Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1196/13.7TBPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
SAÚDE MENTAL
Nº do Documento: RP201404291196/13.7TBPRT-A.P1
Data do Acordão: 04/29/2014
Votação: RECLAMAÇÃO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: COMPETENTE PARA A TRAMITAÇÃO DOS AUTOS O 4º JUÍZO CRIMINAL DA COMARCA DE VILA NOVA GAIA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em matéria de saúde mental, e em sede de competência territorial, a regra geral é a de que é competente o tribunal judicial de competência genérica da área de residência do internado.
II – Se na comarca da área de residência do internado o tribunal judicial for desdobrado em juízos criminais, a competência caberá a estes.
III – Neste âmbito, o legislador quis, sem equívoco, que o processo judicial, à semelhança do que ocorre com o processo clínico, acompanhasse o cidadão e, por isso, sem margem para dúvida, estatuiu que é competente o tribunal judicial da área de residência do internado.
Reclamações: Reclamação n.º 1196/13.7BPRT-A.P1

Importa a resolução do conflito negativo de competência entre os Ex.mos juízes do 4º Juízo Criminal da Comarca de Vila Nova de Gaia e o 2º juízo, 1ª secção dos Juízos Criminais do Porto.
Os magistrados atribuem-se reciprocamente a competência, negando a própria, para proceder ao julgamento nos presentes autos.
O Ex.mo PGA foi de parecer que a competência se deve manter no Juízo Criminal do Porto.

Os factos:
a) Em 11.12.2013 o tribunal criminal da comarca do Porto, 3º, juízo, 2ªa secção, manteve o internamento compulsivo do cidadão B….
b) Distribuído o processo aos juízos criminais do Porto, 2º juízo, 1ª secção, foi decretado o internamento do cidadão, nos termos do art.º 27º da Lei n.º 36/98, de 24 de Julho [LSM].
c) Em 21.1.2014 no 2º juízo, 1ª secção dos juízos criminais do Porto, foi decidido entre o mais, o seguinte:
B… … passou a tratamento compulsivo em regime ambulatório, reside em …, Vila Nova de Gaia, temos de concluir que este tribunal deixou de ser competente para conhecer o decidir do internamento compulsivo, competência essa que pertence actualmente aos juízos criminais de Vila Nova de Gaia, nos termos do disposto no art.º 30º, n.º1 e 2 da LSM,
determinando a remessa dos autos aos juízos criminais de V N de Gaia.
d) O Ex.mo juiz de V N de Gaia não aceitou a competência.

Quid iuris?
Em matéria de saúde mental e em sede de competência territorial, a regra geral é a de que é competente o tribunal judicial de competência genérica da área de residência do internado, e se na comarca da área de residência do internado o tribunal judicial for desdobrado em juízos criminais, a competência caberá a estes, art.º 30º, n.ºs 1 e 2 da LSM.
Argumenta o Ex.mo juiz que segundo o art.º 22º, n.º1 da LOFTJ a competência se fixa no momento em que a acção se propõe, e por outro lado que a questão da competência só podia ser conhecida oficiosamente até à realização da sessão conjunta.
Julgamos que sem razão.
A aplicação subsidiária do Código de Processo Penal á LSM tem de sofrer, como diz o legislador e parece óbvio, as devidas adaptações e não se compadece com a rigidez do Ex.mo juiz. Parece-nos inequívoco que o legislador quis, sem equívoco, que o processo judicial, à semelhança do que ocorre com o processo clínico, acompanhasse o cidadão, por isso sem margem para dúvida estatuiu que é competente o tribunal judicial da área de residência do internado. Diz o Ex.mo juiz que no caso da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo o legislador consagrou essa regra expressamente, o que se não verifica no caso, mas o argumento, não procede: nada permite que do silêncio legislativo se retire inferência que impossibilite essa solução normativa, tanto mais quando o sentido literal da norma da LSM possibilita essa interpretação e não a veda.
Para aquilatar da desrazoabilidade da solução a que chegou o Ex.mo juiz basta pensar no caso de o cidadão, em vez de apenas ter “atravessado o rio”, ter fixado residência nos Açores ou na Madeira… Será que entendia que continuava a ser competente o juízo criminal do Porto?
É esta dimensão do real que deve dar pleno conteúdo ao segmento normativo do art.º 30º da LSM quando consagra como competente o tribunal judicial da área de residência do internado.
Finalmente, se era intempestivo o conhecimento da questão da competência pelo tribunal do Porto, mais intempestivo era quando o Ex.mo juiz, em data posterior, dela conheceu, o que em direitas contas dá o seguinte: se o tribunal do Porto conheceu do que já não podia, mas essa decisão transitou em julgado, não devia o Ex.mo juiz repetir o erro com a agravante de desprezar o caso julgado.

Decisão:
Julga-se competente para a tramitação dos autos o 4º Juízo Criminal da Comarca de Vila Nova de Gaia.
Observe de imediato o disposto no n.º 3 do artigo 36.º do Código de Processo Penal.
Não há lugar a tributação.

Porto, 29 de Abril de 2014.
Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto.
António Gama Ferreira Ramos
Decisão Texto Integral: