Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0240911
Nº Convencional: JTRP00036154
Relator: TORRES VOUGA
Descritores: ESCUTA TELEFÓNICA
PROVAS
Nº do Documento: RP200401140240911
Data do Acordão: 01/14/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J V N FAMALICÃO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: O conteúdo das escutas telefónicas que se encontra transcrito no processo, para valer como prova, não tem que ser lido ou examinado na audiência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

Na comarca de Vila Nova de Famalicão, mediante acusação do Ministério Público, foram julgados em processo comum, perante o Tribunal Colectivo, os arguidos a seguir identificados, tendo sido condenados:

a) o ABEL ....., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º nº 1, com as agravantes previstas no artigo 24º als. b) e c), na pena de 13 (treze) anos de prisão;

b) a MARIA DA CONCEIÇÃO ....., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º nº 1, com as agravantes previstas no artigo 24º als. b) e c), na pena de 7 (sete) anos de prisão;

c) o ANTÓNIO JOSÉ ...., pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º nº 1, com as agravantes previstas no artigo 24º als. b) e c), na pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;

d) o ALBERTO ..... pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º nº 1, com as agravantes previstas no artigo 24º als. b) e c), na pena de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão; e,

e) a MARIA DA GLÓRIA ...., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto pelo artigo 21º nº 1 e punível nos termos do artigo 25º, al. a), todas as disposições do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução foi declarada suspensa pelo período de 3 anos, nos termos do artigo 50º do Cód. Penal.

Esta Relação, por Acórdão proferido em 30/10/2002 (a fls. 1176-1237), negou provimento aos recursos interpostos contra tal decisão por todos os Arguídos condenados, tendo confirmado integralmente o acórdão recorrido.

Contra o referido Acórdão desta Relação interpuseram então os Arguídos condenados recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por Acórdão proferido em 4/6/2003 (a fls. 1350-1399) e já transitado em julgado, decidiu:

a) conceder provimento aos recursos das arguídas MARIA DA CONCEIÇÃO e MARIA DA GLÓRIA, revogando o acórdão recorrido para ser substituído por outro que decida em conformidade, por um lado, com a doutrina (adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de fixação de jurisprudência de 16/1/2003, publicado in Diário da República, I Série-A, de 30/1/2003) segundo a qual, tendo havido gravação da prova produzida em audiência e «sempre que o recorrente impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, em conformidade com o disposto nos nºs 3 e 4 do art. 412º do Código de Processo Penal, a transcrição ali referida incume ao tribunal» e, por outro, com a declaração (feita pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão de 9/7/2002, publicado in Diário da República, I Série-A, de 7/10/2002), com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade, por violação do art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do art. 412º, nº 2, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguído, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência;

b) negar provimento aos recursos dos arguídos ALBERTO ..., ANTÓNIO ... e ABEL ..., sem prejuízo do benefício que lhes possa advir do conhecimento da matéria de facto, por parte da Relação, em relação àquelas arguídas MARIA DA CONCEIÇÃO e MARIA DA GLÓRIA.

Em obediência ao assim decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, esta Relação ordenou a baixa do processo à 1ª instância, a fim de aí se proceder à transcrição integral das declarações produzidas em julgamento (cfr. o despacho proferido a fls. 1418).

Uma vez efectuada, na 1ª instância, a transcrição integral das declarações produzidas em audiência de julgamento (cfr. o Apenso organizado no 2º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão), o processo voltou a esta Relação para os fins ordenados no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

Antes, porém, de se conhecer do mérito dos recursos interpostos para esta Relação pelas Arguídas MARIA DA CONCEIÇÃO e MARIA DA GLÓRIA, facultou-se a ambas, na senda do cit. Acórdão do Tribunal Constitucional de 9/7/2002 (publicado in Diário da República, I Série-A, de 7/10/2002), a oportunidade de suprirem a deficiência de que enfermavam as conclusões das primitivas motivações de recurso por elas oportunamente apresentadas, consistente na omissão da especificação - por referência aos suportes técnicos das gravações das declarações produzidas em audiência de julgamento - das provas que, segundo estas recorrentes, imporiam decisão diversa da recorrida – como exige o nº 4 do art. 412º do Código de Processo Penal, com referência à al. b) do nº 3 do mesmo preceito.

No uso de tal faculdade, a Arguída MARIA DA CONCEIÇÃO apresentou uma nova motivação, que rematou com as seguintes conclusões:

1) Dos elementos de prova colocados à disposição do Tribunal “A Quo” não é legítimo concluir, por ausência total de matéria factual, que a recorrente tivesse conhecimento da actividade do marido e do co-réu Abel assim como dos restantes.

2) Que, com o seu conhecimento, a sua residência tenha sido utilizada para guardar, embalar, posar e ou vender qualquer produto estupefaciente.

3) Que alguma vez ela tenha guardado, transportado, embalado, dividido adquirido ou vendido tal produto a quem quer que fosse, por si só ou acompanhada do seu marido a qualquer um dos indivíduos ou a quem quer que seja.

4) Do depoimento e declarações dos Agentes da PJ, demais arguidos e testemunhas resulta que ninguém conhece a recorrente, não lhe encomendaram, adquiriram ou venderam estupefacientes nem esta alguma vez foi vista a transacionar tal produto.

5) O Tribunal “A Quo” confundiu experiência comum com PRESUNÇÃO, instituto este inadmissivel no âmbito da Lei Penal.

6) O Tribunal “A Quo”, ao socorrer-se de ilações baseadas em presunções, não fez mais do que procurar contornar o principio do “In Dubio Pro Reo” que aqui se considera violado;

7) O tribunal “A Quo” considerou factos como provados, quando de modo claro deveria considerá-los como não provados, como seja os encontros da recorrente com o Miranda, o Fausto ou a Maria da Glória ou ainda como a sua pseudo-deslocação a Alverca;

8) O Tribunal “A Quo”, tendo unicamente como base as transcrições telefónicas, deu como provado, sem cuidar de apurar a existência da transmissão, que a recorrente transacionou com um tal Hélder, Luis, Paulo, Victor, entre outros, quando das ditas conversas nada resulta.

9) O Tribunal “A Quo”, ao assim agir, premiou a ineficácia da PJ e penalizou o cidadão, sendo certo que a PJ tem e teve todos os meios para fornecer provas materiais das pseudo-transações de que a recorrente vem acusada.

10) As transcrições das conversas não são por si só prova cabal se das mesmas não resultarem elementos fácticos constitutivos do crime, não sendo legítimo recorrer-se à experiência comum para colmatar tal falta.

11) O Tribunal “A Quo”, ao não aplicar o princípio “In Dubio Pro Reo”, violou o artigo 32º da Constituição.

12) O Tribunal “A Quo”, ao valorar como fez as transcrições telefónicas, violou o disposto no nº 1 do artigo 355º do CPP.

13) O Tribunal “A Quo” fez uma apreciação errada dos factos que o levou a que, sem qualquer suporte fáctico, a considerar provados factos que não existiram nem consubstanciaram em resultados.

14) O Tribunal “A Quo”, em nítida contradição, aceita por um lado a falta de actuação consertada da recorrente e absolve-a e, por outro lado, dá como provado que esta, a mando do marido Abel, transacionava produtos estupefacientes.

15) O Tribunal “A Quo”, ao condenar a recorrente em 7 anos de prisão efectiva, não levou em consideração que ela:

a) É primária

b) Tem dois filhos menores e estudantes

c) É de condição humilde e de fracos recursos

d) É a única fonte de rendimentos e subsistência, sua e do seu agregado familiar;

Sendo que a finalidade última da Lei será totalmente realizada, sempre e em última instância pela suspensão da pena.

16) Termos em que, e tendo como referência os suportes magneticos, devidamente transcritos, e constituídos pelas conversas telefónicas, depoimento dos Agentes da PJ e demais co-arguidos e declarações das testemunhas (art. 412º-4 do CPP), deve o douto Acordão ora recorrido ser revogado na parte aqui impugnada com a consequente absolvição da recorrente.

Também a Arguída MARIA DA GLÓRIA, pelo seu lado, fez uso da faculdade que lhe foi concedida de suprir a apontada deficiência das conclusões da sua primitiva Motivação, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A.- O Tribunal “a quo” deu como provado que se realizaram transacções de estupefacientes baseado apenas em telefonemas, ou seja, presume o Tribunal recorrido que sempre que se combinou uma negociação, a mesma se efectivou.

B.- De facto, a restante prova que fundamenta os factos atinentes à recorrente prendem-se exclusivamente com a sua identificação como interlocutora nas conversas telefónicas que lhe são imputadas.

C.- Apesar de, numa das conversas relativas as duas eventuais transacções documentadas nos autos, se ter combinado o preço, a hora e o local de entrega da mercadoria, não foi feita a verificação desse facto, e no que tange a outra conversa nada de concreto se sabe acerca da negociação.

D.- Na definição do art.º 21º do DL 15/93 fala-se em comprar e não em encomendar como no caso vertente !!!

E.- A actuação da recorrente só pode caber no âmbito dos actos de execução, ou seja na tentativa, tal como é definida pelo art.º 22º/2 b) do Cód. Penal, por ausência de prova da consumação!

F.- Não nos podemos esquecer que neste comércio, tal como no legítimo (ou porventura de modo até mais acentuado) surgem muitos imponderáveis: a escassez do produto, a falta de recursos, a promiscuidade e inerência de outras situações igualmente reprováveis, corno furto, roubo, prostituição, etc.

G.- O princípio do “in dubio pro reo” contido no art.º 32º da Constituição foi claramente violado, pelo que para os devidos efeitos se argui a inconstitucionalidade do art.º 21º e 25º do DL 15/93 de 22/1, interpretados como foram pelo “Tribunal a quo” no sentido de presumir a compra através da prova da encomenda, e combinação de hora e local de entrega, através das regras de experiência comum!

H.- Deveria a recorrente ter sido condenada pelo crime previsto pelo art.º 21º/1 e punido pelo art.º 25º, a), ambos do DL 15/93, na forma tentada, com a consequente redução da pena aplicada!

I.- Foram assim violadas, pelo modo interpretado, as disposições ínsitas nos artº.s 21º e 25º do DL 15/93, de 22/1, 32º da CRP e 22º do C. Penal (este por não ter sido, como devia, aplicado).

J) Termos em que deve o acórdão que se impugna ser parcialmente revogado, condenando-se a recorrente apenas por tentativa, com a consequente redução de pena, como é de JUSTIÇA.”

O MINISTÉRIO PÚBLICO, notificado do teor das novas motivações de recurso ora apresentadas pelas Arguidas MARIA DA CONCEIÇÃO e MARIA DA GLÓRIA, suscitou uma questão prévia: a do não conhecimento do recurso interposto pela Arguida MARIA DA CONCEIÇÃO, por a mesma não ter feito uso da faculdade que este Tribunal lhe proporcionou de suprir a apontada deficiência de que enfermava a sua primitiva motivação dentro do prazo que, para tanto, lhe concedeu.

Colhidos os vistos e efectuada a audiência prevista nos arts. 421º, nºs 1 e 2, e 429º do CPP, cumpre apreciar e decidir.

FACTOS PROVADOS

São os seguintes os factos que o acórdão recorrido indica como estando provados:

1) Desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos desde início do mês de Março de 2000 e até à sua detenção, ocorrida em 2 de Junho de 2000, o arguido Abel dedicou-se com regularidade à venda lucrativa de produtos estupefacientes, nomeadamente, heroína e cocaína, o que vinha fazendo em vários locais da área desta e de outras comarcas, actividade que levava a efeito a partir da sua residência sita no ....., Vila Nova de Famalicão.

2) Para o efeito, o arguido Abel adquiria tais produtos em Espanha, a indivíduos cujas identidades concretas não foi possível determinar, bem como a um indivíduo chamado Fausto ..... e ao arguido Alberto ... .

3) Igualmente, o arguido António ..., desde data não concretamente apurada, mas pelo menos fins de Março de 2000 e até à data da sua detenção, ocorrida em 2 de Junho de 2000, vinha-se dedicando com regularidade à venda lucrativa de produtos estupefacientes, nomeadamente, heroína e cocaína, o que vinha fazendo em vários locais da área da comarca de Guimarães, desta e de outras comarcas.

4) Para o efeito, o arguido António .... adquiria tais produtos - pelo menos - em Espanha, a indivíduos cuja identidade concreta não foi possível apurar.

5) Em algumas ocasiões, os arguidos Abel e António forneciam um ao outro heroína e cocaína.

6) Também o arguido Alberto ...., pelo menos nos meses de Março a Junho de 2000, dedicou-se com regularidade à venda lucrativa de produtos estupefacientes, nomeadamente, heroína e cocaína, o que vinha fazendo em vários locais, actividade que levava a efeito a partir da sua residência sita em ......, abastecendo, entre outros indivíduos, o arguido Abel.

7) Na sua descrita actividade de venda de produtos estupefacientes, contava o arguido Abel com a colaboração da arguida Maria da Conceição, sua mulher.

8) Uma vez adquiridos tais produtos, o arguido Abel guardava-os na sua referida residência, onde os dividia, pesava e embalava, nas porções em que iriam ser vendidos aos respectivos compradores, entregando-os a estes, que por sua vez os destinavam a ser vendidos.

9) Igualmente, a arguida Maria da Conceição, em algumas ocasiões, acompanhava o arguido Abel para comprarem produtos estupefacientes junto dos respectivos fornecedores, produtos esses que ambos transportavam para a respectiva residência, bem como se encarregava de proceder à divisão e embalamento de tais produtos, sendo esta quem, por vezes, ia entregar a heroína e a cocaína vendidas pelo arguido Abel aos respectivos compradores.

10) Por seu turno, o arguido António ...., na sua descrita actividade de venda de estupefacientes, deslocava-se junto dos fornecedores de heroína e cocaína, para ir buscar os produtos encomendados e pagar o respectivo preço.

11) Entre os indivíduos que compravam heroína e cocaína aos arguidos Abel e Maria da Conceição, contavam-se a arguida Maria da Glória, bem como outros cuja identidade concreta não foi possível determinar, mas que nos contactos com aquele usavam os nomes de Vítor, Albano, Helder, Xavier, Rogério, Luís e Paulo.

12) A arguida Maria da Glória comprava heroína e cocaína ao arguido Abel, servindo como intermediária entre este e uma pessoa do sexo feminino cuja identidade não foi possível determinar.

13) Assim, a arguida Maria da Glória transmitia ao arguido Abel as encomendas daquela pessoa, recebia dele as quantidades de heroína e cocaína assim encomendadas e pagava-lhe o preço respectivo, entregando depois tais produtos àquela pessoa, que os destinava à venda lucrativa a terceiros.

14) Além de outras transacções cujas datas em concreto não foi possível determinar, o arguido Alberto vendeu ao arguido Abel heroína e cocaína, pelo menos, em duas ocasiões.

15) Em data não concretamente apurada, mas situada entre os dias 18 e 25 de Março de 2000, o arguido Abel encomendou por telefone ao arguido Alberto que este lhe vendesse dois ou três quilos de heroína, o que este último aceitou, fixando-lhe o preço de 5.500.000$00 por cada quilo de tal produto.

16) Assim, o arguido Abel deslocou-se a Alverca, onde se encontrou com o arguido Alberto, tendo este entregue àquele pelo menos dois quilos de heroína, em troca do que o primeiro lhe entregou 5.500.000$00 por cada quilo de tal produto.

17) Na posse de tal heroína, o arguido Abel transportou-a para a sua residência, após o que procedeu à sua venda.

18) Em data não concretamente apurada, mas situada entre os dias 25 e 30 de Março de 2000, o arguido Abel encomendou ao arguido Alberto que lhe vendesse cocaína, o que este aceitou.

19) Assim, os arguidos Abel e Maria da Conceição encontraram-se em Alverca com o arguido Alberto, onde este lhes entregou cocaína em quantidade não apurada, a troco de dinheiro que aqueles lhe entregaram.

20) Na posse de tal cocaína, os arguidos Abel e Maria da Conceição transportaram a mesma para a respectiva residência, após o que procederam à sua venda.

21) Além de outras transacções cujas datas concretas não foi possível determinar, o arguido Abel comprou heroína e cocaína ao referido Fausto .... nas seguintes ocasiões:

a) Em datas não concretamente apuradas mas situadas entre 22 e 26 de Abril de 2000, o arguido Abel comprou, por duas vezes, vinte gramas de heroína e cocaína de cada vez, que lhe foram entregues pelo Fausto ;

b) Entre 26 de Abril e 4 de Maio de 2000, o arguido Abel comprou 200 gramas de heroína, que lhe foram entregues pelo Fausto ;

c) Entre 4 e 28 de Maio de 2000, o arguido Abel comprou 100 gramas de heroína, que lhe foram entregues pelo Fausto ;

d) Entre 28 e 31 de Maio de 2000, o arguido Abel comprou 100 gramas de heroína, que lhe foram entregues pelo Fausto e

e) Em data não concretamente apurada, mas igualmente situada entre 28 e 31 de Maio de 2000, os arguidos Abel e Maria da Conceição contactaram o referido Fausto, que lhes entregou quantidade não apurada de cocaína e heroína, que aqueles dois transportaram para a respectiva residência.

22) Em data não concretamente apurada, mas situada entre 10 e 13 de Abril de 2000, o arguido António encomendou ao arguido Abel cerca de dez gramas de cocaína, pelo preço de 140.000$00.

23) Tendo o arguido Abel aceitado tal encomenda, o arguido António, por forma não concretamente apurada, recebeu aquelas dez gramas de cocaína, entregando àquele a referida quantia em dinheiro.

24) Em data não concretamente apurada, mas situada entre 13 e 18 de Abril de 2000, o arguido António encomendou ao arguido Abel cerca de cinco gramas de cocaína, numa ocasião, e cerca de dez gramas de cocaína, noutra ocasião.

25) Tendo o arguido Abel aceitado tais encomendas, em ambas aquelas ocasiões, ele próprio foi entregar tal produto ao arguido António.

26) Nesse mesmo período temporal, o arguido Abel comprou ao arguido António vinte gramas de heroína, que este lhe entregou a troco de dinheiro em quantia não apurada.

27) Em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre os dias 18 e 22 de Abril de 2000, o arguido António vendeu cerca de duzentas gramas de heroína a indivíduo cuja identidade em concreto não foi possível determinar, numa ocasião, e cerca de cem gramas de heroína ao arguido Abel, noutra ocasião, produtos esses que efectivamente lhes entregou a troco de quantias em dinheiro.

28) Nesse mesmo período temporal, o arguido António comprou cerca de cem gramas de cocaína a indivíduo cuja identidade em concreto não foi possível apurar, produto esse que efectivamente recebeu.

29) O arguido António dividiu tal produto em doses individuais, vulgarmente denominadas “pacotes”, que depois vendeu a indivíduos que para o efeito o procuraram, a troco de quantias em dinheiro.

30) No mesmo espaço temporal, o arguido António comprou ao arguido Abel quantidade não concretamente apurada de cocaína, que igualmente dividiu em embalagens de cerca de uma grama que vendeu a 7.500$00 cada uma.

31) Em data não concretamente apurada mas situada entre os dias 26 de Abril e 4 de Maio de 2000, o arguido António comprou a indivíduo cuja identidade não foi possível determinar quantidade não apurada de cocaína, da qual veio a entregar ao arguido Abel, a troco de dinheiro, cerca de 40 gramas.

32) No mesmo período temporal, o arguido António comprou a indivíduo cuja identidade não foi possível apurar cerca de um quilo de cocaína.

33) Para misturar nessa heroína, o arguido António comprou ao arguido Abel quantidade não apurada de um produto vulgarmente denominado “traço holandês”.

34) Em data não concretamente apurada, mas situada entre os dias 4 e 28 de Maio de 2000, o arguido António comprou ao arguido Abel cerca de vinte gramas de heroína.

35) Entre os dias 25 de Março e 6 de Abril de 2000, a arguida Maria da Glória comprou ao arguido Abel cerca de dez gramas de cocaína, ao preço de 8.000$00 cada grama.

36) Para o efeito o arguido Abel entregou à arguida Maria da Glória a referida cocaína, recebendo desta o respectivo preço.

37) Uma vez na posse de tal produto, a arguida Maria da Glória entregou o mesmo a pessoa cuja identidade em concreto não foi possível determinar.

38) No âmbito da sua descrita actividade de tráfico de produtos estupefacientes, vinha o arguido Abel vendendo heroína e cocaína a diversos indivíduos, que posteriormente a vendiam directamente a consumidores ou a outros indivíduos para revenda.

39) Assim, entre os dias 16 e 25 de Março de 2000, o arguido Abel vendeu:

a) heroína e cocaína, em quantidade não apurada, a indivíduo cuja identidade não foi possível determinar;

b) por duas vezes, heroína e cocaína em quantidade não apurada, ao referido indivíduo de nome Vítor;

c) heroína e cocaína, em quantidade não apurada, ao referido indivíduo de nome Albano;

d) heroína e cocaína, em quantidade não apurada, ao referido indivíduo de nome Helder e,

e) heroína e cocaína, em quantidade não apurada, ao referido indivíduo de nome Luís.

40) Entre os dias 25 de Março e 6 de Abril de 2000, o arguido Abel vendeu:

a) ao indivíduo de nome Vítor, por três vezes, heroína e cocaína em quantidade não apurada, noutra ocasião cocaína em quantidade não apurada, e noutra ainda, cerca de cinco gramas de heroína e,

b) ao indivíduo de nome Helder, por duas vezes, cerca de cinco gramas de cocaína de cada vez, e noutras três ocasiões heroína e cocaína em quantidade não apurada, sendo que numa de tais ocasiões foi a arguida Maria da Conceição quem entregou a heroína e cocaína na residência do referido Helder.

41) Entre os dias 6 e 13 de Abril de 2000, o arguido Abel vendeu:

a) ao referido Vítor, numa ocasião, cerca de dez gramas de heroína e, noutra ocasião, heroína e cocaína em quantidade não apurada, sendo que em ambas foi a arguida Maria da Conceição quem, a mando do arguido Abel, entregou tais produtos àquele ;

b) ao mesmo Vítor, em ocasiões distintas, sete gramas de heroína e quatro gramas de cocaína, cinco gramas de heroína e cinco gramas de cocaína, dez gramas de cocaína, bem como heroína e cocaína em quantidade não apurada;

c) ao referido Helder, em duas ocasiões, heroína e cocaína em quantidade não apurada, e noutra ocasião, cerca de cinco gramas de heroína e,

d) ao referido Luís, numa ocasião, três gramas de heroína e três gramas de cocaína, e noutra ocasião, dez gramas de heroína e duas gramas de cocaína.

42) Entre os dias 13 e 18 de Abril de 2000, o arguido Abel vendeu:

a) ao referido Helder, em duas ocasiões, heroína e cocaína, sendo que numa delas foi a arguida Maria da Conceição quem, a mando do arguido Abel, entregou tais produtos àquele ;

b) ao referido Luís, numa ocasião, cerca de cinco gramas de cocaína e, noutras duas ocasiões, cerca de dez gramas de heroína e dez gramas de cocaína de cada vez ;

c) ao referido indivíduo de nome Xavier, em ocasiões distintas, duas gramas de heroína e duas gramas de cocaína, três gramas de heroína, 5 gramas de heroína e cinco gramas de cocaína, três gramas e meia de heroína, duas gramas de heroína, bem como cinco gramas de heroína, sendo que nesta última ocasião tal produto foi entregue àquele pela arguida Maria da Conceição, a mando do arguido Abel e,

d) ao referido Vítor, cinco gramas de cocaína.

43) Entre os dias 18 e 22 de Abril de 2000, o arguido Abel vendeu:

a) ao referido Xavier, em três ocasiões distintas, três gramas de heroína e uma grama de cocaína, cinco gramas de cocaína, bem como cinco gramas de heroína;

b) ao referido Luís, em três ocasiões distintas, quinze gramas de heroína e dez gramas de cocaína, dez gramas de heroína e dez gramas de cocaína, bem como cinco gramas de cocaína, sendo que este produto foi entregue àquele pela arguida Maria da Conceição, a mando do arguido Abel e,

c) ao referido Helder, cinco gramas de cocaína, que foram entregues a este pela arguida Maria da Conceição, a mando do arguido Abel.

44) Entre os dias 22 e 26 de Abril de 2000, o arguido Abel vendeu:

a) ao referido Luís, cerca de vinte gramas de cocaína, que este lhe pagou ao preço de 10.000$00 por cada grama e,

b) ao indivíduo de nome Rogério, cinco gramas de heroína e cocaína em quantidade não apurada.

45) Entre os dias 26 de Abril e 4 de Maio de 2000, o arguido Abel vendeu:

a) ao indivíduo de nome Paulo, em duas ocasiões distintas, trinta gramas e trinta e cinco gramas de cocaína;

b) ao referido Rogério, em duas ocasiões distintas, quinze gramas de cocaína e dez gramas de heroína e,

c) ao referido Luís, em duas ocasiões distintas, vinte gramas e cinquenta gramas de heroína.

46) Entre os dias 28 de Maio e 1 de Junho de 2000, o arguido Abel vendeu:

a) ao referido Paulo, quinze gramas de cocaína;

b) ao referido Luís, em duas ocasiões distintas, cocaína em quantidade não apurada, sendo que numa dessa ocasiões tal produto foi entregue a este pela arguida Maria da Conceição, a mando do arguido Abel;

c) ao referido Paulo, em duas ocasiões distintas, cocaína em quantidade não apurada, bem como quinze gramas de cocaína e quinze gramas de heroína, sendo que em ambas as ocasiões foi a arguida Maria da Conceição que, a mando do arguido Abel, entregou àquele tais produtos.

47) Nas descritas transacções, os referidos produtos eram encomendados pelos referidos Vítor, Albano, Helder, Xavier, Rogério, Luís e Paulo ao arguido Abel, por telefone, tendo este último efectivamente entregue àqueles, a troco de quantias em dinheiro, a heroína e cocaína assim encomendadas, à excepção das referidas ocasiões em que os mesmos foram entregues pela arguida Conceição.

48) Em finais de Maio de 2000, os arguidos Abel e António acordaram entre si deslocarem-se juntos à Galiza para comprarem dois quilos de heroína, da qual pagariam cada um metade do preço, e que ambos destinavam a ser vendida.

49) Em execução de tal plano, no dia 1 de Junho de 2000, o arguido Abel contactou por telefone um indivíduo residente em Espanha, encomendando-lhe dois quilos de heroína, o que o dito indivíduo aceitou, fixando-lhe o preço de três milhões e quinhentas mil pesetas espanholas por cada quilo.

50) Assim, os arguidos António e Abel reuniram o dinheiro, equivalente a sete milhões de pesetas, e no dia 2 de Junho de 2000, da parte da tarde, dirigiram-se para Espanha, onde entraram pela fronteira de Monção.

51) Em localidade não concretamente apurada da Galiza, os arguidos Abel e António encontraram-se com o indivíduo a quem fora encomendada a heroína, que entregou àqueles dois duas embalagens contendo cerca de dois quilos de tal produto, a troco de sete milhões de pesetas.

52) Na posse de tal produto, os arguidos Abel e António regressaram a Portugal, fazendo-se transportar no veículo automóvel de marca “Rover”, modelo “200(RF)”, de matrícula ..-..-OC, de propriedade do arguido Abel e por este conduzido.

53) Cerca das 19 horas desse mesmo dia, ao passarem na localidade de Valença, foram os arguidos Abel e António interceptados por agentes da Polícia Judiciária.

54) Nessa ocasião, tinham os arguidos Abel e António na sua posse, dentro do referido veículo automóvel, frente ao banco onde vinha sentado o arguido António, duas embalagens envoltas em fita adesiva, contendo heroína, com o peso líquido global de 2000,040 gramas, que haviam adquirido nos termos descritos.

55) Nessa mesma ocasião, tinha o arguido António consigo a quantia de 26.000$00 em notas do Banco de Portugal, bem como um telemóvel de marca “Nokia”, modelo “NHE-6BX”, com o IMEI nº ................, com o cartão de acesso nº ................ .

56) O referido telemóvel é de propriedade do arguido Abel, sendo o que por este era utilizado nos seus contactos com os seus fornecedores e compradores de produtos estupefacientes.

57) Na mesma ocasião, tinha o arguido Abel na sua posse a quantia de 77.000$00 em notas do Banco de Portugal e a quantia de 82.000 pesetas, bem como uma volta em ouro, com crucifixo e imagem de Cristo, e uma pulseira em ouro, com medalha de “Agnus Dei”.

58) O veículo automóvel de matrícula nº ..-..-OC era usado pelo arguido Abel para transportar produtos estupefacientes quando os adquiria junto dos seus fornecedores e quando os ia entregar aos respectivos compradores.

59) Ao actuarem pela forma descrita, em conjugação de esforços e intentos, lograram os arguidos Abel e Maria da Conceição, atentas as quantidades de produtos estupefacientes por eles transaccionadas e o número de pessoas a quem abasteciam de heroína e cocaína, distribuir tais produtos por grande número de pessoas, com o que obtiveram e queriam continuar a obter avultada compensação remuneratória.

60) Os arguidos Abel e Maria da Conceição conheciam as características estupefacientes de tais produtos e bem assim que a sua aquisição, transporte, detenção, manipulação e venda são proibidos, mas não se abstiveram de agir do modo descrito, o que quiseram e fizeram.

61) Ao actuar pela forma descrita, o arguido António, atentas as quantidades de produtos estupefacientes por ele transaccionadas, logrou que tais produtos fossem distribuídos por grande número de pessoas, com o que obteve e queria continuar a obter avultada compensação remuneratória.

62) O arguido António conhecia as características estupefacientes de tais produtos e bem assim que a sua aquisição, transporte, detenção, manipulação e venda são proibidos, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis e fez.

63) Ao actuar pela forma descrita, o arguido Alberto, atentas as quantidades de produtos estupefacientes por ele transaccionadas e os preços praticados na sua venda, logrou que tais produtos viessem a ser distribuídos por grande número de pessoas, com o que obteve e queria continuar a obter avultada compensação remuneratória.

64) Ao actuar do modo descrito, tinha o arguido Alberto perfeito conhecimento da natureza estupefaciente dos produtos por ele adquiridos e vendidos, e bem assim que a respectiva aquisição e venda são proibidos, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis e fez.

65) A arguida Maria da Glória tinha perfeito conhecimento da natureza estupefaciente dos produtos por si adquiridos e cedidos a terceira pessoa, e bem assim que a respectiva detenção e cedência a outrem, por qualquer título, são proibidos, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis e fez.

66) No âmbito do processo comum colectivo nº .../.. do .. Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, por acórdão transitado em julgado em 25/07/96, foi o arguido António José .... condenado pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, porquanto, em datas não concretamente apuradas, mas pelo menos desde Maio a 26 de Julho de 1994, se dedicou à venda lucrativa de heroína.

67) Pelo sobredito acórdão, foi o arguido condenado na pena de seis anos de prisão e, tendo sido preso preventivamente em 26/07/94, situação em que se manteve até ao trânsito em julgado, passou a cumprir aquela pena desde então e até 20/10/97, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional.

68) Ao incorrer na prática dos factos descritos na presente acusação, demonstrou o arguido António .... que aquela anterior condenação não lhe serviu de suficiente advertência contra a prática de crimes de tal natureza, o que é de lhe censurar, por se ter dedicado à mesma actividade, com intuito exclusivamente lucrativo e em maior dimensão do que a actividade que determinou aquela sua condenação.

69) No âmbito do processo comum colectivo nº .../.. da .. Vara Criminal do Círculo do Porto, por acórdão datado de 26/04/95, já transitado em julgado, foi o arguido Alberto ..... condenado pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, als. a) e f), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, porquanto, em datas não concretamente apuradas, mas pelo menos desde o ano de 1992 e até 21/06/93, se dedicou à venda lucrativa de heroína.

70) Pelo sobredito acórdão, foi o arguido condenado na pena de nove anos de prisão e, tendo sido preso preventivamente em 22/06/93, situação em que se manteve até ao trânsito em julgado, passou a cumprir aquela pena desde então e até 06/03/98, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional.

71) Ao incorrer na prática dos factos descritos na presente acusação, demonstrou o arguido Alberto Miranda que aquela anterior condenação não lhe serviu de suficiente advertência contra a prática de crimes de tal natureza, o que é de lhe censurar, por se ter dedicado à mesma actividade, com intuito exclusivamente lucrativo e em dimensão ainda maior que a anterior.

72) Os arguidos Abel ....., António ......, Alberto ....., Maria da Conceição e Maria da Glória agiram de modo livre e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das respectivas condutas.

73) O arguido Abel ......... tem a profissão de mecânico, auferindo um vencimento mensal de Esc. 90.000$00.

74) É casado com a arguida Maria da Conceição, de quem tem dois filhos menores.

75) O casal vive em casa arrendada, pela qual paga uma renda mensal de Esc. 70.000$00.

76) Tem de habilitações literárias o 7º ano de escolaridade.

77) O arguido Abel ...... cumpriu uma pena de prisão de 8 anos e 6 meses de prisão e foi libertado em 09/05/97.

78) O arguido António ..... passou por actividades na construção civil e indústria têxtil, tendo-se depois qualificado como motorista de pesados.

79) Passou a exercer a profissão de taxista em 1985, a qual manteve até pouco tempo antes da sua detenção.

80) Nos meses que antecederam a detenção encontrava-se sem exercer qualquer profissão remunerada.

81) É casado e tem dois filhos maiores.

82) A sua mulher tem a profissão de empregada têxtil, auferindo um vencimento mensal de Esc. 80.000$00.

83) O casal vive em casa própria.

84) Tem de habilitações literárias o 4º ano de escolaridade.

85) O arguido Alberto .... é empresário da construção civil, tendo cerca de 30 operários a trabalhar para si.

86) Retira do exercício desta actividade um rendimento mensal variável, na ordem dos Esc. 400.000$00.

87) Vive com uma companheira e tem cinco filhos a residir consigo.

88) A sua companheira é auxiliar de acção médica.

89) Vivem em casa própria, adquirida com recurso ao crédito bancário.

90) Tem de habilitações literárias o 11º ano e o Curso de Contabilidade e Gestão.

91) A arguida Maria da Conceição é casada com o arguido Abel .... .

92) Tem de habilitações literárias o 4º ano de escolaridade.

93) O arguido Diamantino foi profissionalmente membro das Forças Armadas, segurança em superfícies comerciais e teve em exploração um estabelecimento comercial de café.

94) Actualmente, trabalha como operário de construção civil, auferindo um vencimento mensal de cerca de Esc. 100.000$00.

95) Vive com uma companheira, que tem a profissão de costureira e um vencimento mensal de Esc. 70.000$00.

96) Residem numa casa arrendada, pela qual pagam uma renda mensal de Esc. 50.000$00.

97) Iniciou ao consumo de substâncias estupefacientes aos 16/17 anos, situação que se manteve por vários anos.

98) Iniciou um regime de tratamento, com prescrição medicamentosa.

99) Tem de habilitações literárias o 6º ano de escolaridade.

100) A arguida Maria da Glória ..... é operária fabril, auferindo um vencimento mensal de Esc. 82.100$00, acrescido de subsídios de alimentação e de turno, tudo no montante de Esc. 85.065$00.

101) É casada e tem a seu cargo dois filhos, um deles estudante e outro desempregado.

102) O seu marido encontra-se actualmente a cumprir uma pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira.

103) A arguida vive em casa arrendada, suportando uma renda mensal de Esc. 7.000$00.

104) Tem de habilitações literárias o 4º ano de escolaridade.

105) O arguido Abel ......... foi condenado na 1ª Secção do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, pela prática de dois crimes de furto qualificado praticados em 23/09/91, na pena – em cúmulo – de 6 anos de prisão ; no extinto Tribunal de Círculo de Santo Tirso, pela prática de sete crimes de furto praticados em 1991, na pena 6 anos de prisão ; no Tribunal de Círculo de Vila do Conde, pela prática de quatro crimes de furto qualificado praticados em 1990, na pena de 24 meses de prisão e no Tribunal de Círculo de Braga, pela prática de crime de furto qualificado praticado em 1990, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução.

106) O arguido Alberto ..... foi condenado na ... Vara Criminal do Porto, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes praticado em data anterior a Novembro de 1994, na pena de 9 anos de prisão.

107) O arguido António José .... foi condenado no .. Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Guimarães, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes praticado em 26/07/94, na pena de 6 anos de prisão.

108) Os arguidos Maria da Conceição, Diamantino ... e Maria da Glória não têm antecedentes criminais.

MATÉRIA DE FACTO CONSIDERADA NÃO PROVADA

O Acórdão recorrido considerou não provada a restante matéria de facto relevante da acusação e da contestação dos arguidos, e designadamente:

a) Que o arguido Abel adquirisse os produtos estupefacientes que vendia na região da Galiza, em Espanha ;

b) Que o arguido António pelo menos desde Outubro de 1999 se dedicasse com regularidade à venda lucrativa de produtos estupefacientes, nomeadamente, heroína e cocaína ....;

c) E que levasse a efeito esta actividade a partir da sua residência sita no Lugar de ................. Guimarães ;

d) Que o arguido António adquirisse os produtos estupefacientes que vendia na região da Galiza, em Espanha ....;

e) .... bem como a um indivíduo chamado E......., residente em ....., Vila Nova de Famalicão ;

f) Que, uma vez adquiridos os produtos estupefacientes, o arguido António .... os guardasse na sua residência, onde os pesava, dividia e embalava nas porções em que seriam vendidos aos respectivos compradores ;

g) Que entre os indivíduos que compravam heroína e cocaína aos arguidos Abel e Maria da Conceição se contasse o arguido Diamantino .... ;

h) Que o arguido Diamantino, desde data não concretamente apurada, mas pelo menos nos meses de Março a Junho de 2000, se tenha dedicado à venda lucrativa de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, o que vinha fazendo em vários locais da área desta e de outras comarcas, actividade que levava a efeito a partir da sua residência sita em Lugar ............, Vila Nova de Famalicão ;

i) Que, para o efeito, o arguido Diamantino se abastecesse de tais produtos junto do arguido Abel, bem como do referido Fausto ...... ;

j) Que, uma vez adquiridos tais produtos, o arguido Diamantino os guardasse na sua casa, dividisse e embalasse os mesmos, após o que os vendia, a troco de quantias em dinheiro, a indivíduos interessados na sua aquisição ;

l) Que, além de outras transacções cujas datas em concreto não foi possível determinar, o arguido António José tenha comprado heroína e cocaína ao referido E........... nas seguintes ocasiões ....:

.... em 5 de Maio de 2000, um quilo de heroína, que posteriormente vendeu ao preço de 6.500$00 cada grama, tendo vendido, nomeadamente, ao arguido Abel, cerca de duzentas gramas ;

.... em 9 de Maio de 2000, uma embalagem contendo cerca de cinco gramas de cocaína ;

.... em 12 de Maio de 2000, uma quantidade não concretamente apurada de cocaína ;

..... em 16 de Maio de 2000, cem gramas de cocaína, ao preço de 12.000$00 por cada grama e;

.... em 24 de Maio de 2000, cerca de um quilo de heroína ;

m) Que tais produtos tenham sido efectivamente entregues ao arguido António pelo referido E............, sendo depois vendidos por aquele;

n) Que, além de outras transacções cujas datas não foi possível apurar, o arguido Diamantino, entre os dias 6 e 13 de Abril de 2000, tenha comprado ao referido Fausto ..... cerca de cinquenta gramas de heroína, que efectivamente recebeu ;

o) Que, além de outras transacções cujas datas não foi possível determinar, o arguido Diamantino tenha comprado ao arguido Abel ....;

.... entre os dias 6 e 13 de Abril de 2000, cerca de dez gramas de heroína ....;

.... entre os dias 13 e 18 de Abril de 2000, quantidades não apuradas de heroína e cocaína ....;

.... entre os dias 18 e 22 de Abril de 2000, em dois dias seguidos, cinquenta gramas de cocaína de cada vez ....;

.... entre os dias 22 e 26 de Abril de 2000, em duas ocasiões, cerca de 25 gramas de cocaína de cada vez e, noutra ocasião, cerca de 15 gramas de cocaína ....;

.... entre os dias 26 de Abril e 4 de Maio de 2000, quantidade não apurada de cocaína, numa ocasião, e cerca de cinco gramas de cocaína, noutra ocasião ....;

....entre os dias 4 e 28 de Maio de 2000, cinco gramas de heroína e cinco gramas de cocaína no mesmo dia ....;

.... entre os dias 28 de Maio e 1 de Junho de 2000, numa ocasião quantidade indeterminada de heroína, que a arguida Maria da Conceição lhe foi entregar na estrada de Ribeirão, e noutra ocasião oito gramas e meia de cocaína;

p) Que tais produtos tenham sido efectivamente entregues ao arguido Diamantino pelo arguido Abel, à excepção da referida ocasião em que a heroína lhe foi entregue pela arguida Maria da Conceição, a troco de quantias em dinheiro;

q) Que tais produtos tenham sido depois vendidos pelo arguido Diamantino, a troco de quantias em dinheiro, a indivíduos que para o efeito o procuraram;

r) Que, quando em finais de Maio de 2000 os arguidos Abel e António acordaram entre si deslocarem-se juntos à Galiza para comprarem dois quilos de heroína, tenham também acordado que - posteriormente – dividiriam entre si o lucro respectivo;

s) Que, no dia 1 de Junho de 2000, o indivíduo que o arguido Abel contactou por telefone para encomendar dois quilos de heroína fosse o indivíduo a quem o Abel, na Galiza, costumava comprar produtos estupefacientes;

t) Que os arguidos António e Abel tenham reunido entre ambos o dinheiro em escudos, equivalente a sete milhões de pesetas, que depois cambiaram para esta moeda;

u) Que a quantia de Esc. 26.000$00 em notas do Banco de Portugal apreendida ao arguido António José .......... no dia da sua detenção fosse o remanescente da que havia sido reunida por este para custear a sua descrita deslocação a Espanha e a aquisição da heroína;

v) Que as quantias em dinheiro nacional e estrangeiro apreendidas ao arguido Abel no dia da sua detenção fossem remanescente das que este havia reunido para custear a sua descrita deslocação a Espanha e a aquisição da referida heroína;

x) E que os adornos em ouro que este tinha consigo no dia da sua detenção tivessem sido adquiridos pelo arguido Abel com o dinheiro obtido com a sua descrita actividade de venda de produtos estupefacientes;

z) Que o veículo automóvel de matrícula nº ..-..-OC tivesse sido adquirido pelo arguido Abel com o dinheiro que obtinha da venda de heroína e cocaína;

aa) Que, com a actuação descrita na acusação, o arguido Abel tenha levado a que se constituísse um grupo de pessoas, constituído por ele próprio e pela arguida Maria da Conceição, que actuando concertadamente e em comunhão de esforços e intentos, se vinham dedicando, reiterada e continuamente, à sobredita actividade de aquisição, transporte, manipulação, armazenamento e revenda de heroína e cocaína;

bb) Que os proventos monetários resultantes de tal actividade fossem geridos pelo arguido Abel, que determinava quais os investimentos a fazer na aquisição de mais produtos estupefacientes, recebia e guardava o dinheiro proveniente das vendas, sendo igualmente aquele arguido quem determinava os preços de venda de tais produtos, onde e quando se abasteceriam dos mesmos, a quem os vendiam e onde eram guardados, assim financiando aquela actividade e assumindo a liderança de tal grupo;

cc) Que, por seu turno, a arguida Maria da Conceição tivesse aderido a tal grupo, passando a actuar concertadamente e em conjugação de esforços e intentos na descrita actividade de tráfico de produtos estupefacientes liderada e financiada pelo arguido Abel;

dd) Que, ao actuar pela forma descrita na pronúncia, o arguido Diamantino, atentas as quantidades de produtos estupefacientes por ele transaccionadas e os preços praticados na sua venda, tenha logrado distribuir tais produtos por grande número de pessoas, com o que obteve e queria continuar a obter avultada compensação remuneratória;

ee) Que este arguido Diamantino tivesse perfeito conhecimento da natureza estupefaciente dos produtos por eles adquiridos e vendidos, e bem assim que a respectiva aquisição e venda são proibidos, mas não se tivesse abstido de agir do modo descrito, o que quis e fez;

ff) Que o arguido Abel soubesse que com a sua actuação promovia e levava à formação de grupo de pessoas que, agindo concertadamente, tinham como objectivo levar a cabo a descrita actividade de tráfico de produtos estupefacientes, bem como que liderava e financiava tal actividade, o que quis e fez;

gg) Que, por seu turno, a arguido Maria da Conceição soubesse que tomava parte em grupo de pessoas que, agindo concertadamente, sob liderança e mediante financiamento do arguido Abel, tinham como objectivo levar a cabo a descrita actividade de tráfico de produtos estupefacientes, o que quis e fez;

hh) Que o arguido Diamantino ...... tivesse agido de modo livre e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas respectivas condutas.

A FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA DO ACÓRDÃO RECORRIDO

“A convicção do tribunal formou-se com base nos seguintes elementos probatórios:

1) Teor do detalhe de conversações registadas com o cartão de acesso ao Serviço Móvel Terrestre prestado pela T.M.N. com o nº ........... a funcionar com o telemóvel com o IMEI ........... de fls. 14 a 20 e de fls. 25 a 32 dos autos (de onde resulta – entre o mais – que um dos interlocutores de voz feminina falava de um telefone da rede fixa);

2) Documento de fls. 36 dos autos de onde resulta que o veículo de marca “Rover 220 SDI”, com a matrícula ..-..-OC, se encontra registado em nome do arguido Abel ......;

3) Documento de fls. 37 dos autos de onde resulta que o veículo de marca “Hyundai FD 27AP”, com a matrícula ..-..-EX, se encontra registado em nome da arguida Maria da Conceição;

4) Auto de revista pessoal efectuada no dia da detenção do arguido Abel ...... de fls. 41 dos autos onde, entre o mais, foi apreendido um cartão de segurança de telemóvel, da operadora TMN, com o nº ...... (junto a fls. 42);

5) Auto de revista pessoal efectuada no dia da detenção do arguido António ...... de fls. 45 dos autos onde, entre o mais, foi apreendido um telemóvel da marca “Nokia” com o IMEI .......... (acima referido) e contendo no seu interior o cartão TMN com o nº .............;

6) Teor do Auto de Conferência de chamadas efectuadas e recebidas do Telemóvel apreendido ao arguido António .... e acima referido junto a fls. 47 dos autos;

7) Auto de busca e apreensão do veículo automóvel “Rover”, de matrícula ..-..-OC onde, entre o mais, foi apreendido um documento atinente ao contrato de seguro automóvel deste mesmo veículo, figurando como tomador o arguido Abel, junto a fls. 48 e documentos apreendidos de fls. 49 a 52 dos autos;

8) Auto de Intercepção telefónica de fls. 104 na parte em que resulta que, entre 16/03/00 e 14/06/00, se procedeu à intercepção das chamadas efectuadas e recebidas pelo telemóvel de marca “Nokia” e IMEI ........, tendo sido utilizados no aparelho os cartões de acesso com os nº ........., ......... (a partir de 14/04/00) e ............ (a partir de 22/05/00);

9) Teor dos Documentos bancários do “B.N.U.” de fls. 176 e 406 a 484 dos autos, relativos à apreensão dos saldos das contas abertas em nome do arguido António ..... (saldo de Esc. 74.118$50) e respectivos extractos bancários. É de realçar que grande parte dos depósitos efectuados nesta conta (principalmente as quantias mais elevadas, entre eles um de Esc. 1.150.000$00 efectuado em 15/01/99) eram feitos em numerário;

10) Teor dos Documentos fiscais relativos ao arguido Abel e respeitantes ao I.R.S. relativo aos anos fiscais de 1998 e 1999 juntos a fls. 236 a 244 e fls. 317 a 320 dos autos;

11) Teor dos Documentos bancários do “B.P.I.” de fls. 245, relativos à apreensão do saldos de conta aberta em nome do arguido Abel, com um saldo de Esc. 4.159$00;

12) Teor do Documento de fls. 262 emitido pela “Rover” de onde resulta que a viatura de matrícula ..-..-OC foi vendida ao arguido Abel ..... em 10 de Setembro de 1999 e paga com a entrega de uma outra viatura, de matrícula ..-..-LG, e o restante em cheque;

13) Teor dos Documentos bancários do “B.P.A.” de fls. 271, relativos à apreensão dos saldos da conta aberta em nome do arguido António ... (saldo de Esc. 362.180$80);

14) Teor dos Documentos fiscais relativos ao arguido António José ... e respeitantes ao I.R.S. relativo aos anos fiscais de 1995, 1996, 1997 e 1998 juntos a fls. 302 a 316 dos autos;

15) Auto de Exame Pericial e de Avaliação dos objectos em ouro apreendidos ao arguido Abel ...... de fls. 321 dos autos;

16) Teor dos Documentos bancários da “C.G.D.” de fls. 352 a 361 e 363 a 364, relativos a extractos bancários e à apreensão dos saldos das contas abertas em nome da arguida Maria da Conceição (saldo de Esc. 54.101$00 e Esc. 2.532$00), em nome do arguido António ..... (saldo de Esc. 10.918$00 e Esc. 26.000$00) e em nome do arguido Abel .... (saldo de Esc. 77.000$00). Dos extractos bancários das contas abertas em nome da arguida Maria da Conceição resulta que esta conta regista vários depósitos e levantamentos de quantias avultadas, grande parte deles feitos em numerário;

17) Relatório de Exame Toxicológico de fls. 374 (com o resultado de peso bruto de 2040,000 de heroína);

18) Certidão Judicial de decisão de efectivação de cúmulo jurídico ao arguido Abel ...... (pena única de 11 anos de prisão) de fls. 383 a 393 dos autos;

19) Teor do Documento de fls. 394 emitido pela “Rover” de onde resulta que a viatura de matrícula ..-..-LG foi vendida ao arguido Abel ..... em 23 de Maio de 1998 e paga em dinheiro;

20) Auto de Exame a telemóvel de fls. 402 dos autos (“Nokia” com o IMEI .......);

21) Certidão Judicial de decisão de condenação do arguido António José ..... (pena de 6 anos de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes) de fls. 504 a 531 dos autos;

22) Auto de Exame ao veículo automóvel “Rover”, modelo 200 (RF) e matrícula ..-..-OC, junto a fls. 574 dos autos;

23) Certidão Judicial de decisão de condenação do arguido Alberto ...... (pena de 9 anos de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes) de fls. 872 a 892 dos autos;

24) Documento de fls. 1111 e Atestado da Junta de Freguesia de fls. 1112 relativamente às condições pessoais da arguida Maria da Glória;

25) Relatório Social para Julgamento relativo aos arguidos António José .., Alberto ........., Diamantino .... e Maria da Glória ... de fls. 1186 a 1190 e de fls. 1456 e ss. dos autos;

26) Informações policiais de fls. 1194 relativamente às condições pessoais da arguida Maria da Glória;

27) Documentos de fls. 1442 a 1450 dos autos relativamente às condições pessoais do arguido Alberto ..........;

28) Teor dos C.R.C. de fls. 1133, 1134, 1135, 1175 e ss., 1177 e ss., 1179 e ss. dos autos;

29) Declarações do arguido Abel ....., que confessou que o produto estupefaciente apreendido na sua viatura no dia da sua detenção era seu e do arguido Alberto .......... Acrescentou que foram ambos comprá-lo a Espanha e que, posteriormente, o iriam dividir entre si. Depôs ainda relativamente às suas condições pessoais;

30) Declarações do arguido António ..., que - da mesma forma – confessou ter ido com o arguido Abel a Espanha, no dia da sua detenção, comprar a heroína que lhes foi apreendida. Mais confessou que este produto estupefaciente foi comprado por ambos (tendo entregue mais de Esc. 2.000.000$00 para a sua aquisição) e que seria para dividir entre ambos (ficando cada um com um Kg. de heroína). Acrescentou que era sua intenção vender posteriormente este estupefaciente em quantidades sempre superiores a 100 gr. de cada vez. Depôs ainda relativamente às suas condições pessoais;

31) Declarações do arguido Alberto ........, que confessou conhecer o arguido Abel do Estabelecimento Prisional. Mais confessou ter tido diversas conversas telefónicas com o arguido Abel, por volta de Março de 2000, tendo-lhe este proposto um negócio de “droga” (que disse não ter aceitado). Depôs ainda relativamente às suas condições pessoais ;

32) Declarações dos arguidos Maria da Conceição, Diamantino e Maria da Glória no que respeita às suas condições pessoais ;

33) Depoimento de Mário ......, inspector-chefe da P.J. de Braga, que deu apoio operacional no dia da detenção dos arguidos Abel e António José. Depôs sobre as circunstâncias da detenção, especificando que o teor das transcrições das conversas telefónicas foram essenciais para apurar o seu “modus operandi” naquele dia;

34) Depoimento de Henrique ......., inspector-chefe da P.J. de Braga e chefe da Brigada, que comandou a investigação dos autos. Com particular relevo, declarou que através das intercepções das chamadas telefónicas apuraram que os arguidos Abel e António ..... iam a Espanha buscar um carregamento de produtos estupefacientes. No que respeita à detenção dos arguidos, realçou que o “telefone das escutas” foi encontrado na posse do arguido António ......... e que o estupefaciente vinha junto aos pés do António .......;

35) Depoimento de Almeno ......, inspector da P.J., que interveio igualmente na diligência de detenção dos arguidos Abel e António ...... Acrescentou ter igualmente procedido a diligências em Alverca, no sentido de apurar elementos atinentes ao arguido Alberto ...... Mais disse ter feito diligências que levou a que se apurasse que as chamadas telefónicas efectuadas de e para um número da rede fixa eram para a casa de habitação da arguida Maria da Glória, sita em .........., Guimarães;

36) Depoimento de José ......., inspector da P.J. que, da mesma forma, participou na diligência que culminou com a detenção dos arguidos Abel e António ..... Explicou que estes foram seguidos até Monção e no regresso foram interceptados. Depôs sobre as circunstâncias da detenção e objectos apreendidos na posse dos arguidos. Mais disse ter participado em diligências na zona de Sacavém no sentido de ser localizado o arguido Alberto ........;

37) Depoimento de Fausto ........., actualmente detido no Estabelecimento Prisional do Porto. Prestou um depoimento credível afirmando que, por 5 ou 6 vezes e no início do ano de 2000, fez transacções de produtos estupefacientes com o arguido Abel. Acrescentou que para este efeito tiveram várias conversas ao telemóvel, explicando que nestas conversas “muito do que dizia era mentira. Fazia-se mais do que era para ver se o Abel confiava em si para lhe dar produto para vender.” Especificou lembrar-se que, pelo menos por duas vezes, o arguido Abel lhe comprou heroína (cerca de 100 gr.) e lhe pagou com cocaína. Mais disse que, noutra ocasião, o Abel lhe deu 20 gr. de heroína e ele acabou por lhe pagar cerca de 70.000$00 ou 80.000$00. E que, de uma outra vez, o Abel lhe forneceu 100 ou 200 gr. de heroína, mas que acabou por lha devolver porque era de “má qualidade”. Mais disse que o arguido Abel se fazia transportar num veículo de marca “Rover” a gasóleo e que as entregas lhe foram feitas em Custoías, em Leça do Balio na sua oficina e também na zona de Matosinhos. Ainda com relevo, declarou que - em todas as transacções efectuadas – ele telefonava para o telemóvel do Abel e este, de seguida, ia encontrar-se com ele para lhe entregar o produto estupefaciente previamente encomendado. Disse ainda que, numa das ocasiões, o Abel apareceu acompanhado de uma mulher (que não sabe identificar) ;

38) Depoimento de Teresa ......, mulher do arguido António ......, quanto às condições pessoais deste nos termos dados como provados ;

39) Depoimento de Ussumante ....., amigo de infância do arguido Alberto ......., quanto às condições pessoais deste nos termos dados como provados ;

40) Teor das Transcrições das conversas telefónicas que, conjugadas com os elementos probatórios acima referidos, as considerações já expendidas e razões de experiência comum, contêm –segundo a nossa convicção – e em síntese :

a) Várias conversas telefónicas entre o arguido Abel e a testemunha Fausto ....... relativas a encomendas de produtos estupefacientes, respectivos preços e locais, datas e horas de entregas destes produtos (pelo menos 5 entregas). É de realçar que nestas conversas se faz referência expressamente a “uma coca altamente”, “já despachei 100 bases” e que o Fausto trata o aqui arguido pelo seu nome próprio - “Abel”;

b) Várias conversas telefónicas entre o arguido Abel e a sua mulher Maria da Conceição (alternadamente e por um lado) e o arguido Alberto ..... (por outro lado) relativas a encomendas (pelo menos duas encomendas) por parte do Abel e mulher de produto estupefaciente ao arguido Alberto, respectivo preço, forma de pagamento e local, data e hora de entrega do produto estupefaciente (sendo de realçar que o local de entrega foi em Alverca);

c) Conversas telefónicas entre o arguido Abel e o arguido António .... relativas à venda entre ambos de produtos estupefacientes ao Abel e troca entre ambos deste tipo de produtos, respectivo preço, e local, data e hora de entrega do produto estupefaciente (pelo menos seis entregas). Refere-se também a compra por parte do arguido António ..... de “traço holandês” ao arguido Abel. É de realçar que nestas conversas o arguido António ...... relata ao arguido Abel várias compras e vendas de produtos estupefacientes por si levadas a cabo, respectivos compradores ou vendedores e preços de aquisição e de venda. É também de realçar que - numa destas conversas - os arguidos Abel e António combinaram deslocarem-se juntos à Galiza para comprarem dois quilos de heroína, da qual pagariam cada um metade do preço, conversa esta que foi essencial para a efectiva detenção destes dois arguidos, no dia 2 de Julho de 2000;

d) Conversas telefónicas entre o arguido Abel e vários outros indivíduos aí identificados como “VM”, “VF”, “Vítor”, “Albano”, “Helder”, “Luís”, “Tino”, “Xavier”, “Fernando Gomes”, “Rogério”, “Paulo” e “Miranda” e relativas a encomendas e vendas de produtos estupefacientes por estes ao arguido Abel, respectivos preços e locais, datas e horas de entrega de tais produtos estupefacientes (em que expressamente se faz referência a “fazer bases”, “fazer pacotes”, “ter pacotes para vender”, “branca”, “castanha”, “castanha inda tenho ali quarenta pacotes, mas branca já num tenho”, “traz-me duas de branca e duas de castanha”, “aquilo não cola na prata”, “tu não tens traço holandês ?”, “paguei a 12 a grama”). Resulta de tais conversas que estes indivíduos adquiriam os estupefacientes para os venderem directamente a consumidores (uns) ou para a revender (outros). Refira-se ainda que nestas conversas o arguido Abel afirma embalar ele próprio o produto estupefaciente e fazer misturas de estupefacientes com outros produtos para aumentar o lucro e que dois dos interlocutores chamam o arguido pelo próprio nome - “Abel” ;

e) Várias conversas telefónicas entre o Abel e outro indivíduo aí identificado como “Helder” e “Luís” em que o Abel indica a sua mulher como a pessoa que vai entregar produtos estupefacientes àqueles;

f) Várias conversas telefónicas entre a arguida Maria da Conceição e outros indivíduos aí identificados como “Helder”, “Vítor” e “Paulo” relativas a entregas de produtos estupefacientes da arguida a estes. É de realçar que esta se identifica nas conversas como sendo “a mulher do Abel”;

g) Várias conversas telefónicas entre a arguida Maria da Conceição e o co-arguido Abel em que este último lhe pede para ela proceder à divisão e embalamento de estupefacientes e de lhe vir entregar tais produtos a ele ou a outros indivíduos (designadamente a um indivíduo identificado como “Helder” produtos estupefacientes a locais previamente combinados (pelo menos quatro vezes);

h) Várias conversas telefónicas entre o arguido Abel e a arguida Maria da Glória relativas à encomenda por parte desta de produtos estupefacientes ao Abel, respectivo preço, e local, data e hora de entrega do produto estupefaciente (pelo menos uma entrega). É de realçar que chegam ambos a aludir à situação prisional do marido daquela e que a arguida se identifica como sendo a “mulher do Zé Manel”. Resulta ainda das conversas tidas entre ambos que a arguida Maria da Glória servia como intermediária entre este e uma pessoa do sexo feminino cuja identidade não foi possível determinar;”

“A matéria não provada foi assim classificada por via da ausência de prova cabal sobre a mesma.

Especificamente no que respeita à matéria de facto imputada ao arguido Diamantino ......., esta foi integralmente considerada como não provada na medida em que a única prova atendível para este efeito é a que resulta das transcrições das conversas telefónicas dos autos, em que o arguido Abel mantém diversas comunicações relativas a transacções de produtos estupefacientes com um indivíduo aí identificado como “Tino”. Assim sendo, e na falta de qualquer outro elemento probatório que permita concluir ser o aqui arguido esse identificado “Tino”, decidiu-se considerar como não provada toda esta matéria factual;

Refira-se - por fim – que parte da matéria imputada ao arguido António ....... foi igualmente considerada como não provada (a parte relativa a transacções de estupefacientes entre este e um tal “Emiliano”) por ser nosso entendimento que a certidão judicial extraída de outro inquérito (a única prova existente nesse particular) não é legalmente atendível nos presentes autos”.

A) A QUESTÃO PRÉVIA DO NÃO CONHECIMENTO DO

RECURSO INTERPOSTO PELA ARGUIDA MARIA DA CONCEIÇÃO

Antes de mais, cumpre conhecer da questão prévia suscitada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, relativa ao não conhecimento do recurso interposto pela Arguida MARIA DA CONCEIÇÃO, por esta não ter feito uso da faculdade que este tribunal lhe proporcionou, de suprir a deficiência de que enfermava a sua primitiva motivação de recurso (consistente na omissão da especificação - por referência aos suportes técnicos das gravações das declarações produzidas em audiência de julgamento - das provas que, segundo estas recorrentes, imporiam decisão diversa da recorrida – como exige o nº 4 do art. 412º do Código de Processo Penal, com referência à al. b) do nº 3 do mesmo preceito), dentro do prazo peremptório que, para tanto, lhe concedeu.

O despacho do relator, que (a fls. 1432-1434) convidou as Recorrentes MARIA DA CONCEIÇÃO e MARIA DA GLÓRIA (na senda do Acórdão do Tribunal Constitucional de 9/7/2002 [publicado in Diário da República, I Série-A, de 7/10/2002] e em obediência ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 30/10/2002, a fls. 1176-1237) a suprirem a mencionada deficiência de que enfermavam as conclusões das primitivas motivações de recurso por elas oportunamente apresentadas, foi notificado aos respectivos mandatário e defensor oficioso por carta expedida sob registo em 16/10/2003 (ut fls. 1435-1436), presumindo-se, por isso, notificado aos mesmos em 21/10/2003 (nos termos do art. 113º, nº 2, do C.P.P.).

Assim sendo, o prazo (15 dias) de que aquelas arguidas dispunham para apresentarem novas motivações (expurgadas do apontado vício) expirou em 4/11/2003 (art. 144º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, aqui aplicável ex vi do disposto no art. 104º, nº 1, do Cód. Proc. Penal).

Em 3/11/2003, o mandatário constituído da Arguida MARIA DA CONCEIÇÃO veio requerer a prorrogação do aludido prazo, pretensão que foi, porém, indeferida por despacho do relator proferido em 4/11/2003 (ut fls. 1439) e contra o qual aquela não reagiu tempestivamente, motivo por que o mesmo já transitou em julgado (art. 677º do C.P.C.).

Tratando-se – como irrecusavelmente se trata – dum prazo peremptório, o facto de a Recorrente MARIA DA CONCEIÇÃO não ter apresentado a sua nova motivação de recurso dentro dele acarreta, necessariamente, a perda do direito de praticar o acto processual em questão (art. 145º, nº 3, do C.P.C.), sendo certo que se não provou nem sequer foi invocada a existência de justo impedimento (art. 107º, nº 2, do C.P.P.). Eis por que a motivação de recurso por ela posteriormente apresentada em //2003, numa altura em que o aludido prazo já se havia esgotado e já tinham transcorrido mais de 3 dias úteis sobre o termo do mesmo (cfr. o art. 145º, nº 5, do C.P.C., aqui aplicável ex vi do art. 107º, nº 5, do C.P.P.), deve ser desentranhada dos autos e restituída ao respectivo mandatário.

Temos, pois, que a Recorrente MARIA DA CONCEIÇÃO não fez uso da faculdade que este tribunal lhe proporcionou de suprir o vício de que enfermava a sua primitiva motivação de recurso, consistente na não especificação - por referência aos suportes técnicos das gravações das declarações produzidas em audiência de julgamento - das provas que, segundo esta Recorrente, imporiam decisão diversa da recorrida – como exige o nº 4 do art. 412º do Código de Processo Penal, com referência à al. b) do nº 3 do mesmo preceito.

Tudo está, porém, em saber se o facto de ela o não ter feito acarreta - como sustenta o MINISTÉRIO PÚBLICO – a rejeição liminar do recurso por ela interposto, ao menos no segmento em que ela impugna a decisão proferida sobre matéria de facto.

Ora, a verdade é que as normas contidas nos nºs 3 e 4 do cit. art. 412º não exigem – ao contrário do que sucede com a norma do seu nº 2 – que as especificações nelas indicadas devam ou tenham de ser feitas nas conclusões da motivação.

Como se sabe, o requerimento de interposição de recurso tem duas partes: a “motivação” propriamente dita, em que o recorrente enuncia especificadamente os seus argumentos, e as “conclusões”, onde o recorrente deve resumir as razões do pedido (art. 412º, nº 1, do C.P.P.) [Cfr., neste sentido, SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal”, 5ª ed., 2002, pp. 91-92.]

O normal é que as especificações exigidas pelos nºs 3 e 4 do cit. art. 412º sejam feitas na motivação. Na verdade, a “prova” ou “não prova” de determinado facto pode resultar da conjugação e relacionamento de inúmeros meios de prova produzidos na audiência de julgamento. Por isso, explicar em que medida cada um desses elementos probatórios contribui para a decisão sobre matéria de facto que o recorrente pretende seja tomada pelo tribunal ad quem, é claramente função da “motivação” propriamente dita, e não das “conclusões”, que são apenas um resumo de algo que pode ter tal complexidade que implique uma longa explanação de motivos e argumentos.

De modo que, se, porventura, o recorrente expôs correctamente, na motivação, as suas razões, designadamente especificando as provas que, do seu ponto de vista, imporiam uma decisão sobre matéria de facto diversa da proferida pelo tribunal a quo e fazendo-o por referência aos suportes técnicos das gravações das declarações produzidas em audiência de julgamento, uma eventual imperfeição das “conclusões” não pode ter um efeito cominatório irremediavelmente preclusivo do conhecimento do recurso, sob pena de violação do direito ao recurso constitucionalmente consagrado no art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

Ora, a verdade é que, no caso ora sub juditio, o corpo da motivação de recurso primitivamente apresentada pela Recorrente MARIA DA CONCEIÇÃO (constante de fls. 1584-1599) não deixa de cumprir o ónus de especificação imposto pelos citt. nºs 3 e 4 do art. 412º do C.P.P., mencionando explicitamente, quer os meios de prova (depoimentos testemunhais e transcrições de comunicações telefónicas) que, do seu ponto de vista, imporiam uma decisão sobre matéria de facto distinta da proferida pelo tribunal recorrida, quer os suportes técnicos donde constam tais depoimentos e transcrições de conversas telefónicas (cfr. fls. 1586-1596).

Por isso, a mera circunstância de essas especificações não constarem também das conclusões dessa motivação não pode acarretar o não conhecimento do recurso, no que à impugnação da matéria de facto diz respeito.

Improcede, portanto, a questão prévia suscitada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO (no parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto exarado a fls. 1464-1467), podendo e devendo esta Relação conhecer do recurso interposto pela Arguida MARIA DA CONCEIÇÃO, também no segmento em que ela impugna a matéria de facto.

B) O MÉRITO DOS RECURSOS

Perante os factos considerados provados pela 1ª instância, importa agora curar do mérito dos recursos, tendo-se em atenção que é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer[Cfr. o Ac do STJ de 3.2.99 in BMJ 484, pág 271; o Ac do STJ de 25.6.98 in BMJ 478, pág 242; o Ac do STJ de 13.5.98 in BMJ 477, pág 263; SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal” cit., págs. 74 e 93, nota 108; GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, pág. 335; JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387; e ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363).] [«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal ad quem tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).]

1) Recurso da Arguída MARIA DA CONCEIÇÃO:

As questões essenciais suscitadas por esta Recorrente (nas conclusões da sua motivação) são as seguintes:

1) Se foi violado o princípio da livre apreciação da prova, por os elementos de prova colocados à disposição do Tribunal “a quo” não permitirem concluir que a Recorrente tivesse conhecimento da actividade do marido e co-arguído Abel assim como dos restantes arguídos, nem que, com o seu conhecimento, a sua residência tenha sido utilizada para guardar, embalar, posar e ou vender qualquer produto estupefaciente, nem que alguma vez ela tenha guardado, transportado, embalado, dividido adquirido ou vendido tal produto a quem quer que fosse, por si só ou acompanhada do seu marido a qualquer um dos indivíduos ou a quem quer que seja, sendo certo que do depoimento e declarações dos Agentes da PJ, demais arguidos e testemunhas resulta que ninguém conhece a Recorrente, não lhe encomendaram, adquiriram ou venderam estupefacientes nem esta alguma vez foi vista a transacionar tal produto;

2) Se, na apreciação da prova, foi violado o princípio in dubio pro reo, por o Tribunal “a quo”, ao socorrer-se de ilações baseadas em presunções, não ter feito mais do que procurar contornar aquele princípio, assim violando o disposto no art. 32º da Constituição da República;

3) Se o Tribunal “a quo”, ao valorar como fez as transcrições telefónicas, violou o disposto no nº 1 do artigo 355º do CPP;

4) Se o Tribunal “a quo” incorreu em nítida contradição na fundamentação de facto, por ter aceite, por um lado, a falta de actuação consertada da Recorrente e a haver absolvido da acusação de associação criminosa e, por outro lado, ter dado como provado que ela, a mando do marido Abel, transacionava produtos estupefacientes;

5) Se, de qualquer modo, mesmo em caso de condenação, sempre a pena de prisão imposta à Recorrente devia ficar suspensa na sua execução, dado ela ser primária, ter dois filhos menores e estudantes, ser de condição humilde e de fracos recursos e constituir a única fonte de rendimentos e subsistência dela própria e do seu agregado familiar.

1) Da Pretensa Violação do Princípio da Livre Apreciação Da Prova.

Como flui do disposto no artº 428º, nº1, do CPP, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, o que significa que, em regra, e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respectivos poderes de cognição.

Assim sendo, e de harmonia com o preceituado no nº 1 do artº 410º do mesmo diploma, os recursos para eles interpostos podem ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida e também, de acordo com os nºs 2 e 3 do mesmo preceito, os vícios que em tais números se arrolam (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, erro notório na apreciação da prova e nulidade que não deva considerar-se sanada).

Dito em síntese, isto quer dizer que os Tribunais da Relação são hoje os tribunais por excelência e, em princípio, os únicos com poderes de cognição irrestritos em matéria de recursos, apenas com a ressalva de que, no âmbito da matéria de facto, o seu poder cognoscitivo pressupõe que a prova produzida em audiência de 1ª instância tenha sido gravada e constem dos autos as transcrições dos respectivos suportes técnicos (cfr. artºs 412º, nºs 3 e 4 do CPP).

Questão diferente desta é, porém, a de saber como devem os Tribunais da Relação exercer estas competências cognoscitivas em matéria de recursos. Ou dito de forma mais concreta, saber qual a latitude dos seus poderes no âmbito do conhecimento de matéria de facto.

Embora as Relações gozem, em princípio, de um amplo poder de cognição, este fica desde logo limitado pelas conclusões da motivação do recorrente, sabido como é que são estas que definem e balizam o objecto do recurso (cfr. o artº 412º, nº 1, do CPP). Ou seja: o recorrente pode condicionar o âmbito da reapreciação que pede, restringindo-o, por exemplo, a uma determinada parte da decisão, desde que com observância das regras limitativas inscritas no artº 403º daquele Código.

Isto sem prejuízo de o tribunal de recurso poder e dever conhecer oficiosamente de qualquer dos vícios indicados nos nºs 2 e 3 do artº 410º do CPP - conforme se decidiu no Acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/1995 (publicado in Diário da República, I Série-A, de 28 de Dezembro do mesmo ano e também in BMJ nº 450, p. 72).

Questão bem diferente, embora conexa com esta, reside em saber se as Relações podem, apoiando-se na extensibilidade do princípio da livre apreciação da prova aos tribunais de recurso, alterar a matéria de facto dada como provada pelos tribunais de 1ª instância.

Ora, nesta sede, «não se concebe como seja possível, sem outros instrumentos que não sejam as transcrições das gravações da prova produzida em audiência, formar uma convicção diferente e mais alicerçada do que aquela que é fornecida pela imediação de um julgamento oral, onde, para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam»[ Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 9/7/2003, proferido no Proc. nº 02P3100 e relatado pelo Conselheiro LEAL HENRIQUES, cujo texto integral pode ser consultado no site http://www.dgsi.pt.] [Cfr., igualmente no sentido de que «a matéria de facto fixada na 1ª instância pelo tribunal colectivo só deve ser alterada existindo elemento que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação», o Ac. da Rel. de Coimbra de 9/2/2000 (in Col. Jur., 2000, tomo I, p. 51). Isto porque, ao apreciar a matéria de facto, o tribunal de segunda instância «está condicionado pelo facto de não ter com os participantes do processo aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão»(ibidem)]

Efectivamente - tal como se salientou no Ac. da Relação de Coimbra de 3 de Outubro de 2000 [in Col. de Jurispª. 2000, tomo 4º, pág. 28] -, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas que está deferido à 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador, entram necessariamente elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, por mais fiel que ela seja.

É que, na formação da convicção do juiz não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também elementos intraduzíveis e subtis, tais como mímica e todo o aspecto exterior do depoente e mesmo as próprias reacções quase imperceptíveis do auditório, que vão agitando o espírito de quem julga. Transcrevendo a lição de CASTRO MENDES, este aresto põe ainda em evidência que «existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador».

O que é necessário e imprescindível - mais se adianta nesse acórdão (desta feita à luz da doutrina de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA) - é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. Donde - remata-se no mesmo aresto - o que o tribunal de segunda jurisdição vai à procura, não é de uma nova convicção, mas de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si[Cfr., também no sentido de que «a garantia do duplo grau de jurisdição relativamente a matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre determinados pontos da matéria de facto», o Ac. da Rel. de Lisboa de 22/11/2002 proferido no Proc. nº 0020409 e relatado pela Desembargadora MARGARIDA DE ALMEIDA (cujo sumário está disponível no site http://www.dgsi.pt.).]

Daqui decorre que o conhecimento de factum do tribunal de 2ª instância é necessariamente limitado. E isto, à partida, impõe que a matéria de facto só possa ser alterada quando o registo da prova o permita com toda a segurança[Cfr., também no sentido de que «a apreciação das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas, dado que a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação», o Ac. da Rel. do Porto de 5/6/2002, proferido no Proc. nº 0210320 e relatado pelo Desembargador COSTA MORTÁGUA (cujo texto integral está disponível no site http://www.dgsi.pt.).]

[Cfr., igualmente no sentido de que, como «a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas; visto que por vezes o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios que tenham merecido a confiança do tribunal», isto consequencia que «a reapreciação das provas gravadas pelo tribunal superior só pode abalar a convicção acolhida na 1ª instância caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas.», o Ac. da Rel. do Porto de 3/7/2002, proferido no Proc. nº 0210417e relatado pelo Desembargador ANDRÉ DA SILVA (cujo sumário está disponível no site htpp://www.dgsi.pt).]

[Cfr., de igual modo no sentido de que «se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso», o Ac. da Rel. do Porto de, proferido no Proc. nº e relatado pelo Desembargador ORLANDO GONÇALVES (cujo sumário está disponível no site htpp://www.dgsi.pt).]

Por outro lado – como bem se observou no Acórdão desta Relação de 10/10/2001[Proferido no Proc. nº 0140385 e relatado pelo Desembargador MANSO RAÍNHO, cujo texto integral está disponível no site http://www.dgsi.pt.], muito embora livre apreciação de provas (princípio que vigora plenamente em processo penal, salvaguardadas as excepções legais) não se possa confundir com apreciação arbitrária de provas - do que se trata é antes de uma apreciação que, liberta de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, dessa forma determinando uma convicção racional, objectivável e motivável -, não pode nem deve olvidar-se que «dificilmente o julgador dos factos lidará com a prova cem por cento segura ou certa». «Inevitavelmente terá que conviver com a ausência de certeza absoluta e com a dúvida» [Cit. Ac. da Rel. do Porto de 10/10/2001.]. «Mas nem por isso se pode demitir de, com recurso à experiência comum e à lógica das coisas, porfiar por uma certeza relativa sobre os factos (tenha-se em atenção que "certeza relativa" não equivale a "certeza dominada por incertezas"; significa antes "convicção honesta e responsável da realidade ou irrealidade do facto")»[ Ibidem.] . «Se conseguir superar o umbral da dúvida razoável, de modo a sentir a necessária segurança sobre a realidade ou irrealidade de um facto, então tem que o assumir» [Ibidem.]

Efectivamente, «as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artº 341º do Código Civil), mas esta demonstração da realidade não visa a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)»[ Ibidem.] «Os factos que interessam ao julgamento da causa são, de ordinário, ocorrências concretas do mundo exterior ou situações do foro psíquico que pertencem ao passado e não podem ser reconstituídas nos seus atributos essenciais» [Ibidem.]. «A demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, sob pena de o Direito falhar clamorosamente na sua função social de instrumento de paz social e de realização de justiça» [Ibidem.]. «A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador (judici fit probatio) um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto [V. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 434]» [Ibidem.].

De modo que «dificilmente o julgador poderá ter a certeza absoluta de que os factos aconteceram tal como eles são por si interiorizados, como são dados como provados» [Ibidem.] . «Mas isto não obsta a que o tribunal se convença da realidade dos mesmos, posto que consiga atingir o umbral da certeza relativa» [Ibidem.]. «A certeza relativa é afinal um estado psicológico (a tal convicção de que se costuma falar) que, conquanto necessariamente se tenha de basear em razões objectivas e possa ser fundamentável, não demanda que estas sejam inequivocamente conclusivas»[ Ibidem.]

«Daqui decorre que não é decisivo para se concluir pela realidade da acusação movida a um qualquer arguido, que haja provas directas e cabais do seu envolvimento nos factos, maxime que alguém tenha vindo relatar em audiência que o viu a praticar os factos, ou que o arguido os assuma expressamente»[ Ibidem.]. «Condição necessária, mas também suficiente é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa (a tal convicção honesta e responsável de que se falou atrás), dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define»[ Ibidem.]

Isto posto: Tanto quanto a matéria de facto extractada na transcrição (com as limitações supra expostas), conjugada com a prova documental constante dos autos, nos permite (re)apreciar a prova que esteve presente ao tribunal a quo, é nosso convencimento que nada, absolutamente nada, conduz à ideia de que o tribunal a quo tenha feito uma incorrecta aplicação do princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº 127º do CPP, isto é, que apreciou mal a prova.

Efectivamente, a convicção do tribunal a quo, no tocante aos factos imputados à Arguída/recorrente MARIA DA CONCEIÇÃO no acórdão recorrido, alicerçou-se, nomeadamente:

a) no Teor dos extractos bancários da conta aberta em nome desta arguida (documento da Caixa Geral de Depósitos de fls. ), dos quais resulta que esta conta regista vários depósitos e levantamentos de quantias avultadas, grande parte deles feitos em numerário;

b) no Teor das Transcrições de várias conversas telefónicas realizadas entre o arguido Abel e a sua mulher Maria da Conceição (alternadamente e por um lado) e o arguido Alberto Miranda (por outro lado) relativas a encomendas (pelo menos duas encomendas), por parte do Abel e mulher, de produto estupefaciente ao arguido Miranda, respectivo preço, forma de pagamento e local, data e hora de entrega do produto estupefaciente;

c) no Teor das Transcrições de várias conversas telefónicas entre o Abel e outro indivíduo aí identificado como “Helder” e “Luís”, em que o Abel indica a sua mulher como a pessoa que vai entregar produtos estupefacientes àqueles;

d) no Teor das Transcrições de várias conversas telefónicas entre a arguida Maria da Conceição e outros indivíduos aí identificados como “Helder”, “Vítor” e “Paulo” relativas a entregas de produtos estupefacientes da arguida a estes, sendo que esta arguída se identifica nessas conversas como sendo “a mulher do Abel” ;

e) no Teor das Transcrições de várias conversas telefónicas entre a arguida Maria da Conceição e o co-arguido Abel, em que este último lhe pede para ela proceder à divisão e embalamento de estupefacientes e de lhe vir entregar tais produtos a ele ou a outros indivíduos (designadamente a um indivíduo identificado como “Helder” produtos estupefacientes a locais previamente combinados (pelo menos quatro vezes);

Perante este material probatório, não se evidencia que, no caso em análise, haja o tribunal a quo violado qualquer regra jurídica na apreciação da prova.

Efectivamente, a convicção expressa pelo tribunal recorrido não deixa de ter suporte razoável naquilo que de probatório contêm os autos, sobretudo no teor das transcrições das referidas conversas telefónicas. É que «as escutas telefónicas regularmente efectuadas durante o inquérito, uma vez transcritas em auto, passam a constituir prova documental, que o tribunal do julgamento pode valorar de acordo com as regras da experiência, servindo, assim, para formar a convicção dos juízes» [Ac. do STJ de 21/1/1998 (in Col. Jur., Acs. do STJ, 1998, tomo I, p. 192).] [Cfr., também no sentido de que «a apreciação dos meios de prova constituídas por reproduções fonográficas é livre nos termos do artigo 127º do Código de Processo Civil», o Ac. da Rel. de Lisboa de 22/3/1994, proferido no Proc. nº 0075715 e relatado pelo Desembargador VASQUES DINIS.] [Cfr., igualmente no sentido de que «a escuta telefónica, de cuja gravação se transcreveu apenas a parte considerada relevante para a descoberta dos factos e no mais curto prazo, sob orientação do juiz de instrução constitui meio de prova legítimo a apreciar livremente pelo tribunal», o Ac. da Rel. de Lisboa de 6/7/1999, proferido no Proc. nº 0010005 e relatado pela Desembargadora MARGARIDA BLASCO (cujo sumário está disponível no site htpp://www.dgsi.pt).].

Ora, as transcrições das aludidas conversas telefónicas havidas entre o arguido Abel e a sua mulher Maria da Conceição (alternadamente e por um lado) e o arguido Alberto .... (por outro lado), entre o Abel e outro indivíduo (aí identificado como “Helder” e “Luís), entre a arguida Maria da Conceição e outros indivíduos (aí identificados como “Helder”, “Vítor” e “Paulo”) e entre a arguida Maria da Conceição e o co-arguido Abel, conjugadas com o teor dos mencionados extractos bancários da conta aberta em nome da arguida Maria da Conceição (demonstrativos de que esta conta regista vários depósitos e levantamentos de quantias avultadas, grande parte deles feitos em numerário), demonstram a razoabilidade e a plausibilidade das inferências que o tribunal a quo estabeleceu acerca do conhecimento, por parte da Arguída ora Recorrente Maria da Conceição, da actividade de venda de estupefacientes com intuito lucrativo a que o Arguído Abel (seu marido) se dedicava, a partir da residência de ambos sita na ......... desta comarca de Vila Nova de Famalicão, bem como acerca da activa participação daquela Arguída no desenvolvimento de tal actividade.

Os encontros que – segundo se retira das transcrições das referidas conversas telefónicas - a arguida MARIA DA CONCEIÇÃO teve com o co-arguido ALBERTO ..... (indivíduo que, pelo menos entre Março e Junho de 2000, se dedicou com regularidade à venda lucrativa de produtos estupefacientes, tendo vendido ao co-arguido ABEL – marido da ora Recorrente – dois quilos de heroína, que este último transportou de Alverca – onde ambos se encontraram - para a sua residência, em Famalicão, onde a ora Recorrente também residia), com um indivíduo de nome HELDER (a quem o marido da ora Recorrente pediu a esta, telefonicamente, que entregasse produtos estupefacientes), com um indivíduo de nome VÍTOR (a quem o marido da ora Recorrente vendeu, pelo menos por cinco vezes, heroína e cocaína) e com um indivíduo de nome PAULO (que adquiriu produtos estupefacientes ao marido da ora Recorrente, pelo menos por cinco vezes) não podem, plausivelmente, ter tido outra finalidade que não a entrega material de estupefacientes.

Por outro lado, as regras da experiência apontam decisivamente no sentido da manifesta improbabilidade da ignorância, por parte da Arguída Maria da Conceição, da natureza das actividades a que se vinha entregando, desde há meses (desde o início do mês de Março de 2000 até à sua detenção, ocorrida em 2 de Junho de 2000), o Arguído Abel, dado o facto de serem casados um com o outro e viverem debaixo do mesmo tecto e visto o facto de o Arguído Abel guardar na residência de ambos os produtos estupefacientes que adquiria, onde os dividia, pesava e embalava, nas porções em que iriam depois ser vendidos aos respectivos compradores, com destino a serem por estes novamente vendidos. Salvo sendo invisual e/ou completamente surda ou padecendo de autismo – o que, no caso concreto, se não provou, nem sequer tendo sido alegado -, nenhuma mulher consegue viver, durante anos a fio, em comunhão de cama, mesa e habitação, com um homem que se dedica regularmente à venda de estupefacientes com intuito lucrativo, fazendo da casa onde ambos habitam armazém desses produtos, ausentando-se frequentemente para o estrangeiro (a fim de se abastecer dos mesmos, quando estes já se esgotaram) e mantendo regularmente contactos telefónicos com os terceiros que lhe adquirem tais produtos, sem se dar conta da natureza e características da actividade a que entrega o seu cônjuge.

Ora, sendo indubitável que «há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução», «se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável pois foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção» [Ac. da Rel. do Porto de 19/3/2003, proferido no Proc. nº 0310070 e relatado pelo Desembargador FERNANDO MONTERROSO, cujo texto integral está disponível no site http://www.dgsi.pt.]. E «isto é assim mesmo quando tiver sido feito o registo das declarações orais prestadas no julgamento, pois, de outro modo, seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova»[ Ibidem.]

[Cfr., também no sentido de que, «tendo o tribunal formado a sua convicção com provas não proibidas por Lei, prevalece a convicção que da prova teve o julgador sobre a formulada pelo recorrente, que é irrelevante, de acordo com o príncipio da livre apreciação da prova», o Ac. da Rel. de Lisboa de 22/11/2002, proferido no Proc. nº 0020409 e relatado pela Desembargadora MARGARIDA ALMEIDA (cujo sumário está disponível no site http://www.dgsi.pt.).] [Cfr., igualmente no sentido de que «limitado o recurso a materia de facto, na solução da questão posta atentar-se-á nos dois principios fundamentais que norteiam a apreciação da prova:

- o de que ela é apreciada, salvo quando a lei disponha diferentemente, segundo as regras da experiencia e a livre convicção do julgador - principio da livre apreciação da prova;

- o de que o tribunal, ao decidir, não tem de formular um juizo de certeza, bastando-se a lei com a convicção da ocorrencia», pelo que, «respeitados estes principios pela sentença recorrida, como se extrai do contexto da prova produzida, não pode a mesma sentença deixar de ser confirmada», o Ac. da Rel. do Porto de 18/3/92 proferido no Proc. nº 9210093 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA (cujo sumário está disponível no site http://www.dgsi.pt.).]

Daqui resulta liminarmente a improcedência deste recurso no que tange à impugnação da matéria de facto e, por isso, no tocante à pretensa violação do citado princípio da Livre Apreciação Da Prova.

2) Da pretensa violação do princípio in dubio pro reo.

Na tese da Recorrente, o Tribunal “a quo”, ao socorrer-se de ilações baseadas em presunções, não teria feito mais do que procurar contornar aquele princípio, assim violando o disposto no art. 32º da Constituição da República.

Quid juris ?

Desde logo, «o direito à presunção de inocência constitucionalmente garantido não é incompatível com que se admita que a convicção judicial num processo penal se possa formar sobre a base de uma prova indiciária. Ponto é que essa convicção em sentido desfavorável ao arguido se alcance para além de toda a dúvida razoável, através de juízos objectivos e motiváveis»[ Ac. da Rel. do Porto de 18/12/2002, proferido no Proc. nº 0210996 e relatado pelo Desembargador BAIÃO PAPÃO].

Por outro lado, «a violação do princípio "in dubio pro reo" pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, o que significa que a sua existência também só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma mais do que evidente, que o colectivo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido» [Ac. da Rel. de Lisboa de 24/1/2001, proferido no Proc. nº 0066773 e relatado pelo Desembargador CARLOS SOUSA.] [Cfr., igualmente no sentido de que «só há violação do princípio in dubio pro reo quando da matéria de facto resulta que o Tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e, apesar disso, escolheu a tese desfavorável ao arguído», o Ac. do STJ de 27/5/1998 (in BMJ nº 477, pp. 303-349).] [Cfr., também no sentido de que «o Supremo Tribunal de Justiça só pode caso sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo, se da decisão recorrida resulta que o Tribunal recorrido tenha ficado na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido, caso em que estaria em causa uma regra de direito susceptível de ser sindicada em revista», o Ac. do STJ de 5/6/2002 proferido no Proc. nº 976/2003 e relatado pelo Conselheiro SIMAS SANTOS (cujo texto integral está disponível no site http://www.dgsi.pt.).]

Ora, no caso dos autos, não resulta minimamente do acórdão condenatório ora sob censura que o colectivo tenha chegado a um estado de dúvida insanável e, apesar disso, tenha escolhido a versão factual desfavorável à Arguída ora Recorrente. Tanto basta para que o presente recurso tenha de improceder, quanto à pretensa violação do princípio in dubio pro reo.

3) Da pretensa violação do disposto no nº 1 do artigo 355º do CPP (decorrente da valoração conferida pelo tribunal a quo às transcrições telefónicas).

O cit. art. 355º-1 do CPP estatui que “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito da formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”.

Daí que – segundo a ora Recorrente – o Tribunal a quo não pudesse valorar do modo como o fez as transcrições das conversas telefónicas verificadas entre a Arguída ora Recorrente e outros (designadamente o Arguído Abel, seu marido) e entre o Arguído Abel e terceiros (incluindo o Arguído Alberto ...).

Quid juris ?

Segundo o entendimento consensual da jurisprudência, «as escutas telefónicas regularmente efectuadas durante o inquérito, uma vez transcritas em auto, passam a constituir prova documental, que o tribunal do julgamento pode valorar de acordo com as regras da experiência, servindo, assim, para formar a convicção dos juízes»[ Ac. do STJ de 21/1/1998 (in Col. Jur., Acs. do STJ, 1998, tomo I, p. 192).] [Cfr., também no sentido de que «o auto de transcrição das intercepções telefónicas, uma vez incorporado no processo, constitui prova documental», o Ac. da Rel. de Lisboa de 12/1/2000 (in Col. Jur., 2000, tomo I, p. 135).]

«Deste modo, é manifesto que não é essencial a sua leitura ou exame em audiência para valer como meio de prova»[ Cit. Ac. da Rel. de lisboa de 12/1/2000.]

Efectivamente, «a lei não exige que se proceda, em julgamento, à leitura da prova documental contida nos autos já que os documentos estão neles integrados e deles teve a defesa necessariamente conhecimento após a notificação da acusação; pelo que na hipótese de o Tribunal dela se socorrer, não constitui nulidade a falta da sua menção na acta»[ Ac. do STJ de 21/1/1998 (in Col. Jur., Acs. do STJ, 1998, tomo I, p. 173).] [Cfr., igualmente no sentido de que «a observância do disposto no art. 355º, nº 1, do Código de Processo Penal não exige a leitura em audiência dos documentos constantes dos autos, bastando a existência dos mesmos e a possibilidade de relativamente a eles poder exercer-se o contraditório», o Ac. do STJ de 27/1/1999 proferido no Proc. nº 350/98 da 3ª Secção e relatado pelo Conselheiro ARMANDO LEANDRO.]

Daqui resulta liminarmente a improcedência deste recurso no tocante à pretensa violação do disposto no cit. art. 355º-1 do CPP.

4) Do pretenso vício de contradição da fundamentação de facto.

Na tese da recorrente, o acórdão condenatório proferido na 1ª instância enfermaria do vício de contradição da fundamentação de facto, por ter aceite, por um lado, a falta de actuação consertada da Recorrente e a haver absolvido da acusação de associação criminosa e, por outro lado, ter dado como provado que ela, a mando do marido Abel, transacionava produtos estupefacientes. Quid juris ?

Como é sabido e como resulta expressis verbis do art. 410º, nº 2, corpo, do CPP, os vícios nele referidos – entre os quais se conta a contradição insanável da fundamentação (cfr. a al. b) do mesmo preceito) – «têm de resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento» [Ac. do STJ de 19/12/1990 proferido no Proc. nº 41 327, apud MAIA GONÇALVES in “Código de Processo Penal Anotado e comentado”, 11ª ed., 1999, p. 743.]. Na verdade, «qualquer dos vícios constantes do art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência»[ Ac. (inédito) do STJ de 5/11/1997, proferido no Proc. nº 366/97.] [«As regras da experiência comum não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece e respeitam à apreciação de qualquer das hipóteses previstas no nº 2 do art. 410º» (GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, p. 339).]

«Para se verificar contradição insanável da fundamentação, têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso»[ Ac. do STJ de 22/5/1996 proferido no Proc. nº 306/96 (apud MAIA GONÇALVES in “Código de Processo Penal Anotado e comentado”, 11ª ed., 1999, pp. 744-745). No mesmo sentido se pronunciou também o Ac. do STJ de 25/3/1999 (in BMJ nº 485, p. 286).]

«A contradição pode suceder entre segmentos da própria fundamentação – dão-se como provados factos contraditórios, dá-se como provado e não provado o mesmo facto, afirma-se e nega-se a mesma coisa, enfim, as premissas contradizem-se -, como entre a fundamentação e a decisão – esta não se encontra em sintonia com os factos apurados» [Ac. do STJ de 9/2/2000 (in BMJ nº 494, pp. 207-218)]. Efectivamente, «a contradição insanável da fundamentação respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito)» [GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal” , vol. III., 2ª ed., 2000, pp. 340-341]. «Assim, tanto constitui fundamento de recurso ao abrigo da alínea b) do nº 2 do art. 410º a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória [Cfr., no sentido de que, «se a única prova em que se fundou a condenação de dois arguídos, como co-autores de um crime de roubo, é o depoimento do ofendido, e este refere não saber identificar um dos arguídos, existe o vício de contradição insanável da fundamentação, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal, determinante do reenvio do processo à 1ª instância para reapreciação da matéria de facto», o Ac. do STJ de 29/3/1995 (in BMJ nº 445, p. 318).] da matéria de facto» [GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso…” cit., vol. cit., p. 341]. «A contradição pode existir também entre a fundamentação e a decisão, pois a fundamentação pode apontar para uma dada decisão e a decisão recorrida nada ter com a fundamentação apresentada» [GERMANO MARQUES DA SILVA ibidem.]

De todo o modo, «a contradição só releva, juridicamente, quando existe uma oposição directa entre os factos qualquer que seja o sentido que se dê a cada um deles»[ Ac. (inédito) do STJ de 9/2/2000, proferido no Recurso nº 284/98 (apud ANTÓNIO TOLDA PINTO in “A Tramitação Processual Penal”, 2ª ed., 2001, p. 1037).] [Cfr., no sentido de que, como «o dolo directo exclui desde logo o dolo eventual, sendo contraditório dar como provados factos que consubstanciam essas duas modalidades de dolo», «se o tribunal colectivo, em sede de matéria de facto, dá como provados factos que ao nível do elemento subjectivo do crime de homicídio consubstanciam o chamado “dolo directo”, mas, nessa mesma sede, dá também como provados factos que integram o chamado “dolo eventual”, estamos perante uma contradição insanável da fundamentação (art. 410º, nº 2, al. b), do Código de Processo Penal) que não permite ao Supremo decidir com rigor da causa sob exame e impõe o reenvio do processo para novo julgamento», o Ac. do STJ de 7/10/1999 (in BMJ nº 490, p. 167)]. [cfr., porém, no sentido de que «não é incompatível o dar-se como provado o recebimento por parte de alguém de certas importâncias no exercício das suas funções, com o dar-se como não provado o descaminho ou apossamento indevido daquelas por parte do agente, já que tal descaminho ou apossamento pode ocorrer pelas mais diversas razões ou circunstâncias, asserção não contrariada pelas regras da experiência comum, que revelam que em firmas de grande movimento, como a dos autos, os dinheiros recebidos circulam por muitos sectores e escalões», o Ac. do STJ de 4/3/1999 proferido no Proc. nº 1268/98 (apud ANTÓNIO TOLDA PINTO in “A Tramitação Processual Penal”, 2ª ed., 2001, pp. 1049-1050)], visto que só então se está perante uma contradição insanável da fundamentação [«A contradição insanável da fundamentação é só aquela que se apresenta como insanável, irremediável, que não pode ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e com recurso às regras da experiência» (Ac. do STJ de 25/3/1999, in BMJ nº 485, p. 286).]

No caso dos autos, a pretensa contradição assacada ao acórdão recorrido está longe de existir e, muito menos, de ser insanável, irremediável, inultrapassável, pelo tribunal de recurso, com recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência.

Efectivamente, inexiste qualquer incompatibilidade lógica entre, por um lado, o facto de o acordão ora sob censura ter dado como provado que a Arguída Maria da Conceição, a mando do marido Abel, transacionava produtos estupefacientes e, por outro, a circunstância de o Tribunal a quo não ter considerado provado que, com a actuação descrita na acusação, o arguido Abel tenha levado a que se constituísse um grupo de pessoas, constituído por ele próprio e pela arguida Maria da Conceição, que actuando concertadamente e em comunhão de esforços e intentos, se vinham dedicando, reiterada e continuamente, à sobredita actividade de aquisição, transporte, manipulação, armazenamento e revenda de heroína e cocaína; e que os proventos monetários resultantes de tal actividade fossem geridos pelo arguido Abel, que determinava quais os investimentos a fazer na aquisição de mais produtos estupefacientes, recebia e guardava o dinheiro proveniente das vendas, sendo igualmente aquele arguido quem determinava os preços de venda de tais produtos, onde e quando se abasteceriam dos mesmos, a quem os vendiam e onde eram guardados, assim financiando aquela actividade e assumindo a liderança de tal grupo; e que, por seu turno, a arguida Maria da Conceição tivesse aderido a tal grupo, passando a actuar concertadamente e em conjugação de esforços e intentos na descrita actividade de tráfico de produtos estupefacientes liderada e financiada pelo arguido Abel; e ainda que o arguido Abel soubesse que, com a sua actuação, promovia e levava à formação de um grupo de pessoas que, agindo concertadamente, tinham como objectivo levar a cabo a descrita actividade de tráfico de produtos estupefacientes, bem como que liderava e financiava tal actividade, o que quis e fez.

É, na verdade, apodítico que uma pessoa pode muito bem dedicar-se, a mando de outra, à venda de produtos estupefacientes sem, contudo, fazer parte dum grupo de pessoas, constituído por ela própria e pelo seu mandante, que, actuando concertadamente e em comunhão de esforços e intentos, tenha como objectivo levar a cabo a descrita actividade de aquisição, transporte, manipulação, armazenamento e revenda de estupefacientes. Entre exercer, a mando de outrém, uma determinada actividade criminosa e estar integrado numa organização hierarquizada constituída com a exclusiva finalidade de exercer tal actividade vai, evidentemente, uma grande diferença. Trata-se de realidades bem distintas, que se não confundem uma com a outra.

Inexiste, pois, qualquer contradição insanável da fundamentação fáctica do acórdão recorrido, improcedendo, consequentemente, nesta parte, o presente recurso.

5) Da pretendida suspensão da execução da pena de prisão imposta à Recorrente.

Sustenta a Arguída MARIA DA CONCEIÇÃO que, mesmo em caso de condenação, sempre a pena de prisão a ela imposta devia ficar suspensa na sua execução, dado ser primária, ter dois filhos menores e estudantes, ser de condição humilde e de fracos recursos e constituir a única fonte de rendimentos e subsistência dela própria e do seu agregado familiar.

Quid juris ?

«Pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é que a medida desta – que assim terá de ser previamente determinada pelo juiz – não seja superior a 3 anos (art. 48º-1)»[ JORGE DE FIGUEIREDO DIAS in “Direito Penal Português. Parte Geral. II – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, p. 342.]

Ora, no caso sub juditio, o acórdão condenatório sob censura condenou a Arguída ora Recorrente numa pena concreta – cuja medida ela não põe sequer em causa – de 7 (sete) anos de prisão. Tanto basta para excluir liminarmente a possibilidade de tal pena vir a ser declarada suspensa na sua execução, nos termos do cit. art. 48º, nº 1, do Cód. Penal.

O presente recurso improcede, portanto, também quanto a este fundamento.

2) Recurso da Arguída MARIA DA GLÓRIA:

As questões essenciais suscitadas por esta Recorrente (nas conclusões da sua motivação) são as seguintes:

1) Se, na apreciação da prova, foi violado o princípio in dubio pro reo, por o Tribunal “a quo” ter presumido, unicamente com base na transcrição de conversas telefónicas, que, sempre que se combinou uma negociação, a mesma se veio a efectivar;

2) Se a Arguída ora Recorrente apenas podia e devia ter sido condenada pela autoria do crime previsto pelo art.º 21º/1 e punido pelo art.º 25º a), ambos do Decreto-Lei nº 15/93, na forma tentada, com a consequente redução da pena aplicada, visto a actuação da recorrente só poder caber no âmbito dos actos de execução, ou seja na tentativa, tal como é definida pelo art.º 22º/2 b) do Cód. Penal, por ausência de prova da consumação.

1) Da pretensa violação do princípio in dubio pro reo.

Na tese da ora Recorrente, o Tribunal a quo, ao presumir, com base na transcrição de conversas telefónicas mantidas entre aquela e o Arguído Abel, que, sempre que entre estes se combinou uma negociação, a mesma se efectivou, teria violado grosseiramente o principio da presunção da inocência consagrado no art. 32º, nº 2, da Constituição da República, por isso que, como as autoridades policiais não confirmaram a concretização daquelas eventuais transacções, apesar de o poderem ter feito, não há nos autos nenhum elemento probatório que ultrapasse a dúvida razoável da mera encomenda de estupefacientes que transparece das transcrições. Quid juris ?

Como vimos supra, «a violação do princípio "in dubio pro reo" pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, o que significa que a sua existência só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma mais do que evidente, que o colectivo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido». Ora, no caso dos autos, não resulta minimamente do acórdão condenatório ora sob censura que o colectivo tenha chegado a um estado de dúvida insanável e, apesar disso, tenha escolhido a versão factual desfavorável à Arguída ora Recorrente.

De facto, o tribunal a quo alicerçou convictamente a sua convicção quanto aos factos que considerou provados, relativamente à ora Recorrente, simultaneamente:

a) no teor das transcrições das conversas telefónicas mantidas por ela com o Arguído Abel, relativas à encomenda, por parte daquela a este, de produtos estupefacientes, respectivo preço, e local, data e hora de entrega do produto estupefaciente (pelo menos uma entrega), conversas essas das quais resulta que a Arguida Maria da Glória servia como intermediária entre o Abel e uma pessoa do sexo feminino cuja identidade não foi possível determinar;

b) no depoimento da testemunha Almeno ...., inspector da P.J., que disse ter feito diligências que levou a que se apurasse que as chamadas telefónicas efectuadas de e para um número da rede fixa eram para a casa de habitação da Arguida Maria da Glória, sita em ..........., Guimarães;

c) nas regras da experiência comum.

Não se evidencia, portanto, do texto do acórdão recorrido que o tribunal a quo tenha tido qualquer dúvida quanto aos factos praticados pela Arguída ora Recorrente que veio a considerar provados.

Acresce que o princípio da presunção de inocência tão pouco impunha, in casu, o surgimento dessa dúvida [Como é sabido, «o princípio in dubio pro reo só se aplica no caso de surgir dúvida quanto à apreciação da matéria de facto» (HELENA MAGALHÃES BOLINA, “Razão de ser, Significado e Consequências do Princípio da Presunção de Inocência (art. 32º, nº 2, da CRP)” in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXX, 1994, p. 445). «A dúvida que o julgador está vinculado a resolver favoravelmente ao arguido é, assim, uma dúvida relativa aos elementos de facto – quer sejam pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer sejam factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão de ilicitude ou da culpa – e não sobre a interpretação da lei» (ibidem, p. 439). Já, porém, «o princípio da presunção de inocência, atento o objectivo que visa atingir, intervém em momento anterior, condicionando o surgimento dessa dúvida, impondo-o em todas as situações em que, à luz da verdade material, a culpabilidade do arguido não possa considerar-se afirmada com certeza» (ibidem, p. 445). «A dúvida é, assim, por imposição do princípio de presunção de inocência, uma dúvida legal: uma dúvida que deve surgir em determinadas circunstâncias e constitui também matéria de direito, não só a questão de saber se a dúvida surgida na apreciação da prova foi resolvida favoravelmente ao arguido – caso em que se está perante a verificação do respeito do princípio in dubio pro reo -, mas também se, em face da prova produzida, a dúvida surgiu quando devia ou, noutra perspectiva, se o juízo de certeza foi bem fundado» (ibidem). «Neste caso, o princípio cujo respeito se avalia é, não já o in dubio pro reo, mas, mais rigorosamente, o princípio da presunção de inocência» (ibidem). «O princípio da presunção de inocência distingue-se, assim, do princípio in dubio pro reo, não só pela sua relevância no tratamento do arguido ao longo de todo o processo e pelo seu reflexo extraprocessual como critério dirigido ao legislador ordinário, mas também, em sede de prova, impondo que a dúvida surja em determinadas circunstâncias, assim possibilitando, em momento lógico anterior, a aplicação do princípio in dubio pro reo» (ibidem, pp. 445-446)].

É que «o direito à presunção de inocência constitucionalmente garantido não é incompatível com que se admita que a convicção judicial num processo penal se possa formar sobre a base de uma prova indiciária. Ponto é que essa convicção em sentido desfavorável ao arguido se alcance para além de toda a dúvida razoável, através de juízos objectivos e motiváveis»[ Cit. Ac. da Rel. do Porto de 18/12/2002, proferido no Proc. nº 0210996 e relatado pelo Desembargador BAIÃO PAPÃO]. [Cfr., igualmente no sentido de que «nada impede que a prova indiciária, por si, permita fundamentar uma condenação», o Ac. da Rel. de Coimbra de 9/2/2000 (in Col. Jur., 2000, tomo I, p. 51)].

E esse é seguramente o caso dos autos. A inferência que o tribunal a quo estabeleceu, a partir da transcrição das aludidas conversas telefónicas, de que as encomendas de produtos estupefacientes (feitas telefonicamente pela Arguída ora Recorrente ao co-Arguído Abel) vieram a concretizar-se na efectiva celebração de transacções de produtos estupefacientes, é absolutamente razoável e lógica, à luz das regras da experiência comum, enquanto corresponde ao normal desenvolvimento do curso das coisas. Se tais encomendas não tivessem desembocado em efectivas transacções, o conteúdo das conversas telefónicas subsequentes seria, muito provavelmente, diverso ou, possivelmente, nem sequer teriam chegado a ter lugar outros contactos telefónicos.

O presente recurso improcede, portanto, quanto à pretensa violação do princípio in dubio pro reo.

2) Da questão de saber se a Recorrente apenas podia e devia ter sido condenada pela autoria do crime previsto pelo art.º 21º/1 e punido pelo art.º 25º a), ambos do Decreto-Lei nº 15/93, na forma tentada, com a consequente redução da pena aplicada.

A resolução desta questão está prejudicada pela resposta acabada de dar àqueloutra questão de saber se, por força do princípio da presunção da inocência consagrado no art. 32º, nº 2, da Constituição da República, o tribunal a quo apenas devia ter considerado provado que a Arguída ora Recorrente encomendou ao co-Arguído Abel o fornecimento, com destino a revenda, de produtos estupefacientes, mas já não que ela veio efectivamente a adquirir-lhe produtos estupefacientes com esse destino.

Uma vez assente que o tribunal a quo não incorreu em violação do princípio da presunção de inocência ao presumir que as encomendas de produtos estupefacientes feitas pela ora Recorrente ao co-Arguido Abel vieram a concretizar-se na efectiva aquisição, por aquela a este, de produtos estupefacientes, bem andou o acórdão condenatório recorrido ao condená-la pela autoria de um crime consumado de tráfico de estupefacientes, previsto pelo artigo 21º, nº 1, e punível nos termos do artigo 25º, al. a), ambos do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro (e não apenas pela prática de tal infracção na sua forma tentada).

Eis por que o presente recurso improcede, in totum.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da 4ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes os recursos interpostos pelas Arguídas MARIA DA CONCEIÇÃO e MARIA DA GLÓRIA, assim confirmando, na íntegra, o acórdão recorrido.

Fixa-se a taxa de justiça devida por cada uma das recorrentes em 6 (seis) UCs, sem prejuízo do apoio judiciário oportunamente concedido (art. 87º, nº 1, al. b), do Cód. das Custas Judiciais).

A Arguida/Recorrente MARIA DA CONCEIÇÃO pagará, além disso, 2 (duas) UCs de taxa de justiça, pelo incidente (estranho ao normal desenvolvimento do processo) a que deu causa ao apresentar intempestivamente uma nova motivação de recurso, na sequência da oportunidade que o tribunal lhe concedeu de suprir a deficiência de que enfermavam as conclusões da primitiva motivação por ela oportunamente apresentada (art. 84º, nº 2, do Cód. das Custas Jud.).

Porto, 14 de Janeiro de 2004

Rui Manuel de Brito Torres Vouga

Arlindo Manuel Teixeira Pinto

Joaquim Rodrigues Dias Cabral

José Casimiro da Fonseca Guimarães