Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9150246
Nº Convencional: JTRP00002299
Relator: LEITÃO SANTOS
Descritores: CONTRATO ADMINISTRATIVO
CONTRATO DE TRABALHO
ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
ACUMULAÇÃO DE RETRIBUIÇÕES
Nº do Documento: RP199105279150246
Data do Acordão: 05/27/1991
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: CONST ART269 N4.
DL 373/79 DE 1979/09/08 ART15 N1 N2.
DL 124/79 DE 1979/05/10 ART45 N2.
DL 110-A/81 DE 1981/05/14 ART22 N1 N2.
DL 254/82 DE 1982/06/29.
Sumário: I - Se um médico começou a prestar serviço à Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito do Porto, sob a autoridade e direcção desta, e depois foi integrado nos Serviços Médico-Sociais ( detentores de autonomia administrativa ), mas com ressalva dos direitos e regalias de que gozava, de conformidade com a legislação do trabalho aplicável, se o mesmo médico foi depois integrado na função pública com o direito de opção pela nova qualidade ou pela continuação sob o regime anterior do contrato trabalho, se esse médico optou, no prazo legal, por continuar sujeito ao regime do contrato de trabalho, manteve a sua situação anterior, sendo a ligação à Administração Regional de Saúde, criada pelo Decreto-Lei nº 254/82, de 29 de Junho, de natureza meramente privada e sujeita ao regime do contrato individual de trabalho.
II - Por isso e porque o artigo 269 da Constituição
( que refere "não ser permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei" ) e o artigo 15, nºs 1 e 3 do Estatuto do Médico, aprovado pelo Decreto-Lei nº 373/79, de 8 de Setembro, permitem o exercício simultâneo de funções hospitalares e em Serviços Médico-Sociais ou outros extra-hospitalares, sem redução de remuneração, através do processo de acumulação a organizar pelas Administrações Regionais de Saúde, evidente e a possibilidade de acumulação de funções mesmo que efectivamente tivessem natureza pública.
III - Exercendo, no caso vertente, o médico funções hospitalares e encontrando-se vinculado à Administração Regional de Saúde por um contrato de trabalho de natureza privada, sujeito não está à disciplina do artigo 22, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 110-A/81, de 4 de Maio, apenas aplicável à acumulação de lugares ou cargos públicos. Essa disciplina estabelece que "em caso algum a duração total do trabalho resultante do regime de acumulação poderá ser superior a 54 horas semanais".
IV - Consequentemente e até porque a Administração Regional de Saúde não organizou o processo de acumulação, nem levou a cabo as diligências necessárias para tal, como lhe competia nos termos do nº 3 do artigo 5 do Estatuto do Médico, a redução do horário do dito médico pela referida Administração, de 30 para 9 horas semanais, feita unilateralmente, e a consequente redução da retribuição, são imposições meramente arbitrárias e ofensivas do direito do mesmo médico, que exercia também funções públicas, como especialista no Hospital de São João, em regime de tempo prolongado de 45 horas por semana.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Margarida .............., médica, residente na Rua ....., nº ...... - 4º A, Porto, instaurou no Tribunal de Trabalho desta cidade - 9º Juízo - acção declarativa com processo comum, sob a forma ordinária, emergente de contrato individual de trabalho contra a Administração ....... do Porto, com sede na Rua .........., Porto, pedindo a sua condenação na quantia de 2753$00 de remuneração que deixou de auferir por lhe ter sido reduzido, arbitrariamente, o número de horas de trabalho, com a correspondente redução da retribuição, a partir de 20/11/86, quantia aquela a que acrescem juros legais, cujo montante, aquando da propositura da acção, ascendia já a 703771$00.
Alegou para tanto e em resumo ter sido contratada pela Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito do Porto, em Setembro de 1968, para sob a sua autoridade e direcção lhe prestar serviço, como médica assistente nos seus serviços médico-sociais.
Que, pelo Decreto-Regulamentar nº 12/77, de 7 de Fevereiro os serviços médicos-sociais da Previdência passaram a constituir um serviço oficial dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa denominado Serviços Médico-Sociais.
Que o pessoal dos Serviços Médico-Sociais foi integrado na função pública através do Decreto-Lei nº 124/79, de 10 de Maio, tendo, porém, sido salvaguardado o direito dos trabalhadores optarem, no prazo de 20 dias, pelo regime em que se encontravam, o que a Autora fez, tendo como tal, continuado a descontar para a Previdência, ora Segurança Social e não para a Caixa Geral de Aposentações, sobre a retribuição auferida.
Que os Serviços Médico-Sociais foram integrados na
Ré, por força do Decreto-Lei nº 254/82, de 29 de Junho, tendo assim sido transmitido da Previdência para os Serviços Médico-Sociais e destes para a Ré o contrato de trabalho da Autora.
Que esta prestava 30 horas semanais de trabalho à
Ré, exercendo, simultaneamente, funções públicas, como médica especialista, no Hospital de São João, no regime de tempo completo prolongado de 45 horas por semana.
Que a Ré lhe impôs a redução nos seus serviços das 30 horas semanais de trabalho para 9, com a correspondente redução da retribuição, a partir de 20/11/86, com fundamento em acumulação com o seu trabalho hospitalar de 45 horas por semana, perfazendo, portanto, mais de 54 horas semanais.
A Ré contestou e, em síntese, alegou que a Autora não tem qualquer razão já que a redução efectuada obedeceu ao preceituado na lei, nomeadamente, nas disposições do Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio e no Decreto-Lei nº 373/79 - Estatuto do Médico
- diplomas que obstam ao exercício cumulativo de funções por tempo superior a 54 horas semanais.
Que, por outro lado, a Autora não obteve despacho do membro do governo competente para efectuar a acumulação, nem organisou o processo de acumulação e que apenas ficaria completo com o deferimento ministerial da autorização para acumular.
Que a deliberação da Ré foi, consequentemente, legal pelo que nenhum direito assiste à Autora quer em relação às retribuições pedidas, quer quanto aos correspondentes juros, na medida em que só, após julgamento se determina o pagamento e seu montante, pelo que a existência da obrigação não é certa, líquida e exigível, apenas o sendo após o trânsito em julgado da sentença de condenação.
E conclui pela improcedência da acção.
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Considerando que o processo continha todos os elementos para uma decisão conscienciosa, o juiz do tribunal "a quo" conheceu directamente do pedido e, julgando a acção parcialmente provada, condenou a
Ré a pagar à Autora a quantia de 2753466$70, respeitante à diferença de remuneração no período que vai de 20 de Novembro de 1986 a Junho de 1990, e absolveu-a do pedido de juros de mora.
X
Inconformada com o decidido, interpôs a Ré o competente recurso de apelação, assim concluindo a sua alegação:
X
"I - O presente recurso atem-se à questão da imposição legal do "plafond" máximo de 54 horas semanais, nos casos de acumulação de médicos ao serviço da recorrente, com serviços hospitalares, e aqueloutra questão de em qualquer caso, a acumulação de serviços sobreditos carecer de consentimento, mediante promoção de processo de acumulação junto das Administrações Regionais de Saúde.
II - O regime pós-laboral a que se encontra sujeito o contrato que vincula a recorrida à recorrente, é de direito privado, não se confundindo, porém com o R. J. C. I. T. inaplicável no caso "sub judice", mercê do disposto no artigo 7 do Decreto-Lei nº 49408, diploma básico enformador daquele regime jurídico.
III - O contrato de trabalho da recorrida encontra, em consequência, a sua disciplina no despacho normativo ministerial de 8 de Janeiro de 1970
( in "Diário do Governo" II Série, de 03/02 ), em despachos ministeriais avulsos diversos e finalmente, no Decreto-Lei nº 373/79 ( Estatuto do Médico ) - e é um contrato de natureza privada subordinado a regime pós-laboral especial sobredito e não ao regime geral - como aliás, nisso convém a sentença recorrida.
IV - O artigo 33, nº 2 do dito diploma não embarga nem colide com a aplicação do falado preceito à recorrida visto que necessário seria, para tanto, que se tivesse previsto um regime especial de acumulações no Estatuto do Médico ( Decreto-Lei nº 373/79 ) o que não sucedeu, pois é, justamente, este diploma que o nº 1 do artigo 15, remete a disciplina das acumulações para a lei geral ( inclusivé o Decreto-Lei nº 110-A/81 ) quando impõe a aplicação da "demais legislação" sobre acumulações.
V - Assim como, fazer uma interpretação estática em vez de dinâmica, em relação ao nº 1 do artigo 15 do Estatuto Médico, quando este remete para a demais legislação em vigor, também não é razoável, já que o legislador pretendeu foi, claramente, deixar em aberto as futuras alterações ao regime.
VI - De sorte que, em todo o caso, por via de remissão constante do nº 1 do artigo 15 do Decreto- -Lei nº 373/79, é de aplicar a limitação, nas acumulações de funções à recorrida, a 54 horas semanais, nos termos imperativa e exaustivamente fixados no nº 2 do artigo 22 do Decreto-Lei nº 110-A/81.
VII - À parte a questão supra, o artigo 15 do Estatuto do Médico, restringe a possibilidade de acumulação a outros condicionalismos por ele próprio impostos, quando esse nº 3 estabalece:
"É permitido o exercício simultâneo de funções hospitalares e em Serviços Médico-Sociais (...) através de processo de acumulação a organizar pelas Administrações Regionais de Saúde".
VIII - Donde resulta inequívoco que os médicos abrangidos pelo Estatuto ( e são todos os ao serviço da recorrente - cfr. artigo 1 deste diploma incluindo a recorrida ) para acumular funções hospitalares com as dos Serviços Médico-Sociais ( actuais Administrações Regionais de Saúde ) só o poderão fazer com autorização através das Administrações de Saúde mediante processo de acumulação.
IX - É que a recorrida, face àquele dispositivo legal tinha obrigação de requerer a autorização para acumular e bem assim promover a organização do processo - não suscita dúvidas.
X - De sorte que agiu concreta e legalmente ( e diremos mesmo benevolente ou generosamente ) a recorrente, quando se limitou a reduzir o horário da recorrida, em vez de a impedir de exercer funções.
XI - A douta sentença recorrida infringiu, pois, o disposto no nº 1 do artigo 15 do Decreto-Lei nº 373/79, conjugado com o artigo 22, nº 2 do Decreto- -Lei nº 110-A/81 e quando assim se não entenda, violou em qualquer caso, o disposto no nº 3 do artigo 15 do Estatuto do Médico."
X
Foi apresentada contra-alegação no sentido da confirmação do julgado.
X
O recurso foi admitido, os autos subiram a esta Relação e, efectuada a revisão a que se refere o artigo 701 do Código de Processo Civil, foram com vista ao Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto nada tendo sido requerido ou promovido.
X
Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos cumpre decidir.
Para isso vejamos qual a matéria de facto em que se alicerçou a decisão recorrida.
Foi a seguinte:
1) A A. foi contratada pela Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito do Porto, para lhe prestar serviço, sob a sua autoridade e direcção, como médica assistente, nos seus serviços médico- -sociais, em Setembro de 1986;
2) Os serviços médico-sociais da Previdência passaram a constituir um serviço oficial dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa, denominado Serviços Médico-Sociais, pelo Decreto- -Regulamentar nº 12/77, de 7 de Fevereiro;
3) Pelo Decreto-Lei nº 124/79, de 10 de Maio, o pessoal dos Serviços Médico-Sociais foi integrado na função pública, mas salvaguardou-se a hipótese, no artigo 41, de os trabalhadores optarem, no prazo de
20 dias, pelo mesmo regime; este prazo foi ampliado, em relação aos médicos, até 2 de Novembro de 1982, nos termos do artigo 5 do Decreto-Lei nº 373/79, de 8 de Setembro conjugado com o artigo 44 do Decreto-Lei nº 310/82, de 3 de Agosto.
4) A A. fez essa opção e, como tal, continuou a descontar para a Previdência, ora Segurança Social e não para a Caixa Geral de Aposentações, sobre a retribuição auferida.
5) Os Serviços Médico-Sociais foram integrados na
R., como seu estabelecimento, por força do artigo
2, nº 1 do Decreto-Lei nº 254/82, de 29 de Junho, diploma da sua constituição.
6) A A. prestava 30 horas semanais de trabalho à R., sendo 12 horas na U. S. de Oliveira do Douro e 18 horas na U. S. Soares dos Reis, no âmbito deste contrato de trabalho.
7) Exercia, simultaneamente, funções públicas, como médica especialista, no Hospital de São João, no regime de tempo completo prolongado: 45 horas por semana.
8) Por entender que, com as 30 horas que lhe prestava, a A. perfazia mais do que 54 horas por semana, a R. deliberou impor-lhe a redução nos seus serviços do período semanal de 30 para 9 horas, com a correspondente retenção da retribuição, a partir de 02/11/86.
9) A remuneração da A. correspondente às 30 horas era a seguinte:
Em 1986 - 66700$00.
Em 1987 - 74400$00.
Em 1988 - 90300$00.
Em 1989 - 102800$00.
Em 1990 - 102800$00.
10) Tendo recebido pelas 9 horas:
Em 1986 - 66700$00 até 20/11 e, posteriormente, 20000$00.
Em 1987 - 22300$00.
Em 1988 - 24100$00.
Em 1989 - 26600$00.
Em 1990 - 26600$00.
A A. pediu a exoneração em 2 de Julho de 1990 com efeitos imediatos.
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O Direito:
Para além da questão secundária suscitada nos últimos seis artigos da contestação e que, por não compreendida nas conclusões da alegação da recorrente não há, agora, que apreciar, não se suscitam quaisquer dúvidas que o problema posto à consideração deste Tribunal se traduz em saber se era ou não lícito à Ré impor à Autora a redução do tempo de trabalho que lhe prestava, com a correspondente diminuição de remuneração, baseando a respectiva deliberação na acumulação de funções por aquela praticada.
Problema que nos parece não poder deixar de conexionar-se com a natureza jurídica do vínculo contratual estabelecido entre a Autora e a Ré até porque nos termos do disposto no nº 4, do artigo 269 da Constituição da República "não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei."
Donde, face à Lei Fundamental, a proibição ora referida abranger, apenas, a acumulação de cargos ou empregos públicos.
É certo que a apelante é uma entidade do Estado, um instituto público, natureza que lhe é conferida pelo Decreto-Lei nº 254/82, de 29/06, na qual se integram os Serviços Médico-Sociais que, aliás, eram já um serviço oficial dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa, nos quais a apelada se integrou, na sequência da sua admissão, em Setembro de 1968, na Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito do Porto.
Acontece, porém, o que qualifica como tal as funções de determinada agente é a natureza do contrato que firmou com a Administração Pública, isto é, o contrato administrativo.
A verdade, porém, é que nem só este tipo de contrato é jurídicamente possível entre ela e um particular.
Com efeito, uma relação jurídica em que a Administração intervenha frente a um particular deverá qualificar-se como administrativa ou privada, conforme aquela intervenha em condições de desigualdade ou condições de igualdade com o último, com referência à disciplina jurídica com que a lei tutela tal relação.
Assim, se no primeiro caso se geram os referidos contratos administrativos, no segundo originam-se contratos de direito privado, designadamente os contratos de trabalho.
Neste sentido se pronunciou a Procuradoria Geral da República ao entender que "o direito do trabalho regula algumas relações jurídicas estabelecidas entre os particulares e a administração, quando esta intervém numa veste meramente privada" - Parecer publicado no Diário da República II Série, nº 101, de 02/05/80 - e quando entendeu, também, que "o Estado ou os entes públicos podem firmar contratos de trabalho de direito privado, ficando sujeitos ao regime jurídico do contrato individual de trabalho"
- Parecer publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nºs 8 e 9, Agosto/Setembro de 1981, página 594.
Ora este, é, precisamente, o caso da apelada que, inicialmente contratada - Setembro de 1968 - pela Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito do Porto para lhe prestar serviço, sob a sua autoridade e direcção, como médica assistente, se viu integrada, bem como o restante pessoal dos Serviços Médico-Sociais da Previdência, nos Serviços Médico-Sociais na sequência do Decreto-Regulamentar nº 12/77, de 07/02 que conferiu autonomia administrativa aos Serviços Médico-Sociais, ressalvando-se, contudo, o respeito pelos direitos e regalias de que gozava aquele pessoal de acordo com a legislação do trabalho que lhes era aplicável.
Posteriormente, o artigo 1 do Decreto-Lei nº 124/79, de 10/05, integrou o referido pessoal na função pública, mas pelo nº 2, do seu artigo 45, concedeu-lhe o direito de opção pela nova qualidade ou pela continuação, sob o regime anterior, do contrato de trabalho, devendo essa opção ser manifestada dentro de determinado prazo.
E a apelada - consoante se constata da matéria de facto dada por provada - optou por este regime do contrato de trabalho, "continuando a descontar para a Previdência, ora Segurança Social e não para a Caixa Geral de Aposentações, sobre a retribuição auferida".
Criadas as Administrações Regionais de Saúde, pelo artigo 2, do Decreto-Lei nº 254/82, de 29/06, nelas foram integrados os Serviços Médico-Sociais, mas o seu artigo 10, nº 2, manteve a situação anterior do pessoal médico, que assim continuou a ser respeitado.
Continuaram, pois, a coexistir, duas qualidades de pessoal médico: a daqueles que não quiseram ou não fixaram a aludida opção em devido tempo e que, por isso, se integraram na função pública e a daqueles que expressamente optaram, dentro do prazo estabelecido, pelo regime do contrato individual de trabalho - caso da apelada.
É certo, que em 1979 fora publicado o chamado Estatuto do Médico ( Decreto-Lei nº 373/79, de 08/09 ), o qual, necessariamente, se aplica a todos os médicos, qualquer que seja a sua qualidade - artigo 1, nº 1.
Mas certo é também que, não obstando o transcrito preceito constitucional de proibição de acumulações, o seu artigo 15, nºs 1 e 3, admite essas acumulações ao estatuir:
Nº 3: "É permitido o exercício simultâneo de funções hospitalares e nos Serviços Médico-Sociais ou outros serviços extra hospitalares, sem redução de remuneração, através de processo de acumulação a organizar pelas administrações distritais de Saúde".
Isto, depois de o nº 1 estabelecer:
"Enquanto não for possível organizar os serviços públicos em moldes que permitam a cada médico o exercício de funções em uma só unidade de saúde, serão permitidas acumulações de acordo com os condicionalismos impostos pelo presente diploma e demais legislação em vigor".
O que, aliás, se harmoniza perfeitamente com a citada norma constitucional já que constitui caso expresso de admissibilidade de acumulação de funções, mesmo que efectivamente tivessem natureza pública.
E, procurando tirar partido do disposto na parte final, do referido artigo 15, considera a apelante que as limitações resultantes dos condicionalismos impostos pelo referido diploma e demais legislação em vigor não poderão ignorar as estabelecidas pelo Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio e em cujo nº 2, do artigo 22 se estabelece que "Em caso algum a duração total do trabalho resultante do regime de acumulação poderá ser superior a cinquenta e quatro horas semanais".
Não pode, porém, o citado nº 2 deixar de ser conjugado com o nº 1 do mesmo artigo e no qual se prescreve que "apenas será permitida a acumulação de lugares ou cargos públicos desde que o funcionário ou agente possa cumprir os horários correspondentes a cada uma das funções exercidas".
Conjugação de que, inevitavelmente, resulta a indicação do âmbito de aplicação dos respectivos normativos: a acumulação de lugares ou cargos públicos.
Nada mais.
Pelo que se qualquer médico acumular funções de carácter público e as exercer em horário excedente ao limite máximo permitido, sem dúvida que ele terá de ser reduzido na medida necessária para o confinar ao máximo permitido.
Mas só nesses casos.
Não é, todavia, a hipótese "sub judice" já que a apelada exercendo, embora, um cargo desta índole em trabalho hospitalar, encontrava-se vínculada à apelante por um contrato de trabalho de natureza privada, estando, por conseguinte, fora da previsão do nº 2, do artigo 22, do Decreto-Lei nº 110-A/81, pelo que, com fundamento nesse normativo não era lícito à apelante reduzir-lhe o seu horário.
Invoca, ainda, a apelante, em favor da sua tese, o disposto no nº 3, do artigo 15, do Estatuto Médico e no qual se preceitua que "É permitido o exercício simultâneo de funções hospitalares e nos Serviços Médico-Sociais... através de processo de acumulação a organizar pelas Administrações Distritais de Saúde".
Pelo que a acumulação de funções hospitalares com as dos Serviços Médico-Sociais ( actuais Administrações Regionais de Saúde ) só seriam possíveis mediante autorização através da Administração de Saúde mediante processo de acumulação, competindo à apelada requerer a autorização para acumular e bem assim promover a organização do respectivo processo o que aquela não fez.
A nosso ver, porém, não tem razão.
Na verdade o que inequivocamente resulta da interpretação do transcrito nº 3, do artigo 15, do Estatuto do Médico, é que o processo de acumulação
é organizado pelas Administrações Regionais de Saúde, pelo que lhes competirá, logicamente, levar a efeito todas as diligências necessárias para isso.
Sendo assim, a redução do horário da apelada levada a efeito, unilateralmente, pela apelante com a consequente redução da retribuição, a partir de 20/11/86, mais não traduz do que uma imposição arbitrária, gravemente ofensiva dos direitos daquela pois, atenta a natureza privada do respectivo contrato, qualquer alteração ou modificação do seu objecto só seria possível, verificando-se mútuo acordo das partes.
Improcedem, pois, globalmente, as conclusões da douta alegação da recorrente.
Em conformidade, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em confirmar a decisão recorrida.
Sem custas atenta a isenção da apelante.
Porto, 27 de Maio de 1991
António Manuel Leitão Santos
João Gonçalves
Abel Saraiva