Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JUDITE PIRES | ||
| Descritores: | CASO JULGADO | ||
| Nº do Documento: | RP201305301042/10.3TBCHV.P1 | ||
| Data do Acordão: | 05/30/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA. | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I- O caso julgado é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que dá lugar à absolvição da instância. II- Pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira ter sido decidida por sentença transitada em julgado, sob uma tríplice identidade: sujeitos, pedidos e causas de pedir. III- Com essa excepção não se confunde a força e autoridade do caso julgado que apenas pressupõe uma decisão transitada em julgado e visa evitar que a relação jurídica por ela definida seja apreciada de modo diferente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 1042/10.3TBCHV.P1 Tribunal Judicial de Chaves – 2º Juízo Relatora: Judite Pires 1ª Adjunta: Des. Teresa Santos 2ª Adjunta: Des. Maria Amália Santos Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.RELATÓRIO 1. B……, viúva, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de C….., e seus filhos, D….. e esposa E……, F…… e marido G….., H…… e esposa I….., J…… e esposa K….. e L….. e esposa M….., instauraram contra N…… e esposa O….., P….. e esposa Q……, R….. e S…… acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário. Alegaram, em síntese que, em 21/11/2000, por escritura pública exarada no Cartório Notarial de Chaves os 1ºs réus procederam à justificação notarial dos seguintes prédios: - Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 607 e inscrito na matriz sob o art. 224; - Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 596 e inscrito na matriz sob o art. 36; - Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 597 e inscrito na matriz sob o art. 241; - Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 598 e inscrito na matriz sob o art. 776º; - Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 599 e inscrito na matriz sob o art. 1506º; - Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 601 e inscrito na matriz sob o art. 2108; - Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 606 e inscrito na matriz sob o art. 2301º; - Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 600 e inscrito na matriz sob o art. 2799; - Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 602 e inscrito na matriz sob o art. 2861º; - Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 604 e inscrito na matriz sob o art. 3461º; - Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 605 e inscrito na matriz sob o art. 3612º; Em tal escritura de justificação declararam os réus que possuem há mais de 20 anos os identificados prédios, referindo que a posse desses prédios se iniciou aquando da partilha não formalizada por morte de V.... e de T...., deles cuidando e usufruindo como faz um verdadeiro proprietário. Os autores reagiram contra tal escritura através da instauração de uma acção judicial que correu termos no Tribunal Judicial de Chaves sob o n.º 1049/04.6TBCHV, e que, por decisão transitada em julgado, declarou nula e de nenhum efeito a escritura de justificação realizada em 2000, o cancelamento dos registos e inscrições que estavam efectuadas a favor dos 1ºs réus, bem como o cancelamento de todos os registos realizados com base na mesma escritura de justificação. Resulta de tal decisão transitada em julgado que, nunca em tempo algum, os 1ºs réus praticaram quaisquer actos materiais de posse nos prédios em questão; nunca exerceram por si, nem por intermédio de outrem qualquer acto de posse sobre os mesmos. Nessa mesma acção, os 1ºs réus invocaram a aquisição por usucapião dos mencionados prédios, sendo que tal pedido foi julgado improcedente por não provado, por não terem os réus demonstrado a prática de actos materiais sobre os prédios susceptíveis de permitirem a aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre os imóveis. Acrescentam os autores que, sem que os mesmos o pudessem prever e em total desrespeito por uma sentença já transitada em julgado, em 5 de Novembro de 2009, os 1ºs réus voltaram a fazer uma nova escritura de justificação, que foi publicada em 13/11/2009 no jornal «U....», relativa aos mesmos prédios constantes da anterior escritura de justificação. Alegaram falsamente que possuem os referidos prédios há mais de 20 anos, cuidando, usufruindo e pagando os respectivos impostos, e que, desde essa data, por si e por intermédio de outrem, sempre os seus representantes têm usado e fruído os prédios, mandando cultivá-los e colher os respectivos frutos, extrair mato e efectuar a sua limpeza e emprestando para que outros o utilizassem. Ora, na decisão proferida nos mencionados autos “não se provou” que os 1ºs réus praticassem os actos descritos nessa escritura de justificação, ou seja, que desde pelo menos 1975, por si ou por intermédio de outrem, sempre os seus representantes têm usado e fruído os prédios. Tais prédios sempre estiveram na posse de T.... que, em 1952 os comprou verbalmente a seu irmão V.... e em 1970 os doou a sua filha B.... e genro. Desde essa data que entrou na posse dos mesmos e neles se manteve até à data da sua morte em 1984, após o que a sua filha aqui autora e o seu falecido marido continuaram a utilizar os prédios, cavando, plantando, cultivando e recolhendo os seus frutos em proveito próprio, limpando os terrenos, arrancando mato e outras plantas ali existentes. No que respeita ao prédio urbano foi sempre T.... que desde 1952, e após a sua morte a sua filha e o seu genro, mandaram colocar vidros nas janelas, pintar as paredes, proceder ao seu arranjo e limpeza e cuidando da sua conservação. Nesse prédio viveram, dormindo, preparando e tomando as suas refeições, recebendo os seus amigos, realizando no local obras de conservação, ampliação e transformação. Nunca foi deduzida oposição por quem quer que fosse, agindo sempre na convicção de serem titulares dos direitos que exerciam. São assim falsas as declarações prestadas na escritura de justificação notarial de 2009. Os mencionados prédios encontram-se inscritos na matriz em nome de T.... há mais de 40 anos, sendo esta e, após o seu decesso a autora, quem procedeu ao pagamento dos impostos e contribuições devidos. Em 2007, por sentença transitada em julgado ficou provado que os 1ºs réus nunca praticaram os actos materiais de posse sobre os respectivos prédios, quer pessoalmente quer por intermédio de outrem. A escritura de justificação de 2009 ofende o caso julgado do Proc.1049/04.6TBCHV. Alegam ainda que, posteriormente à celebração desta escritura de justificação os réus procederam à venda de três dos mencionados prédios, sendo pelas razões já aduzidas, tais vendas nulas. Concluem requerendo que: a) Seja declarada nula ou anulada a escritura de justificação de 05/11/2009, publicada em 13/11/2009 no jornal “U…..” declarando-se falsos os factos justificativos do direito que os réus falsamente alegaram. b) Seja declarada nula ou anulada a escritura supra referida por ter sido feita ao arrepio da sentença datada de 10/08/2007 no Proc.1099/04.6RBCHV que correu termos no 1º Juízo deste Tribunal, já transitada em julgado em que os 1ºs réus fizeram uma escritura de justificação relativa aos mesmos prédios, feita com base nos mesmos factos justificativos – a usucapião. c) Seja decretado o cancelamento dos registos da Conservatória do Registo Predial de Chaves descritos sob os n.ºs 00596/220101, 00597/220101, 00598/220101, 00599/220101, 00600/220101, 00601/220101, 00602/220101, 00603/220101, 00604/220101, 00605/220101, 00606/220101, 00607/220101 e 001187/220101 que se encontram efectuados a favor dos 1ºs réus. d) Que sejam declaradas nulas e de nenhum efeito as escrituras de compra e venda de 19 de Maio de 2010 que tiveram por base a escritura de justificação que está na base desta acção. e) Que seja cancelada a inscrição registral com o n.º 00596/220101 a favor dos réus P.... e Q..... f) Que seja cancelada a inscrição registral com o n.º 00604/220101 a favor do réu R..... g) Seja declarada nula e de nenhum efeito a escritura de compra e venda de 3 de Agosto de 2010 a escritura de justificação que serve de base à presente acção. h) Seja cancelada a inscrição registral com o n.º 00597/220101 a favor do réu S..... i) Que sejam canceladas as inscrições matriciais referentes aos identificados prédios em nome dos réus e ordenada a sua inscrição em nome da herança de T..... j) Que seja ordenada certidão da sentença do Proc. 1099/04.6TBCHV bem como da presente e respectiva escritura de justificação e remetidas ao Ministério Público junto deste Tribunal para o respectivo procedimento criminal. Regularmente citados contestaram os réus, nos termos de fls. 344 e ss., afirmando que aquando da celebração da escritura de justificação notarial no ano de 2000, fez-se constar erradamente que a posse dos prédios ali descritos sob os números 1 a 13, se iniciou aquando da partilha não formalizada por óbito de N...., em 1970, e a dos restantes prédios se iniciou aquando da partilha não formalizada por óbito de T..... A sentença proferida no Proc. nº 1099/04.6TBCHV declara nula a escritura de justificação notarial em causa, mas não declara que os prédios objecto da justificação pertencem à autora B..... N...., sobrinho de V...., comprou ao tio todos os mencionados bens, conforme resulta de instrumento particular de cessão de direitos hereditários e de escritura de Cessão de Direitos Hereditários que juntam. Já na relação de bens apresentada no inventário por óbito de T...., mãe do réu N.... e da autora B.... em que esta desempenhou as funções de cabeça de casal, tentou ali incluir vários prédios de V...., tendo a sua exclusão sido requerida por N...., no que B.... veio a acordar. Na escritura de justificação notarial de 05/11/2009, depois de se fazer referência ao registo da acção nº1099/04.6TBCHV do 1º Juízo do Tribunal de Chaves e ao averbamento da respectiva decisão judicial, regista-se expressamente que os representados do primeiro outorgante N…. e mulher iniciaram a sua posse sobre os prédios numerados de 1 a 13 em Março de 1975, por os terem adquirido por compra que fizeram a seu tio N.... e mulher. De seguida enunciam-se os actos em que a posse se consubstancia, com as características conducentes à aquisição por usucapião do direito de propriedade dos referidos bens por usucapião. Na escritura de justificação de Novembro de 2009 as circunstâncias de facto que desencadearam o início da posse sobre os mencionados prédios são completamente diferentes das referidas na anulada escritura de justificação de 2000 O direito relativo aos bens não se encontra reconhecido em qualquer sentença, pelo que não há qualquer impedimento para a realização de uma nova escritura. No que à aquisição por usucapião se refere, alegam os réus que a escritura de justificação agora impugnada é diferente da causa da escritura realizada em 2000. Entendem, deste modo, não existir qualquer impedimento para a realização da nova escritura, ou seja, da escritura efectuada em 05/11/2009. No que concerne à invocação do caso julgado pelos autores, sustentam os réus que a sentença faz caso julgado quando a decisão nela incorporada não pode ser objecto de recurso ou de reclamação. Na situação dos autos a decisão proferida no Proc.1099/04.6TBCHV somente poderá constituir caso julgado no que respeita aos pedidos de nulidade das escrituras e cancelamento dos registos lavrados com base nessas escrituras e a improcedência do pedido de reconhecimento do direito de propriedade a favor da autora B..... A justificação notarial é um expediente legal para, em determinadas circunstâncias, possibilitar a inscrição dos prédios rústicos e urbanos no Registo Predial e não uma acção judicial, pelo que consideram descabida a alegação do caso julgado. Seguidamente, impugnam os factos articulados relacionado com o instituto da usucapião e do caso julgado. Sustentam ainda que, os actos de posse praticados pela autora B.... foram sempre em representação e na qualidade de procuradora de N..... Responderam os autores nos termos de fls. 390 e ss., afirmando que, ao contrário do que os autores alegam e pretendem fazer crer não aceitaram a eliminação dos prédios da relação de bens do inventário aberto por óbito de T….., mas antes impugnaram de imediato, tendo sido a decisão de tal questão remetida para os meios comuns. Invocam igualmente que a sentença proferida no Proc. nº 1099/04.6TBCHV já transitada em julgado determina “declarar impugnada e, em consequência, nula e de nenhum efeito a escritura de justificação notarial…, na parte em que os réus N.... e O….., ali identificados como primeiros outorgantes, declaram ser donos e legítimos possuidores, desde 1970 ou 1978, dos prédios inscritos na matriz predial da freguesia de Vilela Seca sob o art. 244º (urbano), 36º, 241º, 776º, 1506º, 2799º, 2108º, 2861º, 3461º. 3612º, 2301º, e 1130º (rústicos) do concelho de Chaves.” A declaração de nulidade da escritura baseia-se no facto de os primeiros réus não terem conseguido provar qualquer dos elementos que constituem o acervo fáctico dos elementos conducentes à usucapião, ou seja, os primeiros réus não praticaram actos susceptíveis de levar à aquisição por usucapião que pessoalmente quer por interposta pessoa. Concluem pelo pedido de improcedência das excepções alegadas pelos réus, concluindo como na petição inicial. Após os articulados, concluindo a senhora juiz da primeira instância que os autos continham já os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, conheceu do mesmo, tendo: a) Julgado “procedente, e consequentemente impugnada e nula de nenhum efeito, a escritura de justificação celebrada em 05/11/2009 em que intervieram como outorgantes os 1ºs réus N.... e O….., na parte em que declararam serem donos e legítimos possuidores dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob os n.ºs: - 597/220101 - 598/220101. - 599/220101. - 600/220101. - 601/220101. - 602/220101. - 603/220101. - 604/220101. - 605/220101. - 606/220101. - 607/220101. - 1187/220101”; b) Ordenou “o cancelamento das inscrições registrais sobre os mencionados prédios existentes a favor dos réus N.... e O…..”; c) Declarou “nula e de nenhum efeito a escritura de compra e venda de 19 de Maio de 2010 que tem por objecto o prédio rústico sito no Lugar …., freguesia de ….., concelho de Chaves inscrito na respectiva matriz sob o n.º 36 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 00596/220101 celebrada entre os réus N.... e O…. e como vendedores e P.... e Q….. como compradores. d) “Lugar …. ou …., composto por terra de cultivo e pastagem, com a área de 3310 m2, a confrontar do norte com caminho, do sul com ribeiro, do poente com W…. e do nascente com X….., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 604 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 3461 celebrada entre os réus N.... e O…. e como vendedores e P.... e Q…..como compradores. e) Ordenou “o cancelamento da inscrição do registo sobre o prédio mencionado em c) a favor dos adquirentes, bem como as que se lhe seguirem com base na escritura mencionada em a)”. f) Declarou “nula e de nenhum efeito a escritura pública celebrada em 19 de Maio de 2010 tendo por objecto o prédio sito Lugar da …. ou …., composto por terra de cultivo e pastagem, com a área de 3310 m2, a confrontar do norte com caminho, do sul com ribeiro, do poente com W….. e do nascente com X….., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 604 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 3461 celebrada entre os réus N.... e O…. e como vendedores e o réu R.... como comprador”. g) Ordenou “o cancelamento da inscrição do registo sobre o prédio mencionado em f) a favor dos adquirentes, bem como as que se lhe seguirem com base na escritura mencionada em a). h) Declarou “numa[1] e de nenhum efeito a escritura de compra e venda celebrada em 3 de Agosto de 2010 tendo por objecto prédio rústico sito no Lugar de …., composto por vinha, com a área de 977 m2, a confrontar de norte e sul com Y….., do poente com C….. e do nascente com estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 597 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 241, em que intervieram N.... e O…. como vendedores e S.... como comprador”. i) Ordenou “o cancelamento da inscrição do registo sobre o prédio mencionado em h) a favor dos adquirentes, bem como as que se lhe seguirem com base na escritura mencionada em a)”. j) Julgou improcedente o pedido formulado pelos autores de cancelamentos das inscrições matriciais. k) Julgou improcedente o pedido formulado pelos autores em relação à extracção de certidão e remessa ao Ministério Público”. 2. Inconformados com tal decisão, dela interpuseram os réus recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: “I – A sentença em recurso carece de fundamento de facto e de direito. II – Na decisão proferida na acção 1099/04.6TBCHV não se diz expressamente que ficou provado que os RR. não praticaram quaisquer actos de posse sobre os prédios descritos na escritura de justificação notarial. III – Não é verdade que o Tribunal se tenha pronunciado sobre a questão concreta de os RR. não terem exercício por si ou por terceiros a posse sobre os ditos prédios. IV – Do facto de não se ter provado na aludida sentença que os RR. eram donos dos prédios descritos na dita escritura, não quer dizer que se tenha provado o contrário. V – No caso dos autos os AA. tinham conhecimento que a A. B.... foi procuradora dos RR. N….. e mulher até Agosto de 1986, data em que ocorreu a revogação da procuração, tendo esta, durante os anos em que exerceu a administração dos citados prédios, praticando vários actos de posse, em nome dos RR.. VI – Os AA. sabem bem que os RR. tiveram, posteriormente à B...., mais dois procuradores, Z…… e AB….. Oliveira. VII – Os AA. sabem bem que o próprio N.... praticou pessoalmente vários actos de posse, designadamente quando exigiu que um conjunto de prédios seus que vieram a fazer parte da escritura de justificação notarial, fossem excluídos do inventário de sua mãe e em que foi cabeça de casal a sua irmã B.... e quando procedeu à venda do prédio rústico matriciado com o art. 36 a P..... VIII – No caso concreto não existe caso julgado no sentido em que a lei o define, já que a 1.ª decisão se trata de mera apreciação de um acto notarial. IX – Não pode haver autoridade de caso julgado, porque não existe dois procedimentos judiciais sucessivos com objectos idênticos. X – A decisão da acção 1099/04.6TBCHV resultou simplesmente de não se terem provados vários factos, o que, motivou a conclusão de que as declarações feitas na escritura em causa serem falsas. XI – Na situação Sub-Judice a força do caso julgado material limita-se à parte decisória da sentença, nomeadamente a declaração de nulidade da escritura, cancelamento, etc., etc. XII – Aliás, mesmo que se tratasse de dois procedimentos judiciais, afigura-se-nos que se aplicaria a excepção de caso julgado em vez de autoridade do caso julgado, por se tratar de pedidos iguais. Termos em que, deve revogar-se o Saneador-Sentença, recorrido e substituir-se por nova decisão que absolva os RR. dos pedidos contra si formulados na petição inicial, como é de Justiça”. Os apelados contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido. Colhidos os vistos, cumpre apreciar. II.OBJECTO DO RECURSO A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[2], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[3]. B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente: - Se se configura a excepção de caso julgado ou autoridade de caso julgado em relação à acção 1099/04.6TBCHV. III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Foram os seguintes os factos considerados provados em primeira instância: 1. B.... é filha de T.... falecida em 27 de Novembro de 1984. 2. Foi casada no regime da comunhão geral de bens com C….. que faleceu em 21/08/2004. 3. Em 21/11/2000 por escritura pública exarada no Cartório Notarial de Chaves os réus N.... e esposa O….. procederam a escritura de justificação notarial dos seguintes prédios: a) Prédio urbano sito em …., composto de habitação de rés-do-chão e andar, com a superfície coberta de 86 m2, a confrontar de norte com AC….., do sul e nascente com a Rua, e do poente com AD….., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 607 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz sob o n.º 224. b) Prédio rústico sito no ….., composto por mato, com a área de 111m2, a confrontar do norte com caminho, do poente e nascente com X….. e do sul com Y….. e AD….., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 596 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º 36. c) Prédio rústico sito no Lugar de ….. composto por vinha, com a área de 977 m2, a confrontar do norte e sul com Y….., do poente com C….. e nascente com estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 597 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º 241. d) Prédio rústico sito no …., composto por terra de cultivo e mato com a área de 3810 m2, a confrontar de norte com AE…., do sul com AF…., do poente com AG…… e do nascente com caminho, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 598 da dita freguesia e descrito na respectiva matriz predial sob o n.º 776. e) Prédio rústico sito no Lugar da …. composto por horta, com a área de 85 m2, a confrontar de norte com AH….., de sul com H……, do poente com AI….. e de nascente com AJ……, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 599 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º 1506. f) Prédio rústico sito no Lugar …., composto por lameiro e pastagem com a área de 523m2 a confrontar do norte com caminho, do nascente com AK….., do poente com AL….. e do sul com AM….., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o art. 601 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz sob o n.º 2108º. g) Prédio rústico sito no Lugar …., composto por terra de cultivo com a área de 670 m2, a confrontar do norte com ribeiro, do sul com caminho, do poente com NA….. e do nascente com AO….., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 606 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 2301º. h) Prédio rústico sito no Lugar de …., composto por terra de cultivo, com uma área de 1104m2, a confrontar do norte com AP….., do sul com AQ….., do poente com caminho e de nascente com ribeiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves, sob o n.º 600 e inscrito na respectiva matriz sob o n.º 2799. i) Prédio rústico sito no Lugar da …., composto por vinha e terra de cultivo, mato, com a área de 9.998m2 a confrontar do norte com AR….., do sul com AS…., do poente com AT….. e do nascente com caminho, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 602 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz sob o n.º 2861. j) Prédio rústico sito no Lugar de …. ou …. composto por terra de cultivo e pastagens, com a área de 3.310m2, a confrontar do norte com caminho, do sul com ribeiro, do poente com AU….. e do nascente com X….., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 604 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º 3461. k) Prédio rústico sito no Lugar de …., composto por pastagem, com a área de 296 m2, a confrontar do norte com AV…., do sul com AW….., do poente com X…. e nascente com caminho, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 605 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz sob o n.º 3612. 4. Em tal escritura de justificação foi declarado que os justificantes (aqui 1ºs réus) possuem há mais de 20 anos os prédios enunciados nas als. a) a k), referindo que a posse desses prédios se iniciou aquando da partilha não formalizada por óbito de V..... e que a posse dos prédios constantes da al. g) se iniciou aquando da partilha não formalizada por morte da mãe T...., deles cuidando e usufruindo como faz um verdadeiro proprietário. 5. Os autores instauraram no Tribunal Judicial de Chaves uma acção que correu os seus termos sob o n.º 1099/04.6TBCHV do 1º Juízo deste Tribunal na qual, em sede de decisão final se declarou nula e de nenhum efeito a escritura de justificação realizada em 2000 relativa aos prédios descritos no ponto 3, e determinando o cancelamento dos registos e das respectivas inscrições existentes a favor dos réus, bem como o cancelamento de todos os registos realizados com base na mesma escritura de justificação. 6. Da referida decisão consta que “nunca, em tempo algum os 1ºs réus praticaram quaisquer actos materiais de posse nos prédios em questão”(…) e que nunca exerceram por si nem por intermédio de outrem qualquer acto de posse sobre os mesmos. 7. Da referida decisão consta ainda que “atenta a discrepância entre os documentos apresentados, a qual não foi devidamente explicada pelos 1ºs réus, além de que estes também não conseguiram, de qualquer outra forma, fazer prova de quaisquer outros factos conducentes à respectiva aquisição, mister é de concluir que as declarações constantes da escritura de justificação notarial não correspondem à verdade (havendo no mínimo uma desatenção grosseira por banda de quem as prestou)”. 8. Em 5 de Novembro de 2009 os réus celebraram no Cartório Notarial de Chaves escritura de justificação notarial, nos termos da qual os 1ºs réus declaram que são donos e legítimos possuidores dos seguintes bens imóveis: a) Prédio rústico, sito em Carrasqueira, composto de pinhal e terra centeeira, com a área de 5.288m2, a confrontar do norte e nascente com AX…. e outros, do sul com AY…. e do poente com AZ….., não descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves e inscrito na matriz sob o art. 980. b) Prédio rústico sito em …., composto de pinhal, com a área de 1.794m2, a confrontar do norte com BA…., do sul com BB….., do nascente com o caminho público e do poente com BC….. não descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves e inscrito na respectiva matriz sob o art. 992. c) Prédio urbano sito em …., composto de habitação de rés-do-chão e andar, com a superfície coberta de 86 m2, a confrontar do norte com AC…., do sul e nascente com a rua e do poente com AD...., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 607 da dita freguesia e registado a favor dos 1ºs outorgantes e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 224. d) Prédio rústico sito em …., composto de mato com a área de 1111 m2, a confrontar do norte com caminho, do nascente e poente com X.... e do sul com Y...., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 596 e inscrito na matriz predial respectiva sob o art.36. e) Prédio rústico sito em …. composto de vinha com a área de 976 m2, a confrontar de norte e sul com Y….., do nascente com estrada e de poente com C...., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 597 da dita freguesia e inscrito na matriz predial sob o art. 241. f) Prédio rústico sito em ….. composto de terra de cultivo e mato, com a área de 3810m2, a confrontar de norte com AE….., do nascente com caminho, de sul com AF.... e de poente com AG…., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 598 e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 776. g) Prédio rústico sito em …., composto de horta, com a área de 85 m2, a confrontar do norte com AH...., do nascente com AQ...., do sul com AS.... e de poente com AI.... descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 599 e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 1506. h) Prédio rústico sito em …. composto de lameiro e pastagem com a área de 23 m2, a confrontar do norte com o caminho, do nascente com AK...., do sul com AQ.... e do poente com AL...., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 601 da dita freguesia e inscrito na matriz predial sob o art. 2108. i) Prédio rústico sito em …., composto de terra de cultivo com a área de 660m2, a confrontar do norte com o ribeiro, do nascente com AO...., do sul com o caminho e do poente com AN...., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 606 da dita freguesia e inscrito na matriz predial sob o art. 2301. j) Prédio rústico sito em …, composto de terra de cultivo, com a área de 1104 m2, a confrontar do norte com AP…., do nascente com o ribeiro, do sul com AQ….. e do poente com caminho, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 600 e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 2799. k) Prédio rústico sito em …., composto de vinha, terra de cultivo, mato e carvalhada, com a área de 9998 m2, a confrontar do norte com AM….., do nascente com caminho, do sul com AS.... Pousa e do poente com AT….., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 602 e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 2861. l) Prédio rústico sito em …. ou …. composto de terra de cultivo e pastagem, com a área de 3310 m2, a confrontar do norte com o caminho, do nascente com X...., do sul com o ribeiro e de poente com AU….. descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 604 e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 3461. m) Prédio rústico sito em …. composto de pastagem, com a área de 296 m2, a confrontar do norte com AV….., do nascente com caminho, do sul com AW…. e do poente com X...., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 605 e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 3612. 9. Da referida escritura consta ainda que «sobre os prédios identificados nas als. c) a m) se encontra registada uma acção em que é autora B...., viúva, residente no …., freguesia de …., concelho de Chaves, e em que são réus os representados do 1º outorgantes (os primeiros réus na presente acção) no termos da Ap. 6 de 30 de Agosto de 2005, cujo pedido consiste no reconhecimento do direito de propriedade a favor da autora e cancelamento da inscrição G1 e nulidade da escritura que deu origem a essa mesma inscrição (escritura de justificação notarial outorgada no extinto Cartório Notarial de Chaves em 21 de Novembro de 2002)» 10. E que «excepto sobre o prédio retro identificado sob o número três» (al. c) sobre os demais prédios descritos se encontra averbada a respectiva decisão judicial, nos termos da apresentação» 5544, de 27 de Fevereiro de 2009 «decisão essa em que se foram julgados procedentes os pedidos de declaração de nulidade das escrituras de justificação e de compra e venda e ordenado o cancelamento dos registos lavrados com base nessa mesma escritura, e foi ainda julgado improcedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade a favor da mencionada T.....» 11. Bem como «que os representados do primeiro outorgante não têm qualquer título formal de onde resulte pertencer-lhes o direito de propriedade dos referidos prédios, mas iniciaram a sua posse em Março de mil novecentos e setenta e cinco, ano em que os adquiriram por compra que fizeram a seu tio N.... e mulher BD…., ambos já falecidos e residentes que foram no Brasil.» 12. E ainda que «desde aquela data, por si ou por intermédio de outrem, sempre os seus representados têm usado e fruído os prédios, mandando cultivá-los e colher os respectivos frutos, extrair o mato, e efectuar a sua limpeza, emprestando, para que outros o utilizassem, o prédio urbano, pagando as contribuições por ele devidas, considerando-se e sendo considerados como seus únicos donos, fazendo essa exploração com a consciência de serem os seus únicos donos, à vista de todo e qualquer interessado, sem qualquer tipo de oposição há mais de vinte anos, o que confere à posse a natureza de pública e pacifica, continua e de boa fé, razão pela qual adquiriram o direito de propriedade sobre os mencionados prédios por usucapião, que expressamente invocam, para efeito de ingresso nos mesmos no registo predial.» 13. Os prédios mencionados em a) a k) do ponto 3 são os mesmos dos mencionados nem c) a m) do ponto 8. 14. Em 19 de Maio de 2005 os 1ºs réus venderam aos 2ºs réus o prédio descrito na al. b), do ponto 3 – prédio rústico sito no Lugar …., freguesia de …., concelho de Chaves inscrito na respectiva matriz sob o n.º 36 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 00596/220101. 15. O prédio mencionado em 14 já tinha sido vendido pelos primeiros réus aos segundos em 2000, escritura essa que foi declarada nula no âmbito do Proc.1049/04.6TBCHV. 16. Em 19/05/2010 através de escritura pública os 1ºs réus venderam ao 3º réu o prédio rústico constante da al. J) do ponto 3 – prédio rústico sito no Lugar da …. ou …, composto por terra de cultivo e pastagem, com a área de 3310 m2, a confrontar do norte com caminho, do sul com ribeiro, do poente com AU…. e do nascente com X...., descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 604 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 3461. 17. Em 03/08/2010 os 1ºs réus venderam ao 4º réu, através de escritura pública o prédio constante da al. c) do art. 4º - prédio rústico sito no Lugar de …., composto por vinha, com a área de 977 m2, a confrontar de norte e sul com Y...., do poente com C.... e do nascente com estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 597 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 241. IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Através da acção declarativa que para o efeito os Autores propuseram contra os Réus pretendem aqueles, entre o mais, impugnar a escritura de justificação de 05.11.2009, pedindo que seja a mesma declarada nula ou anulada, bem como as escrituras de compra e venda de 19 de Maio de 2010 e de 3 de Agosto de 2010 – as quais tiveram por base a impugnada escritura de justificação –, pedindo que se declarem estas nulas e sem efeito, sustentando, sumariamente, que a primeira daquelas escrituras ofende a decisão, transitada em julgado, proferida na acção nº 1049/04.6TBVHV, que correu termos no Tribunal Judicial de Chaves. Afirmam os Autores que tal decisão julgou nula e de nenhum efeito uma anterior escritura de justificação, celebrada em 21.11.2000, que teve por objecto os mesmos prédios sobre os quais recai o novo litígio, e ordenou o cancelamento dos registos e inscrições constituídos a favor dos primeiros Réus, assim como o cancelamento de todos os registos efectuados com base na mesma escritura de justificação, adiantando ainda que, de acordo com s referida sentença, nunca os primeiros Réus exerceram, por si ou por intermédio de outrem, quaisquer actos materiais de posse sobre os prédios aqui novamente em discussão. Entendeu-se na primeira instância, ao proferir-se a decisão aqui sindicada, que a situação relatada, e comprovada, não era passível de enquadrar caso julgado, antes reflectindo existência de autoridade de caso julgado. Analise-se, então, cada uma destas figuras, específico regime e seus efeitos. O caso julgado constitui excepção dilatória[4], de conhecimento oficioso[5], que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância[6]. De acordo com o nº1 do artigo 497º do Código de Processo Civil, “as excepções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à listispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado”. Para o Prof. Manuel de Andrade[7] a excepção do caso julgado traduz-se em “a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social”. O instituto do caso julgado encerra em si duas vertentes, que, embora distintas, se complementam: uma, de natureza positiva, quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; a outra, de natureza negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal[8]. A autoridade do caso julgado justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. E essa autoridade não é retirada, nem posta em causa mesmo que a decisão transitada em julgado não tenha apreciado correctamente os factos ou haja interpretado e aplicado erradamente a lei: no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça[9]. De extrema pertinência, para a discussão da situação em análise, se revelam os ensinamentos do Prof. Castro Mendes[10], a propósito do efeito preclusivo do caso julgado: “Fora da hipótese de factos objectivamente supervenientes – e esta hipótese reconduz-se à ideia dos limites temporais do caso julgado: a sentença só é válida «rebus sic stantibus» - cremos que os «contradireitos» que o réu podia fazer valer são ininvocáveis contra o caso julgado. O fundamento essencial do caso julgado não é de natureza lógica, mas de natureza prática; não há que sobrevalorizar o momento lógico do instituto, por muito que recorramos a ele na técnica e construção da figura. «O que se converte em definitivo com o caso julgado não é a definição de uma questão, mas o reconhecimento ou não reconhecimento de um bem»”. E adianta, esclarecidamente, o mesmo Autor: “a paz e a ordem na sociedade civil não permitem que os processos se eternizem e os direitos das partes reconhecidos pelo juiz após uma investigação conduzida pelo juiz de acordo com as normas legais voltem a ser contestados sob qualquer pretexto. Outro problema que se põe é o de saber se esta figura do efeito preclusivo pertence ao instituto do caso julgado, ou lhe é estranha. A dogmática tradicional e dominante integra-o no caso julgado. Uma regra clássica diz-nos aqui que tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat, o caso julgado abrange aquilo que foi objecto de controvérsia, e ainda os assuntos que as partes tinham o ónus (não o dever) de trazer à colação; neste último caso, estão os meios de defesa do réu. (…) Outros autores vêem este efeito preclusivo como efeito da sentença transitada, mas efeito distinto do caso julgado. (…) Apreciando esta construção, notaremos antes de mais estarmos inteiramente de acordo com Schwab, quando este salienta que «não tem qualquer relevância prática, se os factos são excluídos com fundamento na eficácia do caso julgado ou com fundamento numa preclusão estranha ao caso julgado». O próprio Habscheid reconhece que caso julgado e efeito preclusivo «ambos se completam, ambos prosseguem o mesmo fim», tutela da paz e da segurança jurídica e chama ao efeito preclusivo «princípio-irmão» do caso julgado material. (…) A indiscutibilidade de uma afirmação, o seu carácter de res judicata, pode resultar pelo contrário tanto de uma investigação judicial, como do não cumprimento dum ónus que acarrete consigo vi legis esse efeito. Sucede isso no processo cominatório pleno, em que faz caso julgado uma questão decidida apenas pela aplicação de normas de direito processual civil. E sucede ainda a respeito das questões que as partes têm o ónus de suscitar, sob pena de serem ulteriormente irrelevantes para impugnar ou defender uma situação jurídica acertada ou rejeitada em termos de caso julgado.” A decisão transita em julgado quando não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação[11], e a excepção de caso julgado destina-se a “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”[12]. Segundo o artigo 498º do citado Código, que descreve os requisitos da litispendência e do caso julgado, “repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir” (nº1); sendo que: - “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” – nº 2; - “há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico” – nº 3; - “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido” – nº 4. Como decorre do preceito em causa, a excepção do caso julgado supõe uma tríplice identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir. A determinação da identidade dos sujeitos não oferece dificuldades particulares: “as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial”[13]. Não tem de existir coincidência física, sendo indiferente a posição que assumam em ambos os processos[14]. Daí resulta que as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo mesmo indiferente a posição que as mesmas assumam em ambos os processos. A identidade dos pedidos é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado[15]. A identidade de pedidos ocorrerá “se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a acção, se pretende obter”. A dificuldade maior coloca-se quanto à determinação da identidade nas causas de pedir. Tem a doutrina distinguido duas teorias, quanto à causa de pedir, a da individualização e a da substanciação, cuja conceptualização não deixará de se repercutir na delimitação da excepção do caso julgado. Esta última, que encara a causa de pedir como o próprio facto jurídico genético do direito[16], foi a que encontrou acolhimento na lei adjectiva portuguesa. Dela resulta que se integram no conceito de caso julgado os factos invocados que forem injuntivos da decisão. Ou seja, “a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito”[17] . Já Alberto dos Reis[18] defendia que “há que repelir antes do mais a ideia de que a causa petendi seja a norma de lei invocada pela parte. A acção identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstracta da lei, mas pelos elementos de facto que converteram em concreto a vontade legal. Daí vem que a simples alteração do ponto de vista jurídico não implica alteração da causa de pedir”, acrescentando: “o Tribunal não conhece de puras abstracções, de meras categorias legais; conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos quando sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, é que constituem a causa de pedir.” Para Miguel Teixeira de Sousa[19], “o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento”. Quando, porém, o procedimento instaurado integre uma causa de pedir complexa, isto é, formada por um acervo de factos que integram previsão de normas constitutivas diversas, existindo concurso ou concorrência de normas, e tendo ocorrido improcedência da primeira acção, só existirá identidade de causa de pedir “se o núcleo essencial dos factos integradores da previsão das várias normas concorrentes tiver sido alegado no primeiro processo, permitindo nele identificar as normas aplicáveis”[20]. Em ambas as acções em confronto os factos constitutivos que integram a causa de pedir da reconvenção reconduzem-se à a aquisição por parte dos réus/reconvintes da parcela de terreno a que se refere o artigo 6.º da petição inicial, pela escritura de doação outorgada em 7 de Abril de 1989 e por usucapião. Diz-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.05.2010[21], “…a análise do “caso julgado” pode ser perspectivada através de duas vertentes, que em nada se confundem: - uma delas reporta-se à excepção dilatória do caso julgado, cuja verificação pressupõe o confronto de duas acções – contendo uma delas decisão já transitada – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir; - a outra vertente reporta-se à força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão”. Segundo Rodrigues Bastos[22], citado no mesmo acórdão, “... enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”. E elucida o mesmo acórdão: “Embora os princípios expostos estejam vocacionados para o caso julgado material, não deixam os mesmos de cobrar aplicação – agora circunscritos à força e autoridade do caso julgado – relativamente às decisões que se formam no interior do próprio processo. O mesmo se diga relativamente à problemática dos seus limites objectivos. A este propósito, tem vindo a ser sustentado maioritariamente, na esteira da doutrina defendida pelo Prof. Vaz Serra (R.L.J. 110º/232), que a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto “... em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas” (Acórdão do S.T.J. de 10/7/97 in C.J. S.T.J., V, II, 165)”. E a propósito da mesma questão, retira-se do Acórdão de 27.09.2005 da Relação de Coimbra[23]: “a questão da extensão, alcance e limites do caso julgado é complexa. É, contudo, “communis opinio” que a figura jurídica do caso julgado, para além de eventuais razões de defesa do prestígio dos tribunais, evitando a sua colocação perante a contingência de definir num sentido uma situação concreta já validamente definida em sentido diferente Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, vol. III, pág. 384, não reconhece a esta razão qualquer valor., tem por objectivo assegurar a certeza e segurança jurídica, indispensáveis à fluidez do comércio jurídico e até à estabilidade e paz social. O alcance e autoridade do caso julgado não se pode, pois, limitar aos estreitos contornos definidos nos artºs 497º e seguintes para a excepção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente”. O Acórdão da Relação de Coimbra de 28.09.2010 distingue deste modo a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado: “A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art.498 do Código de Processo Civil”. Escrevem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto[24]: “a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objecto da primeira e da segunda acções: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excepcionalmente, ser invocável) ou se a primeira acção, cujo objecto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por excepção”. De acordo com o nº1 do artigo 671º do Código de Processo Civil, “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497º e 498º, sem prejuízo do disposto nos artigos 771º a 777º”. Ou seja, quando a decisão se torna definitiva, por não poder já ser susceptível de reclamação, nem de recurso ordinário, a mesma transita em julgado[25], formando-se então o caso julgado: formal, com efeitos apenas no processo em que foi proferida, quando não tenha conhecido de mérito; e material, com efeitos dentro e fora do processo em que haja sido proferida, quando tenha sido de mérito. Mais uma vez, esclarecem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto[26]: “seja qual for o seu conteúdo, a sentença produz, no processo em que é proferida, o efeito de caso julgado formal, não podendo mais ser modificada (art. 672). Mas, quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sobre a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (…), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado). (…) Fala-se do efeito preclusivo do caso julgado para caracterizar esta inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida (…)”. A imutabilidade da decisão transitada em julgado encontra no recurso extraordinário de revisão previsto no artigo 771º do Código de Processo Civil expressão da sua excepção. Determina este normativo: “A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando: a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções; b) Se verifique a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objecto de discussão no processo em que foi proferida; c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si, só seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida; d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transacção em que a decisão se fundou; e) Tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita; g) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português; O litígio assente sobre acto simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 665º, por não se ter apercebido da fraude”. O recurso de revisão visa combater e sanar um vício ou irregularidade processual de especial gravidade, de entre o elenco taxativo descrito na citada norma e está sujeito ao limite temporal fixado no artigo 772º do Código de Processo Civil. Não pode a parte vencida em anteriores processos contra ela instaurados, cujas decisões se hajam tornado definitivas pelo respectivo trânsito em julgado, contornar a imodificabilidade dessas decisões através de acção por ela interposta, ou reconvenção deduzida em acção instaurada posteriormente, em que a causa de pedir redunde nalgum dos fundamentos tipificados para o recurso de revisão, único meio processual adequado a arredar essa imodificabilidade. Revertendo ao caso aqui em debate: reconhece a sentença recorrida a inexistência de caso julgado, entendimento que se partilha porquanto, para além da tríplice identidade antes focada, exige-se que estejam em confronto duas decisões ou dois procedimentos judiciais, o que aqui se não configura. E quanto à autoridade de caso julgado: configurar-se-á a mesma, como sustenta a decisão impugnada? A decisão proferida na mencionada acção nº 1099/04.6TBCHV, do 1º Juízo do Tribunal de Chaves, tornada definitiva pelo respectivo trânsito em julgado, declarou nula e de nenhum efeito a primitiva escritura de justificação notarial e determinou o correspondente cancelamento de registos e inscrições constituídos com base em tal escritura. Afirma-se no saneador - sentença sob recurso que “…o Tribunal já se pronunciou sobre a questão concreta de terem ou não os primeiros réus praticado actos de posse sobre os prédios descritos na escritura de justificação outorgada em 05/11/2009”. Afigura-se, no mínimo, precipitada tal conclusão. Como antes também refere a mesma decisão aqui sindicada, “…o Tribunal por decisão transitada em julgado, pronunciou-se sobre a validade da escritura de justificação notarial celebrada pelos réus em 21/11/2000, tendo concluído que os mesmos não lograram demonstrar a prática de actos de posse sobre os mesmos, susceptíveis de permitirem a aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre os mesmos”. Assim é, de facto. Resulta da leitura atenta da sentença de 10 de Agosto de 2007 proferida no dito processo nº 1099/04.6TBCHV que a decretada invalidade da primitiva escritura de justificação notarial resultou do facto de os primeiros réus não terem logrado satisfazer o ónus probatório que sobre eles recaía. Como bem faz notar a referida decisão, sendo a acção de impugnação de justificação notarial uma acção de simples apreciação negativa, é sobre os réus que incide o ónus de prova relativamente aos factos constitutivos do seu direito; afirmando na escritura de justificação a aquisição do direito de propriedade sobre um imóvel com base na usucapião, impugnada judicialmente essa escritura terão os réus, para obstar à procedência dessa mesma impugnação, de demonstrar os factos constitutivos do direito declarado na referida escritura. Tal entendimento, após algumas divergências jurisprudenciais, acha-se hoje totalmente pacificado sobretudo com a publicação do acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2007[27]. Ora, esse ónus, como destaca a aludida sentença de 10 de Agosto de 2010, não foi satisfeito pelos primeiros réus, porquanto “…atenta a discrepância constante entre os documentos apresentados, a qual não foi devidamente explicada pelos primeiros réus, além de que estes também não conseguiram, de qualquer outra forma, fazer a prova de qualquer outros factos conducentes à respectiva aquisição…”. Da não prova de um facto positivo não se pode extrair a prova do correspondente facto negativo. Ou seja: do facto de não se ter logrado apurar que os primeiros réus exerceram actos de posse sobre os imóveis cuja aquisição justificaram não se pode concluir o facto contrário, isto é, que não exerceram actos de posse sobre os referidos prédios. Diz-se na decisão impugnada que “…de acordo com a decisão proferida no âmbito do Proc. 1099/04.6TBCHV do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, os primeiros réus não praticaram actos de posse sobre os mencionados, susceptíveis de lhes permitirem a aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre os mesmos” e, com base nessa premissa, conclui que “está, assim, tal questão abrangida pela autoridade do caso julgado, vinculando os restantes tribunais a essa decisão”. Todavia, tal conclusão ancora-se numa premissa construída com base num raciocínio viciado, não retratando a realidade que transparece da invocada decisão, que deixa indefinida a questão relativa aos actos possessórios exercidos em relação aos imóveis objecto de disputa, indefinição e dúvidas, de resto, reafirmadas no acórdão desta Relação que apreciou os recursos de apelação interpostos da referida sentença. No despacho saneador recorrido foram julgadas procedentes as pretensões dos Autores na decorrência dos afirmados efeitos da autoridade do caso julgado. Esta, porém, como se viu, alicerçou-se numa premissa erradamente construída, que não encontra tradução no decidido no Processo nº 1099/04.6TBCHV do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, no qual se fundamentou. Consequentemente, procedendo as conclusões de recurso, não pode ser mantida a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais. * Síntese conclusiva:- O caso julgado constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância. - Pressupõe o confronto de duas acções ou procedimentos judiciais e uma tríplice identidade: de sujeitos, de pedidos e de causa de pedir. - Com tal excepção não se confunde a força e autoridade do caso julgado, que tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão anterior transitada, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica. * Nestes termos, acordam as Juízes desta Relação, na procedência da apelação, em revogar o saneador – sentença que, com base na autoridade do caso julgado, conferiu parcial procedência às pretensões dos Autores, devendo tal decisão ser substituída por outra que determine o prosseguimento da acção.Custas: pela parte vencida a final. Porto, 30 de Maio de 2013 Judite Lima de Oliveira Pires Teresa Santos Maria Amália Pereira dos Santos Rocha _________________ [1] Depreende-se que a expressão em causa corresponda a erro de escrita, tendo se pretendido escrever “nula”. [2] Artigos 684º, nº 3 e 685-A, nº 1 do C.P.C., na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto. [3] Artigo 664º do mesmo diploma. [4] Artigo 494º, i) do Código de Processo Civil. [5] Artigo 495º do Código de Processo Civil. [6] Artigo 493º, nº2 do mesmo diploma legal. [7] “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 305 e 306. [8] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. III, pág. 93. [9] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 94. [10] “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, págs. 178 e segs. [11] Artigo 677º do Código de Processo Civil. [12] Artigo 497º, nº2 do Código de Processo Civil. [13] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06.01.94, CJ ano IX, T1, 198. [14] Assim, existe identidade de partes ainda que o autor na segunda acção tivesse a posição de réu na acção precedente. [15] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 08.03.2007, CJSTJ, tomo I, pág. 98 e segs. [16] Cf. Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. I, pág.204 e segs. [17] Acórdão da Relação de Coimbra, 17.05.2005, processo nº 3904/04, www.dgsi.pt. [18] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, págs. 121, 124. [19] “Estudos Sobre O Novo CPC”, pág. 576. [20] Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, págs. 323 e 324. [21] Processo nº 3749/05.8TTLSB.L1.S1, www.dgsi.pt. [22] “Notas ao Código de Processo Civil”, Volume III, páginas 60 e 61. [23] Processo nº 1970/05, www.dgsi.pt. [24] “Código de Processo Civil anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 354. [25] Artigo 677º do Código de Processo Civil. [26] “Ob. cit”. pág. 713 e segs. [27] Diário da República, I Série, nº63, de 31.03.2008, também em www.dgsi.pt/jstj. |