Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00037189 | ||
Relator: | ÉLIA SÃO PEDRO | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO NOTIFICAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200409220412086 | ||
Data do Acordão: | 09/22/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Nos termos dos artigos 48 do Decreto-Lei n.133-A/97, de 30 de Maio e 32 n.4 do Decreto-Lei n.64/89, de 25 de Fevereiro (regime das contra-ordenações no âmbito do regime da segurança social) a notificação da decisão administrativa é feita por carta registada. Dado que tais diplomas não estabelecem regras sobre o momento em que se considera feita tal notificação, é aplicável o regime do artigo 113 do Código de Processo Penal: "as notificações presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao envio devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação". II - Assim, a data da notificação efectiva, ainda que anterior ao 3º dia útil posterior ao envio, é irrelevante. A presunção referida no artigo 113 n.2 do Código de Processo Penal só pode ser ilidida pelo notificado, no sentido de que a mesma ocorreu em data posterior à presumida, possibilitando assim o alargamento. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório “B....., LDA.”, identificada nos autos, recorreu para esta Relação do despacho do M.º juiz do Tribunal Judicial da Comarca de....., -º Juízo, que rejeitou, por extemporaneidade, a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa por si interposta, formulando as seguintes conclusões: a) A decisão recorrida que rejeitou o recurso apresentado pela recorrente por motivo de extemporaneidade, assenta, como de seguida se explanará, em deficiente aplicação do direito aos factos; b) A decisão recorrida viola o disposto no art. 113, n.º 2 do C.P.Penal e o princípio constitucional da segurança jurídica; c) O último dia para a apresentação do recurso foi em 22-10-2003, porquanto a recorrente deve considerar-se notificada em 24-9-2003, terceiro dia útil posterior à expedição da notificação; d) Tendo a recorrente apresentado o recurso em 20-10-2003, deve este considerar-se tempestivo; e) A decisão recorrida considerou que a recorrente confessou, no recurso apresentado, que havia sido notificada da decisão da autoridade administrativa em 19-9-2003, razão pela qual, em 20-10-2003, o prazo de interposição havia terminado; f) No entendimento da recorrente, a presunção estabelecida no art. 113º, n.º 2 do C.P.Penal só é ilidível nos casos em que o notificado recebe a notificação depois do prazo estabelecido na dita presunção, e não no caso inverso; g) Se assim não fosse, estaria afectado o princípio constitucional da segurança jurídica; h) Por outro lado, tal presunção só pode ser ilidida pelo avisado ou notificado, requerendo no processo que sejam requisitados aos correios informações sobre a data efectiva da recepção, não sendo admissível a prova por confissão; i) Ainda que assim não se entenda, e que se admita a confissão como meio de ilidir a presunção em análise, sempre tal confissão terá de considerar-se nula, por a mesma assentar em erro essencial; j) É patente que a utilização da palavra “notificada” traduz uma situação de erro na declaração, pois que se queria dizer que a data da expedição da notificação era 19-9-2003; l) Pelo exposto, resulta que a decisão recorrida encerra uma interpretação errada do art. 113º, 2 do C. P. Penal, razão pela qual deve ser anulada, e o processo ser devolvido ao tribunal recorrido. O M.P. junto do Tribunal “a quo” respondeu, defendendo a revogação da decisão recorrida. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto nesta Relação, apôs o seu visto. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência. 2. Fundamentação 2.1. Matéria de facto Com interesse para o julgamento do presente recurso, consideramos assentes os seguintes factos: a) O despacho recorrido é do seguinte teor: “Conforme a própria recorrente refere no seu requerimento de impugnação da decisão administrativa, foi notificada da decisão final em 19-09-2003. Teve 20 dias para a impugnar, nos termos do art. 59º, 3 do Dec. Lei 433/82, de 27/10, contados conforme referido no art. 60º do mesmo diploma, pelo que tal prazo terminou em 17-10-2003. Face à data constante do carimbo aposto no requerimento de impugnação, o recurso deu entrada para além do limite do prazo legalmente estabelecido. Pelo exposto, ao abrigo do estabelecido no art. 63º, 1 do diploma citado, rejeito o recurso por ter sido apresentado fora de prazo (…)” – fls. 107; b) A impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa foi apresentada no Tribunal Judicial da Comarca de....., em 22-10-2003 – cfr. fls. 69; c) O ofício notificando a recorrente da decisão final proferida pela autoridade administrativa (ISSS/....), tem a data de 18-9-2003 – cfr. fls. 60. d) No art. 14º do seu requerimento de impugnação judicial da decisão administrativa, a recorrente diz: “Acontece que, em 19-09-2003, a arguida foi notificada do não acolhimento do pedido por si formulado (…)”. 2.2. Matéria de direito O despacho recorrido qualificou a declaração da recorrente, constante do citado art. 14º do requerimento de impugnação judicial, como uma “declaração confessória” quanto à data da notificação da decisão proferida pela autoridade administrativa. Daí que tenha tomado como relevante, para o início da contagem do prazo do recurso, essa mesma data de 19-09-2003. Na verdade, entre 19-09-2003 e 22-10-2003 (data da impugnação judicial), decorreu um prazo superior a 20 dias, contado nos termos do art. 60º do Dec. Lei 433/82, de 27/10, pelo que a impugnação judicial era extemporânea. Julgamos porém que a decisão recorrida não está correcta. De acordo com o disposto nos artigos 48º do Dec. Lei 133-A/97, de 30/5 e 32º, n.4 do Dec. Lei 64/89 de 25/02, (regime das contra-ordenações no âmbito dos regimes de segurança social), a notificação é feita através de carta registada. Dado que nem o referido Dec. Lei 64/89, de 25/2, nem o Dec.Lei 433/82, de 27 de Outubro, estabelecem regras sobre o momento em que a notificação se considera feita, é aplicável o regime constante do Código de Processo Penal – cfr. art. 41º, n.º 1 do Dec. Lei 433/82, de 27/10. Aplicando-se o disposto no art. 113º, n.2 do Cód. Proc. Penal, verifica-se que, quando efectuadas por via postal registada, “as notificações presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação”. Tendo em atenção o regime do citado art. 113º, n.2 do CPP e o facto da notificação da decisão da autoridade administrativa ter sido enviada à arguida, em 18-09-2003 (fls. 60), a mesma presume-se feita em 22-09-2003 (21/domingo). Deste modo, o prazo de 20 dias terminava em 22-10-2003, data em que a impugnação judicial deu entrada no Tribunal Judicial de..... (fls. 69), ou seja, em prazo. A decisão recorrida entendeu contudo ser relevante para a apreciação desta questão, a data da notificação efectiva, sendo que a própria recorrente confessou ter sido notificada em 19-09-2003. Assim, e nessa perspectiva, ter-se-ia ilidido a presunção a que alude o art. 113º, 2 do Cód. Proc. Penal, através da confissão da recorrente e, por isso, iniciado o prazo para o recurso da decisão da autoridade administrativa (impugnação judicial) em 19-08-2002 e terminado em 17-10-2002; logo, a impugnação judicial apresentada em 22-10-2003 era extemporânea. Pensamos porém que a presunção do art. 113º, n.2 do Cód. Proc. Penal é estabelecida unicamente a favor do notificado. Na verdade, quando a lei permite que a presunção seja ilidida, refere-se apenas à possibilidade de o notificado demonstrar que a notificação ocorreu em data posterior à presumida (cfr. art. 254º, n.4 do C.P.C.), não estando legalmente prevista a possibilidade de ser feita prova de que a notificação ocorreu antes do termo da presunção. Assim, não estando expressamente prevista tal situação, não deve admitir-se a possibilidade de encurtamento do prazo referido no citado art. 113º, n.º 2 do C.P.P., ou seja, que a notificação produza efeitos antes do terceiro dia útil posterior ao do registo Tem sido este, de resto, o entendimento seguido na nossa jurisprudência – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 25-10-2002 (recurso JTRL00043774), segundo o qual “O art. 113º, nº 2 do C.P.P. dispõe que a notificação efectuada por via postal registada presume-se feita no 3º dia útil posterior ao do envio. O art. 254º, nº 4 do C.P.C., aqui aplicável por força dos arts. 4º e 104º do C.P.P. esclarece que essa presunção só pode ser ilidida pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis. Trata-se de uma presunção "juris tantum" estabelecida unicamente a favor do notificado e que, portanto, não pode ser ilidida por outrem que não ele”; no mesmo sentido pode ver-se o Acórdão da Relação de Évora de 18/1/2000 CJ, Ano XXV, Tomo I, pág. 292: “(…) esses três dias podem ser alargados mas não encurtados, pois o dito nesse n.º 2 do art. 113º não permite que as notificações produzam efeitos antes do terceiro dia útil posterior ao do registo”; ainda no mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-10-97 (recurso JSTJ00033469): “(…) Esta presunção só pode ser ilidida pelo avisado ou notificado, requerendo no processo que sejam requisitados aos correios informações sobre a data efectiva da recepção (…)”. Nestes termos, e de acordo com a referida orientação jurisprudencial, que também sufragamos, a presunção referida no art. 113º, 2 do C.P.Penal apenas poderia ser ilidida pelo notificado (arguida/recorrente), no sentido de que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, situação que não se verificou nestes autos. Assim, o recurso deve ser julgado procedente. 3. Decisão Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que considere tempestiva a impugnação judicial do recorrente. Sem custas. * Porto, 22 de Setembro de 2004Élia Costa de Mendonça São Pedro José Henriques Marques Salgueiro Manuel Joaquim Braz |