, de poder chegar-se a uma situação em que o fiduciário está a exercer as funções para as quais foi nomeado pelo tribunal, sem auferir qualquer rendimento, o que pode ocorrer, caso aquelas quantias não existam.
VII. Conclui-se assim que o Tribunal a quo devia ter proferido despacho no sentido de fixar a remuneração mínima a pagar ao aqui recorrente, sendo que este solicitou, no mínimo, importância correspondente a 5UC, ordenando o seu adiantamento pelo Cofre Geral dos Tribunais, sendo essa, salvo o reiterado respeito, a mais correcta interpretação e aplicação da lei.
VIII. Destarte, o tribunal a quo ao indeferir a pretensão do aqui recorrente, está a coarctar o direito á remuneração pelo trabalho já desenvolvido como ainda aquele que vai desenvolver até ao termo do período global de cessão do rendimento disponível, causando-lhe um prejuízo que aqui se fixa na importância de €2.550,00 (dois mil, quinhentos e cinquenta euros) na sua totalidade.
IX. Outra interpretação não pode ser feita, pois se a situação de indisponibilidade do insolvente perdurar ao longo dos restantes anos de cessão do rendimento disponível, quer dizer que o Fiduciário ficará impossibilitado de recorrer da falta de fixação pelo Tribunal a quo da remuneração correspondente á actividade por si exercida, apenas porque se repartirá o prejuízo daí resultante por cinco distintos e sucessivos anos, quando, na verdade, a actividade em causa é uniformemente desenvolvida num período continuo correspondente aos mesmos cinco anos.
Acresce que:
X. O recorrente não se cinge a peticionar ao Tribunal que lhe atribua certa quantia em dinheiro a título de remuneração anual, mas outrossim, peticiona que declare que a responsabilidade pelo pagamento seja imposta ao Estado, face à impossibilidade de se pagar através de uma percentagem do rendimento cedido, uma vez que este não existe.
XI. Sendo assim, não é possível equiparar nem reduzir o valor deste interesse ao valor daquele, muito menos por referência ao mínimo pedido pelo exercício dos primeiros três anos de cessão do rendimento disponível, quando as funções se estenderão por cinco anos.
XII. É certo e sabido que se desconhece se a falta de cessão de rendimento continuará e até quando.
XIII. E, por isso mesmo, a sucumbência se reveste de uma incerteza que torna duvidoso o seu valor quantitativo ou expressão económica.
XIV. Destarte, a douta aliás decisão de indeferimento da pretensão remuneratória do aqui recorrente, permite-lhe lançar mão do recurso, porquanto o prejuízo deste afere-se pelo não pagamento de qualquer quantia ao longo dos cinco distintos e sucessivos anos, em que a actividade em causa seja uniformemente desenvolvida num período continuo que corresponde aos 5 anos.
TERMOS EM QUE DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER O DESPACHO OBJETO DE RECURSO REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE FIXE AO AQUI RECORRENTE HONORÁRIOS CORRESPONDENTES, NO MÍNIMO, A 5 UC
E ASSIM SE FARÁ A ACOSTUMADA JUSTIÇA

O Magistrado do M.P. apresentou contra-alegações terminando do seguinte modo:
1. O administrador judicial, embora seja um sujeito de direito provado, assume funções estritamente delimitadas na lei quando no exercício do seu papel de colaborador com a administração da justiça, vinculação expressa no EAJ “Estatuto do Administrador Judicial” aprovado pela Lei n.º 22/2013 de 26 de fevereiro, presentemente em vigor. Dessa vinculação a critérios de legalidade resulta a predefinição de remunerações devidamente tabeladas, alheias às regras de livre contratação próprias do comércio jurídico privado.
2. A evolução legislativa induzida pelo referido EAJ e, quase um ano antes, pela alteração do CIRE resultante da Lei 1612012, de 20 de abril, levou à previsão de um conjunto de novas realidades que exigem subsequente implementação normativa e procedimental em ordem a densificar que remunerações deverão corresponder ao desempenho de administrador judicial.
3. No entanto, outras realidades estão já regulamentadas, como sucede com a remuneração do fiduciário, que o artigo 28.0 do EAJ faz depender da efectiva existência de rendimento a ceder pelo insolvente, 10% do qual, com o limite de € 5.000,00 por ano, será afecto ao fiduciário, o que traduz, ao contrário das realidades da insolvência em contexto de liquidação, do plano de recuperação, ou da revitalização, a filosofia do EAJ no sentido de não prever qualquer remuneração fixa para o exercício das funções de fiduciário, nem sequer um mínimo absoluto da percentagem que define.
4. A omissão da previsão de uma remuneração fixa do fiduciário não traduz uma lacuna legal, pelo contrário, é a contrapartida lógica de as suas funções consistirem, no essencial, na realização de pagamentos a partir do rendimento cedido pela insolvente (cfr. artigo 241 do CIRE), pelo que, nada havendo a ceder, nada haverá a gerir da sua parte, resultando praticamente esvaziado o seu conteúdo funcional, sem prejuízo de os custos com eventuais comunicações ao tribunal deverem ser suportados nos termos do RCP.
5. Inexiste fundamento legal para o tribunal estabelecer uma remuneração fixa anual ao fiduciário e, fazendo-o, o valor arbitrado pecará por discricionário e atentatório do direito do insolvente à respectiva propriedade privada, também ele tutelado constitucionalmente no artigo 62.0 da CRP, porquanto, independentemente de a dita remuneração poder ou não ser adiantada pelo IGFEJ, o insolvente será confrontado no termo do processo com a exigência do pagamento (cfr. artigo 248.0, n.° 1, do CIRE) de uma remuneração sem previsão legal e para cuja fixação, tipicamente, não foi ouvido.
6. O fiduciário, categoria de administrador judicial, é um servidor da justiça e do direito (cfr. artigos 2, n.° 2 e 12, n.° 1, do EM) ao qual não assiste a faculdade de conformar, no plano próprio da liberdade contratual, os termos, designadamente remuneratórios, em que exercerá tais funções, estando arredado quer da sua disponibilidade, quer dos poderes do tribunal, a fixação de remuneração em qualidade ou quantidade diversa da que resulta tipificada nas normas conjugadas do EA), CIRE e Portaria 51/2005, de 20 de janeiro.
7. Por outro lado, da circunstância de os artigos 241.° e 248.° do C1RE permitirem um teórico "adiantamento" pelo IGFEJ de remunerações e despesas do fiduciário, não pode inferir-se que seja legitimo o arbitramento pelo tribunal, num momento inicial da fidúcia, de uma quantia fixa a titulo de remuneração, quer por a lei não o ter querido por isso não o previu —, quer por ser ignorado se virá a ocorrer cedência de rendimento e em que montantes, apenas competindo accionar essa possibilidade quando o insolvente cedeu rendimento mas o mesmo não foi suficiente para pagar as despesas prioritariamente definidas no artigo 241.° do CIRE e a totalidade do percentual de 10% sabre a quantia cedida, caso no qual o IGFEJ salvaguardara a parte em falta desse percentual.
8. É inadequada a invocação do artigo 59 do CRP por fiduciário que não receba qualquer quantia a titulo de rendimento disponível do insolvente para que lhe seja judicialmente autorizada uma qualquer compensarão monetária aleatória porquanto, não corresponde efectivo exercício de funções — mas mera indigitação formal — a posição de quem não tem de gerir as estritas funções do artigo 241.° do CIRE (receber quantias do insolvente e priorizar pagamentos a outros).
9. O artigo 59.° da CRP tem em vista a prestação de trabalho dependente, para cuja protecção concede garantias diferenciadas, enquanto o administrador judicial é um profissional liberal cuja inscrição nas listas oficiais não garante o pagamento de qualquer remuneração fixa por parte do Estado (artigo 6.0, n.0 5, do EA3), não podendo o tribunal arbitrar autenticas "avenças anuais" sob pena de subverter as normas do EAL
10. No caso de não existir rendimento passivel de ser cedido e, por isso, não resultar qualquer quantia da percentagem legalmente prevista para remuneração do fiduciário, precisamente por este não ter exercido o seu múnus, a contribuição esporádica que o mesmo possa ser chamado a prestar ao tribunal durante o período da cessão poderá e devera ser compensada nos termos em que as normas do RCP e do CPC permitem fazê-lo quanto a outros colaboradores com a administração da justiça, não tendo por que traduzir um prejuízo para a sua pessoa e património.
11. Conclui-se, por conseguinte, que inexiste um direito subjectivo do fiduciário em processo de insolvência ao recebimento de uma "remuneração fixa" adiantada ou suportada em termos finalísticos pelo IGFEJ ou pelo insolvente quando este, no decurso da totalidade ou de parte do período de cessão, não aufira rendimento passível de ser cedido.
12. É conatural à actuação funcional do administrador judicial a pratica de actos facultativos que não são autonomamente remunerados, tal como sucede, exemplificativamente, com o parecer sobre a qualificação da insolvência ou a resposta impugnação de créditos, o que contribui para a conclusão de que são apenas determinados momentos e realidades da respectiva intervenção processual, devidamente tipificados nas normas vigentes, que desencadeiam compensação económica.
13. Entendendo-se diferentemente sempre seria de desconsiderar, por excessiva e potencialmente violadora da norma do artigo 28 do EAJ, a fixação de uma "remuneração fixa" no montante de 5 UC, presentemente €510,00, como contrapartida da intervenção processual do Fiduciário que não é chamado a gerir qualquer rendimento cedido, apenas disso informando o tribunal, numa base anual.
Termos em que se conclui que o recurso não merecerá provimento, como é de JUSTIÇA.
Cumpre-nos agora decidir.
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Sabendo-se que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações – artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil – das formuladas pelo Apelante resulta que a questão que nos é colocada é a de saber se o DESPACHO OBJETO DE RECURSO deve ser REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE FIXE AO AQUI RECORRENTE HONORÁRIOS CORRESPONDENTES, NO MÍNIMO, A 5 UC
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Vejamos.
Importa considerar os seguintes pontos:
- O aqui apelante foi nomeado Administrador Judicial nos autos de insolvência de que este é apenso em 16-03-2016.
- O início do período de cessão do rendimento disponível ocorreu em 27-04-2016, data em que o aqui recorrente foi nomeado para desempenhar as funções de fiduciário.
- No âmbito do exercício das funções de fiduciário, constatou o ora apelante que no decurso do primeiro ano de cessão do rendimento disponível, não existiu qualquer quantia cedida pela insolvente ao fiduciário.
- Por requerimento remetido aos autos em 14-06-2017, o recorrente solicitou ao Tribunal a quo a fixação de uma remuneração para o trabalho até ao momento desenvolvido, e solicitou a fixação de honorários no valor correspondente a 5 UC por cada ano de cessão de rendimento disponível.
- Na sequência foi proferida a decisão recorrida e já acima transcrita.
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Vejamos então.
O artigo 240º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL 53/2004, de 18 de Março e sucessivas alterações, determina o seguinte:
“1. A remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo do devedor.
2. São aplicáveis ao fiduciário, com as devidas adaptações, os nºs 2 e 4 do artigo 38º, os artigos 56º, 57º, 58º, 59º e 62º a 64º; é também aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 60º e no n.º 1 do artigo 61º, devendo a informação revestir periodicidade anual e ser enviada a cada credor e ao juiz”.
Daqui se conclui portanto, que é o devedor quem paga, anualmente, através do rendimento cedido aos credores, a remuneração e as despesas do fiduciário.
Contudo essas despesas e remuneração são destacadas dos montantes recebidos, no final de cada ano em que dure a cessão, para serem pagas ao fiduciário, antes de serem pagos os credores, conforme decorre da alínea c) do n.º 1 do artigo 241º.
O que sucederá se o devedor, por razões de insuficiência de meios, não entregar qualquer montante ao fiduciário durante o período de cessão? Será que, nesse caso, o fiduciário não recebe qualquer quantia pelo exercício das suas funções, como se decidiu na 1ª instância?
Afigura-se-nos que a resposta a esta última questão tem de ser negativa.
Por força da remissão feita pelo n.º 1 do artigo 240º para o n.º 1 do artigo 60º, norma que se refere à remuneração do administrador de insolvência, o fiduciário nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.
Estabelece-se no artigo 28º do Estatuto do Administrador da Insolvência (Lei 22/2013 de 26/02) que “a remuneração do fiduciário corresponde a 10% das quantias objecto de cessão, com o limite máximo de 5.000 € por ano.
É certo que esta disposição não nos dá uma resposta directa à questão, na medida em que apenas estabelece uma percentagem das quantias cedidas, até um determinado tecto.
Por outro lado, embora no Estatuto se preveja que, no caso de o processo ser encerrado por insuficiência da massa insolvente (art. 39 e 233 do CIRE), a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas são suportados pelo organismo responsável pela Gestão Financeira e Patrimonial do Ministério da Justiça (artigo 30.º), não existe norma expressa que contemple a possibilidade de o fiduciário também ser remunerado por essa entidade quando nenhuma quantia haja sido cedida pelo insolvente.
A solução tem de buscar-se, segundo cremos, na norma do n.º 1, alínea b) do artigo 241º do CIRE, na qual se prevê que o fiduciário notifica a cessão dos rendimentos do devedor àqueles de quem ele tenha direito a havê-los, e afecta os montantes recebidos, no final de cada ano em que dure a cessão ao “reembolso ao Cofre Geral de Tribunais das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do próprio fiduciário que por aquele tenham sido suportadas”.
Daqui se retira a possibilidade de o fiduciário ser remunerado pelo Cofre Geral dos Tribunais (actual Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça), que deverá proceder ao adiantamento da verba devida pelo trabalho realizado (Neste mesmo sentido se decidiu nesta Relação no acórdão de 07.01.2013, no processo n.º 419/12.4TBOAZ-F.P1, em www.dgsi.pt., em que se concluiu que a remuneração e despesas do fiduciário nomeado pelo tribunal, podem ser suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais, quando os valores recebidos a título de cessão de rendimentos não existirem ou não forem suficientes para suportar aquele pagamento.
Apesar da argumentação da senhora juiz a quo, e da argumentação do M.P.º na sua resposta, entendemos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que não é, de facto, aceitável que o fiduciário nomeado pelo juiz não seja remunerado das funções que exerceu só porque nenhum valor foi entregue pelo devedor insolvente ao longo do período de cessão.
O facto de a remuneração do fiduciário dever corresponder a 10% do valor das quantias cedidas e dever ser assegurado pela afectação dos rendimentos cedidos pelo devedor, não pode determinar que, caso tais quantias não existam, o fiduciário não seja remunerado. Em última análise poderia chegar-se ao ponto do fiduciário não ser remunerado pelas suas funções, para as quais é nomeado pelo tribunal, nem ser reembolsada das despesas que teve no exercício das mesmas, o que não é concebível e vai até contra o direito constitucional contemplado no art.º 59.º n.º 1 al. a) da CRP que prevê que todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade deste.
Evidentemente que a remuneração devida ao fiduciário nomeado pelo tribunal deverá ter em linha de conta o volume de trabalho realizado, devendo essa mesma remuneração ser fixada no tribunal recorrido de acordo com os elementos de que disponha ou que julgue necessário obter (Seguimos aqui, no essencial, o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/09/2013, Relator Henrique Araújo, proc. n.º 1714/09.5TBVNG-J.P1, bem como o de 28/10/2015, Relatora Inês Moura, Proc. n.º 347/13.6TJPRT.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Procede assim o recurso.
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SUMÁRIO:
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Decisão:
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso revogando-se a decisão apelada que deve ser substituída por outra que fixe ao apelante a remuneração devida pelo exercício das funções de fiduciário, devendo o respectivo montante ser adiantado pelo Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça.
Sem Custas.

Porto, 16 de Janeiro de 2018.
Estelita de Mendonça
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral