Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0240663
Nº Convencional: JTRP00031536
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: ARMA DE DEFESA
ARMA DE FOGO
ARMA NÃO MANIFESTADA
LICENÇA DE USO E PORTE DE ARMA
DETENÇÃO DE ARMA NÃO MANIFESTADA
Nº do Documento: RP200211200240663
Data do Acordão: 11/20/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J PAÇOS FERREIRA 3J
Processo no Tribunal Recorrido: 96/00
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO. REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE.
Legislação Nacional: CP95 ART275 N2.
DL 207-A/75 DE 1975/04/17 ART1 N1 ART3 N1 A.
L 65/98 DE 1998/09/02.
L 98/01 DE 2001/08/25.
L 22/97 DE 1997/06/27 ART1 N1 B ART6 N1.
Sumário: A criminalização da detenção de arma de defesa não manifestada ou registada ou sem a necessária licença (artigo 6 da Lei n.22/97, de 27 de Junho) respeita quer às armas de defesa originariamente fabricadas como tal, quer às armas de defesa que apresentem as mesmas características em resultado de uma transformação posterior ao seu fabrico.
Incorre, por isso, na prática do crime previsto e punido pelo artigo 6 n.1 da Lei n.22/97, o arguido que detinha na sua posse uma pistola adaptada para munições de calibre 6,35 mm, com cano de 6,5 cm de comprimento, sem ser possuidor de licença de uso e porte de arma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I

1. No processo n.º .../... do ... Juízo do Tribunal Judicial de P..... foi o arguido Bernardino ..... submetido a julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, sob a acusação da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo 275.º, n.º 2, do Código Penal.

Por sentença de 19 de Março de 2002 veio o arguido a ser absolvido.

2. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso da sentença, formulando, na motivação apresentada, as seguintes conclusões:

«1 – A sentença recorrida vai contra a jurisprudência firmada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 2/98, de 4/11/1998.

«2 – Pelos argumentos constantes de tal Acórdão deve a decisão ser revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática do crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 275.º do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 65/98, de 02.09.

«3 – Mesmo que não se concorde com a posição de que uma arma adaptada, com calibre e características de uma arma de defesa, não integra a classificação de armas proibidas, não preenchendo, assim, a previsão do crime do artigo 275.º do Código Penal, a conduta apurada não deixará de integrar a previsão do artigo 6.º da Lei n.º 22/97, de 27.06.»

3. Admitido o recurso e efectuadas as legais notificações, não foi apresentada resposta.

4. Nesta instância, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto acompanhou a motivação de recurso, pronunciando-se pelo seu provimento.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [Em diante abreviadamente designado CPP], não foi apresentada resposta.
6. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para audiência que se realizou com observância do formalismo legal, como a acta documenta.

II

1. Vejamos, em primeiro lugar, o que, na perspectiva do recurso, releva da sentença recorrida.

1.2 Foram dados por provados os seguintes factos:

«1. No dia 27 de Julho de 2000, cerca das 3.30 horas, foi solicitada a presença de uma brigada da Guarda Nacional Republicana para se dirigir ao denominado “Café .....”, sito na Rua ....., freguesia de ....., nesta comarca, por ali se encontrar o arguido a exibir uma arma de fogo;

«2. Quando a brigada da Guarda Nacional Republicana ali chegou o arguido já tinha saído, pelo que foi procurado e localizado, dentro do seu veículo automóvel, na Rua ....., freguesia de ....., nesta comarca.

«3. De imediato foi efectuada uma revista ao arguido, tendo sido encontradas na sua posse duas pistolas.

«4. Uma delas trata-se de uma pistola adaptada para munições de calibre 6,35 mm, com carregador contendo uma munição por deflagrar, modelo GT 28. cal. 8 mm, salve, sem número, com cano com 6,5 cm de comprimento.

«5. A outra pistola é semelhante à supra identificada, diferindo daquela por só utilizar munições de salva, sendo pistola de alarme.

«6. O arguido não é possuidor de licença de uso e porte de arma.

«7. O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, e detinha a arma de fogo acima identificada sem que possuísse qualquer licença de uso ou porte da arma, nem a mesma estava manifestada e registada.

«8. O arguido vive sozinho e aufere o vencimento mensal de 60 000$00. Vive em casa arrendada, encontrando-se a pagar a renda mensal de 20 000$00.

«9. O arguido já foi julgado e condenado pela prática de crime de condução em estado de embriaguez, dano agravado, homicídio qualificado tentado e coacção sobre funcionário.»

1.2. Acusado o arguido da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 275.º, n.º 2, do Código Penal, entendeu o Exm.º Juiz que a conduta do arguido não é passível de censura penal, por, em síntese, duas ordens de razões:

- não poder uma arma transformada ou adaptada ser incluída no elenco das armas proibidas, sob pena de violação do princípio da legalidade,

- no artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, não caberem as armas resultantes de transformação e adaptação.

2. No caso, uma vez que houve documentação em acta das declarações oralmente prestadas em audiência, a relação conhece de facto e de direito (artigo 428.º, n.ºs 1 e 2, do CPP).

Porém, sendo as conclusões da motivação que definem e delimitam o âmbito do recurso (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), a questão trazida à discussão neste tribunal é uma questão de direito, a ser resolvida em face dos factos provados que se têm por definitivamente assentes.

A questão trazida à discussão neste tribunal consiste em saber se a detenção de uma arma de fogo, com calibre 6,35 mm, resultante de adaptação ou transformação, integra ilícito penal e qual.

3. Vejamos.

3.1. O Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, editado num período histórico particular, por razões e com objectivos bem definidos, veio elencar as armas permitidas e proibidas (as primeiras no artigo 1.º, n.º 1, e as segundas nos artigos 2.º e 3.º).

Em conformidade com esse diploma, as pistolas até calibre 6,35 mm, inclusive, cujo cano não exceda 8 cm, consideram-se armas de defesa [artigo 1.º, n.º 1, alínea b)], sendo proibida a detenção de pistolas de calibre superior a 6,35 mm [artigo 3.º, n.º 1, alínea a)].

Este diploma, nos aspectos que regulou, revogou o Decreto-Lei n.º 37313, de 21 de Fevereiro de 1949, devendo entender-se que para ele passou a remeter o artigo 169.º § único do Código Penal de 1886, quanto à definição de armas proibidas.

Com a entrada em vigor do Código Penal de 1982, o artigo 260.º continuou a remeter para o conceito de arma proibida tal como tinha sido definido pelo Decreto-Lei n.º 207-A/75, uma vez que o legislador, utilizando o conceito armas proibidas não o definiu.

Entendeu-se, porém, que o Código tinha adoptado um conceito de arma proibida mais amplo do que o do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 207-A/75, englobando quer as armas absolutamente proibidas (as definidas no Decreto-Lei n.º 207-A/75) quer as só relativamente proibidas, ou seja, aquelas que, sendo permitidas, eram detidas fora das condições legais ou em contrário das prescrições das autoridades competentes. Nesse entendimento, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que a «detenção, uso ou porte de uma pistola de calibre 6, 35 mm, não manifestada nem registada, constitui o crime previsto e punível pelo artigo 260.º do Código Penal» [Assento de 5 de Abril de 1989, publicado no Diário da República, I-A Série, de 12 de Abril de 1989].
Com a revisão do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, o artigo 260.º foi substituído pelo artigo 275.º, que (na versão primitiva), no seu n.º 2, tipificava as condutas (as descritas no n.º 1) que disserem respeito a armas proibidas, nestas incluindo as que se destinem a projectar substâncias tóxicas, asfixiantes ou corrosivas.

A remissão do n.º 2 para o n.º 1 respeita tão só às condutas aí especificadas, não abrangendo a expressão utilizada na parte final do n.º 1 «fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente» que se refere apenas aos engenhos e substâncias.

Por isso, o n.º 2 englobava, apenas, as arma proibidas constantes dos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75 e as resultantes do alargamento do tipo: «as que se destinem a projectar substâncias tóxicas, asfixiantes e corrosivas».

Interpretação corroborada por elementos extraídos da discussão que a Comissão Revisora do Código Penal manteve em relação ao artigo 275.º Figueiredo Dias teceu considerações sobre o alcance das alterações propostas referindo que a matéria se encontrava insuficientemente regulamentada no artigo 260.º e salientando que uma arma indocumentada (falta de manifesto, não registada) mas permitida, deve receber uma protecção contraordenacional e não penal; só as armas proibidas devem ser alvo de reacções criminais [Acta n.º 32, de 17 de Maio de 1990, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p. 357].
Na versão revista do Código, o conceito de arma proibida continuou, assim, a ser obtido pela definição constante do Decreto-Lei n.º 207-A/75.

Na sequência de divergências jurisprudenciais, o Supremo Tribunal de Justiça estabeleceu com carácter obrigatório para os tribunais a seguinte jurisprudência:

«A detenção, uso ou porte de uma pistola de calibre 6,35 mm não manifestada nem registada não constitui o crime previsto e punível pelo artigo 275.º, n.º 2, do Código Penal revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, norma que fez caducar o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 1989.» [Acórdão n.º 3/97, de 6 de Fevereiro de 1997, publicado no Diário da República, I-A Série, de 6 de Março de 1997].

Com a Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, o artigo 275.º sofreu alterações mas o primitivo n.º 2 não foi, em substância, alterado, passando, contudo, a constituir o n.º 3 do preceito.

Já com a alteração introduzida pela Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, o artigo 275.º passou a desdobrar o conceito de armas proibidas, incluindo, no n.º 1, as condutas relativas a armas proibidas de fogo (a par das armas classificadas como material de guerra, das armas destinadas a projectar substâncias tóxicas, asfixiantes, radioactivas ou corrosivas e dos engenhos os substâncias explosivas ou próprias para fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, fora das condições legais ou em contrário das prescrições das autoridades competentes) e no n.º 3, as condutas referidas no n.º 1 que disserem respeito a armas proibidas não incluídas nesse número.

Não obstante toda a evolução legislativa no âmbito do crime de perigo abstracto a que temos vindo a aludir, o legislador nunca definiu o conceito de arma proibida que, por isso, continua a ser preenchido por apelo ao Decreto-Lei n.º 207-A/75.

3.2. Porém, pela Lei n.º 22/97, de 27 de Junho [Rectificada pela Lei n.º 93-A/97, de 22 de Agosto, e alterada pelas Leis n.os 29/98, de 26 de Junho e 98/2001, de 25 de Agosto], alterando o regime de uso e porte de arma, o legislador elencou as armas de defesa, nelas incluindo as pistolas até calibre 6,35 mm, inclusive, cujo cano não exceda 8 cm, e neocriminalizou a detenção ilegal de arma de defesa.
Dispõe o respectivo artigo 6.º, sob a epígrafe «Detenção ilegal de arma»:

«1 – Quem detiver, usar ou trouxer consigo arma de defesa ou de fogo de caça não manifestada ou registada, ou sem a necessária licença nos termos da presente lei, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

«2 – (...).»

3.3. A arma em causa, nos autos, no momento da apreensão, apresenta-se como uma arma de fogo: uma pistola de calibre 6,35 mm, com cano de 6,5 cm.

Independentemente de as características que apresenta serem as originárias ou resultarem de uma transformação de arma que originariamente tinha outras características, o que é inegável e releva [Note-se que para os fins da Convenção Europeia sobre o Controle da Aquisição e Detenção de Armas de Fogo por Particulares (aprovada para ratificação pelo Decreto do Governo n.º 56/84, publicado no Diário da República, I Série, n.º 226, de 28 de Setembro de 1984), o termo arma de fogo significa todo e qualquer objecto que seja concebido ou adaptado para ...] é que objectivamente apresenta as referidas características. É, por isso, uma arma de defesa, incluída no elenco do artigo 1.º, n.º 1, sob a alínea b), da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho.
É certo que o Supremo Tribunal de Justiça fixara jurisprudência no sentido de que:

«Uma arma de fogo, com calibre 6,35 mm, resultante de uma adaptação ou transformação clandestina de uma arma de gás ou de alarme, constitui uma arma proibida, a ser abrangida pela previsão do n.º 2 do artigo 275.º do Código Penal de 1995, antes da alteração pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro.» [Assento n.º 2/98, de 4 de Novembro de 1998, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 290, de 17 de Dezembro de 1998].

Embora, a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça não constitua jurisprudência obrigatória para os tribunais (artigo 445.º, n.º 3, do CPP) [Solução, contudo, passível de críticas por desadequada às especiais exigências do princípio da igualdade em matéria penal e por desvirtuar a função do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de revista. Sobre este ponto, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II Volume, Rei dos Livros, 2.ª edição, 2000, p. 1032], não pode deixar de se lhe reconhecer uma função específica que releva, para além da decisão do caso concreto, com vista à unidade do direito e à segurança da ordem jurídica.
Porém, no caso, entendíamos divergir dessa jurisprudência fixada.

Pelas razões que foram minuciosamente explanadas - e que rebatem toda a linha argumentativa da posição que fez vencimento - na declaração de voto do Exm.º Conselheiro Emanuel Leonardo Dias a que outros Exm.ºs Conselheiros aderiram.

Com efeito, e em síntese, declarar proibida uma pistola de calibre 6,35 mm, de cano não superior a 8 cm, cujo cano não tenha sido cortado (cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 207-A/75) e que não apresente disfarce (cfr. alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75), apenas por resultar de uma transformação de uma pistola de gás ou de alarme traduz uma clara violação do princípio da legalidade. Proibidas são unicamente as armas que a lei, de forma expressa, classifica como tal.

E, ainda, porque o legislador, quando alterou o regime de uso e porte de arma (Lei n.º 22/97), não desconhecendo toda a problemática relativa à detenção de armas de defesa fora das condições legais e relativa às armas transformadas ou modificadas e as divergências jurisprudenciais, na matéria, ao fixar as características das armas de defesa, não distinguiu entre as armas concebidas e fabricadas originariamente com essas características e as armas que apresentem as mesmas características em resultado de uma adaptação ou transformação de armas originariamente fabricadas com outras características.

Por isso, a criminalização da detenção de arma de defesa não manifestada ou registada ou sem a necessária licença (artigo 6.º da Lei n.º 22/97), respeita quer às armas de defesa originariamente fabricadas como tal quer às armas de defesa que apresentem as mesmas características em resultado de uma transformação posterior ao seu fabrico.

E não se objecte com a impossibilidade do manifesto de uma arma transformada. Dos artigos da secção I do Capítulo III do Decreto n.º 37313 (artigos 38.º a 41.º) não se retira a proibição legal do manifesto de uma arma transformada.

Note-se, por fim, que a moldura penal abstracta da detenção ilegal de armas de defesa era a mesma da detenção de armas proibidas (n.º 2 do artigo 275.º do Código Penal/versão originária, n.º 3 do artigo 275.º do Código Penal/versão da Lei n.º 65/98) e que só agora, depois da alteração do artigo 275.º operada pela Lei n.º 98/2001, com a inclusão das armas proibidas de fogo no n.º 1, é que divergem, dando-se um agravamento da moldura penal abstracta das condutas respeitantes a armas proibidas de fogo.

A solução que já defendíamos veio, entretanto, a ser adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça que, alterando a jurisprudência fixada pelo Assento, para fixação de jurisprudência, n.º 2/98, fixou-lhe o seguinte diferente sentido:

«Uma arma de fogo com 6,35 mm de calibre resultante de uma adaptação ou transformação, mesmo que clandestina, de uma arma de gás ou de alarme não constitui uma arma proibida, para efeito de poder considerar-se abrangida pela previsão do artigo 275.º, n.º 2, do Código Penal, na versão de 1995 (-).» [Acórdão n.º 1/2002, de 16 de Outubro de 2002, publicado no Diário da República, I Série-A, de 5 de Novembro de 2002].
3.4. Na sequência do exposto e em face dos factos provados, praticou o arguido o crime p. e p. pelo artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, pelo qual tem de ser condenado.

Sendo o crime punido, em alternativa, com pena de prisão ou com pena de multa, de harmonia com o critério enunciado no artigo 70.º do Código Penal, dá-se preferência à segunda por, não obstante os antecedentes criminais do arguido, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

É, por isso, no quadro da pena abstracta de multa, de 10 dias a 240 dias (artigo 47.º, n.º 1, do CP), que terá de ser determinada a medida concreta da pena.

As finalidades de aplicação de uma pena assentam, em primeira linha, na tutela de bens jurídicos e na reintegração do agente de sociedade. Contudo, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.os 1 e 2, do CP).

Na determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, o tribunal atenderá à culpa do agente e às exigências de prevenção bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele (artigo 71.º, n.os 1 e 2, do CP).

Logo, num primeiro momento, a medida da pena há-de ser dada pela medida de tutela dos bens jurídicos, no caso concreto, traduzindo a ideia de prevenção geral positiva, enquanto «reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida» [Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 72-73].

Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura assim encontrada, que as considerações de prevenção geral, quer positiva ou de integração, quer negativa ou de intimidação, não podem ultrapassar.

Por último, devem actuar considerações de prevenção especial, de socialização ou de suficiente advertência.

Os concretos factores de medida da pena, constantes do elenco, não exaustivo, do n.º 2 do artigo 71.º do CP, relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.

No caso:

Em sede de prevenção geral, há que ponderar a excessiva frequência da prática do tipo de crime e o uso de armas ilegalmente detidas como instrumento de outros crimes.

Os antecedentes criminais do arguido, sugerindo que a conduta radica numa determinada disposição do agente, eleva as exigências de prevenção especial.

O dolo e o grau de ilicitude são os comuns ao tipo.

Tudo ponderado, temos por ajustada a pena de 160 dias de multa.

Na determinação da taxa diária de multa, importa ter em conta que a cada dia de multa corresponde, actualmente, uma quantia entre € 1 e € 498,80 que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (artigo 47.º, n.º 2, do CP [Tendo-se em consideração a redacção que ao n.º 2 do artigo 47.º do CP foi dada pelo artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro]).
Deste modo, visa-se dar realização, quanto à pena pecuniária, ao princípio da igualdade de ónus ou encargos, devendo atender-se à totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte, ao próprio património disponível e entrar em linha de conta com os deveres e obrigações que pesem sobre o condenado, particularmente no quadro familiar.

Considerando os elementos pertinentes que a sentença contém, temos por adequado fixar em € 2 o quantitativo diário de multa.

3.5. Nos termos do artigo 77.º § 8.º do Decreto-lei n.º 37313, deve declarar-se o perdimento da arma apreendida.

III

Termos em que, na procedência do recurso, se revoga a sentença recorrida e, como autor do crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelo artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, condenamos o arguido Bernardino Martins Pacheco na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 2.

Vai, ainda, o arguido condenado em 3 UC de taxa de justiça, acrescida de 1% a favor do CGT, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, e nas custas, relativas à 1.ª instância, com honorários legais ao Exm.º defensor, de acordo com o ponto 3.1.1.2 da tabela anexa à Portaria n.º 150/2002, de 19 de Fevereiro (artigos 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1, do CPP, 85.º, n.º 1, alínea b), e 89.º do CCJ).

Nos termos do artigo 77.º § 8.º do Decreto-Lei n.º 37313, de 21 de Fevereiro de 1949, declara-se o perdimento da arma apreendida.

Boletins ao registo criminal.

Nesta instância não há lugar a taxa de justiça e custas.

Honorários ao Exmº defensor, nomeado em audiência neste tribunal, de acordo com o ponto 6 da tabela anexa à Portaria nº 150/2002, de 19 de Fevereiro, e sem prejuízo do que dispõe o artigo 4º, nº 1, da mesma Portaria.

Porto, 20 de Novembro de 2002

Isabel Celeste Alves Pais Martins

David Pinto Monteiro

Agostinho Tavares de Freitas

José Casimiro da Fonseca Guimarães