Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FILIPE CAROÇO | ||
Descritores: | ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP201510013390/13.1TBVLG.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/01/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - O pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, ao abrigo do art.º 647º, nº 4, do Código de Processo Civil deve ser fundamentado. II - Se o recorrente não cumpre o ónus de impugnação previsto no art.º 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o recurso da decisão em matéria de facto tem que ser rejeitado. III - Na mediação imobiliária, o proprietário do imóvel (cliente) é responsável pelo pagamento da remuneração contratada a favor do mediador, ao abrigo da norma excecional do art.º 18º, nº 2, al. e), do Decreto-lei nº 211/2004, de 20 de agosto, quando, estando acordado o regime de exclusividade, este, com a sua diligência, consegue angariar um cliente que quis comprar o bem nas condições definidas pelo vendedor, preencheu ficha de reserva e entregou um cheque de reserva assinado, não se concretizando, porém, a compra e venda, por recusa injustificada do vendedor na pendência do contrato de mediação. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 3390/13.1TBVLG.P1– 3ª Secção (apelação) Comarca do Porto – Valongo – Inst. Local – Sec. Cível Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Pedro Martins Adj. Desemb. Judite Pires Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B…, LDA., com sede na …, n.º ., ….-… Valongo, intentou a presente ação especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, contra: 1. C…, casada e com domicílio na Rua …, n.º …, ….-…, Valongo; e 2. D…, com domicílio na Rua …, n.º …, ….-…, Valongo, pedindo a condenação destes a pagar à Autora a quantia de € 6.658,18, acrescida de juros legais até integral e efetivo pagamento, a título de remuneração devida pelos serviços prestados pela Autora no âmbito de contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes. Regularmente citados, os RR. apresentaram contestação, alegando, em suma, que, em março de 2011, revogaram o contrato, pelo que, em agosto de 2012, data da venda do imóvel, não estavam contratualmente vinculados para com a A. * Teve lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença, fundamentada em matéria de facto e de Direito, que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:«Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar a ação parcialmente procedente, e, em consequência: a) Condenar os Réus a pagar à Autora a quantia de €6.000,00 (seis mil euros), referente a remuneração, acrescida de juros de mora, à taxa legal comercial, desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até ao seu efetivo e integral pagamento. b) Absolver os Réus no demais peticionado. * As custas da ação serão suportadas pela Autora e Réus, na proporção do seu decaimento, atento o disposto no artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.»Inconformados, os RR. apelaram da sentença formulando, em alegações, as seguintes CONCLUSÕES: «1.) - Por sentença datada de 10.04.2014 entendeu o Tribunal a quo condenar os RR. a pagar à A. a quantia de 6.000,00€ (seis mil euros), acrescida de juros de mora contabilizados às taxas de juros comercial em vigor desde a data do trânsito até efectivo e integral pagamento. 2.) - Não concordam os RR. com a posição assumida pelo Tribunal a quo quanto à sua condenação, porquanto da prova documental carreada para os autos e, a produzida em audiência de julgamento resulta efectivamente que os RR. não devem ser condenados a pagar a quantia de 6.000,00€. 3.) - E, para se concluir de tal forma basta atentar aos depoimentos prestados em audiência de Julgamento e à prova documental junta aos autos. 4.) - As partes estão de acordo que o contrato que celebraram configura uma mediação mobiliária. 5.) - A actividade de mediação imobiliária é aquela em que por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que se vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel. 6.) - O mediador, devido ao risco inerente à actividade comercial da mediação, apenas tem direito a ser remunerado quando a sua actuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. 7.) - Por força da norma do art.º 18.º do Decreto-Lei n.º 211/04, de 20 de Agosto, o regime de exclusividade na mediação confere ao mediador, excepcionalmente, no que respeita à remuneração dos seus serviços, o direito à retribuição respectiva nos casos em que o negócio visado não seja celebrado por causa imputável ao proprietário do bem, cliente da empresa mediadora, ou seja, aos próprios vendedores. 8) - Diz-nos a norma do artigo 9.º, n.º 7 da Lei de Defesa do Consumidor que, sem prejuízo dos regimes mais favoráveis nos contratos que resultem da iniciativa do fornecedor de bens ou prestador de serviços fora do estabelecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes, é assegurado ao consumidor o direito de retractação, no prazo de 7 dias úteis a contar da data de recepção do bem ou da conclusão do contrato de prestação de serviços. 9) - Este direito à livre revogação do contrato, concedido pela lei do consumidor, materializa a sua única possibilidade de retroceder validamente no negócio, protegendo-o da precipitação em que pode ter incorrido no momento em que decidiu vincular-se. 10) - A letra da norma em causa não pressupõe que o contrato em causa resulte da iniciativa do fornecedor de bens ou prestador de serviços e ainda que o fornecimento ou prestação do serviço seja efectuado fora do estabelecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes. 11) - Pretende abranger todos os contratos - incluindo o contrato de mediação imobiliária - nos quais esteja em causa a protecção do consumidor. 12) - Podemos definir "consumidor", para efeitos de aplicação das leis dirigidas à sua protecção, como sendo, todo aquele - pessoa singular - a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados - exclusivamente - a uso não profissional, por pessoa singular ou colectiva que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios. 13.) - É a finalidade do acto de consumo que determina, essencialmente, a qualificação do consumidor como sujeito do regime de benefício que aqueles diplomas legais regulamentam, partindo da presunção de que se trata da parte mais fraca, menos preparada tecnicamente, em confronto com um contratante profissional, necessariamente conhecedor dos meandros do negócio que exercita. l4) - O tribunal a quo condenou os RR. ao pagamento da comissão em virtude destes não aceitarem vender o referido imóvel referente ao contrato n.º 1407/10 pelo valor constante da ficha de reserva de 20.12.2010 (€143.500,00). 15) - A denúncia do contrato, mesmo quando não seja feita com a necessária antecedência, tem sempre como consequência a sua não renovação. 16) - Os eventuais prejuízos que a imobiliária tenha sofrido, em consequência da implementação do contrato de mediação imobiliária, têm de ser reclamados no âmbito de uma ação de responsabilidade civil contratual. 17) - A mera afectação de recursos humanos e financeiros à promoção e venda de imóvel objecto do contrato de mediação, em regime de exclusividade, bem como a angariação de potencial comprador, não implica o pagamento de qualquer remuneração. 18.) A prova testemunhal indicada pela A. não é suficiente para formar tal convicção. 19.) Compulsados os autos, verifica-se que os documentos juntos aos autos pelos RR., dizem exactamente o contrário do que aquilo que a douta sentença refere. 20.) Face ao descrito, impõe-se que outra seja a resposta a estes concretos ponto da matéria de facto, considerando-se como provados. 21.) Face a todo o alegado, requer-se a V.Ex.as, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 712.º do Código de Processo Civil, a alteração da matéria dada como provada, visto que no nosso modesto entender dos ora recorrentes, esta foi deficientemente interpretada e aplicada na douta sentença recorrida.» (sic) Pretendem, assim, a revogação da sentença, com improcedência da ação. * A A. apresentou contra-alegações com conclusões que também se transcrevem:«I. Nos termos do artigo 645.º n.º 1 al. a) do CPC, o presente recurso deverá subir nos próprios autos e não em separado, como requerem os Recorrentes. II. Para que o presente recurso subisse em separado, necessário seria que os Recorrentes especificassem quais as peças processuais a instruir o presente recurso – não o tendo feito, e sendo o recurso interposto admitido nos termos requeridos, o mesmo terá de ser invariavelmente improcedente, pois que não haverão elementos capazes de permitir a profícua análise do objecto do recurso e boa decisão da causa. III. A atribuição de efeito suspensivo ao Recurso ora interposto pelos Recorrentes é também incorrecta – o presente recurso terá, nos termos gerais do artigo 647.º, efeito meramente devolutivo. IV. Para que fosse atribuído efeito suspensivo ao Recurso interposto, necessário seria que os requerentes assim o requeressem no requerimento de recurso, que alegassem e demonstrem o prejuízo que pretendem acautelar, e que se oferecessem para prestar caução – nos termos do artigo 647.º n.º 4 do CPC, neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28.11.2013, proc. 384674/10.3YIPRT-A.P1. V. Escrutinado que seja o Requerimento de Recurso, constata-se que nenhum daqueles elementos consta do mesmo – o único requisito (erradamente) “cumprido” para a atribuição de efeito suspensivo, é o requerido depois das conclusões de recurso, que não especifica o prejuízo que os Recorrentes pretendem acautelar. VI. Assim, deverá ser fixado ao recurso interposto, se admitido, efeito meramente devolutivo, já que, no requerimento de recurso, não consta qualquer requerimento de atribuição de efeito suspensivo, não é alegado e demonstrado qualquer prejuízo, e os RR. não se oferecem para prestar caução. VII. Quanto ao recurso interposto, os Recorrentes não individualizam qual ou quais as normas jurídicas violadas, o sentido em que deveriam ter sido interpretadas e qual a norma e respectivo sentido em que deveria ter sido aplicada. VIII. Os Recorrentes limitam-se a “atirar” normas jurídicas – como o artigo 9.º n.º 7 da Lei de Defesa do Consumidor e os artigos 342.º, 405.º, 406.º n.º 1, 432.º n.º 1, 483.º e 798.º do CC – sem que o respectivo regime jurídico seja (por referência a metade daquelas normas) singelamente explicado (ou tampouco referido), ou sem que seja (quanto à outra metade) determinado em que sentido as mesmas impõem decisão diversa à proferida. IX. Não contrariando ou sequer referindo a norma jurídica que determinou a condenação da qual recorrem, a saber, o artigo 18.º n.º 2 al. a) do Decreto-Lei 211/2004 de 20 de Agosto. X. Também não individualizam os Recorrentes os concretos pontos da matéria de facto que, na respectiva óptica, deveriam ser considerados de molde diverso ao constante na douta decisão recorrida, XI. Nem especificam os Recorrentes os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa. XII. Resumem os Recorrentes a respectiva alegação a todos os documentos, e ao global depoimento da testemunha da Recorrida, a Sra. Dª E…, transcrevendo um trecho da Motivação da Decisão recorrida quanto ao depoimento daquela, e ao global depoimento de parte do Réu marido, aqui Recorrente, Sr. D…, transcrevendo um trecho da Motivação da Decisão recorrida quanto ao depoimento deste, sem que refiram em que sentido é que tais “trechos” determinam a incorrecção da decisão proferida. XIII. O presente Recurso viola pois os artigos 639.º e 640.º do CPC, devendo por isso improceder totalmente e liminarmente. XIV. Ou, entendendo-se pelo seu recebimento, o presente recurso integra a primeira parte do n.º 3 do artigo 639.º do CPC, devendo por isso, quanto à parte de direito, os Recorrentes serem convidados a aperfeiçoar o Recurso apresentado – improcedendo por rejeição imediata (v.g. artigo 640.º n.º 1 e n.º 2 al. a) do CPC) quanto à matéria de facto. XV. No caso do presente recurso ser admitido nos termos em que foi requerido, pretendem os Recorrentes pela interposição dos mesmos, demonstrar que o Tribunal a quo não podia ter decidido conforme decidiu, face à prova documental junta aos autos e face à prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento. XVI. Antes do mais, desde já se refere que, a matéria de facto dada como provada integra-se na al. a) do n.º 2 do artigo 18.º do Decreto-Lei 211/2004 de 20 de Agosto, determinando o mesmo que, a mediadora terá direito à comissão devida pela angariação do negócio quando o mesmo não se efectiva por causa imputável ao seu cliente. XVII. Deste modo, não poderia o Tribunal a quo ter decidido em sentido diverso do proferido. XVIII. Os ora Recorrentes não demonstraram (nem demonstram no presente Recurso) qualquer facto que determinasse que a sua recusa em contratar com os compradores angariados pela Recorrida, não se devesse a culpa desta, tendo os mesmos efectivamente vendido o imóvel dado de angariação aos compradores angariados pela Recorrida, ainda que depois do contrato de mediação ter sido denunciado. XIX. Começam os Recorrentes por transcrever toda a matéria de facto dada como provada na douta Sentença recorrida, concluindo ter o Tribunal a quo sustentado a prova de tais factos com base em todos os documentos juntos aos autos, e em toda a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento. XX. Chegam os Recorrentes à conclusão de que os documentos juntos aos autos demonstram o exacto inverso do entendimento propalado em douta sentença recorrida. XXI. Contudo, não especificam em que sentido é que os documentos juntos impõem resposta diversa à matéria que se havia por controvertida, e que se deu como provada. XXII. Alegam os Recorrentes que, quem comprou o imóvel dado de angariação não foram o Sr. F… e a Sra. Dra. G…, mas apenas esta última – tal facto é completamente irrelevante, pois que todos reconheceram (Recorrentes e compradores) serem aqueles os dois compradores do imóvel dado de angariação, apesar de ter sido apenas a Sra. Dra. G… a pagar o preço. XXIII. Referem ainda os Recorrentes que a retribuição pela mediação imobiliária se deve apenas quando se conclui o negócio visado pela mediação – apesar dos clientes angariados pela recorrida terem sido os efectivos compradores do imóvel. XXIV. Continuam os recorrentes por referir que, segundo o artigo 9.º n.º 7 da Lei de Defesa do Consumidor, os mesmos tinham o direito de retractação do contrato celebrado com a Recorrida – não mais explicam os Recorrentes, ficando a aqui Recorrida no limbo da aplicação do preceito legal referido. XXV. Alegam ainda que o consumidor tem direito, nos sete dias úteis após a celebração de determinado contrato, a retractar-se do mesmo, em nada influencia ou determina a decisão proferida pelo Tribunal a quo. XXVI. Emana da carta de denúncia contratual enviada pelos Recorrentes à Recorrida, e que determinou a não renovação do contrato a 14 de Outubro de 2011, que o seu direito a resolver a relação contratual que os ligava à Recorrida, nunca foi posto em causa. XXVII. Por fim, e quanto à matéria de facto, os Recorrentes expõem ainda que (com base no constante da Motivação de Sentença, e sem transcreverem ou individualizarem em concreto passagens dos depoimentos), o depoimento da testemunha E…, e o depoimento de parte do Réu marido, aqui também Recorrente, são suficientes para demonstrar e comprovar que as razões determinantes à não prossecução do negócio angariado pela Recorrida, com os efectivos compradores do imóvel, procedeu de culpa imputável à Recorrida – tal é completamente despiciendo. XXVIII. Como bem refere a douta decisão recorrida, os aqui Recorrentes não conseguiram demonstrar que a não prossecução do negócio diligenciado pela Recorrida, não se deveu por culpa sua. XXIX. Nem o fazem no Recurso que interpõem. XXX. O único argumento que os Recorrentes elegem, e sublinham, baseando toda a impugnação de facto do recurso que deduzem, é aquela suposta afirmação da Sra. D. E…. XXXI. O facto de esta testemunha, trabalhadora da Recorrida, dizer que os compradores angariados apenas queriam adquirir um dos imóveis, não determina nem pode determinar toda a vontade contratual dos Recorrentes, impondo que os dois imóveis dados de angariação em separado tivessem agora de ser vendidos em conjunto – já que tal nunca esteve em causa. XXXII. Os recorrentes podiam efectivamente retroceder validamente do negócio celebrado com a Recorrida – aliás, fizeram-no. XXXIII. O que não podiam fazer, foi o que fizeram – criar todas as expectativas legitimamente constituídas junto da Recorrida que cumpriu todas as suas obrigações contratuais e depois, simplesmente e sem justificação cabal, incumprirem com o que haviam assumido. XXXIV. É o próprio Réu marido, aqui Recorrente, no seu depoimento gravado a 25 de Fevereiro de 2015, minutos 22:06 a 23:20, que reconhece que quando celebrou o contrato com a Recorrida, não perspectivava que um dos terrenos sem o outro perderia o seu valor comercial. XXXV. Se o mesmo não estava inteirado do real valor dos imóveis de que era proprietário, e sendo intransigente quando a propostas de aquisição mais baixas que lhe haviam sido feitas, e documentalmente comprovadas nos autos, vir agora determinar uma suposta retractação negocial com base naquela afirmação é simplesmente irrisório. XXXVI. Os Recorrentes não concluem, face à prova produzida e dada como assente, em que sentido deveria o Tribunal a quo ter decidido quanto a cada um dos factos dados como provados. XXXVII. Com base em todos os elementos probatórios existentes nos autos, não podia deixar de ficar demonstrado, por um lado, que quem comprou o imóvel dado de angariação foram os clientes angariados pela Recorrida, e por outro lado, com base nos mesmos elementos probatórios, não conseguiram os Recorrentes ilidir a presunção de culpa que sobre os mesmos impende por efeito do artigo 18.º n.º 2 al. a) do Decreto-Lei 211/2004 20 de Agosto. XXXVIII. Quanto à parte do Recurso em que os Recorrentes recorrem de Direito, a factualidade através dos parágrafos p) a t) não corresponde à factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo. XXXIX. E mesmo não tendo os Recorridos conseguido, ainda que em sentido hipotético, contrariar a os factos dados como provados, servem-se os Recorridos dessa ficcionada factualidade para concluírem que não há lugar ao pagamento da remuneração acordada, mas sim, eventualmente, a uma indemnização em virtude do incumprimento do contrato. XL. Fundamentam os Recorrentes tal conclusão no princípio da liberdade contratual, pela extensão dada ao mesmo pela livre extinção das relações jurídicas contratuais. XLI. Isto é simplesmente incoerente, acrescendo que, para que tal fosse procedente, a pretendida “alteração das circunstâncias, imputadas à imobiliária” teria que ser alegada e demonstrada. XLII. Como visto, a única referência carreada ao presente Recurso pelos Recorrentes, tendente à demonstração do que os Recorrentes pretendem, é o referido em sede de depoimento de parte pelo Recorrente marido, Sr. D…, conforme transcrito na Apelação deduzida. XLIII. Continuam pois os Recorrentes sem conseguiram, seja pela demonstração de factos inversos, seja através de interpretação de quaisquer normais legais, ilidir a aplicação a al. a) do n.º 2 do artigo 18.º do Decreto-Lei 211/2004 de 20 de Agosto. XLIV. São estas, pois, as alegações de recurso dos recorrentes: i) Reclamam a possibilidade de se desvincularem de uma relação contratual, o que a aqui recorrida sempre reconheceu ter acontecido após a primeira renovação do contrato de mediação; ii) Reclamam, de forma inócua, a alteração das circunstâncias por causa imputável à Recorrida, sem o conseguirem demonstrar; iii) E reclamam por fim, a respectiva susceptibilidade para serem qualificados enquanto consumidores, podendo por isso retractar-se do negócio celebrado com a recorrida até sete dias úteis após a conclusão do contrato, quando nunca a recorrida teve que sobre tal possibilidade se pronunciar, uma vez que nos sete dias úteis após a celebração do contrato, e nos sete dias após a renovação automática do mesmo, os Recorridos não manifestaram vontade alguma em desfazerem o negócio celebrado. XLV. Quanto às conclusões apresentadas, efectivamente delimitadoras do recurso interposto, praticamente escusa a Recorrida de se pronunciar – é que as mesmas nada mais dizem que as Alegações… XLVI. Referem os Recorrentes que por força do artigo 18.º do Decreto-Lei 211/2004 de 20 de Agosto, a comissão apenas é devida ao mediador com a celebração do negócio pretendido, mas não concluem pela não aplicação do n.º 2 do mesmo preceito legal aplicado pelo Tribunal a quo. XLVII. Defendem a aplicação do artigo 9.º n.º 7 da Lei da Defesa do Consumidor, sem terem exercido qualquer conduta tácita ou explícita nos sete dias úteis após a celebração do contrato de mediação, ou da sua renovação automática, que determinasse a retractação do contrato celebrado. XLVIII. Defendem que a denúncia do contrato, mesmo quando não cumprida com a necessária antecedência, tem sempre como consequência a sua não renovação, quando efectivamente o contrato não se renovou após o recebimento da denúncia efectuada. XLIX. Reiteram que a prova testemunhal indicada pela Recorrida é insuficiente para formar a convicção do Tribunal a quo nos termos propalados, e que os documentos juntos demonstram o exacto contrário da decisão proferida, sem concluírem em que termos é que deveria então ter sido decidido, e que conclusões tal prova impunha ao tribunal a quo – chegando até a referir sic: “impõem-se que outra seja a resposta a estes concretos pontos da matéria de facto, considerando-se como provados” sem identificar quais pontos da matéria de facto a que se referem… L. Nada mais pode a Recorrida fazer para além de transcrever a douta decisão proferida, ora recorrida, não só porque a mesma proferiu decisão que aplicou correctamente o Direito – nomeadamente, o artigo 18.º n.º 2 al. a) do D-L 211/2004, de 20 de Agosto, LI. Mas também, porque os Recorrentes “atiram” normas e “factos” deturpados (ficcionados) nas alegações e conclusões que deduziram, sem demonstrarem através de que prova produzida e factos concretos, determinados factos dados como provados deveriam ter sido concluídos de modo inverso, e quais normas teriam obrigatoriamente de ser aplicadas ou afastadas, em virtude dessa modificação da matéria de facto – tarefa árdua se revela contra-alegar alegações e conclusões que não individualizam em que matéria, de facto e direito, andou mal o Tribunal a quo… LII. Teriam os Recorrentes, no Recurso interposto, que demonstrar a inaplicabilidade do artigo 18.º n.º 2 al. a) do D-L 211/2004, de 20 de Agosto – o que não aconteceu. LIII. Porém, os Recorrentes nem este artigo referiram em toda a peça que apresentaram, e o Tribunal a quo condenou os Recorrentes por aplicação da excepção constante daquele preceito legal. LIV. Face ao exposto, não carece a Recorrida, sequer, de reiterar prova que infirme as conclusões dos Requeridos, nos termos e para os efeitos do artigo 640.º n.º 2 al. b) do CPC.» (sic) Pugna, deste modo, pela confirmação do jugado. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil[1]). Cumpre decidir: Questões prévias suscitadas pela A. recorrida: a) Incumprimento, nas alegações de recurso, do ónus de alegar a que se refere o art.º 639º, nº 2; b) Incumprimento, nas alegações de recurso, do ónus de impugnação da decisão em matéria de facto, previsto nas al.s a), b) e c) do nº 1 do art.º 640º. As questões da apelação: 1. Efeito e modo de subida do recurso (questão prévia); 2. Erro de julgamento em matéria de facto; 3. Consequências jurídicas da eventual modificação da decisão em matéria de facto. 4. A desvinculação contratual e a obrigação de remunerar o mediador imobiliário. * III.É a seguinte a matéria de facto considerada provada e constante da sentença recorrida: 1. A Autora é uma sociedade por quotas, que tem por objeto social a mediação imobiliária e administração de imóveis por conta de outrem. 2. A Autora é detentora da licença AMI n.º …., atribuída para o exercício daquela atividade, nos termos do regime jurídico previsto no Decreto-lei n.º 211/2004, de 20.08. 3. Em 13 de Abril de 2010, a Autora e Réus, no âmbito da sua atividade comercial, celebraram acordo denominado de “Contrato de Mediação Imobiliária” n.º …./10, pelo período de nove meses, renovando-se, automaticamente, por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das Partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de dez dias em relação ao seu termo, no âmbito do qual os Réus declararam ser donos de um prédio destinado a construção, com a área de 520 m2, sito na Rua … n.º …, …., em Valongo. 4. Em 13 de Abril de 2010, a Autora e Réus, no âmbito da sua atividade comercial, celebraram acordo denominado de “Contrato de Mediação Imobiliária” n.º …./10, pelo período de nove meses, renovando-se, automaticamente, por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das Partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de dez dias em relação ao seu termo, no âmbito do qual os Réus declararam ser donos de um prédio urbano, destinado a habitação, com a área de 1819 m2, sito na Rua … n.º …, …., em Valongo. 5. No âmbito do contrato/acordo n.º …./10, a Autora, obrigou–se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra daquele imóvel, pelo preço de € 66.000,00 (sessenta e seis mil euros). 6. No âmbito do contrato/acordo n.º …./10, a Autora, obrigou–se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra daquele imóvel, pelo preço de € 148.500,00 (cento e quarenta e oito mil, e quinhentos euros), tendo posteriormente, em 30.10.2010, sido realizado um adiantamento ao referido contrato, passando o imóvel a ser publicitado pelo preço de € 143.500,00 (cento e quarenta e três mil euros e quinhentos). 7. Foi ainda acordado, em ambos os contratos, para além do mais que, qualquer alteração ao preço fixado em tais contratos este deveria ser comunicado por escrito à Autora. 8. Foi ainda acordado que, tais contratos eram efetuados em regime de exclusividade. 9. Ficou ainda convencionado na sua cláusula 5.ª, 1 constante nos referidos contratos, onde foi aposta uma cruz na opção aí prevista, que a remuneração só será devida se a Autora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelos contratos, nos termos e com as exceções previstas no artigo 18.º do DL 211/2004, de 20.08. 10. Na sua cláusula 5.ª, 2 constante nos referidos contratos, consta que, os Réus obrigam-se a pagar à Autora a remuneração, a título de remuneração, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescido de I.V.A. à taxa legal de 20%. 11. A Autora empreendeu esforços e diligências no sentido de encontrar potenciais interessados para a compra dos imóveis, propriedade, à data, dos aqui Réus designadamente a publicitação dos mesmos no site desta, bem como na montra do estabelecimento. 12. A Autora, logrou obter interessado na compra do imóvel referente ao contrato n.º …./10 dos Réus, tendo sido realizada uma visita ao imóvel em 06.11.2010 e assinada uma ficha de visita, por um potencial comprador, Sr. F…. 13. O Sr. F… e mulher G…, decidiram adquirir o imóvel referente ao contrato n.º …./10, tendo para o efeito, G… assinado, a 20.12.2010, uma ficha de reserva, constando da mesma que o valor da compra é de €143.500,00 (cento e quarenta e três euros e quinhentos cêntimos). 14. G… assinou cheque datado de 20.12.2010 no valor de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) que foi entregue à Autora pelo seu marido Sr. F…, com o objetivo de titular a reserva da compra do imóvel referente ao contrato n.º 1407/10, ficando o mesmo na posse da Autora como fiel depositária do mesmo. 15. É prática comum nas empresas de Mediação Imobiliária, a formalização da intenção de compra dar-se sempre, num primeiro momento, pelo preenchimento de uma ficha de reserva (contrato com m clausulado específico para o efeito), acompanhado pela entrega um cheque (de reserva), assinado. 16. De tal proposta de reserva efetuada pelos potenciais compradores, a Autora, deu conhecimento aos Réus, tendo comunicado a existência da reserva, o valor proposto de aquisição (€143.500,00), e que esta se encontrava acompanhada de um cheque no valor de €2.500,00. 17. Os Réus não aceitam vender o referido imóvel referente ao contrato n.º …/10 pelo valor constante da ficha de reserva de 20.12.2010 (€143.500,00). 18. A Autora comunicou aos compradores que os proprietários do imóvel (Réus) já não pretendiam vender o imóvel. 19. Face a esta postura dos Réus, os compradores desistiram do negócio. 20. A Autora teve conhecimento que, em 16 de Agosto de 2012, os Réus alienaram os dois imóveis, por escritura pública. 21. Os Réus enviaram à Autora carta, datada de 28.03.2011, registada com aviso de receção, constando deste como dia de entrega 30.03.2011, no âmbito da qual declararam rescindir o contrato de mediação imobiliária. * Não foi dada como não provada qualquer matéria de facto.* IV.* Ab initio est ordiendum. 1. Questão prévia suscitada pelos recorrentes: Efeito e modo de subida do recurso Na parte final das suas alegações, os apelantes requereram “que o recurso de apelação tenha efeito suspensivo, uma vez que a execução da decisão lhes causa prejuízo considerável e, oferecem-se para prestar caução”. Nada mais. De acordo com o art.º 647º, nº 1, “a apelação tem efeito meramente devolutivo, exceto nos casos previstos nos números seguintes”. A regra é, portanto, o recurso da sentença ter efeito meramente devolutivo. Oferecendo-se para prestar caução, os apelantes situam o pedido de atribuição do efeito suspensivo ao recurso no nº 4 daquele mesmo normativo processual, segundo o qual, “o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal”. A possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo a qualquer decisão para a qual a lei não o preveja expressamente está condicionada pela verificação de fatores de ordem formal e material. Trata-se de procurar convencer o tribunal de que a suspensão do processo ou da decisão recorrida evitará o prejuízo considerável que pode emergir da atribuição de efeito meramente devolutivo, em termos semelhantes aos que se exigem para o decretamento de providências cautelares. Aquela norma visa, sobretudo, conceder ao credor uma garantia de cobrança do seu crédito judicialmente reconhecido, colocando-o a salvo das eventuais vicissitudes que possa sofrer o património do devedor recorrente até à decisão do recurso. Daí que, em tais situações, o valor da caução deva corresponder à quantia em dívida na data em que é oferecida a prestação da caução pelo devedor. Para tal, deve o requerente alegar os factos cuja apreciação permita concluir pela verificação do específico periculum a que a lei se reporta. E deve também indicar o valor que oferece e o modo de prestar a caução, nos termos do art.º 913º, ex vi art.º 915º, nº 1.[3] Ora, os requerentes não cumpriram nenhum dos referidos pressupostos, desde logo o essencial que passa pela invocação e explicação de que, no caso, a execução da decisão lhes causa prejuízo considerável. Com efeito, improcede esta pretensão dos recorrentes, mantendo-se o efeito meramente devolutivo já atribuído ao recurso interposto (art.º 647º, nº 1), cuja subida ocorreu, e bem, nos próprios autos, como impõe o art.º 645º, nº 1, al. a). * 2. Questões prévias suscitadas pela A. recorrida:a) Incumprimento, no recurso, do ónus de alegar a que se refere o art.º 639º, nº 2, do Código de Processo Civil Diz a recorrida que os apelantes não individualizam qual ou quais as normas jurídicas violadas, o sentido em que deveriam ter sido interpretadas e qual a norma e respetivo sentido em que deveria ter sido aplicada, limitando-se a “atirar” normas jurídicas --- como o artigo 9°, n° 7, da Lei de Defesa do Consumidor e os art.ºs 342.°, 405°, 406° n° 1, 432° n° 1, 483° e 798° do Código Civil --- sem que o respetivo regime jurídico seja (por referência a metade daquelas normas) singelamente explicado (ou tampouco referido), ou sem que seja (quanto à outra metade) determinado em que sentido as mesmas impõem decisão diversa à proferida. E não contrariaram ou sequer referiram a norma jurídica que determinou a condenação da qual recorrem, a saber, o artigo 18°, n.° 2, al. a), do decreto-Lei 211/2004, de 20 de agosto. Vamos ver. O art.º 639º, nº 2, dispõe que, versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: - As normas jurídicas violadas; - O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; - A norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada, quando invoca erro na determinação da norma aplicável. Manifestamente, esta exigência visa facilitar a boa compreensão dos termos da impugnação recursória, seja à parte contrária que, assim, fica em posição de melhor poder exercer o contraditório e fazer a sua defesa, seja ao tribunal ad quem, para poder proferir decisão mais completa, mais bem fundamentada e mais justa. As conclusões das alegações podem ser mais ou menos perfeitas, podem ser até erradas, que nem sempre se justifica o dever de convidar o recorrente à sua correção. O tribunal não tem que levar o recorrente a fazer uma indicação precisa do Direito e à sua correta aplicação ao caso, pois que é a este órgão de soberania que compete fazê-lo com imparcialidade, não às partes que, interessadamente, estão a defender supostos direitos. Em termos gerais, para que deva haver convite ao aperfeiçoamento das conclusões, é necessário que sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às referidas especificações (nº 3 do art.º 639º). Não que o tivessem feito da melhor forma, mas os recorrentes remeteram para o Direito que consideram aplicável e que, na sua perspetiva, conduz à procedência do recurso, citando, designadamente, os art.ºs 342º, 432º, 405°, 406º, 483° e 798° do Código Civil, o art.º 18º do decreto-lei nº 211/2004, de 20/08 e o art.º 9º, nº 7, da Lei de Defesa do Consumidor, deixando a recorrida e a Relação em condições de compreensão dos fundamentos da apelação em matéria de Direito e aquela, nomeadamente, em posição de exercer a sua defesa. Resulta, aliás, daquele art.º 639º, nº 3, que só a falta (não a deficiência) das especificações das al.s a), b) e c) do nº 2 do art.º 639º --- as que se referem à indagação e aplicação do Direito --- justificam o convite ao aperfeiçoamento. De resto, como é sabido, o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º, nº 1). Improcede esta questão prévia. * b) Incumprimento, nas alegações de recurso, do ónus de impugnação da decisão em matéria de facto, previsto nas al.s a), b) e c) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo CivilA recorrida invoca este vício processual. Na sua perspetiva, os recorrentes não deram cumprimento ao ónus de impugnação da decisão da matéria de facto previsto no nº 1 do art.º 640º. Das decisões de que seja admissível recurso (art.ºs 678º, 680º e 684º), as partes podem recorrer em matéria de facto e em matéria de direito. Respeitando ao recurso em matéria de facto, aquela norma é especialmente exigente: O recorrente deve, obrigatoriamente[4], especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.º 640º, nº 1, al.s a), b) e c)). Este artigo, por conjugação com o subsequente art.º 662º, representa o culminar de uma evolução da competência das Relações em sede de recurso em matéria de facto, que passou de uma intervenção quase excecional, no âmbito da aplicação da versão originária do art.º 712º do anterior Código de Processo Civil, para a assunção de uma função normal, cujo incremento decisivo foi dado pelo decreto-lei nº 39/95, de 15 de fevereiro. Tal evolução, por significar um reforço de garantias dos direitos processuais das partes, designadamente ao reexame e à alteração da decisão em matéria de facto, teve, como contrapartida, o fortalecimento da autorresponsabilidade das partes, através da imposição de ónus de impugnação, de cumprimento de regras processuais, que variaram em função de alterações legislativas, estas, por sua vez, justificadas pela melhoria dos meios de gravação que foram sendo disponibilizados nos tribunais. Por exemplo, a facilidade com que hoje se detetam os depoimentos gravados por meios eletrónicos, passagens determinadas de cada um desses depoimentos e a sua audição por via informática, justifica plenamente que se tivesse abandonado o regime da sua transcrição obrigatória e da sua referência por indicação ao assinalado na ata de audiência, compreendendo-se perfeitamente que mais vale ouvir do que ler para uma melhor perceção da realidade de cada depoimento e da credibilidade dos depoentes. Todavia, a facilidade com que a Relação[5] hoje atinge a gravação, assim como os restantes meios probatórios constantes do processo, não significa a transformação do recurso num novo julgamento, e o recorrente continua adstrito à indicação de pontos concretos determinados sobre os quais pretende ver modificada a decisão. Os ónus de impugnação que o citado art.º 640º impõe ao recorrente constituem o último reduto de exigência facilitador da complexa tarefa da Relação de reapreciação de matéria de facto já julgada. Determinados pontos da matéria de facto podem, efetivamente, não ter sido corretamente julgados --- deve o recorrente indicá-los (al. a) do nº 1) ---, devendo reavaliar-se a prova em função de parâmetros marcados pela al. b) do nº 1 e da al. b) do nº 2 também do art.º 640º. António Abrantes Geraldes[6] referindo-se às exigências previstas naquele artigo, faz notar que devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, por se tratar “de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”. E acrescenta: “Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida, …». A facilidade com que o recorrente pode indicar as passagens da gravação que tem como relevantes à defesa da sua posição, entre outras provas --- a partir das quais, ouvindo-as, a Relação poderá considerar o recurso condenado ao insucesso ou partir para a audição de outros depoimentos e análise de outras provas constantes dos autos, porventura, todas elas ---, os pontos concretos que considera mal julgados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, justificou mesmo que o legislador, obstasse à possibilidade do aperfeiçoamento do requerimento de recurso nesta matéria[7], evitando sobrecarregar a Relação ainda com a tarefa de identificação das deficiências do recurso e determinação do seu aperfeiçoamento, como que imputando imediatamente ao recorrente os efeitos da imperfeição no cumprimento de um ónus formal de indiscutível simplicidade, mas de grande vantagem para a identificação do erro de julgamento e da forma de o resolver, para o exercício do contraditório pela parte contrária e para a Relação na apreciação do recurso. O ónus imposto ao recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto traduz-se, deste modo, na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento ---- o ponto ou pontos da matéria de facto --- da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento e também a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, assim como uma síntese das provas concretas em que se baseia e que justificam a modificação pretendida. Citando mais uma vez A. Abrantes Geraldes[8], “…pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas”. Continuando a citar aquele ilustre Conselheiro[9], “as conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art.º 635º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, aquilo que efectivamente se pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida), as conclusões devem respeitar na sua essência cada uma das alíneas do nº 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida. Se para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspectiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir os objectivos pretendidos” (sic). Analisadas as conclusões da apelação dos RR. e não havendo dúvidas quanto à sua discordância relativamente à decisão em matéria de facto e à vontade de a impugnarem, as únicas referências que ali lhe são feitas correspondem às seguintes expressões, in totum: “2.) - Não concordam os RR. com a posição assumida pelo Tribunal a quo quanto à sua condenação, porquanto da prova documental carreada para os autos e, a produzida em audiência de julgamento resulta efectivamente que os RR. não devem ser condenados a pagar a quantia de 6.000,00€. … 3.) - E, para se concluir de tal forma basta atentar aos depoimentos prestados em audiência de Julgamento e à prova documental junta aos autos. … 18.) A prova testemunhal indicada pela A. não é suficiente para formar tal convicção. 19.) Compulsados os autos, verifica-se que os documentos juntos aos autos pelos RR., dizem exactamente o contrário do que aquilo que a douta sentença refere. 20.) Face ao descrito, impõe-se que outra seja a resposta a estes concretos ponto da matéria de facto, considerando-se como provados. 21.) Face a todo o alegado, requer-se a V.Ex.as, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 712.° do Código de Processo Civil, a alteração da matéria dada como provada, visto que no nosso modesto entender dos ora recorrentes, esta foi deficientemente interpretada e aplicada na douta sentença recorrida.” (sic) Foi desta forma que, nas conclusões, os RR. impugnaram a decisão em matéria de facto, entremeando-a, desde logo de modo pouco convencional[10], com a oposição ao Direito aplicado. Ali, os recorrentes referem-se a estes concretos pontos da matéria de facto, considerando-se como provados, mas não os identificam de modo nenhum, tal como não especificam qualquer depoimento testemunhal ou qualquer documento. A prova, seja ela a documental ou a testemunhal, é referenciada por eles de modo global. Afinal, quais são efetivamente os factos concretos que os recorrentes pretendem que sejam alterados? Quais são as provas que, em concreto, os apelantes consideram que impõem decisão diversa sobre tais factos? Qual é o teor de cada facto que os recorrentes entendem que deve dar-se como provado ou não provado? Nada disto tem resposta nas conclusões das alegações. E se admitimos que a especificação da prova possa constar apenas das alegações, já não nos parece aceitável que as conclusões não identifiquem (com rigor) os factos concretos que constituem objeto de discordância dos recorrentes e os termos em que pretendem que sejam dados como provados ou não provados[11]. Assim e porque não é admissível despacho de aperfeiçoamento das conclusões da impugnação em matéria de facto --- como atrás observámos --- há que rejeitar o recurso nesta matéria, ao abrigo do art.º 640º, nº 1. Ainda que pudéssemos enveredar pelas alegações propriamente ditas, estas revelam-se insuficientes na mesma matéria. Não resulta dali a exigível identificação dos pontos de facto (por referência aos articulados ou à sentença) considerados incorretamente julgados, nem os factos que, em alternativa, os recorrentes estão também obrigados a especificar. Teria sido importante, por exemplo, que os recorrentes tivessem terminado o 8º parágrafo da página 5 das suas alegações, onde consta apenas: “Com efeito, a decisão do Tribunal “a quo” padece de insuficiência de prova para a decisão de facto encontrada, ou seja a prova realizada em audiência de discussão e julgamento foi suficiente para que fosse provado que os RR. não deve à A. a quantia de 6.000,00€, consideramos que os depoimentos prestados em audiência de julgamento foram suficientes para na sentença dar-se como não provado que os RR.”. Não se compreende, assim, para que serve a indicação de duas passagens da gravação, sendo uma de um depoimento de parte (do próprio R.) e a outra da testemunha “E…”[12]. Em resumo, os recorrentes não cumprem, nem nas alegações propriamente ditas, nem nas conclusões, o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto nos termos que são exigidos no art.º 640º, nº 1[13]. Ainda que a lei do processo admitisse a possibilidade de convidar o recorrente ao aperfeiçoamento das conclusões das alegações --- no que não se consente face ao efeito da rejeição imediata que aquela norma prevê ---, jamais a lei permite o aperfeiçoamento das alegações propriamente ditas[14], e, sendo as conclusões, necessariamente, uma síntese das alegações[15], nunca poderiam ir além do que naquelas se fez constar. Nesta decorrência, rejeita-se o recurso dos RR. na parte em que impugnam a decisão em matéria de facto. * 3. Consequências jurídicas da modificação da decisão em matéria de factoRejeitado que foi o recurso nesta matéria, está prejudicada a apreciação desta questão. * 4. A desvinculação contratual e a obrigação de remunerar o mediador imobiliárioArgumentam os recorrentes que a denúncia do contrato, mesmo quando não seja feita com a necessária antecedência, tem sempre como consequência a sua não renovação, pelo que os eventuais prejuízos que a imobiliária tenha sofrido, em consequência da implementação do contrato de mediação imobiliária, têm de ser reclamados no âmbito de uma ação de responsabilidade civil contratual, sendo que a mera afetação de recursos humanos e financeiros à promoção e venda de imóvel objeto do contrato de mediação, em regime de exclusividade, bem como a angariação de potencial comprador, não implica o pagamento de qualquer remuneração.[16] Deverão os R.R., nos termos da lei ou do contrato, remunerar a recorrente pelos serviços de mediação efetivamente prestados? A A. é uma sociedade por quotas e o seu objeto é a atividade comercial de mediação imobiliária. No dia 13.4.2010, os RR. celebraram dois contratos escritos com a A. que logo denominaram de “contrato de mediação imobiliária” (nº …./10 e nº …./10), nos termos dos quais esta se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado para a compra de dois imóveis (um imóvel em cada um deles), pelo preço de € 66.000,00 e de € 148.500,00, tendo sido o último, posteriormente, em 30.10.2010, objeto de aditamento pelo qual o imóvel passou a ser publicitado pelo preço de €143.500,00. Ficou acordado que tais contratos eram efetuados em regime de exclusividade, que a remuneração só será devida se a A. conseguisse interessado que concretizasse o negócio visado nos termos e com as exceções previstas no art.º 18° do Decreto-lei nº 211/2004, de 20.08. Os RR. obrigaram-se a pagar à A., a título de remuneração dos seus serviços, a quantia de € 5.000.00, acrescida de IVA à taxa legal. Não estando o tribunal sujeito à qualificação jurídica dada pelas partes ao contrato celebrado, ainda que estejam de acordo nessa matéria (art.º 5º, nº 3º), o conteúdo negocial em causa não deixa a menor dúvida de que foram, efetivamente, celebrados entre elas, no mesmo dia, dois contratos de mediação imobiliária cujo regime jurídico, atenta a sua data, estava e continua a estar regulado pelo Decreto-lei nº 211/04, de 20 de agosto, tal como as partes, muito bem, consideraram; regime que veio a ser revogado pelo art.º 43º, al. a), da Lei nº 15/2013, de 8 de fevereiro, diploma que substituiu o aqui aplicável. Segundo o art.º 2º do referido regime jurídico aplicável, a atividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objeto seja um bem imóvel. Essa atividade consubstancia-se no desenvolvimento de: a) Ações de prospeção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente; b) Ações de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócio jurídico, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões. Do referido normativo decorre, por um lado, que a mediação, em sentido técnico ou estrito, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para determinado incidente sobre bens imóveis e a aproximar esse interessado da outra parte e, por outro, que a função do mediador (que é apenas um intermediário e desenvolve uma atividade meramente material e preparatória – as previstas nas alíneas do nº 2 e no nº 3 do art.º 2º) consiste em aproximar duas ou mais partes que desejam realizar um negócio, atuando em nome próprio (e não em representação daquelas), facilitando-lhes a conclusão do negócio pretendido. O contrato de mediação é no regime aqui aplicável, e no atual regime legal, como era também já no âmbito do regime aprovado pelo decreto-lei nº 285/92, de 19 de dezembro e, depois, pelo Decreto-lei nº 7/99, um contrato de prestação de serviços nominado e tipificado na lei, onde se prevê também o regime da respetiva remuneração da empresa mediadora e que, para o caso concreto em análise, interessa, em bom rigor, a solução consagrada no art.º 18º do Decreto-lei nº 211/2004, nos seguintes termos: «1- A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. 2- Exceptuam-se do disposto no número anterior: a) Os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração; b) … …». Integrando a categoria dos contratos de prestação de serviços (cf. art.º 4º, nº 1, do Decreto-lei nº 211/2004), a mediação é um contrato de resultado e não de mera atividade, compreendendo-se que, por regra, sem a obtenção do objetivo contratado não seja devida remuneração. No caso, a mediadora deveria angariar e aproximar dos proprietários vendedores um interessado que reunisse as condições exigidas por eles, necessárias à celebração do contrato de compra e venda dos dois imóveis, designadamente quanto ao preço indicado e condições de pagamento, e só com a conclusão e perfeição do negócio visado seria devida a remuneração dos serviços da A., assim, desde que houvesse também uma relação de causalidade entre a atividade dela e a conclusão do contrato procurado. De facto, na concretização da obrigação do mediador, este pratica, por conta própria, vários atos materiais, que podem ser de publicitação do que se pretende vender (por exemplo, publicação de anúncios em jornais e revistas, colocação de placas nos prédios em venda, estabelecimento de contactos com clientes em carteira, etc.), visando a obtenção ou concretização do negócio em relação a determinado imóvel. Porém, só no momento da concretização do negócio com o interessado --- definido este na al. a) do n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 211/2004, como “o terceiro angariado pela empresa de mediação, desde que esse terceiro venha a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação” --- é que o mediador cumpre o fim precípuo da mediação, razão pela qual apenas nesse momento lhe assiste o direito à remuneração, conforme prescreve o 18.º, n.º 1, do citado diploma, quando estipula que “a remuneração só é devida com a conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação”. Em suma, a regra é a de que o direito à remuneração nasce apenas da conclusão perfeita do negócio objeto da mediação. Esta regra apenas é excecionada nos casos mencionados no n.º 2 do citado art.º 18.º que se reporta ao regime de exclusividade e de celebração de contrato-promessa. No caso, as partes celebraram os contratos em regime de exclusividade, pelo que só a A. tinha direito de promover a compra e venda dos prédios durante o período de vigência por elas estipulado (art.º 19º, nº 4, do Decreto-lei nº 211/2004): nove meses a contar da celebração do contrato, sem prejuízo da sua renovação automática caso não fosse denunciado por qualquer das partes contratantes, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo. Por força da já transcrita al. a) do nº 2 do art.º 18º, o regime de exclusividade na mediação confere ao mediador, excecionalmente, no que respeita à remuneração dos seus serviços, o direito à retribuição respetiva nos casos em que o negócio visado não seja celebrado por causa imputável ao proprietário do bem, cliente da empresa mediadora, ou seja, aos próprios vendedores. À semelhança do que ocorre quanto à regra da remuneração prevista no nº 1 do art.º 18º, em que aquela é devida mesmo que a ação do mediador não constitua a única causa da conclusão e perfeição do negócio visado[17], mas uma sua causa adequada, também no que respeita às referida exceção (nº 2, al. a)), deve considerar-se que basta o contributo causal preponderante e injustificado do cliente proprietário do bem no sentido da não concretização do negócio para que haja lugar à remuneração. Como se refere naquele aresto, citando um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “nos contratos de mediação, o direito à remuneração nasce da conclusão dos negócios objecto da mediação, mas a conclusão, para o mediador --- isto resulta da essência do contrato --- surge quando tais negócios se consideram aproximados entre o comitente e terceiros e consegue a adesão destes haja ou não execução posterior. Deve, porém haver um nexo de causalidade entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.” Por nos situarmos no âmbito da responsabilidade contratual, é ao devedor que cabe o ónus de demonstrar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua (art.º 799º, nº 1, do Código Civil); ou seja, sempre seria dos R.R. o dever de provar que a inviabilização do cumprimento do contrato de mediação não resultou de facto seu, sob pena de se presumir que agiram com culpa. Ora, a A. logrou angariar um cliente (um casal, aliás) para a aquisição do imóvel objeto do contrato nº 1407/10, que se colocou numa posição tendencialmente segura de comprador, considerando as condições do negócio, nomeadamente o preço do imóvel (€ 143.500,00) com preenchimento --- como é habitual --- de uma ficha de reserva, entrega de um cheque assinado, no valor de € 2.500,00 “garantindo” a reserva, datado de 20.12.2010. Faltaria, na prática, formalizar o contrato de compra e venda. Tudo isto foi comunicado aos RR. Porém, estes comitentes não aceitaram vender o referido imóvel pelo valor de € 143.500,00, em clara violação do clausulado estabelecido entre eles e a A. mediadora, levando o casal de compradores a desistir do negócio. Posteriormente, no dia 16.8.2012, os RR. alienaram os dois imóveis por escritura pública. Em 30.3.2011 os RR. deram a conhecer à A., a carta que lhe enviaram em 28.3.2011, pela qual rescindiram unilateralmente o contrato de mediação imobiliária. Denunciados os contratos de mediação no dia 30.3.2011, sendo a sua duração de 9 meses, a primeira renovação automática tinha ocorrido já no dia 13.1.2011 (os contratos foram celebrados no dia 13.4.2010), pelo que os efeitos da denúncia, nos termos do contrato, só poderiam operar no momento da segunda renovação, ou seja, em 13.10.2011, como muito bem salienta a sentença recorrida. Logo, o contrato nº …/10 (o que aqui nos interessa) estava em vigor nas circunstâncias em que a A. angariou o casal de compradores, avisou os RR. da situação para celebrarem a escritura pública de compra e venda e estes recusaram o negócio. É discutível se pode haver uma revogação unilateral na mediação imobiliária, por parte do cliente da mediadora. Por regra, na falta de acordo das partes nesse sentido ou de disposição legal que preveja a revogação por ato unilateral[18] ou o chamado direito de desistência[19], a revogação ou a denúncia do contrato só ocorre por vontade conjunta das partes. Não obstante o disposto no art.º 406º, nº 1, do Código Civil, que estabelece a regra de que os contratos só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei, há quem entenda que, “salvo estipulação em contrário, o contrato de mediação deve considerar-se revogável. Não se trata de uma aplicação analógica das regras do mandato e da comissão, mas de uma consequência da própria natureza do contrato, tal como ela é de presumir ser querida pelos contraentes, pois parece de presumir que o autor do encargo, ao celebrar o contrato de mediação, não quer privar-se da faculdade de prescindir dos serviços do mediador, já que pode oferecer-se-lhe oportunidade de realizar o negócio sem intermediário, ou aparecer-lhe outro intermediário mais conveniente, ou perder a confiança que depositara no primeiro, ou desistir do propósito de concluir o negócio; por outro lado, desde que o mediador só adquire direito à remuneração quando o negócio é concluído por efeito da sua intervenção...e a conclusão depende do autor do encargo, tem este o direito de revogação”[20]. A discutibilidade da admissão da revogação unilateral do contrato adensa-se quando está em causa um contrato de mediação em regime de exclusividade e par a qual as partes estabelecerem no contrato um determinado prazo de vigência, como acontece no caso. Seja como for, não está provado que tivesse havido revogação unilateral do contrato de mediação antes da angariação do cliente e da sua indicação aos RR. pela mediadora imobiliária. Nem sequer se conhece que alguma vez os RR., antes daquelas circunstâncias, tivessem manifestado junto da A. vontade que não vender ou de, por alguma razão, terem perdido o interesse na prestação do serviço. Acontece até que os RR. acabaram por vender o imóvel depois da denúncia unilateral do contrato efetuada a 30.3.2011. A boa fé é um critério de reciprocidade --- comportamento devido e esperado --- que deve ser observado nas relações jurídicas entre sujeitos do mesmo grau, que têm a mesma identidade moral. Além dos deveres típicos e principais de uma relação contratual, existem deveres secundários da prestação, traduzidos, por vezes, em prestações autónomas, a par, ainda, de deveres de proteção, laterais, de diligência ou de conduta que são deveres de adoção de determinados comportamentos impostos pela boa fé. São deveres de fidelidade, de cuidado para com o património da outra parte, de cooperação com a outra parte, deveres de notificação, de lealdade, de correção, etc. Ao contratarem e na execução do contrato as partes devem usar de lisura e correção, garantindo quanto possível a justiça real, comutativa. Devem agir com lealdade, de boa fé. A boa fé é um ar que circula por toda a vida do contrato. Proceder de boa fé, seja no cumprimento da obrigação, seja no próprio exercício do direito, significa, no sentido amplo em que a expressão (boa fé) é manifestamente usada, agir lealmente, corretamente, honestamente, quer no cumprimento do dever que a lei impõe ou sufraga, quer no desfrute dos poderes que o Direito confere[21]. O princípio da boa fé contratual vincula tanto o credor como o devedor. Deve considerar-se extensivo a todos os outros domínios onde exista uma relação especial de vinculação entre duas ou mais pessoas. É válido para o credor enquanto proibição de abusar do seu direito de crédito e para o devedor enquanto critério de determinação do alcance da prestação e da forma do seu cumprimento. Tanto um como outro deverão abster-se de assumir quaisquer atitudes que possam acarretar prejuízos à contraparte. Se os RR., de algum modo, queriam fazer valer a sua vontade de não vender o prédio e de rescindir o contrato de mediação, sempre se deveriam ter dirigido à mediadora com esse objetivo, tentando, designadamente, obter acordo revogatório antes da obtenção do resultado dos seus serviços. Vindo depois destes a denunciar o contrato de mediação, é manifesto que tal denúncia não pode valer para o passado, sob pena de violação do princípio da boa fé. Não tendo os RR. devedores demonstrado que agiram sem culpa na não celebração do contrato de compra e venda relativo ao contrato nº 1407/10, são eles responsáveis pelo pagamento da remuneração contratada com a A., nos termos do art.º 799º do Código Civil e art.º 18º, nº 1, al. a), do Decreto-lei nº 211/2004, de 20 de agosto, por ter realizado os atos suficientes e adequados a conseguir a concretização do negócio visado com a mediação em plena vigência do contrato e recusado pelos apelantes. Para excluir a sua responsabilidade, os RR. tentam sustentar a aplicabilidade ao caso da Lei de Defesa do Consumidor, mais concretamente o disposto no art.º 9º, nº 7, da Lei nº 24/96, de 31 de julho. Vigorava na data da celebração do contrato de mediação (13.4.2010), como vigorou até ao ano de 2013, aquela lei com a redação preconizada pelo Decreto-lei nº 67/2003, de 8 de abril, sendo essa a versão aqui eventualmente aplicável (art.º 12º do Código Civil). Refere aquele normativo que “sem prejuízo de regimes mais favoráveis, nos contratos que resultem da iniciativa do fornecedor de bens ou do prestador de serviços fora do estabelecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes, é assegurado ao consumidor o direito de retratação, no prazo de sete dias úteis a contar da data da recepção do bem ou da conclusão do contrato de prestação de serviços”. Não vemos que interesse poderá ter esta norma no tratamento do caso em análise. Independentemente de se considerarem, ou não, os RR. consumidores no âmbito do contrato celebrado com a A., eles não exerceram qualquer retratação dentro do referido prazo de 7 dias, seja em função da data da celebração do contrato, seja a contar da sua renovação. A matéria de facto também não suporta qualquer alteração de circunstâncias, sendo esta, aliás, matéria nova no recurso, sobre a qual a relação não pode nem deve pronunciar-se por não ser do conhecimento oficioso[22]. Neste conspecto, a apelação deve ser julgada improcedente, mantendo-se a decisão recorrida. * SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):* 1. O pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, ao abrigo do art.º 647º, nº 4, do Código de Processo Civil deve ser fundamentado. 2. Se o recorrente não cumpre o ónus de impugnação previsto no art.º 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o recurso da decisão em matéria de facto tem que ser rejeitado. 3. Na mediação imobiliária, o proprietário do imóvel (cliente) é responsável pelo pagamento da remuneração contratada a favor do mediador, ao abrigo da norma excecional do art.º 18º, nº 2, al. e), do Decreto-lei nº 211/2004, de 20 de agosto, quando, estando acordado o regime de exclusividade, este, com a sua diligência, consegue angariar um cliente que quis comprar o bem nas condições definidas pelo vendedor, preencheu ficha de reserva e entregou um cheque de reserva assinado, não se concretizando, porém, a compra e venda, por recusa injustificada do vendedor na pendência do contrato de mediação. * V.Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelos apelantes. * Porto, 1 de outubro de 2015Filipe Caroço Pedro Martins Judite Pires ___________ [1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem. [2] Por transcrição. [3] A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 176. [4] A redundância resulta da própria lei e reforça o elevado grau de exigência imposto pelo legislador. [5] Não fossem as deficiências de gravação que ainda hoje se detetam, ao arrepio do que seria exigível. [6] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129. [7] Em primeiro lugar, porque é a própria lei que refere que a rejeição deve ser imediata, ou seja, próxima, sem algo de permeio; em segundo lugar, porque quando a lei do processo, sob o art.º 639º, nº 3, prevê, em sede de recurso, o dever funcional de prolação de despacho de aperfeiçoamento, fá-lo apenas relativamente às conclusões deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o anterior nº 2, reportando-se apenas ao recurso em matéria de Direito (cf. Lopes do Rego, Código de Processo Civil anotado, 2ª edição, vol. I, pág. 585. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.s 127 e 128, e Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pág. 181, nota 357). [8]Ob. cit. pág. 28. [9] Ob. cit., pág. 118. [10] Deveriam estar perfeitamente distinguidas: primeiro o recurso em matéria de facto e, depois, em função da decisão de facto que os recorrentes ali deveriam defender, a solução jurídica que, questão a questão, também no entender daqueles, deverá resultar da apreciação pela Relação. [11] A. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág.s 128 e 129. [12] Terá querido dizer “Márcia”. [13] Certamente por isso, considerou a recorrida “tarefa árdua se revela contra-alegar alegações e conclusões que não individualizam em que matéria, de facto.., andou mal o Tribunal a quo”, dando conta, na última das conclusões das contra-alegações (LIV), que “face ao exposto, não carece a Recorrida, sequer, de reiterar prova que infirme as conclusões dos Requeridos, nos termos e para os efeitos do artigo 640.° n.° 2 al. b) do CPC”. [14] O art.º 639º, nº 3, refere-se exclusivamente ao convite ao aperfeiçoamento das conclusões. [15] Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 299, e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 357. [16] Conclusões nºs 15, 16 e 17 da apelação. [17] Acórdão da Relação do Porto de 20.9.2001, proc. nº 0131169, in www.dgsi.pt. [18] Como acontece nos art.ºs 969.° e seg.s (doação), 1093.º (arrendamento), 1170.° (mandato), 1216.° (empreitada), 1235.° e 1236.° (renda perpétua), 1242.° (renda vitalícia), etc. [19] Vejam-se, a propósito deste direito, “direito de resolução” nos contratos negociados fora do estabelecimento comercial (art.ºs 6.° e 18.° do Decreto-lei nº n.° 143/2001, de 26-4), o “direito à livre resolução” nos contratos financeiros comercializados à distância (art.ºs 19.° e seg.s do Decreto-lei n.º 95/2006, de 29-5), o “direito de revogação” nos contratos de crédito ao consumo (art.º 8.°, n.ºs 2 e 3 do Decreto-lei nº n.° 359/91, de 21-9), o “direito à rescisão” nos contratos de viagem organizada (art.º 29.° do Decreto-lei nº n.° 209/97, de 13-8), o “direito à renúncia” nos contratos de seguro de vida (art.º 22.° do Decreto-lei nº n.º 176/95, de 26-7), o “direito de arrependimento” nos contratos de intermediação mobiliária (art.º 322.°, n.° 2 do vida (art.º 22.° do Decreto-lei nº n.° 176/95, de 26-7), o “direito de arrependimento” nos contratos de intermediação mobiliária (art.º 322.°, n.° 2 do CVM), ou o “direito à retractação” nos contratos de consumo em geral (art. 9.°, n.° 7 da LDC) (vid. C. Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, 2005, pág.s 110 e seg.s.). [20] Adriano Vaz Serra, anotação ao Ac. do S.T.J. de 7-3-1967, R.L.J., Ano 100º, pág. 340/348, citado no acórdão da Relação de Lisboa de 11.11.2004, in www.dgsi.pt. [21] A. Varela, RLJ, 122.°-148. [22] Como é sabido, o nosso sistema de recurso é, essencialmente, de reexame ou reponderação da decisão recorrida, não podendo o tribunal ad quem conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido, exceto questões do conhecimento oficioso que não tenham sido decidias com trânsito em julgado. |