Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00043408 | ||
Relator: | MELO LIMA | ||
Descritores: | APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO LEI MAIS FAVORÁVEL | ||
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Nº do Documento: | RP20100120428/99.7TBPVZ-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/20/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO - LIVRO 612 - FLS 215. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O art. 2º, n.º 4 do C. Penal impõe que, entre duas ou mais leis penais que se sucedam no tempo, aplicáveis (ou potencialmente aplicáveis) à mesma pessoa ou ao mesmo facto, prevalece a de conteúdo mais benévolo, isto é, aplica-se a que menos comprima direitos, liberdades e garantias. II - Deve assim ser aplicada a lei nova, surgida depois da acusação, segundo a qual o ilícito em causa (contrafacção, imitação e uso ilegal de marca) passou a revestir natureza semi-pública (art. 329º do C.P.I.). III - Daí que, não tendo o ofendido, após a vigência da nova lei, formalizado ou manifestado o desejo de procedimento criminal, o MP perde a legitimidade para o exercício da acção penal. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | PROCESSO Nº 428/99.7TBPVZ-A.P1 RELATOR: MELO LIMA Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório 1 No Processo Comum 428/99.7TBPVZ-A.P1, a correr termos pelo .º Criminal do T.J. da Póvoa de Varzim, foi proferida o seguinte despacho: «Os factos a que se reportam os presentes autos remontam a 9 de Julho de 1997. O actual art° 329° do Código da Propriedade Industrial (aprovado pelo Decreto-Lei n° 36/2003, de 5 de Março, e alterado pelos Decretos -Leis n°5 318/2007, de 26 de Setembro, e 360/2007, de 2 de Novembro, e pela Lei n° 16/08, de 1 de Abril), ao dispor que o procedimento criminal pelos crimes previstos nesse Código depende de queixa — instituindo, por isso, uma nova condição objectiva de punibilidade, não existente à data da prática dos factos — constitui lei nova mais favorável, como tal prevalecente, de acordo com o princípio do tratamento mais favorável consagrado no art° 2°, n°4, do Código Penal. Compulsados os autos, verifica-se que a legal representante da marca não apresentou queixa, nem declarou nos autos a sua intenção de prossecução de procedimento criminal contra o arguido, designadamente quando a sua Ilustre Mandatária foi inquirida (cfr. fis. 60 e 61). Nestes termos, julgo extinto o procedimento criminal em relação ao crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos contrafeitos, actualmente previsto e punido pelo art° 324°, no caso por referência ao art° 323° do Código da Propriedade Industrial. Os autos deverão prosseguir para apreciação dos factos descritos na acusação, na medida em que são susceptíveis de integrar, na tese do Ministério Público, um crime de fraude sobre mercadorias, previsto e punido pelo art° 23°, n° 1, ai. a), do Decreto-Lei n° 28/84, de 20 de Janeiro, delito de natureza pública.» 2 Inconformado, dele recorreu o Exmo Procurador Adjunto rematando com as seguintes conclusões a respectiva motivação do recurso: 2.1 O arguido foi acusado em 26-6-98 pela prática, em 9-7-97, de um crime p.p. pelos arts. 193, 263 e 264 do C.P.L, na redacção introduzida pelo DL n° 16/95 de 24-1 (contrafacção, imitação e uso ilegal de marca) e um crime p.p. pelo art. 23/1/a do DL 28/84 de 20-1. 2.2 A acusação foi recebida nos seus precisos termos pelo despacho a que se refere o art. 311 do C.P.P. em 15-1-99, sendo que, em 20-2- 04, o arguido foi declarado contumaz, encontrando-se os termos do processo suspensos. 2.3 O referido crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, à data dos factos e quando foi deduzida acusação, revestia natureza pública. 2.4 Actualmente, tal tipo de ilícito passou a ter natureza semi-pública, conforme se alcança dos arts. 324 e 329 do C.P.T., aprovado pelo DL n° 27/03 de 5-3, entrado em vigor no dia 1-7-03. 5- O instituto do direito de queixa tem natureza exclusivamente processual formal, sendo de aplicação imediata para o futuro, sem qualquer aplicabilidade retroactiva, nos termos do art. 5/1 do C.P.P. 2.5 A lei nova não veio alterar os requisitos de punibilidade do crime, pois manteve inalteráveis os seus elementos constitutivos, e por isso não tem que ser chamado à colação o princípio da lei mais favorável com recurso ao art. 2° do C.P. 2.6 A entrada em vigor de uma lei nova que atribui a natureza semi-pública a um crime que era público não pode ter o sentido de exigir uma queixa que não era necessária à luz da lei vigente à data da prática dos factos. 2.7 Se a lei nova vem dizer que o início do procedimento criminal depende de queixa, não faz sentido a sua aplicação relativamente a processo que já se iniciou e se encontra em fase de julgamento, embora os seus termos estejam suspensos devido à situação de contumácia do arguido. 2.8 No aspecto processual a aplicação da lei nova significa que a partir do momento da entrada em vigor dessa lei tudo se há-de passar como se o crime tivesse desde o início a natureza que lhe foi atribuída pela lei mais recente. 2.9 Os actos anteriores são válidos e o processo prosseguirá independentemente de qualquer intervenção do titular do direito de queixa. 2.10 Nos presentes autos não existe queixa por parte do representante da marca em causa em Portugal e não era preciso para se iniciar o procedimento criminal. 2.11 A norma do art. 329 do C.P.I. aprovado pelo DL n° 36/03 de 5- 3, referindo-se apenas à exigência de queixa como requisito para conferir legitimidade ao M.P. para iniciar o procedimento criminal (não sendo uma norma incriminadora ou sancionatória, ou seja, de direito substantivo), não tem aplicação por via do art. 2/4 do C.P. 2.12 Tal norma, sendo lei exclusivamente processual, não é pois aplicável à questão da legitimidade do M.P. por a tanto se opor o princípio “tempus regit actum” consagrado no art. 5/1 do C.P.P. 2.13 Assim, ao declarar extinto o procedimento criminal quanto ao crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos contrafeitos actualmente p.p. pelo art. 324 com referência ao art. 323 do C.P.I. aprovado pelo DL n° 36/03 de 5-3, por falta de queixa da representante da marca em Portugal, violou o Mm° Juiz as disposições constantes nos arts. 5/1 e 48 do C.P.P. e no art. 264 do C.P.I. aprovado pelo DL 0 16/95 de 24-1. 3 Não houve resposta. 4 O Exmo. Juiz recorrido proferiu despacho de sustentação, argumentando: «… o princípio da aplicação da lei mais favorável (amplamente acolhido no art° 2°, n° 4, do Código Penal) se aplica não apenas aos elementos do tipo de ilícito e do tipo de culpa de um delito, mas também às correspectivas condições objectivas de punibilidade, nomeadamente as que contendem com a natureza semi-pública do crime em apreço, mesmo que essa aplicação contenda com processos em curso. No sentido por nós propugnado, e na mesma área de criminalidade, pronunciou-se já o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 29 de Novembro de 2006, no qual se concluiu que “A queixa, condição do procedimento criminal, constitui um pressuposto processual, de natureza adjectiva, mas é também uma condição material de responsabilidade penal do agente. Uma lei que transforma um crime público em semi-público é mais favorável ao arguido do que a anterior, deixando a promoção do processo criminal de estar na livre disponibilidade do Ministério Público” (http://www. dgsi.pi/jtrc. …). No mesmo sentido, em acórdão de 25 de Janeiro de. 2006, considerou-se no Tribunal da Relação de Coimbra que “Se a lei antiga estipulava que, para permitir a perseguição criminal, não se tornava necessário que o titular do interesse jurídico formulasse queixa e a nova lei já o exige, o procedimento iniciado sob a égide da lei antiga, mais intensa o seu iter persecutório, deve ser laqueado e o procedimento criminal ser declarado extinto, porque mais favorável ao arguido, independentemente das vicissitudes processuais que ocorreram” (http://www. gde. mj.pt/jtrc. nsf/..). Embora noutro âmbito, no Acórdão para Fixação de Jurisprudência n° 612008 (publicado no Diário da República, 1° Série, n° 94, de 15 de Maio de 2008), o Supremo Tribunal de Justiça, considerando a nova exigência da alínea b) do n° 4 do art° 105° do Regime Geral das Infracções 5 Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu douto Parecer no sentido de que o recurso merece provimento: “…legitimado o Ministério Público para a acção penal, esta legitimidade não deve alterar-se, apesar da alteração legal. A legitimidade que se inicia logo após o conhecimento da infracção não é uma legitimidade para um acto isolado ou para um conjunto de actos, mas sim para todo o procedimento até à aplicação e cumprimento da pena.» 6. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II Fundamentação. 1. Em termos lineares, a questão a conhecer no presente recurso, reconduz-se a saber se: deduzida uma acusação pelo Ministério Público por crime que, à data da prática do facto como à data por que deduzida acusação, tinha natureza pública, com a alteração legislativa entretanto operada, que o transforma em crime semi-público – logo, dependente de queixa – o Ministério Público perde a legitimidade para o exercício da acção penal, se o direito de queixa não tiver sido ou não for exercido. Consabidamente, a queixa é um pressuposto processual. É o acto pelo qual o ofendido ou outra pessoa com legitimidade para tanto, dá conhecimento do facto penalmente ilícito ao Ministério Público – ou entidade que tenha a obrigação legal de transmitir àquele – para que este promova o processo. (Artigo 49º CPP; Artigo 113º CP) Pressuposto processual que é dizer também, condição de procedimento. Pressuposto, todavia, cujo “conteúdo contende com o próprio direito substantivo, na medida em que a sua teleologia e as intenções politico-criminais que lhe presidem têm ainda a ver com condições de efectivação de punição, que nesta mesma encontram o seu fundamento e a sua razão de ser”. “O conteúdo de tal pressuposto é politico-criminalmente cunhado a partir da teoria da consequência jurídica do crime” Quais as motivações (interesses) subjacentes ao instituto? Em primeiro lugar que, em atenção ao significado criminal relativamente pequeno do crime – em particular quando ligado a uma alta medida de disponibilidade do bem jurídico respectivo – o procedimento criminal só tenha lugar se tal corresponder ao interesse e à vontade do titular do direito de queixa. Depois, o propósito de evitar que o processo penal, prosseguindo sem ou contra vontade do ofendido, possa, em certas hipóteses, representar uma inconveniente intromissão na esfera das relações pessoais. Finalmente, servir a função de específica protecção da vítima do crime, nomeadamente nos crimes que afectam de maneira profunda a esfera da intimidade daquela. Ora é a propósito daquela primeira motivação que se tem entendido que a existência de crimes semipúblicos e particulares constitui uma forma politico-criminal de não-intervenção ou mesmo, se se preferir, de descriminalização “de facto”. Como bem refere Taipa de Carvalho, “Há que não esquecer que o próprio legislador se serve, por vezes, destas figuras como técnica (….) de descriminalização de facto”. “Fazendo depender o processo penal por certo crime de apresentação da queixa ou da acusação particular, o legislador sabe – e é isso que, muitas vezes, pretende – que, em muitos casos, tal vai equivaler a uma não penalização do agente, pois as estatísticas lhe indicam que muitos crimes, cujo procedimento depende de queixa, não chegam a ser julgados precisamente pela não apresentação da queixa” [1] Não se assiste, com frequência, na prática forense, ao manifesto enfado com que muitas pessoas, lesadas embora no seu património, são chamadas a depor em tribunal, por via da natureza pública do ilícito, mas que e conquanto directamente lesadas, nunca apresentaram queixa nem nunca foi sua intenção fazê-lo?! Como se disse, o conteúdo do pressuposto-criminal-queixa contende com o próprio direito substantivo na medida em que a sua teleologia e as intenções politico-criminais que lhe presidem têm ainda a ver com condições de efectivação da punição. Por isso o regime de tal pressuposto é regulado essencialmente na Parte Geral do Código Penal. Na verdade, sendo condição (positiva) do procedimento criminal, do mesmo modo condiciona a responsabilidade penal. Importa, também, que sendo ele, embora, estranho ao tipo legal de crime, “possa já relevar para efeitos de determinação do regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente” [2] Impõe-se assim e desde logo, a sua consideração com referência ao ditame constitucional da favorabilidade. É sabido que a Constituição da República é a fonte positiva primária e hierarquicamente superior, o “complexo de normas e princípios jurídicos, actuais e vinculantes” que “dá validade e fundamento às normas hierarquicamente inferiores”. Por isso se diz que “As leis ou quaisquer outras normas não só devem obedecer às normas e princípios consagrados na Constituição (princípio da constitucionalidade), como devem ser interpretadas, no caso de equivocidade ou pluralidade de sentidos, do modo mais conforme com os princípios fundamentais da Constituição” [3] Princípio constitucional básico de todo o direito sancionatório, de consagração universal, é o princípio da legalidade, de múltipla formulação: nullum crimen sine lege scripta (lei em sentido formal), sine lege praevia (proibição da retroactividade da lei penal desfavorável), sine lege precisa (tipicidade, cognoscibilidade objectiva ou determinabilidade), sine lege scripta (proibição da aplicação analógica desfavorável). Qual corolário desse princípio de legalidade, acolhe o Direito Penal o princípio da aplicação da lei penal favorável, numa dupla formulação: seja da proibição da retroactividade de lei penal desfavorável, seja da imposição da retroactividade de lei penal favorável (Artigo 29º /1,3 e 4 Constituição da República) “O Estado de Direito Material, na sua função de protecção da pessoa humana com a decorrente afirmação da liberdade como princípio geral e fundamental, não apenas proíbe a retroactividade das leis penais desfavoráveis como também impõe a aplicação retroactiva das leis penais favoráveis. Quer dizer: o princípio constitucional da liberdade, o favor libertatis é hoje, a matriz comum e o princípio superior de que derivam não só na irretroactividade in peius, como também a retroactividade in melius” [4] Vale, em aplicação de tal princípio que, entre duas ou mais leis penais que se sucedam no tempo, aplicáveis (ou potencialmente aplicáveis) à mesma pessoa ou ao mesmo facto, prevalece a de conteúdo mais benévolo: aplica-se a que menos comprima direitos, liberdades e garantias. Assume, in integrum, o citado princípio da favorabilidade – na decorrência do princípio universal da legalidade – a norma ínsita no artigo 2º /4 do Código Penal. Princípio que há-de valer, pelo que se deixa dito, tanto para as normas penais com carácter substantivo, quanto para as que assumam natureza adjectiva. Não apenas quanto àquelas pois, como diz o S.T.J.: “Não é isso o que lá está”. O preceito fala genericamente em ‘disposições penais’, aliás conforme o Artigo 29º/4 da Constituição da República que, também sem restrições, manda aplicar retroactivamente às leis penais, quaisquer que sejam, contanto que favoráveis ao arguido. “Repare-se que é o Código, como conjunto sistemático de normas que se aplica. Portanto, o juiz ao ter de optar pelo que vigorava à data da infracção ou pelo que veio depois, …., não tem que se prender com a natureza deste ou daquele instituto; basta-lhe que ele venha regulado num dos ditos códigos ou em ambos”. [5] Finalmente, com carácter mais pragmático, na decorrência da apreciação do instituto da queixa sob a perspectiva daquele princípio da favorabilidade, pela sua linearidade e clareza, não se resiste à transcrição do seguinte trecho do já citado autor Taipa de Carvalho: “Em primeiro lugar, diga-se que há que distinguir, nos institutos da queixa e da acusação particular, as normas exclusivamente processuais (princípio da aplicação imediata – CPP Artigo 5º) das normas processuais penais materiais (irretroactividade desfavorável, retroactividade favorável – C.Penal, Artigos 2º/4 e 3º). Às primeiras pertencem, sem preocupação exaustiva de pormenor, as normas dos artigos 49º a 52º do CPP; às segundas pertencem, inequivocamente, as normas constantes dos artigos 111º a 116º (Hoje, 113º a 117º) Daqui, e em segundo lugar, resulta que a LN desfavorável ao infractor ou ao já arguido pode ser aplicada retroactivamente. ……………………………………………………………………………… Em terceiro lugar. A LN favorável ao infractor ou ao já arguido, é aplicável retroactivamente. Exemplos: LA – crime público, LN – crime semi-público;…” [6] 2. No caso concreto. Sob consideração o seguinte quadro fáctico-processual e normativo: i. Os factos a que respeitam os autos foram praticados em 9-7-97. ii. O procedimento criminal iniciou-se em 10-7-97, por denúncia obrigatória da G.N.R. com a elaboração de auto de notícia e a sua remessa aos serviços do M.P. iii. Em 26-6-98 o arguido foi acusado pela prática de um crime p.p. pelos arts. 193, 263 e 264 do C.P.T., na redacção introduzida pelo DL n° 16/95 de 24-1 (contrafacção, imitação e uso ilegal de marca) e um crime p.p. pelo art. 23/1/a do DL 28/84 de 20-1. iv. A acusação foi recebida, nos seus precisos termos, em 15-1-99, sendo que, por despacho de 20-2-04, o arguido foi declarado contumaz, encontrando-se por isso os termos do processo suspensos. v. O referido crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, à data dos factos e quando foi deduzida acusação, revestia natureza pública. vi. Actualmente, tal tipo de ilícito passou a ter natureza semi-pública, conforme se alcança dos arts. 324 e 329 do C.P.I., aprovado pelo DL n° 37/03 de 5-3, entrado em vigor no dia 1 de Julho de 2003. vii. Não consta dos autos qualquer declaração de desejo de procedimento criminal. Isto posto. Quando da dedução da acusação, o ilícito (contrafacção, imitação e uso ilegal de marca) tinha natureza pública. Porém, com a entrada em vigor, a partir de 1 de Julho de 2003, do “Novo Código da Propriedade Industrial”, aprovado pelo DL 37/03 de 5/3, passou a revestir natureza semi-pública (Artigo 329º). Esta sucessão de regimes tem consequências no caso? Face ao que se deixou expendido, a resposta não pode deixar de ser no sentido afirmativo, dizer da retroactividade favorável. Com se disse, na ratio da queixa confluem razões públicas politico-criminais e razões pessoais do ofendido. Dos autos não ressuma formalizado – ou informalmente que fosse – qualquer desejo de procedimento criminal. Sendo do conhecimento público a entrada em vigor do Novo Código da Propriedade Industrial era razoável esperar da parte de quem se sentia lesado a iniciativa para o exercício da queixa ou, de todo o modo, a formalizada manifestação do desejo de procedimento criminal, supondo-se efectiva a pretensão do exercício de tal direito. Ora isso não aconteceu. Não repugna, destarte, com referência ao circunstancialismo factual do caso concreto, a aplicação retroactiva. E não repugna, antes se impõe, se considerado o quadro normativo substantivo (CP artigo 2º/4) e fundamental (C. República) deixado referido. Impõe-no o princípio geral da favorabilidade, segundo a abrangência que se deixou referida. É dizer: considere-se a natureza adjectiva do instituto ou, antes, como aprece mais correcto, a natureza de “normas processuais penais”, das que ao mesmo dizem respeito, é óbvia a conclusão da favorabilidade ao arguido quanto ao regime sobrevindo. Repercutindo-se o pressuposto processual da queixa ao nível substantivo como condição de procedimento ou condição de efectivação da punição, ele não pode deixar de relevar “para efeitos de determinação do regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente, como também se deixou referido. Em termos práticos: não obstante ter sido deduzida acusação pelo MºPº, sem prévia apresentação de queixa, por ao tempo ter legitimidade, por se tratar de crime público, com a entrada em vigor de um novo regime que determine que o respectivo procedimento depende de queixa, não sendo esta exercida, nomeadamente nos seis meses subsequentes à entrada em vigor da nova lei, o MºPº perde a legitimidade para a acção penal. Perda de legitimidade que em nada o desprestigia: não há que preservar uma legitimidade que o legislador (dizer, o Estado que é representado pelo MºPº, o detentor da acção penal) entendeu já não ter sentido! Não repugna, pois, antes se impõe a aplicação retroactiva. [7] III Decisão São termos em que, negando-se provimento ao recurso, confirma-se a douta decisão recorrida. Sem tributação. Porto, 20 de Janeiro de 2010 Joaquim Maria Melo de Sousa Lima Francisco Marcolino de Jesus ________________________ [1] Sucessão de Leis Penais, Coimbra 1990, pag. 244, Nota 455 [2] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias 1993, pag. 622 a 668, aqui seguido de perto. [3] Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Coimbra 1977, Pág. 174 [4] Taipa de Carvalho, ob. cit. Pág. 71. Vide, ainda: Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, 1982, Pags. 115 e 116 [5] Ac. STJ 03.06.1985 in BMJ 349º, 250 [6] Ob cit. Págs. 244 e 245 [7] No sentido exposto: Ac. STJ 05.12.1996 in BMJ 462º/195. Com interesse, ainda: Ac. STJ 29.1.1997 in BMJ463º/319 |