Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00042055 | ||
Relator: | ALBERTINA PEREIRA | ||
Descritores: | JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP200901050846103 | ||
Data do Acordão: | 01/05/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 68 - FLS 46. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Relativamente à interpretação da “impossibilidade prática de manutenção da relação laboral”, integrante do conceito de justa causa de despedimento, importa considerar as seguintes vertentes: - a impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzida à ideia de “inexigibilidade” da manutenção vinculística; - exige-se uma “impossibilidade prática”, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto; - e “imediata” no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato. II - O comportamento do trabalhador que, numa sala de jogo (D……….), agrediu com uma bofetada um cliente e o empurrou, apesar de culposo e ilícito, não pode ser desligado das circunstâncias em que ocorreu. III - Tendo o autor sido provocado pelo dito cliente, que assumiu perante o mesmo, durante algum tempo, uma atitude de desafio, má educação e desrespeito com as normas de comportamento que se impõem numa sala de jogo, sendo certo que o autor sempre se comportara de forma pacífica, sendo um trabalhador assíduo, diligente e capaz, a sua conduta não assume gravidade bastante que torne praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Reg. 306 Apel. 6103/.08 – 4.ª (PC …/.07 – TTB) Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto B………., intentou contra C………., acção declarativa emergente de contrato de trabalho, pedindo que se declare nulo e sem nenhum efeito o processo disciplinar e a sanção disciplinar do despedimento, ou, caso assim se não entenda declarar a sanção de despedimento abusiva, desproporcionada e ilícita, readmitindo-se o autor com os mesmos direitos. Em conformidade com tal pedido, reclama ainda que lhe sejam pagos todos os créditos salariais que se vencerem até ao trânsito da sentença. E 2.500€ a título de danos morais. Foram ainda deduzidos vários pedidos relativos a créditos laborais vencidos relativamente aos quais o autor viria a deles desistir por, entretanto, ter recebido a totalidade das quantias em causa mormente 490€ do salário de Fevereiro de 2006, 122,5€ de diuturnidades referente a Fevereiro de 2006, 132,25€ de sub de alimentação de Fevereiro de 2006, 744.74€ de férias vencidas em 01.01.06, 124,12€ de proporcionais de férias, 124,12€ de proporcionais de subsídio de férias e 124,12€ de proporcionais de subsídio de natal. Alega, para tanto, que em 1 de Março de 1991, autor e réu celebraram um contrato de trabalho pelo qual aquele, sob as ordens, interesse e fiscalização do réu, passou a exercer funções de caixa auxiliar volante na sala de D………. que esta explora em Braga, mediante o salário que à data do despedimento era de 490€ mensais acrescidos de 132,25€/mês de subsídio de alimentação. Sucede que em 12 de Dezembro de 2006 o réu instaurou-lhe um processo disciplinar, suspendeu-o de funções e em 27 de Fevereiro de 2007 sancionou-o com despedimento com justa causa. Tal despedimento, em seu entender seria ilícito, não só por invalidades formais do procedimento disciplinar, mas também porque o comportamento do autor não poderia integrar o conceito de justa causa de despedimento na medida em que o autor não praticou, livre e conscientemente, qualquer facto passível da sanção aplicada. O réu contestou requerendo a improcedência da acção, alegando que não existem os invocados créditos laborais em dívida e que o autor foi despedido com justa causa. Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, com observância de todo o formalismo legal. Foi proferido despacho de decisão da matéria de facto, o qual não sofreu reclamações. Proferida sentença foi a acção julgada procedente e ilícito o despedimento do autor e, como tal, condenado o réu a pagar ao autor as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura desta acção, ou seja, desde 21 de Fevereiro de 2007 até ao trânsito em julgado da decisão final, sem prejuízo das deduções legais acima descritas. A reintegrar o mesmo autor ao seu service, nas mesmas funções antes exercidas no D………, sem prejuízo da sua categoria, antiguidade, remuneração, garantias e demais direitos que detinha. Em tudo o mais o réu foi absolvido. Inconformada com essa decisão dela recorre de apelação o réu, concluindo que: Erro na apreciação da prova: I. Ora, salvo o devido respeito, tem a aqui Ré como certo que há erro na apreciação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento II. Isto porque, nunca poderia ter-se dado como assente a factualidade constante do item 19,22, 23 da matéria de facto que consta da sentença recorrida. III. Na verdade, no item 19 da matéria de facto que consta da sentença recorrida, resulta como provado que o arguido comunicou ao Chefe de sala o seguinte: “Mais lhe comunicou que o cliente reagiu violentamente, lhe chamou "filho da puta" "lá fora trato-te da saúde", "és mesmo filho da puta", expressões essas que foram também ouvidas por outras pessoas na sala designadamente a funcionária E………. e o cliente F………. .” IV. No entanto, com o devido respeito, atenta a prova produzida em Audiência de Julgamento, estes factos não podiam ter sido dados como provados. V. Do depoimento da testemunha E………. não resultou que o cliente tenha reagido violentamente para com o funcionário B………., aliás a funcionária E………. não assistiu a qualquer agressão por parte do cliente ao referido funcionário. Relativamente aos insultos, conforme o mesmo depoimento, esta apenas ouviu o cliente dizer as seguintes palavras ao funcionário “Filho da puta vou esperar por ti lá fora.” VI. Não tendo esta no seu depoimento declarado ter ouvido o cliente, contrariamente ao previsto no item 19 da douta sentença, a chamar ao funcionário “filho da puta”; “lá fora trato-te da saúde”; “ és mesmo filho da puta”. VII. Sucede, porém, que o Mm.º Juiz a quo deu como provado os factos constantes no referido item 19 da douta sentença o que, com o devido respeito, o Mm.º Juiz a quo não poderia dar esses factos como provados. VIII. Acresce que o depoimento da testemunha G………., pelas suas contradições (supra descritas) foi um depoimento que não merece qualquer credibilidade. IX. Relativamente aos itens 22, 23 da matéria de facto que consta da sentença recorrida, resulta como provado que “o autor recusou receber e quando tentou levantar o cartão, o cliente agarrou-lhe pela mão e disse-lhe “meu filho da puta, se pegas no cartão, fodo-te”; “O autor empurrou-lhe o braço para libertar a sua mão e, acto contínuo, desferiu-lhe uma bofetada seguida de um empurrão que o fez cair”. X. No entanto, com o devido respeito, atenta a prova produzida em Audiência de Julgamento, estes factos não podiam, de igual modo, ter sido dados como provados. XI. Se atendermos, nomeadamente, ao depoimento da testemunha H………., que na altura dos factos era o chefe de sala do D………., este não verificou, por parte do cliente, qualquer atitude agressiva para com o funcionário B……….. XII. Na verdade, segundo o que resulta do depoimento da testemunha H………., este não chamou a inspecção de jogos porque “ não tinha que o fazer. Não havia razões para isso”. XIII. Ora, mais uma vez, na opinião da aqui Recorrente, o Mmº juiz a quo não apreciou correctamente a prova produzida, acabando por dar os factos, previstos nos itens 20, 22 e 23 da sentença, como provados, quando os mesmos não foram demonstrados em sede de audiência de discussão e julgamento. C – ERRADA SUBSUNÇÃO AO DIREITO APLICÁVEL: XIV. Com o devido respeito, é entendimento da ora apelante que atendendo aos factos dados como provados, que a sentença ora em crise faz uma errónea subsunção da factualidade ao direito, no que concerne à licitude do despedimento. XV. Tal como referiu, e muito bem, o Mmº Juiz de 1ª Instância, nos termos do artigo 396º do Cód. do Trabalho, são elementos essenciais para a verificação de justa causa: a) a existência de um comportamento ilícito, grave e culposo do trabalhador; b) que o comportamento seja violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral; c) a impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho; e d) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade. XVI. Ora, dos factos considerados provados, principalmente nos referidos em a) a e) supra, resulta manifestamente que o trabalhador teve um comportamento culposo, grave e que torna impossível a subsistência da relação de trabalho existente. XVII. É facto assente que o A. agrediu um cliente da Ré no dia 18/11/2006. XVIII. Tais agressões, só poderiam ter criado no local de trabalho, e perante os restantes trabalhadores, uma degradação do ambiente de trabalho, assim como perante a clientela uma má imagem da entidade patronal que, evidentemente, causou prejuízos sérios para esta. XIX. Não se pode aceitar que aqueles factos não tiveram qualquer repercussão para a entidade patronal. XX. Isto porque, segundo este entendimento do Mm.º juiz à quo, parece que, para a entidade patronal é indiferente que os trabalhadores tenham boas relações com a clientela XXI. Ou até que se envolvam em agressões com esta, o que, salvo o devido respeito, não pode deixar de ser considerado desproporcionado. XXII. Aliás, tem sido o entendimento da Jurisprudência dos Tribunais superiores, face a situações semelhantes à aqui em apreço, como por exemplo agressões entre trabalhadores, que a existência de conflitos entre trabalhadores, nos locais de trabalho, como é evidente prejudicam as condições de trabalho e de rendimento das empresas (cfr. entre outros o Ac. do STJ, de 24.05.95, pub. no site www.dgsi.pt.). XXIII. Se assim é para as situações de conflitos entre trabalhadores (que no nosso entendimento são situações menos gravosas do que o conflito entre trabalhadores e clientes) por maioria de razão será para as situações de conflitos entre trabalhador e cliente. XXIV. Nesta conformidade, é licito concluir que, na verdade, era impossível para a aqui Apelante manter a relação laboral com o Autor, XXV. E que o caminho que se lhe impunha, permitido pela lei, era o que efectivamente tomou, ou seja, o despedimento do Autor. XXVI. É certo que o comportamento do Autor não se encontra tipificado como justa causa de despedimento nas als. b), c), e) e i), do nº 3, do art. 396º do Cód. Trabalho, no entanto, este artigo tem natureza meramente exemplificativa, sendo evidente a quem quer que seja, que a conduta levada a cabo pelo trabalhador se enquadra perfeitamente na ratio dessa previsão. XXVII. Que é, no fundo, a intenção de evitar nos locais de trabalho a existência de conflitos entre os trabalhadores, e por maioria de razão entre trabalhadores e clientes. XXVIII. Sendo certo que, as agressões físicas que o Autor desferiu no cliente(!!) da Ré consubstanciam uma violência física, a qual é passível de configurar a prática de, pelo menos, um crime de ofensas à integridade física. XXIX. Assim, as ofensas corporais levadas a cabo pelo Autor contra um cliente da Ré, em 26/11/2006, - em pleno local de trabalho e à frente dos outros trabalhadores que ocorreram ao local e de todos os clientes que se encontravam no local – não consentiam outra reacção decisória, senão a de que havia que despedir o aqui Autor. XXX. E não era exigível à aqui apelante, enquanto entidade empregadora, uma decisão disciplinar de qualquer outra natureza. XXXI. De resto, é notório que a ocorrência de violências físicas entre trabalhadores e clientes é totalmente incompatível com a disciplina exigível a qualquer empresa. XXXII. Uma eventual repetição de situações como essa, é inimaginável e intolerável, XXXIII. Dificilmente se imagina uma violação dos deveres laborais mais grave do que a agressão, por um trabalhador, a clientes de um empresa que vive da prestação dos seus serviços, e da qualidade e bom nome dos mesmos. XXXIV. Por conseguinte, e até por maioria de razão, a decisão disciplinar máxima tinha de ter aqui aplicação neste caso concreto, atentas as necessidades de prevenção geral. XXXV. Neste sentido veja-se entre outros, os já citados arestos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.05.95 e 29.01.2003, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.06.92, e o Acórdão 01.07.91 do Tribunal da Relação do Porto, todos publicados no site www.dgsi.pt.. XXXVI. Nesta conformidade, a aqui Apelante não aceita, nem pode aceitar, que se entenda – como entendeu o Tribunal a quo – que da verificação das agressões, do trabalhador ao cliente, em pleno local de trabalho “não resultou prejuízo patrimonial sério para a empresa”. XXXVII. De igual modo a aqui apelante não aceita, nem pode aceitar, que se entenda – como entendeu o Tribunal a quo - que as agressões desferidas pelo trabalhador “ justificam , pelo menos, em boa medida, a reacção exaltada do autor ao abrigo do que se pode designar como uma compreensível emoção violenta.” XXXVIII. Na verdade, o Autor teve um comportamento que até mesmo o seu colega de trabalho I………., reconheceu que não é um comportamento adequado para o local de trabalho. XXXIX. Alias, quando este foi questionado pelo mandatário da Ré se perante os insultos do cliente ele não o agrediu, lembre-se que o mesmo respondeu (conforme depoimento supra descrito), XL. “Não, eu tenho que ter princípios, no meu local de trabalho eu tenho que ter, principalmente, eu tenho que ver quando uma pessoa está assim fora do normal é meu dever é acalmar.” XLI. Portanto, para além de ser um princípio orientador do desenvolvimento da actividade comercial da Ré, decorre da experiência comum, que os trabalhadores nunca poderão agredir os clientes ainda que entendam que têm motivos para o fazer! XLII. Aliás, não será ao acaso que na gíria comercial se costuma afirmar que “o cliente tem sempre razão!” XLIII. Da mesma forma que não aceita, nem seria razoável exigir que aceitasse, que na presente situação se impusesse uma outra sanção disciplinar que permitisse manter em vigor o contrato de trabalho do aqui Autor. XLIV. Na verdade, atendendo ao ordenamento jurídico vigente como um todo, vemos que os meios de reacção extremos previstos neste, encontram-se consagrados no nosso direito criminal, que é, como se sabe, a última ratio de qualquer ordenamento jurídico. XLV. Entendendo-se que só os comportamentos mais graves e socialmente intoleráveis poderão integrar o conceito de comportamento típico para efeito de ilícito criminal. XLI. Ora, da factualidade dada como provada nos presentes autos, não restam grandes dúvidas de que o Autor praticou actos susceptíveis de integrarem a prática de crimes, no âmbito do exercício das suas funções, XLII. E que esses comportamentos foram punidos, como competia, pela entidade patronal, não só como meio de reacção contra aquele comportamento em concreto, mas também como forma de prevenção geral para os demais trabalhadores da empresa, XLIII. Bem como perante os clientes da Ré. XLIX.Forçoso se torna, por isso, concluir de tudo quanto ficou exposto que na situação aqui em apreço estão provados os motivos justificativos invocados pela aqui Apelante para o despedimento do aqui Autor com justa causa, razão pela qual, terá obviamente de se concluir pela licitude do despedimento do aqui Autor. L. Pelo que, decidindo de forma diversa o Mmº. Juiz à quo, violou, entre outras, as normas contidas nos arts. 396º e 429º do Cód. do Trabalho. O autor contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido. O Exmo. Procurador Geral - Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais. 2. Matéria de Facto. Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos. 1. Em 1 de Março de 1991, autor e réu celebraram um contrato de trabalho pelo qual aquele, sob as ordens, interesse e fiscalização do réu, passou a exercer funções de caixa auxiliar volante na sala de D………. que esta explora em Braga, 2. Mediante o salário que à data do despedimento era de 490€ mensais acrescidos de 132,25€/mês de subsídio de alimentação. 3. O autor encontra-se filiado no J………. . 4. No início de 2005 o réu, invocando dificuldades financeiras – ao nível do D………. – propôs ao autor reduzir o seu salário ou revogar o contrato de trabalho. Este opôs-se, comunicando que queria manter o seu posto de trabalho e com o mesmo salário. 5. Durante o ano de 2005 e 2006, o réu, sem sucesso, renovou ao autor aquela sua proposta. 6. Em 12 de Dezembro de 2006 o réu instaurou-lhe um processo disciplinar, suspendeu-o de funções e em 27 de Fevereiro de 2007 sancionou-o com despedimento com justa causa. 7. O réu não enviou à comissão de trabalhadores a decisão final de despedimento, tendo enviado cópia da nota de culpa e da comunicação que acompanhava a mesma. 8. O réu, nas declarações das testemunhas, recolhidas de forma manuscrita durante o procedimento disciplinar apôs rasuras e emendas, acrescentando palavras nas margens e entre linhas. 9. As declarações em causa, embora rasuradas e com emendas, correspondem integralmente ao que foi efectivamente declarado pelas testemunhas, tendo estas lido e achado conformes essas declarações já após a aposição de rasuras e emendas antes de as subscrever, assinando. 10. A nota de culpa, com suspensão preventiva, foi elaborada pela entidade patronal, descrevendo, em síntese, que cerca das 2h30m do dia 18 de Novembro de 2006, o autor dirigiu-se a um cliente do D………. que se encontrava sentado e desferiu-lhe uma bofetada, atingindo-o na face. Após, desferiu um empurrão ao mencionado cliente fazendo-o cair ao chão juntamente com a cadeira, não tendo o mencionado cliente chegado sequer a reagir. Em virtude da agressão, o cliente sofreu um ferimento no lábio. 11. Em conformidade, o autor é acusado de, ao actuar da forma descrita, ter violado o dever profissional de respeitar e tratar com urbanidade, probidade e correcção todas as pessoas que estejam em relação com a empresa e de ter desrespeitado instruções expressas do chefe de mesa, superior hierárquico, que lhe ordenara que o trabalhador lhe comunicasse qualquer situação em que o cliente pudesse ameaçar o autor. Articula ainda a entidade patronal na nota de culpa que o autor afectou o bom-nome do D………. perante os seus clientes. 12. Na decisão final proferida constante de fls. 92 a 101 dos autos e aqui dada como integralmente reproduzida foram dados como provados todos os factos constantes da nota de culpa designadamente os referidos no facto provado 11º, concluindo-se pelo despedimento com justa causa, entendendo-se que o comportamento do Autor representa violação intencional e culposa dos deveres laborais a que se encontrava adstrito, consubstanciando a prática de infracção disciplinar grave e culposa por violação do disposto no artº 121º, nº 1, alíneas a), c) e d), no artº 119º, nº 2 e no artº 396º, nº 1 e nº 3, alíneas b) e i), do Código do Trabalho, no artº 19º, alínea b) do DL nº 314/95, de 24 de Novembro e Cláusula 12ª, alíneas a), b), d), j), l) e m) do Acordo de Empresa aplicável, tudo conforme consta do documento de fls. 92 a 101 dos autos aqui dado como integralmente reproduzido. 13. No dia 18/11/2006, pelas 2:00 Horas, o trabalhador-arguido B………., depois da normal mudança de sectores entre os funcionários, passou a exercer as suas funções de C.A.Volante no sector . da Sala de D………. . 14. Aquando da mudança de sector, a funcionária E………., que da 1:00 às 2:00 Horas esteve a exercer as funções de C.A. Volante no sector . da sala de D………., informou o trabalhador que tinha instruções do chefe de sala para não aceitar notas riscadas do cliente que identificou, porque o mesmo estava a riscar propositadamente o dinheiro. 15. O autor, como antes havia feito a funcionária E………., participou ao Sr. H………., que exercia funções de chefe de sala, que o cliente não só riscava as notas com as quais pretendia comprar o cartão de jogo do ………, como estava a desobedecer, às ordens do chefe de sala 16. Cerca das 2:20h o trabalhador, pela segunda vez, comunicou ao chefe de sala que o cliente continuava a riscar as notas, queria pagar o cartão com elas e que o ameaçou que “lá fora ia esperar por ele”. 17. O chefe de sala ignorou esta comunicação do arguido e ordenou-lhe que continuasse a vender-lhe cartões, mas que não aceitasse notas riscadas. 18. Cerca das 2:25h, pela terceira vez, o arguido comunicou ao chefe de sala que não tinha vendido ao dito cliente o cartão da respectiva jogada, porque este queria pagá-lo com uma nota riscada. 19. Mais lhe comunicou que o cliente reagiu violentamente, lhe chamou “filho da puta” “lá fora trato-te da saúde”, “és mesmo filho da puta”, expressões essas que foram também ouvidas por outras pessoas na sala designadamente a funcionária E………. e o cliente F………. . 20. O chefe de sala, receoso de ter de comunicar o ocorrido à Inspecção-geral de Jogos, ordenou ao autor que lhe continuasse a vender cartões embora não devendo aceitar notas riscadas. 21. Pelas 2:30h, quando o arguido se abeirou do aduzido cliente para receber o preço do cartão que lhe havia deixado sobre a mesa, este pretendeu pagar novamente com uma nota riscada. 22. O autor recusou receber e quando tentou levantar o cartão, o cliente agarrou-lhe pela mão e disse-lhe “meu filho da puta, se pegas no cartão, fodo-te.” 23. O autor empurrou-lhe o braço para libertar a sua mão e, acto contínuo, desferiu-lhe uma bofetada seguida de um empurrão que o fez cair. 24. O trabalhador agiu de forma exaltada face às repetidas ameaças e insultos do cliente em causa, de nome K………., tendo perdido a compostura após ter denunciado ao chefe de mesa o comportamento do cliente em causa sem que nenhuma medida tivesse sido tomada. 25. Após tal altercação, o cliente em causa foi convidado a sair da sala, sendo que o mesmo ao dirigir-se ao porteiro de serviço no D………., de nome I………., ameaçou-o, dizendo que, tal como ao autor, também a ele lhe daria um tiro.O D………. esteve interrompido por um período não superior a dez minutos, não tendo existido significativa perturbação na actividade do mesmo. 26. O trabalhador nunca havia sido alvo de procedimento disciplinar e, concomitantemente, de qualquer sanção. 27. O autor sempre se comportou de forma pacífica, sendo um trabalhador assíduo, diligente e capaz. 28. O autor encontra-se desempregado, sentindo-se triste com a situação de desemprego em que vive e pelo facto de ter sido despedido. 3. O Direito De acordo com o preceituado nos artigos 684, n.º 3 e art. 690, n.º s 1 e 3, do Código de Processo Civil[1], aplicáveis ex vi do art. 1, n.º 2, alínea a) e art. 87 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. As questões que o apelante coloca à apreciação deste tribunal são as seguintes: 1. Impugnação da matéria de facto 2. Existência de justa causa para o despedimento do autor 3.1 Da impugnação da matéria de facto No presente caso o réu pretende que se deveriam ter dado como não provados os factos números 19, 20, 22 e 23. De acordo com o art. 712, n.º 1, “A decisão do tribunal de primeira instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termos do art. 690-A, a decisão com base neles proferida. b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por qualquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. (…)” Nestes autos a prova foi gravada, sendo pois aplicável o art. 690-A. Como é sabido, a prova deve ser analisada na sua globalidade, sendo que a sua reponderação pelo Tribunal da Relação não implica se postergue o princípio fundamental da livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância. Exige-se, assim, que a alteração da matéria de facto pela Relação, seja realizada com a necessária ponderação e somente em casos excepcionais e pontuais. Na realidade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas poderão ser apreendidos, interiorizados e valorados, por quem os presencia directamente, e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador. Por ser assim, é que se tem entendido, com respeito pelos princípios da imediação, oralidade e contraditório, que a alteração da matéria de facto pela Relação só ocorrerá se, dos meios prova indicados pelo recorrente, valorizados no amplexo global da prova produzida, se verificar que tais elementos probatórios, em concreto, se revelam inequívocos no sentido pretendido. Ora, nesta situação, não pode de modo algum concluir-se nos termos pretendidos pelo réu - no sentido de se darem como não provados os números 19, 20, 22 e 23 - pois da globalidade da prova produzida, em particular dos depoimentos de E………., H………. e I………., é perfeitamente razoável concluir-se nos termos consignados na sentença recorrida. Com efeito, do depoimento da aludida testemunha E………. resulta que o autor foi provocado com insultos por um cliente, que pretendia pagar com notas riscadas. E que o chefe de mesa H………. várias vezes foi avisado do comportamento impróprio desse cliente sem que tivesse reagido no sentido de pôr cobro a essa situação, circunstância esta que o próprio H………. não deixou de confirmar. Quanto à matéria do número 23, traduzida no facto de o autor ter agredido o dito cliente com uma bofetada e de lhe ter dado um empurrão, tal resulta da globalidade da prova produzida. E foi, aliás, o que motivou o despedimento do autor, não se compreendendo a objecção do réu a esse propósito. Desta feita, não se vislumbrando ter ocorrido qualquer erro clamoroso na apreciação da prova pelo tribunal de 1.ª instância, é de manter a decisão da matéria de facto aí efectuada. Improcedem, pois, neste aspecto, as conclusões de recurso. 3.2 Da existência de justa causa para o despedimento do autor Como decorrência do princípio da segurança no emprego consagrado no art. 53, da nossa Constituição, são hoje proibidos os despedimentos sem justa causa. Isso significa que o despedimento, para além de precedido do respectivo procedimento, deve sempre assentar numa causa (objectiva ou subjectiva), deve ter sempre uma justificação, não sendo permitidos os despedimentos ad nutun. Nas acções de impugnação do despedimento, como é o caso, compete ao autor, trabalhador, demonstrar a existência do contrato de trabalho e o despedimento e à entidade empregadora provar a existência de justa causa. De acordo com o art. 396, do Código do Trabalho, considera-se justa causa o comportamento do trabalhador que pela sua gravidade e consequências torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. A noção de justa causa pressupõe, nos termos habitualmente assinalados pela jurisprudência e pela doutrina, a verificação dos seguintes elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade. Como foi considerado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.06.2007, www.dgsi.pt., na ponderação da gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bonus pater familie”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto (Acórdãos do STJ de 8.6.84, AD 274, pág. 1205, de 16.11.98 AD, 290, pág. 251, de 8.7.88, AD, 324, pág. 1584 e 6.6.90, Actualidade Jurídica, 10, pág. 24. Por outro lado, caberá dizer que o apuramento da “justa causa” se corporiza, essencialmente, no elemento da impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho. Relativamente à interpretação desta componente objectiva de “justa causa”, importa considerar as seguintes vertentes: - a impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzida à ideia de “inexigibilidade” da manutenção vinculística; - exige-se uma “impossibilidade prática”, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto; - e “imediata” no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato. Para integrar este elemento, torna-se necessário fazer um prognóstico sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela mantém, ou não, a aptidão e idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida (Cfr. Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2000, págs. 490 e seguintes). Segundo Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 12.ª Edição, pág. 557 e seguintes, “inexigibilidade” determina-se mediante um balanço, em concreto, dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência na desvinculação e o da conservação do vínculo -, havendo “impossibilidade prática de subsistência da relação laboral” sempre que a continuidade do contrato represente (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador, isto é sempre que a subsistência do vínculo e das relações que ele supõe sejam “… de molde a ferir, de modo desmesurado e violento, a sensibilidade e a liberdade de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador”. Torna-se necessário, em suma, que nenhum outro procedimento se revele adequado a sanar a crise contratual. O art. 396, n.º 2, do CT, à semelhança do que fazia, o art. 9, n.º 2, da LCCT, estabelece como critérios aferidores da justa causa, o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações entre as partes e entre o visado e demais trabalhadores, todas as outras circunstâncias, enfim, que relevam no caso, a aferir no contexto da gestão da empresa. Na indagação da “justa causa” de despedimento intervêm, deste modo, juízos de prognose e juízos valorativos necessários ao preenchimento individualizado de uma hipótese legal indeterminada, a par, das operações lógico - subsuntivas a que se reporta o ónus da prova. Cfr. Lobo Xavier, Ob. Cit., págs. 511 e seguintes. Em busca de uma justiça individualizante, o legislador transfere para o julgador a tarefa de, em cada momento, concretizar a aplicação dessa “cláusula geral” a que a “justa causa” se reconduz. No âmbito dos assinalados juízos de prognose, tem a jurisprudência salientado o papel da confiança nas relações de trabalho, afirmando a sua forte componente fiduciária e concluindo que a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático - económicos a que o contrato se subordina (Acórdãos do STJ de 5.6.91, AD 359, pág. 1306, de 12.10.97, AD, 436, pág. 524 e 28.1.98, AD, 436, pág. 556)”. O motivo essencial que esteve na base do despedimento do autor foi a agressão física que este perpetrou na pessoa de um cliente, o que foi presenciado pelas pessoas que se encontravam no D………. na altura, o que teria afectado a imagem e o bom nome do réu perante os seus clientes. No âmbito da relação laboral, a par do dever de trabalhar, impendem sobre o trabalhador um conjunto de outros deveres acessórios a que o mesmo se encontra adstrito. Assim, para além dos demais deveres previstos no art. 121 do Código do Trabalho, recaiem sobre o trabalhador, enquanto parte integrante de uma estrutura complexa (empresa) a que ele não é estranho, o dever de “respeitar e tratar com urbanidade e probidade e empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as demais pessoas que estejam ou entrem em relação com a empresa.” Trata-se de acautelar, no domínio da referida relação laboral, que a mesma se processe com respeito e civilidade, numa perspectiva de sã colaboração entre as partes envolvidas, devendo estas proceder de boa fé e, na execução do contrato, e colaborar na obtenção da maior produtividade. No caso subjudice o autor agrediu com uma bofetada um cliente e empurrou-o. Essa attitude é culposa e ilícita, violadora daquele normativo legal. Acontece, porém, à semelhança do que foi entendido no Acórdão desta Relação de 13.02.2006, www.dgsi.pt, a análise desse comportamento humano não pode ser desligada do demais circunstancilismo em que o mesmo ocorreu, sob pena de se não ajuízar, convenientemente, a situação em causa. A este propósito importa não olvidar que o autor foi provocado e desafiado pelo ditto cliente, que assumiu perante o mesmo durante algum tempo, uma attitude de desafio, má educação e desrespeito para com as normas de comportamento que se impõem numa sala de jogo – D………. . O autor agiu daquela maneira imprópria face à provocação e grosseria de que foi alvo, sem que seu superior tivesse tomado alguma attitude para pôr cobro àqual situação. A provocação foi repetida, o autor descontrolou-se, tendo agredido o cliente. Não deve também esquecer-se, no que à apreciação da justa causa concerne, art. 396, do Código do Trabalho, que o autor nunca havia sido alvo de procedimento disciplinar e, concomitantemente, de qualquer sanção. E que sempre se comportou de forma pacífica, sendo um trabalhador assíduo, diligente e capaz. Deste modo, a conduta do autor, embora passível de censura disciplinar, surge no âmbito da descrita relação laboral como algo de isolado e circunscrito a um contexto de alteração emocional, meramente, pontual, originada pela atitude de um cliente provocador e desrespeitador das regras do jogo. Não assume essa conduta, em nosso entender, gravidade bastante que torne praticamente impossível a susbsistência do vínculo laboral, no sentido de ser inexígivel ao recorrente a manutenção do vínculo laboral. Pensamos, por isso, que o comportamento do autor, embora integrador de infracção disciplinar, lesivo do citado art. 121, alínea a), do CT, para além de revelar culpa algo mitigada, face ao contexto em que se deu agressão, não coloca irremediavelemente em causa o contrato de trabalho, sendo antes passível de sanção disciplinar conservatória do vínculo laboral. Conclui-se, por tudo isso, não ocorrer justa causa para o despedimento do autor, tal como foi considerado na sentença recorrida. Improcedem as conclusões de recurso. 4. Decisão Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso do réu e confirma-se a sentença recorrida. Custas pelo réu. Porto, 2009.01.05 Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho Luís Dias André da Silva ______________________ [1] Serão deste diploma todas as referências legais sem menção específica. |