Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6452/10.3TBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE DEPÓSITO
DEPÓSITO IRREGULAR
NULIDADE
MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
Nº do Documento: RP201602156452/10.3TBMTS.P1
Data do Acordão: 02/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 625, FLS.377-378)
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de depósito é aquele pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e a restitua quando for exigida. O depósito é irregular quando tenha por objeto coisas fungíveis; neste, a obrigação de restituição converte-se de específica em genérica.
II – O mandato sem representação é o contrato pelo qual alguém confia a outrem, em nome do segundo mas no interesse e por conta do primeiro, a realização de um ato jurídico relativo a interesses deste, assumindo o mandatário a obrigação da prática do ato.
III – Se perante uma determinada situação de facto, a decisão da causa não depende da qualificação negocial que se faça, ou seja, sempre está em causa, apenas, o apuramento do que é devido ao autor, independentemente de como se qualifique o negócio, a questão da qualificação não reveste mais que um caráter teórico.
IV – Ainda assim, se não é possível em sede fáctica apurar os contornos do alegado “mandato” e o “mandato” sempre foi, sendo-o apenas e sem se apurar ter sido mais, um verdadeiro contrato de depósito irregular, é este o negócio que deve ter-se por celebrado, independentemente do nome que os contraentes pretenderam dar-lhe.
V – Sob pena de abusiva violação da boa-fé, não pode o autor invocar agora a nulidade do depósito irregular, por falta de forma, servindo-se apenas da qualificação jurídica, com a qual discorda. Com efeito, o negócio (sendo o mesmo e o único apurado) não pode ser válido ou nulo consoante a sua qualificação: Se o tribunal considerasse que se estava perante um mandato sem representação, o negócio era válido; se o tribunal considerasse que (o mesmo negócio) se traduz num depósito irregular, então já seria nulo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Sumário (da responsabilidade do relator): 1 - O contrato de depósito é aquele pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e a restitua quando for exigida. O depósito é irregular quando tenha por objeto coisas fungíveis; neste, a obrigação de restituição converte-se de específica em genérica. 2 – O mandato sem representação é o contrato pelo qual alguém confia a outrem, em nome do segundo mas no interesse e por conta do primeiro, a realização de um ato jurídico relativo a interesses deste, assumindo o mandatário a obrigação da prática do ato. 3 – Se perante uma determinada situação de facto, a decisão da causa não depende da qualificação negocial que se faça, ou seja, sempre está em causa, apenas, o apuramento do que é devido ao autor, independentemente de como se qualifique o negócio, a questão da qualificação não reveste mais que um caráter teórico. 4 – Ainda assim, se não é possível em sede fáctica apurar os contornos do alegado “mandato” e o “mandato” sempre foi, sendo-o apenas e sem se apurar ter sido mais, um verdadeiro contrato de depósito irregular, é este o negócio que deve ter-se por celebrado, independentemente do nome que os contraentes pretenderam dar-lhe. 5 – Sob pena de abusiva violação da boa-fé, não pode o autor invocar agora a nulidade do depósito irregular, por falta de forma, servindo-se apenas da qualificação jurídica, com a qual discorda. Com efeito, o negócio (sendo o mesmo e o único apurado) não pode ser válido ou nulo consoante a sua qualificação: Se o tribunal considerasse que se estava perante um mandato sem representação, o negócio era válido; se o tribunal considerasse que (o mesmo negócio) se traduz num depósito irregular, então já seria nulo.

Processo 6452/10.3TBMTS.P1

Recorrente – B….
Recorridos – C… e D….

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório
1.1 – Os autos na 1.ª instância:
B… instaurou a presente ação contra C… (e o entretanto falecido marido desta, E…) e posteriormente D… e pediu a condenação dos réus a: a) Reconhecerem que a conta n.º …………, do F…, aberta em 24.9.2004 e titulada em nome deles, foi até 24.11.2009 propriedade exclusiva do autor, bem como os valores e dinheiro aí depositados; b) Devolverem ao autor o montante de 146.754,12€, acrescido de juros à taxa legal, desde 24.11.2009, ascendendo a 5.194,61€ os vencidos em 13.10.2010 – pedido este que foi posteriormente ampliado no montante de 1.464,36€, acrescido de juros desde 19.01.2004, ascendendo a 399,75€ os vencidos em 14.12.2010; c) Pagarem as prestações 56.ª a 60.ª, referidas no artigo 91.º da petição, no montante de 1.330,00€ cada uma, nas datas dos seus vencimentos (respetivamente entre 15.10.2010 e 15.2.2011), no total de 6.650,00€; d) Pagarem os juros da descapitalização que abusivamente fizeram das economias do autor ao longo de 5 anos, a liquidar em execução de sentença; e) Indemnizarem o autor por danos não patrimoniais no montante de 15.000,00€.

O autor, fundamentando as suas pretensões, veio alegar o que ora se resume:
- Por ter dificuldade de administração bancária do seu dinheiro, pediu ao primitivo réu (seu irmão) e à ré (mulher daquele) que o fizessem, passando a entregar-lhes, a partir de 2000, as suas economias. Em 30.09.2004, por acordo entre si e o seu irmão, foi aberta uma conta no F…, em nome daqueles réus e cujo saldo inicial foi de 127.500,00€, montante este pertença do autor, tal como os valores e dinheiro que aí passaram a ser depositados.
- Em finais de 2009, a ré, na sequência de doença de que padeceu o primitivo réu, decidiu cessar a colaboração que prestava e transferiu para o autor, em 24.11.2009 o saldo existente na conta, no valor de 37.107,34€, ocasião em que igualmente lhe entregou uma pasta com diversos documentos relativos à sua gestão.
- Os réus apropriaram-se indevidamente de diversos montantes da conta por eles titulada (atendendo aos débitos e créditos autorizados ou efetuados a pedido do autor) e o autor pretende ser pago desses valores (além de compensado por danos não patrimoniais), deduzindo-se o montante entregue a final, tudo correspondendo a um saldo a seu favor de 146.754,12€, além dos juros.

Os réus contestaram. Excecionaram o erro na forma do processo e impugnaram a versão fáctica trazida pelo autor. Invocaram, por outro lado, a litigância de má-fé deste, pedindo a sua condenação em multa e em indemnização.

O autor replicou e reafirmou que os demandados eram seus mandatários (mandato sem representação). Acentuou a falta de fundamento da pretensão à sua condenação enquanto litigante de má-fé e requereu a ampliação do pedido, no montante de 1.464,36€, acrescido de juros de mora desde 19.01.2004, com fundamento no facto de aquele montante corresponder à remuneração de um empréstimo por si efetuado.

Os réus treplicaram e defenderam a improcedência da ampliação do pedido, tendo invocado que o alegado empréstimo foi feito pelo réu, pelo que só a este podiam ser devidos juros.

Foi dispensada a realização da audiência preliminar e proferido despacho saneador, que admitiu a ampliação do pedido requerida na réplica, fixou o valor da causa (166.948,81€), indeferiu a invocada nulidade do erro na forma do processo, fixou a matéria assente e elaborou a base instrutória. Teve lugar a audiência de julgamento, que decorreu em diversas sessões e respondeu-se à matéria de facto controvertida, conforme ata da sessão de 6.05.2013. Conclusos os autos, apenas em 12.11.2014, veio a ser proferida sentença, datada de 25.05.2015, que assim decidiu:[2] “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno os Réus a restituírem ao Autor o montante de €10.698,60, acrescido das seguintes quantias, a liquidar em execução de sentença: a) O valor global correspondente à diferença entre as parcelas de juros e as parcelas dos respectivos impostos e comissões de gestão de conta/despesas bancárias, cujos montantes se encontram discriminados no documento de fls. 258 a 263; e b) O montante proporcional ao valor apurado na alínea anterior (que respeita ao saldo de €37.107,34), relativamente à quantia de €10.698,60 (cálculo da remuneração líquida que seria obtida sobre este montante, na proporção correspondente à que for liquidada relativamente ao montante de €37.107,34). A essas quantias acrescem juros de mora à taxa de juro supletiva legal aplicável aos juros civis (que é de 4% ao ano), contados desde 24/11/2009. Absolvo os Réus do mais peticionado.”

1.2 – Do recurso:
Inconformado, o autor veio apelar. Impugna a decisão sobre a matéria de facto e pretende que, “alterando a resposta dada à base instrutória dando como provados os arts 1.º, 2.º, 3.º, 5.º, 6.º, 10.º, 14.º, 15.º e não provado o 28.º, concedendo provimento às questões de direito, deverá declarar-se revogada a decisão, substituindo-a por uma que condene os apelados nos pedidos formulados pelo apelante”. Em conformidade com a sua pretensão recursória, apresenta as seguintes Conclusões:
1 – A relação a que se referem os autos entre apelante e apelados teve início desde há mais de 10 anos e decorreu durante quase uma década.
2 – Baseou-se na confiança existente entre as partes.
3 – Na análise critica das provas o Meritíssimo Juiz “a quo” ao longo das páginas tece meras conjeturas e raciocínios sem fundamento, com conclusões partidárias, dúbias e contraditórias.
4 – Não usa um critério sequencial para dar resposta à Base Instrutória.
5 – Só nas páginas 15 e 16 enuncia as razões que o levaram a considerar como não provado o art. 1.º e as razões das respostas restritivas aos arts. 2.º e 3.º.
6 - E relativamente ao art.º 1.º da Base Instrutória baseia a sua resposta no facto do autor ser titular único de uma conta bancária desde finais de 2004, e não ter demonstrado dificuldade em a usar, gerir e administrar, nunca tendo pedido ajuda para esse efeito.
7 – O apelante abriu uma conta na G… e pediu ajuda à testemunha H…, que o ajudou a abrir as contas, a fazer os pagamentos por débito em conta de todas as despesas mensais correntes, tinha as cadernetas que as atualizava mensalmente e controlava os seus saldos, isto é, fazia ela a gestão da conta.
8 - Ainda em 2010 ou 2011, a testemunha I… teve que ajudar o apelante que não sabia fazer uma simples transferência bancária.
9 - Não teve, o Mmo Juiz “a quo” fundamento sério para dar como não provado o art. 1.º da Base Instrutória.
10 – Devendo o mesmo ter-se por PROVADO.
11 – O Mmo Juiz “a quo”, apenas deu como provado, nos artigos 2.º e 3.º que: - “O Autor, porque confiava no primitivo Réu (E…), seu irmão, a partir de 2000 passou a entregar-lhe parte dos rendimentos do seu trabalho, para que este os guardasse, depositando na sua própria conta bancária (do primitivo Réu)” e, - “A pedido do Autor, o primitivo Réu depositou dinheiro daquele na conta referida em A).”
12 - A resposta a estes quesitos entra em contradição com a dada ao quesito 19.º da Base Instrutória, onde consta: “ O Autor tinha toda a confiança nos Réus, seu irmão e cunhada, mantendo entre si excelentes relações de amizade.”
13 – Com esta resposta, o Mmo Juiz “a quo” limita a titularidade da conta bancária em causa, quando consta exatamente o contrário das alíneas A) e B) da matéria assente: - “A) - Os Réus eram titulares de uma conta da qual eram cotitulares no J… com o número ……………...” - “B) - Em 30 de Setembro de 2004, por acordo entre o Autor e o Réu E…, foi aberta uma conta no Banco F…, agência de …, …, …. Porto, com o n.º …………, em nome de ambos os Réus, na qual o Autor passou a depositar dinheiro seu.”
14 – O primitivo réu, a partir de 2005, foi acometido de doença degenerativa, e em 2006 já estava incapaz de assinar o seu próprio nome mas a confiança do apelante manteve-se na ré C….
15 - Todos os cheques constantes dos autos, com exceção de apenas um, que data de 2003, foram emitidos pela apelada.
16 – Que fez levantamentos de multibanco, débitos em conta para pagamento de prestações de veículos automóveis por e para si adquiridos, transferências para a conta e todos os restantes movimentos bancários.
17 - Pelo que a resposta restritiva do aos artigos 2.º e 3.º, não tem fundamento.
18 - Devendo, pois, aqueles artigos 2.º e 3.º da Base Instrutória serem dados por PROVADOS.
19 – No art. 5.º da Base Instrutória o Mmo Juiz dá por provado que “O Autor não possuía todos os extratos bancários da conta referida em B), nem os extratos da conta referida em A), nem os talões dos depósitos efectuados nessas contas”.
20 - Para fundamentar tal convicção, diz “a decisão baseou-se essencialmente no facto de os documentos atinentes aos movimentos dos dinheiros do Autor terem sido arquivados numa pasta que se encontrava na V… dos Réus, à guarda da testemunha H…, incumbida de os arquivar e organizar, da qual constavam alguns extractos (mas apenas da conta referida em B)....”
21 - “O que demonstra que o Réu, (quando seguramente quer dizer o Autor) não tinha qualquer extracto da conta referida em A), não tinha qualquer talão de depósitos feitos em qualquer das contas e que não tinha, pelo menos, a maior parte dos extratos da conta referida em B),.............”
22 – Faz parte da matéria assente sob a alínea F), que em novembro de 2009, a ré C… entregou ao autor uma pasta com documentos.
23 – Era naquela pasta que estavam os extratos bancários, os talões de depósito das contas referidas em A) e B).
24 – Onde estariam apenas os documentos que os réus entenderam lá ter.
25 – Até à entrega da pasta, o autor não tinha quaisquer documentos e só após esta entrega os recebeu.
26 - O Mmo Juiz não teve fundamento sério para restringir a resposta à matéria vertida no art. 5.º da Base Instrutória.
27 – Deve, pois, o art. 5.º da Base Instrutória ser considerado PROVADO.
28 – Os apelados falsearam o doc. 21, junto com a p.i., cheque de 29.927,87€, no qual falsamente foi escrito que esse cheque foi emitido à ordem de B… e também lá consta escrito “Levantou”.
29 – Mas o referido cheque foi emitido ao portador e levantado pela empresa L….
30 – A L… pagou a importância constante do cheque acrescida de juros.
31 – O Mmo Juiz só tem motivos nos autos para atribuir a autoria do empréstimo à L… ao apelante.
32 – O apelante era funcionário da L…, amigo do dono da referida empresa onde trabalhou mais de 38 anos.
33 – O apelado não conhecia a dita empresa ou o seu dono, nunca com ele falou ou contactou.
34 – O apelante telefonou ao apelado, seu irmão, e pediu-lhe para “libertar” 30.000,00€, para emprestar à L….
35 - Devendo, pois, o art. 6.º da Base Instrutória ser dado por PROVADO.
36 – O empréstimo dessa quantia feito à L… pelo apelante, que foi liquidada pela mutuária, com juros, recebida pelos apelados, mas nunca por estes devolvido àquele.
37 - Em 30 de setembro de 2004, foi aberta uma conta no F…, conta B) com o saldo inicial de 127.500,00€, e onde apenas existia dinheiro do autor.
38 - Não resulta dos autos que esse saldo fosse superior ao saldo que o autor possuía no J… – conta A, na data da abertura daquela conta.
39 – Aquela conta do F… não teve movimentos até ao final do ano de 2004.
40 - Depois de aberta a conta do F…, foram feitos depósitos de dinheiro pertencentes ao apelante na conta A) e emitido um cheque de 33.000,00€, para o pagamento do automóvel que o apelante, em outubro de 2004 adquiriu.
41 – O apelante ainda tinha dinheiro que lhe pertencia, naquela conta A), após a abertura da conta B).
42 – Os apelados nunca fizeram qualquer empréstimo ao apelante.
43 – O valor do cheque do empréstimo feito à L… e do cheque do veículo automóvel, adquirido pelo autor, e respetivo selo, eram valores pertencentes ao apelante e que ainda estavam na conta A).
44 – Facto do qual os apelados tinham absoluta consciência.
45 - O apelante nada devia aos apelados.
46 – Quanto aos artigos 10.º e 28.º, da base Instrutória, Mmo Juiz diz que o autor “autorizou” que os apelados emprestassem ao seu sócio M…, a quantia de 60.000,00€.
47 – O apelante nem conhecia o M…, não esteve presente na celebração do negócio, e nada lhe emprestou.
48 – Aquele empréstimo constituía uma forma dos apelados receberem da empresa, injustificadamente, uma quantia equivalente a 71.000,00€.
49 – A apelada C… confessou ter recebido do M… todos os montantes acordados naquele empréstimo.
50 - E não os entregou ao autor, como devia.
51 - O Mmo Juiz não tinha fundamento sério para considerar que o apelante sabia que aquela quantia de 60.000,00€ se destinava a um empréstimo ao M….
52 – Tem prova séria, exatamente, do contrário.
53 – Deve, pois, o art. 10.º da Base Instrutória, ser dado por Provado e o 28.º Não Provado.
54 – O Mmo Juiz “a quo” também não tinha fundamento para dar a resposta restrita aos artigos 14.º e 15.º da Base Instrutória.
55 – Da resposta ao art. 14.º consta que “Em setembro de 2007, os Réus pediram ao Autor autorização para, do seu dinheiro, emprestarem a um seu empregado, de nome N… .......”
56 – Para concluir, contraditoriamente, que tinha sido o apelante quem fez o empréstimo. 57 – A apelada confessa que se sentia responsável por tal pagamento.
58 – A apelada fez um pagamento pelo devedor N….
59 – Atenta a prova produzida não tinha o Mmo Juiz fundamento para dar resposta restritiva aos artigos 14.º e 15.º da Base Instrutória.
60 – Devendo os mesmos ser considerados “PROVADOS”.
61 - Deverão ser dados por provados os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 5.º, 6.º, 10.º,14.º, 15.º, da Base Instrutória e não provado o art. 28.º.
62 - O Mmo Juiz fez um enquadramento legal da factualidade contra a vontade das partes.
63 - O apelante pediu a condenação dos Réus a: a) Reconhecerem que a conta n.º …………, do F…, agência de …, …, …. PORTO, aberta em 24/9/2004 e titulada em nome deles, foi até 24/11/2009 propriedade exclusiva do autor, bem como os valores e dinheiro aí depositados. b) Devolverem ao autor o montante de €146.754,12, acrescido de juros de mora à taxa legal desde 24/11/2009, ascendendo a €5.194,61 os vencidos em 13/10/2010 – pedido este que foi posteriormente ampliado no montante de €1.464,36, acrescido de juros de mora desde 19/1/2004, ascendendo a €399,75 os vencidos em 14/12/2010. c) Pagarem as prestações 56.º a 60.º referidas no artigo 91.º da petição, no montante de €1.330,00 cada uma, nas datas dos seus vencimentos (respectivamente entre 15/10/2010 a 15/2/2011), no total de €6.650,00. d) Pagarem os juros da descapitalização que abusivamente fizeram das economias do autor ao longo de 5 anos, a liquidar em execução de sentença. e) Indemnizarem o autor por danos não patrimoniais no montante de €15.000,00.
64 - Os apelados contestaram, pedindo a nulidade por erro na forma do processo.
65 - O apelante respondeu não haver erro na forma processual, e existirem factos integradores de uma relação contratual de mandato sem representação, a verdadeira causa de pedir.
66 - O Mmo Juiz, no Despacho Saneador, indeferiu a invocada nulidade principal por erro na forma processual, vindo a dar razão ao apelante.
67 - A causa de pedir nos presentes autos é a devolução de tudo o que foi prestado, em virtude de um contrato consensual de mandato sem representação.
68 - Que se concretizou, na administração, durante quase uma década, de bens e interesses alheios.
69 - As partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos.
70 - O convencionado entre as partes não foi reduzido a escrito.
71 – Dos autos resulta que o apelante entregou dinheiro aos apelados, para que estes o administrassem em seu nome (deles), por mais de uma década.
72 - Em nítida oposição à causa de pedir, vem o Mmo Juiz tipificar o contrato entre autor e réus, como de contrato de depósito irregular, ao qual se aplicam as normas do mútuo.
73 - No contrato de mútuo, nos termos do preceituado no art. 1144 do Código Civil “As coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário, pelo facto da entrega”.
74 – O que não corresponde à vontade negocial, isto é, à vontade das partes.
75 – Os apelados não consideraram que as entregas do apelante os fazia donos desses rendimentos.
76 - Pelo contrário, o que resulta dos autos e da prova produzida é que os apelados, ao mexeram nos dinheiros constantes da conta B), onde existia dinheiro apenas do apelante, sempre o fizeram, com a convicção de que não o podiam fazer, que estavam a apropriar-se de forma ilícita de bens alheios e que tinham que os restituir.
77 - Na alínea L) da Matéria Assente, consta: “Em 29/09/2005, os Réus compraram um Mercedes …, emitindo o cheque n.º …….. sobre a conta bancária do F… referida em B), no valor de 38.000,00€.”
78 – Na alínea M) da Matéria Assente consta “para pagamento da quantia referida em L), os Réus efetuaram dois depósitos, na conta referida em B), no valor de 10.000,00€ em 04/10/2005, e de 3,300,00 em 02/01/2006.”
79 – O que significa que os apelados não se consideravam donos daquelas quantias, bem sabendo que elas não lhes pertenciam.
80 – E que estavam obrigados a devolvê-las ao apelante.
81 – Na falta de contrato escrito, deste facto se extrai, concludentemente, com toda a probabilidade, de forma tácita, a manifestação de vontade das partes.
82 - Os apelados ficaram cientes de que aquelas quantias que pertenciam ao apelante não lhes pertenciam e nelas não deviam tocar.
83 - A convenção criada pelas partes não corresponde a um contrato de depósito.
84 - A propriedade do dinheiro do apelante nunca foi transmitida para os apelados.
85 - Não pode o Mmo Juiz subsumir estes factos a quantias mutuadas aos apelados, por manifesta falta de fundamento e por serem os mesmos contrários ao que tacitamente está demonstrada ser a vontade das partes.
86 - Na qualificação do negócio, como de mútuo, ou ao qual se aplicavam as normas legais a este referentes, o fim principal do contrato é a disponibilidade da coisa pelo mutuário.
87 – O que não foi a vontade, nem o entendimento do apelante e dos apelados.
88 – Mas a ser considerado, por mera hipótese académica, que apelante e apelados celebraram um contrato de depósito irregular, ao qual se aplica, nos termos dos artigos 1205 e 1206 do Código Civil, as normas relativas ao contrato de mútuo, o que não se concede,
89 - Deveria o Mmo Juiz declará-lo nulo, por falta de forma legal.
90 – O contrato entre o apelante e apelados teve o seu início em 2 de maio de 2000, com duas entregas do autor aos réus, uma em cheque e outra em numerário, no montante total 5.986,65€.
91 - Nos termos do art. 1143 do Código Civil, o contrato de mútuo, atento o valor da entrega, só seria válido se houvesse documento assinado pelo mutuário.
92 – Na falta de forma o negócio (mútuo) seria considerado pela lei nulo, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos.
93 – Esta nulidade pode ser invocada a todo o tempo por qualquer dos interessados.
94 – E ser declarada oficiosamente pelo Tribunal.
95 – Ao que o Mmo Juiz estaria obrigado, por ser do conhecimento oficioso.
96 – O que não fez.
97 - Declarada a nulidade tudo o que tiver sido prestado ou o valor correspondente deve ser restituído.
98 – E todos os negócios resultantes de um negócio nulo (mútuo) não produzem efeitos.
99 – Como é o caso dos alegados empréstimos a terceiros.
100 – Foram os apelados que fizeram o empréstimo ao M… e ao N…, ainda que com dinheiro do apelante, mas estes negócios enfermam do mesmo vício.
101 – Pelo que o apelante sempre teria direito a que lhe fossem devolvidas todas as quantias por si entregues aos apelados e por estes mutuadas.
102 - O “contrato” que aqui está em causa entre o autor e os réus é o mandato sem representação e não o depósito irregular.
103 – As contas feitas pelo Mmo Juiz “a quo” estão erradas.
104 - O saldo inicial da conta do F… é do montante de 127.500,00€.
105 – A este montante há que adicionar o depósito de dois cheques de 15.000,00€, cada um e ainda a quantia em numerário de 1.390,00€, correspondente a juros que foram depositados na conta do J….
106 – O valor de 29.927,87€, relativo ao cheque do empréstimo que fez à L… e respetivos juros.
107 – O saldo inicial é de (127.500,00 + 31.390,00) 158.890,00€.
108 – A que se adiciona o valor dos depósitos feitos no Banco A), em 21 de dezembro de 2004, e 27 de dezembro de 2004, nos montantes de 10.003,10 e 5.000,00, respetivamente, feitos após a abertura da conta em B), no total de 15.003,00€.
109 – Devem ser adicionadas ainda as entregas efetuadas pelo apelante aos apelados, entre 2005 e 2009, que ascendem a 79.079,44€.
110 – E a quantia de 21.000,00€.
111 - Os depósitos do empréstimo feito ao M… e ao N…, nos montantes de 40.950,00€ e 4.300,00€, respetivamente.
112 – O montante de 24.700,00€ devido pelos apelados, correspondente à diferença do valor do cheque de 38.000,00€ e o valor dos depósitos 10.000,00€ e 3.300,00€.
113 - O valor relativo aos pagamentos de agosto de 2006 a fevereiro de 2008, para pagamento das prestações do veículo Lancia …, adquirido pela apelada, no total de 15.502,98€.
114 – E o valor dos pagamentos, feitos pela apelada para obras na sua casa e televisores, no total de 11.769,81€.
115 - E, por fim, os levantamentos de multibanco que os apelados fizeram da conta do apelante, no total de 1.296,10€.
116 - O saldo apurado a crédito do autor é de 372.488,43€.
117 – Ao crédito há que deduzir: - O montante dos cheques autorizados pelo apelante, no total de 59.622,50€. - Com reservas, a quantia de 60.000,00€, de empréstimo a M…; - Com reserva, o montante de 5.000,00€, do empréstimo a N…; - O montante de 30.000,00€, do empréstimo a D.... Tudo no total de 95.000,00€.
118 – Teremos ainda que deduzir ao crédito do apelante, a quantia que a apelada lhe fez do saldo da conta B), no montante de 37.107,34€.
119 - A quantia apurada a débito do autor ascende a 191.729,84€.
120 – Ainda há que deduzir ao saldo credor do apelante, as quantias referentes aos veículos automóveis, por ele adquiridos, no total de 70.401,00€.
121 – O apelante tem a receber dos apelados a quantia de 110.358,59€.
122 - As partes convencionaram que a remuneração que a conta viesse a ter ficaria para o apelante.
123 – Que será calculada após a liquidação do montante constante do art. 17.º dos factos provados, por referência àquele montante, em termos proporcionais e só poderão ser liquidadas em sede de execução de sentença.
124 – Os apelados encontram-se em mora, desde 24 de novembro de 2009, relativamente ao pagamento das quantias que se apurarem além do montante entregue pela apelada, 37.107,34, e são devidos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde essa data.
125 – O autor tem direito a uma indemnização por danos não patrimoniais.
126 - Em montante nunca inferior a 15.000,00€.
127 – Procedente a impugnação à apreciação da prova, os apelados constituem-se na obrigação de repor ao apelante a diferença entre o que emprestaram ao M…, e o que a este entregaram, no total de 19.050,00€.
128 – E, ainda, a diferença entre o que emprestaram ao N…, que foi 5.000,00€ e o que ao apelante entregaram, no total de 700,00€.
129 – O saldo do crédito do apelante será do montante de (110.358,59 + 19.050,00 + 700,00) 130.108,59€.
130 - O Mmo Juiz deveria ter julgado procedentes por provados os factos que atrás sobejamente se alegaram e quanto ao pedido formulado condenar os Apelados a: a) Reconhecerem que a conta n.º …………, do F…, agência de …, …, …. PORTO, aberta em 24/9/2004 e titulada em nome deles, foi até 24/11/2009 propriedade exclusiva do autor, bem como os valores e dinheiro aí depositados. b) Devolverem ao autor o montante de 130.108,59€, acrescido de juros de mora à taxa legal desde 24/11/2009, sobre este valor. c) Pagar os montantes em falta, relativos ao M… e N…, nos montantes respetivos de 19.950€, e 700,00€. d) Pagarem os juros da descapitalização, calculados nos termos da resposta dada ao art. 17.º da Base Instrutória. e) Indemnizarem o autor por danos não patrimoniais no montante de 15.000,00€.
131 - O Mmo Juiz “a quo”, em nítida violação dos princípios que norteiam a livre apreciação da prova, não valorou provas que foram sobejamente produzidas pelo apelante e que não tinha fundamento sério para as desvalorizar.
132 – O mesmo critério e fundamentos que usou para desvalorizar umas e dar determinada matéria por não provada, usou para valorizar outras e dar determinada matéria por provada.
133 - A douta decisão recorrida violou, para além do mais, o preceituado nos artigos 405, 1180, 1185, 1205, 1206 e 1142 e seguintes, todos do Código Civil.

Os apelados responderam ao recurso. Defendendo a bondade da decisão recorrida e a consequente improcedência da apelação, apresentam as seguintes Conclusões:
A - O recurso da decisão de facto destina-se tão só a colmatar erros de julgamento. E, por isso, não basta que as provas invocadas no recurso “permitam” a solução preconizada pelo recorrente e propugnada na motivação e nas conclusões. É preciso que as provas produzidas “não permitam” a solução adotada pelo julgador, o que não acontece no caso em análise. B - Na decisão de facto, o Mmo. Juiz especificou com clareza a razão de ser da convicção que formou através da verificação de toda a prova recolhida, analisando todos os documentos fornecidos e os depoimentos prestados, o que lhe permitiu uma resposta segura às questões de facto. C - Não existe qualquer razão para a alteração da decisão de facto pretendida pelo recorrente de molde a que sejam dados como provados os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 6.º, 10.º 14.º e 15.º da Base Instrutória e não provado o artigo 28.º. D - As provas produzidas e pormenorizadamente analisadas permitem as respostas dadas, que devem ser confirmadas. E - Independentemente da qualificação jurídica do contrato, como depósito, ou como mandato, nunca os recorridos poderiam ser condenados no pagamento do montante dos empréstimos que não terá sido devolvido ao recorrente, porquanto, como bem diz a douta sentença, a obrigação de restituição que aos recorridos podia ser pedida (se se tratar do contrato de depósito, ao abrigo do art. 1187 c) do Cód. Civil, e se se tratar de contrato de mandato ao abrigo do art. 1161 d) do mesmo diploma) encontrava-se extinta nos termos do art. 770 a) do Cód. Civil. F - Parece, porém, óbvio, face à factualidade dada como provada, que a qualificação jurídica do contrato é de depósito, que, nos termos do art. 1185 do C. Civil “é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e restitua quando for exigida”. G - O principal argumento que usa o recorrente na tentativa de qualificação do contrato como de mandato, é que este se concretizou “...na administração, durante quase uma década, de bens e interesses alheios” e que “...de toda a factualidade vertida nos autos resulta que o apelante entregou dinheiro aos apelados, para que estes o administrassem em seu nome (deles Réus) por mais de uma década”. É uma invocação completamente sem sentido, na medida em que esta “administração” nunca ficou provada; pelo contrário, esta alegada “administração” foi dada como “não provada”, como resulta da resposta restritiva dada ao artigo 2.º da Base Instrutória. H - O que ficou provado foi que o autor dava dinheiro ao réu para que ele fizesse um depósito bancário. E para este tipo de depósito não tem qualquer sentido a exigência de forma constante do art. 1.143 do CC. I - O artigo 1.206 do C. Civil não equipara, pura e simplesmente, o contrato de depósito irregular ao contrato de mútuo, antes mandando aplicar aquelas normas, “na medida do possível”. Assim, quanto ao contrato em questão nos autos, estando em causa uma obrigação de depósito bancário, esta frase “na medida do possível” ganha especial força, não lhe podendo ser aplicada a exigência de forma prevista no art. 1.143 do C. Civil, até face ao que consta do art. 407 do Código Comercial. J - A invocação da nulidade do depósito, por falta de forma é ilegítima, representando abuso de direito nos termos do art. 334 do Código Civil. K - A consequência da nulidade seria a devolução de tudo o que tiver sido prestado – art. 289 do CC - e, neste momento o que há que devolver é o saldo apurado na sentença e nada mais, até porque o recorrente não põe em causa, no recurso, a compensação do seu crédito com o crédito dos recorridos pelo valor dos contratos de compra e venda dos veículos.

O recurso veio a ser recebido nos termos legais (fls. 800) e, nesta relação, os autos correram Vistos. Cumpre apreciar o mérito da apelação.

1.3 – Objeto do recurso:
Tendo em conta as conclusões apresentadas pelo apelante – e porque sempre serão estas a definir o objeto do recurso – importa apreciar as seguintes questões:
1.3.1 – Se deve ser alterada a matéria de facto fixada na 1.ª instância, dando-se agora como provados e como não provados os diversos pontos de facto (respostas à Base Instrutória) que o apelante identifica.
1.3.2 – Se, uma vez alterada a matéria de facto (ou mesmo sem embargo da sua eventual não alteração) outra deve ser a aplicação do direito e com que consequências, concretamente se devem proceder integralmente, agora por via do recurso, as pretensões formuladas pelo autor.

2 – Fundamentação:
2.1 – Fundamentação de facto:
Por considerarmos que o recorrente cumpre suficientemente o ónus de quem impugna a decisão sobre a matéria de facto, mormente com a identificação que fez nas conclusões dos pontos de facto que pretende ver alterados e do sentido dessa alteração, escusamo-nos a qualquer acrescento teórico, enquadrante da impugnação, e passamos a apreciá-la, em ato prévio à fixação dos factos provados e não provados, que oportunamente transcreveremos, acrescentando-lhes os que logo foram fixados em sede de saneamento dos autos, e que aqui, como é compreensível, não estão em causa.

1.3.1 Se deve ser alterada a matéria de facto fixada na 1.ª instância, dando-se agora como provados e como não provados os diversos pontos de facto (respostas à Base Instrutória) que o apelante identifica.
Pretende o recorrente que sejam dados como integralmente provados os seguintes pontos controvertidos, que receberam respostas negativas (não provados) ou restritivas (parcial e/ou explicativamente provados):
- Artigo 1.º da Base Instrutória, onde se perguntava “O autor sempre teve dificuldade na administração do seu dinheiro, designadamente no uso de cheques e cartão multibanco?” e que recebeu a resposta “Não provado”.
- Artigos 2.º e 3.º da Base Instrutória, onde se perguntava “Porque considerava os réus, seu irmão e cunhada, pessoas com capacidade para a gestão bancária e administração de dinheiro, a partir de 2000 passou a confiar-lhes as suas economias, para que as depositassem, administrassem e aplicassem?” e “A solicitação do autor, os réus depositavam dinheiro daquele na conta referida em A)?” e aos quais se respondeu: “O Autor, porque confiava no primitivo réu (E…), seu irmão, a partir de 2000 passou a entregar-lhe parte dos rendimentos do seu trabalho, para que este os guardasse, depositando na sua própria conta bancária (do primitivo réu)” e “A pedido do autor, o primitivo réu depositou dinheiro daquele na conta referida em A)”.
- Artigo 5.º da Base Instrutória, onde se perguntava “O autor não possuía os extratos bancários ou talões de depósito das contas referidas em A) e B)?” e ao qual se respondeu que “O Autor não possuía todos os extratos bancários da conta referida em B), nem os extratos da conta referida em A), nem os talões dos depósitos efectuados nessas contas”.
- Artigo 6.º da Base Instrutória, onde se perguntava “O cheque referido em H) destinou-se a um empréstimo do autor à sociedade “L…, Lda.?”, tendo-se respondido que “O cheque referido em H) destinou-se a um empréstimo à sociedade “L…, Lda.”.
- Artigo 10.º da Base Instrutória, no qual era perguntado: “No início de fevereiro de 2006, os réus informaram o autor que iriam aplicar 60.000,00€ da sua conta num produto a cinco anos, que lhe daria um juro de 12% ao ano, sem riscos, o que o autor aceitou?” e ao qual se respondeu (conjuntamente com o artigo 28.º): “No início de fevereiro de 2006, os réus informaram o autor que iriam aplicar 60.000,00€ da sua conta num empréstimo a M… pelo prazo de 5 anos, o que o autor autorizou, dando origem ao saque dos cheques referidos em N), que consubstanciaram a entrega do capital àquele mutuário”.
- Artigos 14.º e 15.º da Base Instrutória, onde se perguntava “Em setembro de 2007, os réus pediram ao autor autorização para, do seu dinheiro, emprestarem a um seu empregado, de nome N…, a quantia de 5.000,00€, a qual seria paga em dois ou três meses, e pelo pagamento da qual os réus se responsabilizaram pessoalmente?” e “Da quantia referida em 14.º foram pagas: a) 16 prestações mensais de 200,00€; b) 2 prestações de 400,00€ e c) a quantia de 300,00€, paga em numerário pela ré C…?” e aos quais se respondeu, respetivamente: “Em setembro de 2007, os réus pediram ao autor autorização para, do seu dinheiro, emprestarem a um seu empregado, de nome N…, a quantia de 5.000,00€” e “da quantia referida em 14.º apenas foi pago o montante de 4.300,00€”.

Pretende também o apelante que seja dado como não provado:
- O artigo 28.º da Base Instrutória, onde se perguntava: “A quantia de 60.000,00€ referida em N) diz respeito a um empréstimo pelo autor a M…?” e ao qual se respondeu (em resposta conjunta com o artigo 10.º, como já referido): “No início de fevereiro de 2006, os réus informaram o autor que iriam aplicar 60.000,00€ da sua conta num empréstimo a M… pelo prazo de 5 anos, o que o autor autorizou, dando origem ao saque dos cheques referidos em N), que consubstanciaram a entrega do capital àquele mutuário”.

As respostas dadas pelo tribunal recorrido tiveram a fundamentação que, para cabal compreensão e porque censurada pelo recorrente, se passa a transcrever, resumindo-a, atenta a sua extensão, aos aspetos que mais relevam à impugnação deduzida no recurso. Deixou-se dito, além do mais: “(...) a factualidade respeita a relações patrimoniais ocorridas essencialmente entre o Autor e o primitivo Réu, seu irmão, e subsequentemente entre aquele e a Ré. Relações essas que tiveram início desde há mais de 10 anos. Acresce que essas relações se basearam na confiança existente entre as partes, não tendo sido reduzido a escrito as instruções, combinações e explicações (ou demonstrações) das causas dos movimentos efectuados, exceto os que resultam dos atos bancários praticados (extratos, talões de depósito, cópias de cheques, etc.) ou de comunicações de terceiros. De modo que o suporte documental dessas relações não reflete necessariamente o combinado entre as partes e a síntese dos movimentos realizados consta de meras fitas de máquina calculadora. Por outro lado, tratando-se de relações patrimoniais assentes no relacionamento pessoal, o combinado entre elas por regra não foi do conhecimento pessoal e direto de terceiros. O que constitui uma forte limitação da contribuição da prova testemunhal. Acresce que vários dos factos em apreciação nem sempre são, na vida real, absolutamente claros. Exemplo é, desde logo, o da autoria dos empréstimos. É que a diferença entre decidir emprestar o seu dinheiro e mandar alguém entregá-lo ou decidir emprestar e usar o dinheiro que, sendo de outrem, está à sua disposição, não é fácil de distinguir, principalmente quando entre o dono do dinheiro e o que tem poderes para o movimentar existia uma relação de grande proximidade e confiança, designadamente quando esse poder de disposição tem um objectivo obscuro - como, p. ex., o da sonegação desse património – evitando-se publicitar a quem verdadeiramente pertence o capital (...) em matérias desta natureza, o que importa saber é, essencialmente, o que combinaram, ou não, entre si, o titular do dinheiro e aquele que o gere, pois até o destinatário do empréstimo pode não saber quem foi verdadeiramente quem o emprestou (...) Relativamente à generalidade das transferências financeiras, para além dos próprios (das partes) a única pessoa que poderia ter um conhecimento concreto seria a testemunha H…, secretária na empresa da sociedade de que o primitivo Réu e a Ré eram sócios (...). Sucede que não é fácil ter memória de factos que ocorreram há tantos anos e durante tão grande período de tempo, para além de que aquela testemunha foi perentória em afirmar que apenas executava as instruções que lhe eram dadas (...). Esta testemunha arquivava numa pasta os documentos que lhe eram dados pelo primitivo Réu ou que obtinha dos atos que aquele lhe mandava praticar (talões dos depósitos que efetuava a mando daquele), os quais foram juntos aos autos pelas partes. As referências por si manuscritas nesses documentos foram feitas a mando do primitivo Réu (e, na fase final, da Ré), limitando-se a depoente a apor as menções que lhe eram ordenadas (com exceção do empréstimo ao Sr. M…, o qual lhe foi explicado porque se tratava do outro sócio da sociedade e os pagamentos eram ali efetuados por terem repercussões nas relações patrimoniais entre os sócios). As fitas seriam um resumo contabilístico dos movimentos (essencialmente depósitos e saque de cheques), refletindo o saldo do Autor. Todavia, não têm correspondência exata com a conta referida na alínea B), uma vez que abrangem movimentos anteriores à abertura desta. Daí resultando que parte desses movimentos eram efetuados na conta identificada na alínea A). Tendo a conta referida em B) sido criada especialmente para movimentar exclusivamente os dinheiros do Autor, conclui-se que a referida em A) não foi criada para tal (sendo, provavelmente, anterior ao início da gestão dos dinheiros do Autor), abrangendo (ou podendo conter) movimentos de dinheiros dos próprios Réus. Quer os documentos das pastas quer os resumos das fitas (cujas deduções se encontram a vermelho) foram mostrados ao Autor na presença da testemunha H…. Esta, declarou que o Autor olhava para os documentos da pasta e não os verificava, mas que via as fitas, nunca tendo colocado objeção a qualquer parcela (designadamente às deduções). No âmbito da relação de enorme confiança, é verosímil que aquele se limitasse a aceitar o saldo final constante das fitas mostradas, sendo que as mesmas não revelam que as respetivas verbas que as integram tenham sido especificadamente conferidas (...) o facto de aceitar o saldo das fitas, faz supor que se ia mantendo a par do montante global do seu património confiado ao primitivo Réu. De modo que é de concluir que se esse saldo fosse significativamente diverso do que deveria, tal seria notado pelo Autor (...) Da análise das fitas resulta que estas pretendem espelhar essencialmente o registo das entregas de dinheiro e a dedução dos gastos, ou seja, os gastos que, respeitando ao Autor, foram efetuados pelos Réus. Trata-se, aliás, de apenas 3 deduções, com a indicação das respetivas causas: carro, selo/carro e cheque (...) mesmo com uma breve análise das fitas, ainda que superficial, o Autor sabia quais os montantes que foram deduzidos às entregas e porquê (pois nunca as questionou). Essas fitas continuaram a ser efetuadas mesmo após a abertura da conta referida em B). O que significa que com a abertura desta não mudaram os procedimentos (...). Isto até pelo menos 2006, última data manuscrita aposta nas fitas (...) O que permite concluir que essa fita (a 1.ª de que há notícia) foi elaborada em 2005, mais precisamente entre 6/6/2005 (data do último daqueles depósitos, no montante de €4.956,2 – como resulta dos documentos de fls. 233 a 235) e 12/9/2005 (data do 1.º registo posterior àqueles, no montante de €15.000,20 – documentos de fls. 236 a 238, que respeitam ao depósito correspondente a esse registo). Para além do cheque de €29.927,87, de que ao diante se falará, constam ainda dessa fita as deduções com os dizeres carro e selo/carro, as quais corresponderão ao cheque de fls. 77 (...) é compreensível que o montante desse cheque (e do selo do carro) tenha sido subtraído ao montante dos depósitos até então efetuados. Ou seja, o património do Autor confiado aos Réus correspondia ao montante dos depósitos que até então efetuou, deduzido daquelas suas despesas (...). As testemunhas familiares (irmão O… e a mulher, I…, a irmã P… e o marido, Q…, a nora do primitivo Réu e da Ré, mulher do corréu D…, S…), ou muito próximas (testemunha T…, namorada do Autor desde julho de 2007), apenas revelaram ter um conhecimento genérico da situação da gestão e, eventualmente, de alguma combinação sobre algum assunto em concreto por lhes dizer diretamente respeito (p. ex., serem destinatários de um empréstimo ou da compra de um carro, p. ex.) ou por se tratar de assuntos abordados no ambiente familiar (ouvir falar da situação de um empréstimo que havia sido feito, de um carro que foi comprado ou vendido, etc.). Em tudo o mais, os seus depoimentos foram indiretos e opinativos, tornando-se tendencialmente parciais (tendo tomado um partido, com base na sua perceção sobre o significado dos documentos que viram – e alguns até os analisaram – e do que ouviram a uma ou outra das partes e da opinião que sobre cada uma delas têm, ou passaram a ter (...)
A testemunha U… (...). Declarou que o Autor emprestou dinheiro à L… (numa altura em que esta passou dificuldades económicas), pois telefonou ao irmão para libertar €30.000,00 para emprestar à L…, a qual pagou em 2 cheques (...). O montante correspondente ao cheque do empréstimo foi sacado pelo primitivo Réu da conta referida em A), ainda antes de ter sido aberta a referida em B). Como resulta do documento de fls. 375, carta da L… datada de 24/10/2003, dirigida ao primitivo Réu a agradecer-lhe o empréstimo e a enviar 3 cheques em restituição do capital mutuado (esses 3 cheques totalizam a quantia de €50.000,00 e não o montante correspondente ao cheque da alínea H) – o que faz supor que terá havido mais que um empréstimo, provavelmente um de €30.000,00 e outro de €20.000,00) e enviando os juros em numerário, no montante de €1.392,23, a quantia mutuada foi restituída antes da abertura da conta referida em B). Dos documentos de fls. 376 a 379 resulta que o montante dos juros do empréstimo (arredondado para €1.390,00) e que os 2 cheques de €15.000,00 referidos na aludida carta (totalizando, portanto, €30.000,00) foram depositados na conta identificada em A), respectivamente em 27/10/2003 (o numerário) e em 13 e 19 de Janeiro de 2004 (cada um dos cheques de €15.000,00). Conforme se referiu, não é fácil determinar com segurança quem efetuou o empréstimo. Por um lado, esta era a entidade patronal do Autor e a testemunha acima referida declarou expressamente que foi este que efetuou o empréstimo. Por outro lado, não se conhece ao primitivo Réu qualquer relação com a L… (para além de ser irmão do Autor) e, não obstante tal, esta dirigiu-se por escrito expressamente ao primitivo Réu para devolver o capital mutuado e juros para agradecer o empréstimo. O facto de o capital saído da conta referida em A) (o cheque de fls. 76) não é decisivo, uma vez que nessa época (2003) a conta em causa era usada também para guardar os dinheiros do Autor. Admite-se que o primitivo Réu nunca tenha chegado a falar com alguém da L…, supondo-se que o empréstimo terá sido ideia do Autor e convencionado diretamente entre este e aquela. Já a disponibilização do capital a mutuar terá sido combinada entre o Autor e o primitivo Réu, sendo certo que o mesmo saiu de uma conta onde este guardava dinheiros daquele. De modo que o dinheiro tanto podia ser de um como do outro, desconhecendo-se o que foi combinado entre ambos. Relativamente à L…, desconhece-se igualmente o que terá sido combinado, podendo esta ter decidido dirigir a carta acima referida e restituir o empréstimo à pessoa do primitivo Réu por ter sido através de cheque deste que o empréstimo foi constituído (até para efeitos contabilísticos, para justificar a saída do pagamento). Seja como for, o certo é que o mútuo foi efectuado à L…, a qual restituiu o capital e os juros, tudo ainda antes da abertura da conta referida em B). Conforme se referiu, a 1.ª fita foi elaborada já no ano de 2005. Ora, nesse ano o empréstimo à L… já se encontrava solucionado (...). De modo que a menção nessa fita (repetida em todas as restantes) do montante do capital mutuado é incompreensível (...) conclui-se que o registo do cheque da alínea H) nas fitas, a débito, se deveu a lapso (do primitivo Réu e também do Autor, que não o questionou), provavelmente fundado no facto de esse capital ter saído da conta no interesse do Autor, mas esquecendo que esse capital (acrescido de mais valias) já tinha sido entretanto recuperado (...) Assim, tendo em conta que o mutuário (a L…) se dirigiu à pessoa do primitivo Réu a carta de fls. 375 e lhe entregou o capital e juros e uma vez que o primitivo Réu fez seu o capital restituído e os juros pagos pela L…, não os mencionando nas fitas como depósitos a favor do Autor, admite-se a possibilidade de o referido empréstimo não ter sido feito pelo Autor (mas sim pelo primitivo Réu). De resto, como se referiu, o capital mutuado saiu da conta da alínea A), que era do primitivo Réu e na qual eram também efectuados depósitos de valores do Autor. O que determina a dúvida não só sobre a autoria do empréstimo como também da titularidade do capital mutuado. Dúvidas que determinaram a resposta restritiva dada ao Artigo 6.º da Base Instrutória (...).
A testemunha M…, ex sócio dos Réus e mutuário da quantia de €60.000,00 pertencente ao Autor, veio dizer que este não lhe fez nenhum empréstimo, tendo-lhe até telefonado a questioná-lo sobre isso, tendo sido o primitivo Réu que lhe emprestou tal quantia; confirmou o plano de pagamentos e declarou já ter pago tudo.
A testemunha S… declarou que numas férias que passaram juntos em Cuba, em 2006, o depoente se mostrou agradecido ao seu tio por lhe ter emprestado o dinheiro. Foram acareados entre si e mantiveram as suas versões.
As restantes testemunhas familiares das partes referiram: as arroladas pelo Autor, que este lhes disse que o primitivo Réu lhes falou numa aplicação de €60.000,00 a 5 anos, com uma taxa de juro anual de 12%; as arroladas pelos Réus, que ouviram conversas em família sobre um empréstimo do Autor ao depoente, designadamente por este não estar a cumprir (ou seja, que o Autor sabia e tinha autorizado o empréstimo de €60.000,00 seus ao depoente). A testemunha H… sabe que foi elaborado pelo primitivo Réu o plano de pagamentos constante do documento de fls. 103, o qual foi combinado por aquele com o depoente. Do exposto resulta: efetivamente foi emprestada ao depoente a quantia de €60.000,00 a pagar em 5 anos, de acordo com o plano de fls. 103, e que o primitivo Réu (sócio) combinou com o depoente esse plano (...) não é possível determinar quem assumiu a autoria do empréstimo, sendo compreensível que o depoente tenha declarado que não foi o Autor quem o fez, porque foi o primitivo Réu que consigo combinou o negócio. No entanto, da conjugação do facto de o Autor ter autorizado uma aplicação de €60.000,00 com o facto de ter uma grande intimidade e convívio com o primitivo Réu, é verosímil que tenham conversado sobre a situação do empréstimo daquela quantia ao depoente e do respectivo plano de pagamentos.
Assim, da conjugação destes meios de prova resultou a resposta restritiva conjunta dada aos Artigos 10.º e 28.º da Base Instrutória, bem como a resposta dada ao Artigo 11.º (...).
A testemunha N…, funcionário da V… e mutuário do empréstimo referido nos Artigos 14.º e 15.º, constituído através do saque do cheque de fls. 508, depôs em conformidade com as respostas dadas a esses factos (...).
Não se criou uma convicção positiva sobre a matéria do Artigo 1.º, uma vez que o Autor era titular único de uma conta bancária desde finais de 2004 (documento de fls. 372), não tendo sido demonstrado que tivesse dificuldade em a usar, gerir e administrar, nunca tendo pedido aos Réus (ou a outrem) ajuda para esse efeito. Aliás, como resulta dos extratos de fls. 451 e seguintes, o Autor não só efetuava uma panóplia global de operações através da referida conta como também efetuava movimentos através dela com grande frequência. Acresce que o Autor era técnico superior de análises de tinturaria, sendo por isso inverosímil que não soubesse emitir cheques, usar um cartão de débito e de crédito, etc.. Resultou, outrossim, do conjunto dos depoimentos, que a intenção era sonegar ao seu então cônjuge (cuja coabitação entretanto cessou e cujo casamento veio a ser dissolvido por divórcio) os rendimentos do seu trabalho (que constitui bem comum do casal). Crê-se, aliás, que esta é uma das razões pela qual não convinha ao Autor que fosse divulgado que eram seus os dinheiros que eram aplicados, designadamente em empréstimos a terceiros. Daí a dificuldade acrescida em saber quem era o autor dos empréstimos, sendo certo que os capitais mutuados eram do Autor. Ao procurarem convencer da realidade do facto constante do Artigo 1º da Base Instrutória, apesar do supra exposto, as testemunhas arroladas pelo Autor revelaram ser parciais e tendenciosas, perdendo grande parte da sua credibilidade. Para além de injustificadamente retratarem a pessoa do Autor como padecendo de uma acentuada capitis diminutio, que manifestamente não tinha.
As respostas aos Artigos 2.º e 3.º resultaram do conjunto dos depoimentos das testemunhas familiares das partes que sobre eles depuseram, tendo em conta as fitas acima referidas e os talões de depósito juntos aos autos. Relativamente à matéria do Artigo 5.º, a decisão baseou-se essencialmente no facto de os documentos atinentes aos movimentos dos dinheiros do Autor terem sido arquivados numa pasta que se encontrava na V…, à guarda da testemunha H…, incumbida de os arquivar e organizar, da qual constavam alguns extratos (apenas da conta referida em B)). Como tal, esses extractos não estavam na posse do Autor, o qual, após ter-lhe sido entregue essa pasta no final da relação com os Réus, sentiu a necessidade de solicitar à Ré os extractos em falta, para poder conferir as contas. O que demonstra que o Réu não tinha qualquer extracto da conta referida em A), não tinha qualquer talão de depósitos feitos em qualquer das contas e que não tinha, pelo menos, a maior parte dos extractos da conta referida em B). Assim, as testemunhas que declararam ter visto, nos últimos anos, a Ré entregar extratos ao Autor, podiam respeitar aos últimos extratos da conta referida em B), designadamente por esta ter indevidamente servido para pagar o Lancia … que a Ré comprou, como podiam também ser de outra natureza, designadamente os respeitantes ao contrato de leasing do Mercedes … que o Autor adquiriu ao primitivo Réu, cujo pagamento das prestações vincendas assumiu (...).
Em matéria de autorizações de movimentos ou de acordos sobre pagamentos ou acertos de contas, para além do referido nada se provou. Acresce que, atento o excelente relacionamento e confiança mútua que existia entre as partes, apenas uma demonstração direta, concreta e convincente dessas faltas de conhecimento ou de autorização seria suscetível de permitir criar uma convicção positiva nesse sentido (...). Em matéria de pagamentos entre as partes (Réus ao Autor – os únicos que estão em causa) teve-se em conta que, de acordo com as regras da experiência, no concreto contexto em que o relacionamento entre as partes se desenvolvia, o procedimento normal seria através de transferências bancárias ou depósitos de cheques dos Réus para a conta onde eram guardados os dinheiros do Autor, pois desse modo o património financeiro do Autor manter-se-ia regularizado na própria conta bancária e através dos extractos seria facilmente demonstrável essas reintegrações patrimoniais. Por outro lado, não faria qualquer sentido que o Autor andasse a entregar dinheiro aos Réus para estes o guardarem na conta bancária e que estes, quando tivessem de efetuar qualquer pagamento àquele, cuja causa respeitasse àquela conta, entregassem esse dinheiro (em numerário) ao Autor (o qual, de acordo com a lógica, lhes devolveria de imediato esse dinheiro para o depositarem na referida conta). Em face do exposto, somente com uma demonstração direta, concreta e convincente desses pagamentos seria possível criar uma convicção positiva da realidade dos mesmos. Prova essa que não foi feita, pois quem sobre a matéria depôs (principalmente a testemunha S…, que viu a Ré efetuar alguns pagamentos ao Autor), não concretizou os dias, quantias, causas, etc. (...) mereceu credibilidade o depoimento da testemunha S… na parte em que declarou que, juntamente com o seu marido, entregou ao Autor, em numerário, em casa da Ré, em finais de 2008, a última tranche do capital do empréstimo referido em T), no montante de €7.500,00. O seu depoimento foi sereno e, nesta parte, objetivo, concretizando suficientemente o circunstancialismo de modo, tempo e lugar em que ocorreu o pagamento (...) Mais explicou que o documento de fls. 227 constitui uma mera anotação dos pagamentos parcelares efectuados, que por isso não estava em posse do Autor, e que se tornou desnecessário anotar o pagamento em causa por ser o último (...)”.

Na reapreciação da prova tivemos em conta o conjunto dos depoimentos e os documentos constantes dos autos, mormente quando sobre estes os depoimentos expressamente se pronunciaram. Relativamente aos depoimentos que ouvimos, cumpre salientar resumidamente o seguinte:
1 – A ré C… (Ficheiro 20130118102323 – 382693 – 64772) prestou depoimento de parte e, na parte em que o mesmo se revelou confessório (artigos 11.º, 12.º e 13.º da Base Instrutória), o mesmo foi reduzido a escrito (fls. 611/612).
2 – W…, funcionário bancário no F… (Ficheiro 20130125103919) foi inquirido, no que releva, ao artigo 4.º da Base Instrutória e explicou a natureza da conta titulada pela réus. Referiu que nunca conheceu o falecido (irmão do autor) e que a ré lhe disse que o dinheiro era do cunhado, porque este estava num divórcio litigioso (min. 4,00).
3 – O… é irmão do autor e do (falecido) primitivo réu (Ficheiros 20130125111741 e 20130201102039). Referiu que o seu irmão (autor) nunca soube lidar muito bem com dinheiro e sempre trabalhou por conta de outrem, sendo a mulher dele, no tempo de casados, quem geria os rendimentos. A partir de 2000, o autor deixou de entregar todo o dinheiro à mulher e passou a entregar ao irmão, inicialmente para depositar no J…. Sabe porque lhe disseram e chegou a pedir emprestado ao autor. Depois que a mulher dele saiu de casa foi aberta uma conta no F…, em nome dos réus, embora o divórcio só tenha terminado em 2007 e as partilhas em 2009 (min. 12,30). Por conversas, soube na ocasião que a conta do F… foi iniciada com cento e vinte e tal mil euros, em setembro de 2004 e veio a durar até 2009, altura em que a ré entregou ao autor uma pasta e este ficou com “bastantes dúvidas”, tendo falado com a testemunha e revelado que “aquilo estava bastante confuso” (15,30). Viu as fitas [documentos juntos] e acha que a cunhada entregou “um saldo ridículo”, pois o irmão e a própria testemunha achavam que aquele teria muito mais dinheiro (19,30). Referiu que a conferência de valores foi feita a partir das fitas e pelos talões de depósito; mais tarde, a companheira do autor obteve mais extratos e ficaram com uma maior perceção que “as coisas não batiam certo”, pois apareciam alguns débitos e outros não e não havia coincidência com o valor final que a cunhada (ré) pretendia pagar (31,00). Já foi a ré a “terminar” o negócio [com o autor], mas não sabe qual o trato que houve; a conta era conjunta dos réus, mas o autor relacionava-se diretamente com (o irmão) E…. Não sabe se foi o autor que acabou com a relação, se foi decisão conjunta dele e da cunhada; a companheira do autor “talvez seja mais expedita na gestão”, mas não sabe se foi este o motivo (42,00). As dúvidas do seu irmão só surgiram com a entrega da pasta (45,00). O autor falou consigo e disse-lhe que o irmão (primitivo réu) fez uma aplicação de sessenta mil euros, mas tinha dúvidas do que era e só com a pasta verificou que havia prestações de mil e de mil trezentos e trinta euros, não fazendo sentido que se tratasse de uma aplicação financeira; além de não ser um plano de investimento, faltava o pagamento de prestações (56,00). A conta foi aberta em razão dos problemas que o autor tinha com a mulher (68,00). O seu irmão sentiu-se prejudicado e não compreendia como tal podia ter acontecido, teve mesmo de ir à psiquiatria; acresce que, em 2009, ficou desempregado (71,30). A testemunha pronunciou-se ainda sobre a compra dos veículos (Mercedes … e …, concretamente) e referiu que o pagamento ao Serralheiro, em maio de 2006, saiu da conta do autor e não há a posterior entrada. Nunca viu a cunhada entregar dinheiro ao autor. Viram, da análise das contas [fitas e depósitos] que havia saídas mensais de dinheiro e verificaram que faltavam as prestações relativas a um carro (85,00).
Na continuação do seu depoimento, deu conta de o autor lhe ter feito um empréstimo em 2006 e outro em 2008. Acrescentou que o autor ganhava muito dinheiro, desconhecendo se entregava todo ao irmão, mas além da conta em nome dos réus tinha outra particular na G…, que movimentava (min. 7,00). O autor “juntou-se” em 2007 e terá passado a ser a sua mulher, namorada, a gerir a conta da G…. A pasta foi entregue pela ré em 2009, três ou quatro meses antes do autor falar consigo, não podendo afirmar que, numa ocasião e na outra os papéis [constantes da pasta] fossem os mesmos, só pode afirmar o que viu, já em 2010 (11,00). Quando teve acesso à pasta é que soube do empréstimo à L… e soube pelo autor (15,00). Confrontada com o doc. 23 (junto com a réplica) a testemunha refere não se ter apercebido do valor de 50.000,00€ (22,30); refere que tirou conclusões da fita pela análise que dela fez, desconhecendo que acordo foi feito (entre autor e primitivo réu) e que “aplicação financeira” (relativa aos 60.000,00€) foi o que lhe disse o autor, que renderia 12% ao ano; verificou que não era uma aplicação financeira, mas o plano de pagamento de um empréstimo (33,00). Do pagamento dos Mercedes, do serralheiro e do plasma e do Lancia, soube tudo pela entrega da pasta (36,00). Nunca assistiu a levantamento no multibanco, do autor ou da conta deste (42,00).
4 – I…. Cunhada da ré e do primitivo réu e esposa da testemunha anterior (Ficheiro 20130201110329). Conhece o autor há muitos anos e considera que o mesmo nunca foi bom gestor do seu dinheiro, e quando casado era a mulher que tratava de tudo. Por volta de 2000, a ex-mulher desconfiou e disse à testemunha que o dinheiro estava com os réus; depois, perante a pasta, viu que havia depósitos desde 2000, primeiro no J… (min. 4,00). A conta do F…, só a conhece através da pasta, pasta que viu por duas vezes, a segunda já com mais documentação (5,30). Toda a família se dava bem e os réus deram muito apoio ao autor e vice-versa. No entanto, com a pasta, o autor ficou alterado e dizia que tinha sido atraiçoado (7,00). Nunca viu os réus entregarem dinheiro ao autor e a conta tem muitos levantamentos de multibanco. Nunca viu cartão de crédito ao autor e ele funcionava muito com dinheiro, mas tinha um multibanco da G… (11,00). A combinação que tenha havido terá sido entre autor e o ré, seu irmão (13,00). Também nunca viu o autor entregar dinheiro aos réus (17,30). O autor estava destroçado quando apareceu a primeira vez com a pasta, talvez calculasse o dinheiro que teria e sentia-se enganado (22,30).
5 – T…. Divorciada. Conhece a ré desde a infância; conheceu o autor em fevereiro de 2007 e é namorada dele desde junho desse ano, juntando-se aos fins de semana (Ficheiros 20130201114012, 20130201115919 e 20130208102527). O autor é um péssimo gestor e não sabe lidar com o dinheiro; não utilizava cheques. Os réus fizeram a gestão da conta até finais de 2009, quando a ré entregou a pasta com a documentação (min. 7,30). Viu na pasta um cheque de 10.000,00€ e o autor disse-lhe que o não autorizou; viu falta de extratos e disse ao autor para os pedir à cunhada (13,00).
O autor disse-lhe que sabia dos cheques cujo saque autorizou e que não autorizou um de 30.000,003, coincidente com a compra do Mercedes …. A partir de 2007, o autor só entregou cheques para a conta, salvo dinheiro em 2009, valor este que aparece nos extratos. Não sabe nada quanto à aplicação, apenas conferiu a folha que faz referência aos 60.000,00€ e concluiu que as prestações não estavam integralmente pagas (min. 8,30). O resumo (dos créditos) foi feito a partir da pasta quando a entregou, a ré disse que havia 3 ou 4 prestações do carro dela em falta, tendo entregue o valor em dinheiro e dito que, até ali, estava tudo pago (14,00). O autor recebia uma parte em dinheiro e outra em cheque; a partir da doença do irmão s ó entrega à cunhada os cheques e não os 1.400,00€ que recebia em dinheiro (23,00). A relação do autor com o irmão e a cunhada era ótima. Porém, quando a testemunha deu conta que as coisas não eram como ele (autor) dizia, disse-lhe “estás a ser roubado e muito bem roubado” (28,00) e o autor ficou mal, não dormia e ficou com o sistema nervoso muito alterado; a partir de fevereiro de 2009, ficou desempregado (30,00). Atualmente, é o autor o dono do Mercedes …, que comprou por 80.000,00€ (38,00). Nunca assistiu aos réus entregarem dinheiro ao autor, salvo 3.999,00€ de 3 prestações, em finais de novembro de 2009, dos sessenta mil, nem teve conhecimento de estarem a sair da conta prestações para a compra de um carro (47,00). O autor é que lhe disse que o irmão (primitivo réu) lhe disse que ia fazer uma aplicação de 60.000,00€ com rendimento anual de 12%, mas ele também não sabia qual era a aplicação e para onde foi o dinheiro saído da conta. Ele, autor, disse-lhe “aplicação financeira”, mas não sabia o que era e “não sei se o B… sabe” para que foi esse dinheiro (55,00). O autor não falou nada acerca do risco, quando falou da aplicação financeira (59,00). A pasta foi entregue ao autor e a testemunha fez a conferência; depois trouxe a pasta para o colégio onde trabalha e fez a conferência com uma contabilista, continuando a paste em seu poder, até o autor a ter entregue à advogada. O autor, quando se apercebeu que “as coisas não estavam certas” foi ter com a irmã P… e mostrou-lhe a pasta e continuava muito desconsolado (66,00). Os juros foram calculados através da diferença de saldos, mas era “uma coisinha mínima” o que foi lançado. O autor aceitou fazer o negócio do Mercedes, assumindo a dívida à X…, e entregou à ré o pagamento em numerário (75,00). O B… (autor) tinha muito dinheiro no cofre, não tinha tempo para o gastar e as contas (água, luz...) eram pagas pela conta da G…. Tinha muito dinheiro também porque sabia que haveria de pagar tornas à ex-mulher (81,00).
O que se passou antes de junho de 2007, só sabe pelo que o autor lhe contou e, no mais, baseou-se no que está escrito (min. 5,00). Teve conhecimento de 3 pagamentos do empréstimo ao filho da ré porque viu o papel na pasta (17,00). A partir de 2008 é a testemunha quem faz os depósitos do autor (20,00). O autor começou a reagir quando a testemunha começou a ver a pasta, em janeiro de 2010. A ré, depois de passar o saldo ao autor, em novembro, pediu-lhe dinheiro em dezembro, mas este só lhe emprestou parte. Inicialmente faltavam extratos (26,00). O autor foi à V… para reconhecer “as fitas”, mas não as fiscalizava; disse-lhe que foi lá uma ou duas vezes, mas não conferiu, pois mostravam-lhe o que entrava mas não as saídas e não lhe entregaram os extratos ou os saldos da conta, “só as fitinhas” (45,30). A D. H… teve a pasta até 2007, e era ela quem fazia as fitas (57,00). Entregou a pasta em 2007 à ré e apenas controlava a conta da G…, atualizando a caderneta e pedindo (ao autor) para lá fazer depósitos (69,00).
6 – U…. Colega do autor na L… (Ficheiro 20130208115115). Referiu que foi o autor quem fez um empréstimo à L… e que assistiu a um telefone daquele para o irmão, nesse sentido (min. 4,00). O autor foi despedido em 2009 e disse à testemunha que ganhava 3.500 Euros por mês, mais prémios (5,30).
7 – M…. Empresário do ramo da óptica. Conhece o autor por ser irmão do seu ex-sócio (primitivo réu) e conhece os réus (Ficheiro 20130208115758). O E… (primitivo réu) emprestou-lhe 60.000 Euros em fevereiro de 2006, por a testemunha ter sido avalista de familiares e Banco ter “caído sobre si”. Era sócio do E… na V…, em partes iguais. Ele prontificou-se a emprestar-lhe e efetivamente emprestou (min. 3,50). Não falou com o autor, no âmbito desse empréstimo, falou – mais tarde, em dezembro de 2010 – pelo telefone e o autor perguntou-lhe se lhe tinha emprestado algum dinheiro e a testemunha disse que era mentira. As condições do empréstimo foram com juros, o total dava setenta e um e tal mil euros, e por cinco anos. O réu mostrou-lhe um plano de pagamentos onde se incluíam os juros e reparou que era mais barato do que numa simulação do F…, que igualmente lhe mostrou (7,30). As prestações mensais eram 1.000 euros 24 vezes e 1.330 euros 36 vezes. Começou a pagar em março de 2006 e acabou em novembro ou dezembro de 2010. Recebeu o dinheiro em sete cheques sacados de uma conta do F…, e levantou-os durante uma semana ou semana e pouco, sempre quantias inferiores a dez mil euros. Pagou tudo, de acordo com o plano, a maior parte em dinheiro e transferências feitas da firma para o réu (11,30). Não pediu recibo; em março a saúde do réu ainda era boa mas foi-se degradando, especialmente a partir de 2008/2009. Dava a prestação, inicialmente ao Sr. E…, à D. H… e também chegou a dar à ré. Na escritura de venda de quotas da sociedade ficou “como recibo” que nada devia aos réus, particularmente ou ao nível da firma, em janeiro de 2011 e quando já tinha pago tudo (15,00). Sempre que entregou dinheiro à D. H… pensa que ela faria os depósitos; em novembro de 2009 entregou 3.990 euros relativos a 3 prestações e para liquidar o empréstimo, para acabar de o pagar: pagou mais cedo do que o programado (22,00). Foi combinado que se a firma tivesse lucros cada sócio podia tirar (o valor correspondente à prestação do empréstimo) mas isso aconteceu apenas algumas vezes; era uma coisa entre si e o Sr. E…, pagou tudo e a maior parte foi paga em dinheiro, mil, dois mil, três mil..., pagou tudo, pois tinha o seu pé de meia, mas às vezes não o queria gastar (31,30).
8 – Y…. Trabalhou alguns anos em casa dos réus (Ficheiro 20130208123238). Viu o autor diversas vezes em casa do irmão, onde trabalhava, e chegou a vê-lo entregar dinheiro a este. Não sabe para que eram as entregas (min. 4,00). Por volta de 2006, foi trabalhar para a D. Z…, mãe de autor e réu (7,30).
9 – H…. Funcionária, como empregada de escritório, da V…. Conhece as partes (Ficheiros 20130215102835, 20130222104157 e 20130222123453). Referiu, no que importa aqui assinalar, que o Sr. E…a lhe mandava depositar dinheiro numa conta, inicialmente no J… e 3 ou 4 anos depois no F…, que dizia ser do seu irmão. Entregava-lhe o dinheiro e mandava escrever o talão de depósito “B…” ou “B…” (min. 4,30). Arquivava numa pasta os talões de depósito, tal como as fotocópias dos cheques e um ou outro extrato que o Sr. E… lhe entregava. Foi a testemunha quem elaborou as “fitas”, a mando do réu: juntou os depósitos relativos ao B… para as elaborar; na pasta havia os talões correspondentes ao relacionado na fita e era o réu (Sr. E…) quem mandava somar os talões. Analisando os documentos refere pagamentos relativos aos 60.000 euros (12,00). Somava e o Sr. E… mandava deduzir X ou Y, mas não lhe justificava as deduções; a testemunha não fazia conferência da conta e a fita não era uma conta corrente. A fita foi mostrada ao autor, que disse “está mais ou menos como aquilo que eu penso” (13,30). Foram-lhe mostradas algumas fotocópias relativas a saídas, mas não sabe a causa delas e ninguém lhe mandava fazer “deve e haver”, era deduzido na fita o que o Sr. E… mandava deduzir (22,00). Não falou com o Sr. B…: mostrava-lhe a fita e (ele) nem pegava na pasta; estava 2 ou 3 minutos e ia embora (22,30). Sempre deduziu que o dinheiro somado viesse do Sr. E…, mas sem que tenha a certeza. Exceção era, por exemplo, o pagamento dos 60.000 euros que saíram da conta: o pagamento não vinha do Sr. E… e, por isso, não era somado na fita, mas a testemunha não se preocupava com isso, pois nem sequer eram coisas da empresa (30,00). Foi a testemunha quem escreveu “Sr. B… para abater ao carro”, mas nem sabe que carro era e não ficava com cópia dos cheques depositados, só dos emitidos (33,00). O réu (Sr. E…) não lhe explicava porque se abatia, mas era ele quem mandava abater. A única explicação de saída foi a relativa aos 60.000 euros (51,00). No mais, não conhecia a causa dos cheques ou quem assinava aqueles que não conhecia e de que lhe davam fotocópia, como sucede com um do CPP. Guardava os cheques e a correspondência que lhe entregavam, como sucede com a que respeita a dois cheques e a um valor referente a juros, tendo escrito “depósito repetido” a mando do Sr. B…, mas sem saber da razão (64,00).A fita era feita com os depósitos, desde o início, começando no J… e a ideia era somar todo o dinheiro dado pelo B… desde o início até ao dia em que ele (B…) ia lá (à V…) para ver; foi assim que a testemunha entendeu, mas era o réu quem lhe dizia o que fazer (72,00). Em 2007, entregou a pasta à ré e a pasta deixou de ficar na empresa; o réu também já então pouco parava na empresa (79,00). Existiam alguns extratos da conta na pasta, mas a testemunha não conferia nada, davam-lhe os documentos e guardava-os (99,00). Sabe que os 60.000 euros saíram da conta em vários cheques, mas o assunto foi tratado entre o M… e o (primitivo) réu, não tendo estado presente. O réu disse que ia emprestar ao M…, que a testemunha depois ia saber e que, em casa, explicaria à ré. Depois trouxe um plano do F… e o plano dele e o M… optou por este; ele ia começar a pagar e depositava-se na conta do B…. As prestações eram pagas em cheque e, às vezes, em numerário e, ainda outras vezes, por transferência, mas estas já não passaram pela testemunha. Pensa que as prestações foram todas pagas: o M… comentou que estava tudo pago, e a testemunha não controlava. Até 2007, estava tudo na pasta... os 60.000 euros foi em 2005, pensa, mas só sabe dos depósitos até 2007 e o M… disse-lhe que pagou tudo. O plano de pagamentos terminava em 2011, mas o M… disse que pagou tudo (112,00). Entre 2006 e 2009 há depósitos que podem ter sido feitos por si, porque a ré lhe pediu (120,00). Não deu indicação errada de qualquer conta para pagamento do leasing de um carro da ré, pois não tratou da compra desse carro, só tratava dos leasings da empresa (123,00).
No tempo do réu, ajudava o autor com a conta deste na G…, atualizando a caderneta e assim controlando o saldo, mas deixou de fazer isso. Depois que entregou a pasta não mais a viu, salvo no tribunal (min. 4,30). Só somava o que lhe diziam que era para somar. Se somou algum talão que não dizia “B…” é porque o réu lhe mandou somar assim e se havia distinção dos depósitos nas contas era por ordem do Sr. E…: a testemunha não conferia os extratos, só os arquivava (12,00). Lembra-se do teor da carta de 2003 (da L…) porque... a viu no arresto (14,00). O B… olhava para a fita e dizia que estava mais ou menos como ele achava, mas não conferia os documentos e, pelo menos até 2005, não colocou qualquer questão; em todas as fitas está descontado o cheque de vinte e nove mil e tal e ele (autor) não colocou qualquer problema nem levantou objeções (19,30). O assunto do empréstimo soube pelos dois, M… e (primitivo) réu, arquivou as cópias dos cheques e viu o plano de pagamento (25,00). O M… disse-lhe, antes da compra da quota, que já tinha liquidado tudo dos 60.000: foi quando falaram de pagamentos diversos e “porque ele lhe quis dizer” (32,00). Nunca falou com o autor sobre qualquer documento nem este lhe perguntou alguma coisa (38,00). A pasta foi entregue à ré em maio ou junho de 2007, pois em setembro já tinham mudado de instalações e a ré não tinha lá qualquer pasta, nem tinha gabinete para a guardar (43,00).
Em contradita, a testemunha mantém tudo o que referiu antes e considera que não contradiz o que referiu no arresto (min. 5,00).
10 – A…. Trabalhou na V… (Ficheiro 20130301102805). Pediu dinheiro emprestado aos réus. O réu mandou-o falar com a ré e esta disse-lhe que pediu ao cunhado, com quem a testemunha não falou diretamente. Foram cinco mil euros e a ré deu-lhe um cheque. Falta ainda pagar 700 ou 750 euros. A ré disse-lhe que tinha falado com o cunhado e ele é que tinha emprestado.
11 – AB…. Empresário do ramo automóvel (Ficheiro 201303001104250). O seu depoimento refere-se à venda e avaliação de um Mercedes, sem qualquer reflexo para a impugnação da matéria de facto.
12 – P…. Irmã do autor e do falecido (primitivo) réu (Ficheiros 20130301105518 e 20130301120000). Sabe que havia uma conta dos réus onde eram movimentados os dinheiros do B…. Assistiu à sua cunhada (ré) entregar extratos bancários ao B…, depois de 2008/2009, quando o irmão (primitivo réu) começou a ficar pior (5,30). Os dois irmãos tinham uma relação de cumplicidade e as coisas funcionavam entre os dois. O irmão (réu) tinha um …; se foi passado um cheque da conta do B…, não acredita que fosse sem autorização e não acredita que o E… pudesse fazer qualquer coisa ao irmão B…: “se houve levantamentos, houve depósitos” (10,30). Uma das coisas que a desiludiu com o B… foi os réus terem sido muito maltratados pelo sócio M…; este, quando o E… ficou doente, tratou mal a (sua) cunhada e “deve ter alimentado toda esta situação” e o B… “entrou em complô” para prejudicar a ré e o D…. O M… pediu dinheiro ao E… e este falou com o B…, que ia ganhar algum com o empréstimo; se não foi na altura, foi falado posteriormente, e o B… reconheceu que o M… não lhe estava a pagar, o B… assumiu que foi ele quem emprestou o dinheiro, de acordo com todos e em seu benefício (14,00). O irmão E… telefonou-lhe a saber se estava interessada na compra do Mercedes E e o B… acabou por ficar com ele, naturalmente pelo mesmo preço, trinta e dois mil e tal euros. Depois o B… cedeu-lhe o carro e ainda pagou uma revisão. Acha que o irmão E… não ficava com dinheiro do irmão B… e o carro foi pago a este pela testemunha, durante dois anos. Quanto à avaliação do Mercedes …, tem ideia que foi de 80 e tal mil euros, mas não pode precisar. O B… assumiu o leasing (26,00). A ré comprou um Lancia e, por qualquer motivo, a prestação ia para a conta do B…, mas foi ela quem o avisou e acha que fizeram as contas (30,00). Não pode concretizar o empréstimo do B… ao D…, mas o irmão E… sempre foi cuidadoso com as contas. A ré disse ao B…, por mais de uma vez, para levar a pasta. O B… foi duas vezes a sua casa dizer que as contas não estavam certas e a testemunha aconselhou-o a ir a um contabilista e fazer os acertos com a cunhada (36,00). Nunca viu o B… ir ao multibanco, mas ele chegou a ir levantar dinheiro com o seu marido, no Algarve (42,00).
As cartas estavam abertas em casa da cunhada e foi esta que lhe disse que eram extratos bancários e entregou ao B…, e este não a contrariou. No entanto, o leasing continuou em nome do réu (min. 8,00). Em 2005, ninguém sabia diretamente nada, era tudo entre os irmãos, autor e réu. Relativamente ao empréstimo ao M… sabe o que ouviu do B…, que disse que o M… não estava a pagar, em 2009 ou 2010 (13,30). Não assistiu ao negócio do Mercedes entre os irmãos e o carro que comprou ao B…, acabou de o pagar em 2010 (29,00).
13 – Q…. Cunhado do autor e da ré (Ficheiro 20130308102731). No seu entender, o autor não tem dificuldades com o dinheiro e sabe que entregava dinheiro para uma conta dos réus, mas por causa do divórcio (min. 4,30). Desconhece se o autor ficou doente, por causa deste problema, mas viu que ele “estava fora de si” quando visitou a testemunha a queixar-se da irmã (testemunha anterior e mulher desta) e também de si (8,30). O B… ficou com o carro do (primitivo) réu, que este já tinha oferecido à mulher da testemunha, irmã de ambos. Depois o B… ficou com o Mercedes, após ter sido avaliado. Não sabe os contornos do negócio entre os irmãos, autor e réu ou como foi o pagamento (12,00). Ouviu falar ao B… que o M… se estava a atrasar nos pagamentos e a cunhada (ré) disse que o B… emprestou 60.000 euros ao M…, numa ocasião em que também estava presente o B…. Do Lancia, não sabe nada, tal como do empréstimo ao D… ou dos concretos pagamentos (19,00). Foi o B… quem disse que (o M…) se vinha a atrasar nos pagamentos (35,00).
14 – S…. Casada com o réu D… e nora da ré. Gestora de Marketing (Ficheiros 20130308110455 e 20130405102512)[3]. Casou-se m 2007, mas conhece a família desde 1997, tendo vivido em casa dos sogros no ano do casamento, altura em que o autor muitas vezes já era visita dessa casa e também passavam férias no Algarve (min. 4,00). Assistiu a conversas sobre a conta do F… que era do “tio B…”, mas estava em nome dos seus sogros por causa do divórcio. Havia outras contas e (por isso) a conta do F… não era por o autor não saber trabalhar com dinheiro, que ele carrega o telemóvel, ainda que a testemunha, efetivamente, nunca o tenha visto levantar dinheiro. Recorda-se de ver extratos bancários da conta, na cozinha (da casa da sogra) e de ter assistido à sogra a entregá-los ao autor, em 2007, quando vivia na mesma casa ou mesmo posteriormente (9,00). O autor e o seu (falecido) sogro reuniam-se várias vezes e quem tratava da contabilidade era a D. H…. A testemunha trabalhou na V… entre novembro de 2009 e novembro de 2010, e também anteriormente, e as quezílias na sociedade começaram no início deste último ano, entre o M…, o seu marido, o réu D… e mãe deste, sua sogra e ré, na sequência de a sociedade ter sido fiscalizada e multada e o M… ter querido que fosse a sua sogra a pagar a multa toda, multa que resultou da retirada de dinheiro da sociedade para fins particulares e tinha a ver com um empréstimo feito pelo B…. Foi o M… quem, numa viagem a Cuba, lhe contou o empréstimo a si feito pelo B… (13,00). As pastas particulares, incluindo a relativa ao B…, foram retiradas da empresa aquando da ação de fiscalização das Finanças; quando o seu sogro piorou, o B… ofereceu-se para ficar com ele em casa, aos sábados e a sua sogra pediu-lhe, ao B…, para levar consigo a pasta. Depois da entrega da pasta, a sogra pediu ao B… um empréstimo, por causa da multa das Finanças, e ele emprestou-lhe parte (19,00). Foi em Cuba, nas férias, que o M… disse à testemunha que estava muito grato ao B…, por causa do empréstimo; esse empréstimo era pago com os lucros da V…, retirando-se outro tanto para o outro sócio, seu sogro. O M… atrasou-se algumas vezes no pagamento, como ouviu ao B…, até a comentar com a sua sogra, que também estava preocupada, por também não receber. Depois da fiscalização das Finanças, não houve mais pagamentos, pelo menos para a sua sogra (27,00). Viu a “fita” e lembra-se de o contabilista AC… ter dito que havia duplicação de valores, mas não sabe pormenores (31,30). Sabe que o seu sogro propôs à irmã a compra do Mercedes E, mas o B… acabou por ficar com ele. Mais tarde, o seu sogro comprou o Mercedes … com o dinheiro do B…, da compra do … e com a entrega do …. Assistiu a uma conversa entre o B… e o seu sogro, nesse sentido e dela resultava que o B… passou, mandou passar um cheque, não que pagou em dinheiro o carro, pois se tivesse sido pago em dinheiro, esse dinheiro tinha de aparecer em algum lado (45,00). Depois o B… ficou com o leasing do Mercedes …, que tinha sido avaliado entre 80 a 85 mil euros, mas desconhece o valor final ou o acerto de contas que tenha sido feito (54,00). Quanto ao Lancia da sua sogra, o B… estava a par, pois ouviu conversas entre eles (58,00). A testemunha e o seu marido pediram dinheiro emprestado ao B…, depois de haverem pedido emprestado à sogra, mas esta não tinha; foi em 2008, e a sogra disse-lhes para falarem com o “tio B…”. Pagaram tudo desse empréstimo, sendo a última prestação de 7.500 euros (62,00). Assistiu à entrega de extratos (da sua sogra para o autor) em 2007 e em 2008, embora saiba que também havia documentos da via verde e que o leasing continuava em nome do sogro (69,00). Quanto foi a mudança das pastas, a testemunha já trabalhava na V… (73,30) e o que referiu sobre o empréstimo ao B… foi o que ouviu deste (83,00). Relativamente ao pagamento desse empréstimo, apenas sabe que havia um plano de pagamento e que era a V… que estava a pagar, embora não saiba se sempre aconteceu assim, mesmo até à ocasião da fiscalização das Finanças (89,00). Os atrasos do M… não pode concretizá-los, apenas ouviu conversas (94,00). As contas foram analisadas pelo contabilista quando o processo já estava em tribunal; acha que dessa análise não deram conhecimento ao B…, mas ele estava a par das contas (103,00). Mantém que foi o M… que lhe disse que pediu emprestado ao B… (110,00).
As prestações do Lancia na conta onde era depositado dinheiro do B… terão resultado de um lapso da D. H…, mas a sogra achou estranho e mostrou-se pronta a pagar as prestações e lembra-se de a sua sogra contar isso em casa (min. 3,00). Do seu empréstimo, entregou o último pagamento diretamente ao autor, estando presente o seu marido e a sua sogra e agradeceram-lhe o empréstimo, ao mesmo tempo que entregaram o papel relativo aos pagamentos, onde a sogra os apontava, e, pela confiança que existia, não iam pôr o último pagamento também no papel (9,00). Foi a testemunha quem levou o dinheiro; assistiu a dois pagamentos e levou o último (14,30).
15 – AD…. Contabilista na empresa V…, desde 2011 (Ficheiro 20130405105729). A intervenção desta testemunha surge depois da existência do processo em tribunal e a mesma procedeu à análise de documentos juntos aos autos e também dos articulados. No seu entender existem erros no processo (da parte do autor) que penalizam os réus, tratando-se de erros aritméticos que, no total e relativamente ao pedido formulado, darão uma diferença de 37.670,50€ (min. 15,30).

Ponderando toda a prova que reapreciámos e tendo em conta o objeto da impugnação da decisão sobre a matéria, importa agora fazer uma análise crítica daquela e decidir se as alterações pretendidas pelo apelante têm justificação. Neste contexto, cumpre dizer o seguinte:
1 - Contrariamente ao que refere o apelante, não pensamos que o tribunal recorrido, na análise da prova e nas conclusões que dessa análise retirou, tenha tecido (e citamos) “meras conjeturas e raciocínios sem fundamento, com conclusões partidárias, dúbias e contraditórias”. Pelo contrário, não vemos a que “conclusões partidárias” o recorrente possa referir-se ou, em rigor, o que pretenda dizer com tal expressão; não vemos que o despacho que fundou a decisão sobre a matéria de facto padece de contradições ou de falta de fundamentação. Entendemos, ao invés, e este entendimento resulta da audição de toda a prova, que o tribunal acompanhou com adequada atenção e pertinência a prestação de todos os depoimentos, intervindo sempre que achou conveniente e mostrando claramente saber o que estava em causa nos autos.
2 – Também a crítica (se assim o é), feita pelo apelante, no sentido de o tribunal não ter usado (e citamos) “um critério sequencial para dar resposta à Base Instrutória” não nos parece minimamente relevante e do modo como o tribunal respondeu à matéria (com ou sem critério sequencial, para usar os termos do recorrente) não resulta, nem para o recorrente resultou, qualquer prejuízo na compreensão do que se disse e quis dizer e na compreensão das diversas razões pelas quais o tribunal decidiu responder aos artigos da Base Instrutória, seja de modo positivo, negativo ou de forma explicativa ou restritiva.
3 – Cumpre acentuar aqui as condicionantes probatórias deste processo, às quais a 1.ª instância faz acertadas referências. Com efeito – e repetindo o que é isento de dúvida – estamos perante uma relação pessoal e próxima, surgida do relacionamento entre dois irmãos que sempre se deram bem. Estamos perante uma relação cujos contornos iniciais só o autor e o réu, este já falecido, conheciam e que ninguém mais pôde comprovar com o mínimo de certeza que se exige. Efetivamente, para além do autor e do ré, já falecido, ninguém sabe, pois ninguém soube esclarecer, qual o sentido concreto e os efetivos contornos da relação que se estabeleceu entre um e outro, quando decidiram que o autor passaria a entregar dinheiro aos réus iniciais.
4 – Ainda que a questão tenha reflexos na própria caraterização do negócio estabelecido entre os irmãos (e reflexamente também com a ré) importa desde já dizer, em sede de matéria de facto, que ninguém pôde explicar nem nenhum documento revela o verdadeiro e efetivo sentido, âmbito e alcance negociados. O dinheiro entregue pelo autor era para ser gerido pelo réu, seu irmão (e subsequentemente pela cunhada) em que sentido? Era para ser investido, total ou parcialmente? Só em depósitos ou investimentos bancários? Só numa conta à ordem ou com a melhor frutificação possível? Qualquer movimento de saída dependia de autorização do autor ou de decisão do seu irmão? E, se assim decidido, sujeita a confirmação posterior do autor ou apenas a futura prestação de contas? A prestação de contas pressupunha a fiscalização do autor ou a apenas o acordo relativamente a um saldo final? Esse saldo tinha natureza periódica e, se assim, qual era a periodicidade?
5 – As dúvidas antes apontadas têm todo o relevo na concretização das respostas aos pontos de facto constantes da Base Instrutória e o tribunal recorrido não deixa de o dizer, de um modo muito claro e fundado.
6 – Aliás, devemos dizer que depois de ouvida toda a prova e percorridos os documentos pertinentes, a que as testemunhas se referem, uma vez lida a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, não podemos deixar de dizer que acompanhamos integralmente – e independentemente das palavras concretamente usadas – essa fundamentação. Dito de outro modo, teríamos julgado da mesma maneira e pelas mesmas razões.
7 – Efetivamente, nada temos a apontar à decisão de facto que foi tomada e que – repetimos – consideramos exemplarmente fundamentada.
8 – Concretizando melhor, entendemos que a resposta ao artigo 1.º só podia ser negativa, como o foi. Com efeito, do conjunto dos depoimentos, mas também numa análise de plausibilidade, nunca se poderia dar como provado que o autor, quer pela sua formação e atividade, quer por ser titular de outra conta, quer pela fiscalização, ainda que sumária, que se demonstrou ter feito à conta titulada pelos réus, tivesse dificuldades na administração do seu dinheiro, na passagem de cheques ou no uso do multibanco, quando, além do mais, ficou evidente que a causa da conta titulada pelos réus foi efetivamente afastar a disponibilidade dos valores ou o seu conhecimento da ex-mulher do demandante, então separada deste e, mais tarde, dele divorciada.
9 – As respostas restritivas dadas aos pontos 2.º e 3.º da Base instrutória também não merecem qualquer reparo nem delas decorre a contradição apontada pelo apelante, concretamente com o ponto 19.º da mesma base. Com efeito, o facto de a relação inicial se ter estabelecido entre o autor e o primitivo réu, seu irmão, não invalida nem contradiz a confiança que o apelante tinha também na sua cunhada.
10 – Quanto ao artigo 5.º da Base Instrutória e a resposta restritiva/explicativa que ao mesmo foi dado, acompanhamos as considerações da 1.ª instância, porquanto (independentemente da irrelevância da questão, se bem vemos) a resposta mais adequada e que resulta do conjunto da prova é precisamente que o autor seguramente não possuía “todos” os extratos bancários ou talões de depósito, não havendo suporte para se afirmar, ao invés que não possuía nenhum deles e de uma conta e de outra.
11 – Relativamente ao artigo 6.º da Base Instrutória, a resposta do tribunal recorrido elimina a autoria do empréstimo à L… e explica detalhadamente porquê, quando fundamenta a decisão de facto. Pelas considerações que já fizemos (relativamente aos contornos fluídos da relação estabelecida entre o autor e o seu irmão) qualquer das respostas era possível e, por isso, ponderando o ónus de prova, acompanhamos a restrição, pois com certeza não se sabe quem efetivamente emprestou.
12 – Quanto aos pontos 10.º e 28.º (interligados) a nossa convicção é a mesma da do tribunal recorrido: o empréstimo feito ao sócio M… foi, pelo menos, consentido pelo autor, uma vez que todos os indícios revelados vão nesse sentido, desde o montante elevado, à referência à aplicação “financeira” feita pelo autor, posteriormente e até ao depoimento interessado e comprometido do referido M….
13 – O mesmo entendemos quanto às respostas dadas aos artigos 14.º e 15.º da Base Instrutória. Quanto a este último mostra-se até irrelevante a resposta restritiva, pois ela corresponde à soma das prestações já pagas (e que eram as perguntadas); quanto ao artigo 14.º, a resposta mostra-se plausível e verosímil, atento o depoimento da testemunha N…, beneficiária do empréstimo.

Concluímos, fundados em todas as considerações anteriores, que a matéria de facto não deve ser alterada, ou seja e dito de outro modo, que a pretensão formulada pelo apelante em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto se revela improcedente. Em conformidade, cumpre seguidamente transcrever a factualidade relevante, apurada pelo tribunal recorrido e aqui mantida.

2.2 – Deu-se como provada a seguinte matéria de facto, que ora se mantém:
A - Os réus eram titulares de uma conta da qual eram cotitulares no J… com o número ……………...
B - Em 30 de setembro de 2004, por acordo entre o autor e o réu E…, foi aberta uma conta no Banco F…, agência de …, …, …. Porto, com o n.º ……….., em nome de ambos os réus, na qual o autor passou a depositar dinheiro seu.
C - O saldo inicial da conta referida em B) foi de 127.500,00€.
D - Em finais do ano de 2009, a 2.ª ré, na sequência de doença degenerativa de que padece o 1.º réu, decidiu cessar a colaboração que prestava ao autor.
E - Em 24 de novembro de 2009, a ré C… transferiu para o autor o saldo existente na conta referida em B), no valor de 37.107,34€.
F - Nessa ocasião, a 2.ª ré entregou ao autor uma pasta com documentos.
G - Do valor existente na conta bancária do J… referida em A) foi emitido um cheque, com o n.º ………., no valor de 33.000,00€, em 29.10.2004 pela ré C…, para pagamento de um veículo automóvel Mercedes-Benz com a matrícula ..-..-ZC, que o autor comprou, bem como o valor do respetivo selo.
H - Em 05.03.2003, os réus emitiram um cheque n.º ………. da conta referida em A), no valor de 29.927,87€.
K[4] - A conta bancária do F… referida em B) não apresentou qualquer movimento entre 30 de setembro e 31 de dezembro de 2004.
L - Em 29.09.2005, os réus compraram um Mercedes …, emitindo o cheque n.º …….. sobre a conta bancária do F… referida em B), no valor de 38.000,00€.
M - Para pagamento da quantia referida em L), os réus efetuaram dois depósitos na conta referida em B), no valor de 10.000,00€ em 04.10.2005, e de 3.300,00€ em 02.01.2006.
N - A ré C… emitiu os seguintes cheques sobre a conta do F… referida em B): a) Cheque n.º …….., em 20.02.2006, no valor de 9.750,00€; b) Cheque n.º …….., em 21.02.2006, no valor de 9.500,00€; c) Cheque n.º ……..,em 22.02.2006, no valor de 9.250,00€; d) Cheque n.º …….., em 23.02.2006, no valor de 9.800,00€; e) Cheque n.º …….., em 24.02.2006, no valor de 8.750,00€; f) Cheque n.º ………, de 27.02.2006, no valor de 6.950,00€; g) Cheque n.º …….., de 01.03.2006, no valor de 6.000,00€.
O - Em maio de 2006, a ré C… emitiu o cheque n.º ………. de 2.500,00€, da conta do F… referida em B), para pagar a um serralheiro uma obra na sua habitação e o cheque n.º ………., da mesma conta, a favor de AE… de 9.269,81€, para pagamento de televisores plasmas que comprou para a sua habitação.
P - Em julho e agosto de 2006, e da conta referida em B), os réus efetuaram sete levantamentos de Multibanco, três de 200,00€ e três de 150,00€ e pagaram um crédito de 246,10€.
Q - De agosto de 2006 a fevereiro de 2008, foram efetuados os seguintes pagamentos através da conta bancária do F… referida em B): a) Um crédito no valor de 977,91€; b) Seis cobranças no valor de 756,71€; c) Três cobranças no valor de 763,71€; d) Uma cobrança no valor de 764,21€; e) Três cobranças no valor de 767,39€; f) Duas cobranças no valor de 769,39€; g) Quatro cobranças no valor de 772,13€.
R - Em fevereiro de 2007, os réus compraram um veículo Mercedes-Benz …, Diesel, com a matrícula ..-CX-.., por 111.000,00€.
S - Sinalizaram aquela aquisição dando à troca o Mercedes … referido em L), a que foi atribuído o valor de 32.500,00€ e a quantia de 32.180,00€, para o que sacaram o cheque n.º …….., emitido em 09/02/2007, sobre a conta do F… referida em B).
T – A ré C… solicitou ao autor que emprestasse a quantia de 30.000,00€ ao seu filho D…, o que este autorizou.
U - Para tal, sacou da conta bancária referida em B), o cheque n.º …….., emitido em 04.07.2008, no valor de 30.000,00€, cujo pagamento também assumiu pessoalmente.
V - De tal montante, o autor recebeu: a) Em 12.11.2008, a quantia de 8.500,00€; b) Em 20.11.2008, a quantia de 6.500,00€; c) Em 5.12.2008, a quantia de 7.500,00€.
W - Desde finais de 2006 o estado de saúde do 1.º réu foi-se progressivamente deteriorando, em consequência de acidentes vasculares cerebrais, enfarte do miocárdio, hipertensão arterial e diabetes.
X - Inicialmente, as manifestações externas eram essencialmente motoras, afetando a locomoção.
Y - Foi a 2.ª ré, a partir de 2007, quem passou a assinar os cheques da conta referida em B).
Z - Em fevereiro de 2008 já a dependência do 1.º réu para as atividades da vida diária, para se lavar, para se vestir, para se alimentar, era quase total.
AA - Mantinha-se lúcido.
BB - A partir de finais de 2009, o 1.º réu passou a ter uma vida vegetativa, não era capaz de articular uma única palavra, não via, não conseguia escrever, e não se sabia se percebia o que se lhe dizia.
CC - Os réus venderam ao autor um veículo automóvel Mercedes …, matrícula ..-..-UM.
DD - O veículo referido em CC) veio a ser vendido pelo autor à sua irmã P….
EE - Em 4.6.2007 foi depositada na conta bancária do F… referida em B) a quantia de 21.000,00€ pertencente ao autor.
FF - Entre 2004 e 2009 foram emitidos os seguintes cheques sobre a conta bancária do F… referida em B), a pedido ou com a autorização do autor: a) Cheques n.º …….., …….. e …….., de 6.407,50€ cada um, emitidos em 16.10.2006, relativos a um empréstimo ao seu irmão O…; b) Cheque n.º …….., em 11.02.2009, no valor de 7.500,00€; c) Cheque n.º …….., em 10.03.2009, no valor de 7.500,00€; d) Cheque n.º …….., em 15.04.2009, no valor de 2.500,00€; e) Cheque n.º …….., em 4.05.2009, no valor de 7.500,00€; f) Cheque n.º …….., em 20.05.2009, no valor de 5.000,00€; g) Cheque n.º …….., em 2.06.2009, no valor de 7.500,00€; h) Cheque n.º …….., em 2.06.2009, no valor de 2.900,00€.
GG – (2.º) - O Autor, porque confiava no primitivo réu (E…), seu irmão, a partir de 2000 passou a entregar-lhe parte dos rendimentos do seu trabalho, para que este os guardasse, depositando na sua própria conta bancária (do primitivo réu).
HH – (3.º) - A pedido do autor, o primitivo réu depositou dinheiro daquele na conta referida em A).
II – (4.º) - Assim, a totalidade do dinheiro existente na conta referida em B) era exclusivamente proveniente de depósitos de quantias pertencentes ao autor e, anteriormente, parte do dinheiro existente até finais de 2004 na conta referida em A) era também proveniente de depósitos de quantias pertencentes ao autor.
JJ – (5.º) - O autor não possuía todos os extractos bancários da conta referida em B), nem os extractos da conta referida em A), nem os talões dos depósitos efectuados nessas contas.
KK – (6.º) - O cheque referido em H) destinou-se a um empréstimo à sociedade “L…, Lda.”.
LL – (6.º-A) - A quantia referida em 6.º foi paga pela sociedade “L…, Lda.”, acrescida de juros, não tendo estes sido entregues pelos réus ao autor.
MM – (7.º) - Pela quantia titulada pelo cheque referido em H), a sociedade “L…, Lda.” pagou juros no valor de 1.392,23€.
NN – (10.º e 28.º) - No início de fevereiro de 2006, os réus informaram o autor que iriam aplicar 60.000,00€ da sua conta num empréstimo a M… pelo prazo de 5 anos, o que o autor autorizou, dando origem ao saque dos cheques referidos em N), que consubstanciaram a entrega do capital àquele mutuário.
OO – (11.º) - Os réus elaboraram um plano de pagamento da quantia de 60.000,00€, pelo qual aquele capital seria pago em 60 prestações mensais da seguinte forma:
a) As primeiras 24 prestações seriam de 1.000,00€ cada uma;
b) As restantes 36 de 1.330,00€ cada uma;
c) Todas com vencimento aos dias 15 de cada mês e com início em 15 de março de 2006 e término em 15 de fevereiro de 2011.
PP – (12.º) - Das prestações referidas em 11.º, os réus depositaram na conta bancária do F… referida em B): - 21 Prestações de 1.000,00€ cada uma, sendo a 1.ª paga em 21/03 e as seguintes nos dias 24, 30, 31, dos meses a que respeitavam ou ora aos dias 04, 03, 09, 02, 05, 27, 26 e 19 dos meses seguintes; - 7 Prestações de 1.330,00€ cada uma, sendo a 1.ª paga em 18.03.2008 e as seguintes nos dias 18.04.2008, 19.05.2008, 26.06.2008, 25.07.2008, 26.08.2008 e 26.09.2008, respectivamente; - 2 Prestações de 1.995,00€ cada uma, em 11.11.2008 e 2.01.2009; - 5 Prestações de 1.330,00€ cada uma, nos dias 3.02.2009, 6.03.2009, 16.04.2009, 13.05.2009 e 3.07.2009.
QQ – (13.º) - Para pagamento de três das prestações referidas em 11.º alínea b), a ré C… entregou ao autor, em novembro de 2009, em numerário, a quantia de 3.990,00€.
RR – (14.º) - Em setembro de 2007, os réus pediram ao autor autorização para, do seu dinheiro, emprestarem a um seu empregado, de nome N…, a quantia de 5.000,00€.
SS – (15.º) - Da quantia referida em 14.º apenas foi pago o montante global de €4.300,00.
TT – (16.º) - Desde 2004 a 2009, o autor entregou aos réus as seguintes quantias para que estes depositassem na conta bancária do F… referida em B): a) Quantia de 3.959,60€ em 11.05.2005; b) Quantia de 4.956,20€ em 6.06.2005; c) Quantia de 15.000,20€ em 12.09.2005; d) Quantia de 1.864,60€ em 13.10.2005; e) Quantia de 10.000,00€ em 19.12.2005; f) Quantia de 350,00€ em 17.01.2006; g) Quantia de 1.887,40€ em 20.02.2006; h) Quantia de 10.000,54€ em 8.05.2006; i) Quantia de 2.499,50€ em 20/06/2006; j) Quantia de 5.000,26€ em 7/08/2006; k) Quantia de 2.489,50€ em 18/09/2006; l) Quantia de 10.000,22€ em 29/12/2006; n) Quantia de 4.979,14€ em 3/09/2007; o) Quantia de 5.021,00€ em 3/09/2007; p) Quantia de 1.071,28€ em 19/01/2009.
UU – (17.º) - Entre 2004 e 2009, os valores depositados na conta referida em B) renderam o valor global correspondente à diferença entre as parcelas de juros e as parcelas dos respectivos impostos e comissões de gestão de conta/despesas bancárias, cujos montantes se encontram discriminados no documento de fls. 258 a 263.
VV – (19.º) - O autor tinha toda a confiança nos réus, seu irmão e cunhada, mantendo entre si excelentes relações de amizade.
WW – (20.º e 21.º) - O autor ficou desiludido, triste e desgostoso, por estar convencido que os réus se apropriaram de quantias que lhes entregou para lhas guardarem.
XX – (22 º) - Em fevereiro de 2009, e após mais de 36 anos de trabalho, o autor foi despedido por extinção do posto de trabalho.
YY – (23.º) - Quando os réus adquiriram o veículo Mercedes-Benz … referido em R), iam dar à troca, para além do veículo Mercedes … referido em L), o veículo Mercedes …, referido em CC), o qual foi avaliado em 32.180,00€.
ZZ – (24.º) - O autor adquiriu o veículo Mercedes … aos réus por €32.180,00.
AAA – (25.º) - Devido ao estado de saúde do 1.º réu, os réus decidiram vender o veículo Mercedes-Benz … referido em R).
BBB – (26.º) - O autor adquiriu esse veículo aos réus pelo preço de 80.000,00€, parte do qual foi pago através da assunção do pagamento das prestações vincendas do contrato de leasing que o réu havia celebrado com a X…, que então totalizavam o montante de 41.779,00€.
CCC – (31.º) - As quantias referidas em Q) dizem respeito à aquisição, em agosto de 2006, pela 2.ª ré, de um veículo Lancia ….
DDD – (35.º) - Em finais de 2008, o autor recebeu a quantia de 7.500,00€ relativa à restituição da parte restante do capital que havia mutuado ao filho dos réus, referido em T).

2.3 – Aplicação do Direito:
1.3.2 Se, uma vez alterada a matéria de facto (ou mesmo sem embargo da sua eventual não alteração) outra deve ser a aplicação do direito e com que consequências, concretamente se devem proceder integralmente, agora por via do recurso, as pretensões formuladas pelo autor.
A 1.ª instância, depois de definir o negócio jurídico celebrado entre o autor e o primitivo réu, seu irmão (um contrato de depósito (...) O objecto desse contrato era a entrega de dinheiro, que é uma coisa fungível (...). De modo que se tratou de um contrato de depósito irregular (Artigo 1205 do Código Civil), ao qual são aplicáveis, na medida do possível (de acordo com o disposto no Artigo 1206 do Código Civil), as normas relativas ao contrato de mútuo (cfr. os Artigos 1142 e seguintes do Código Civil, especialmente os Artigos 1144, 1145, n.º 2, e 1148) e de explicitar os seus contornos (teve por referência contas bancárias (instrumento jurídico através do qual o dinheiro era guardado) tituladas pelos Réus (...). É relevante o facto de ter sido convencionado pelas partes que as quantias pecuniárias que o Autor entregava aos Réus deveriam ser depositadas em contas bancárias, especialmente no que concerne à conta referida em B), uma vez que esta se destinava exclusivamente aos depósitos de quantias pertencentes ao Autor (sendo apenas provenientes deste ou a si devidas as quantias que ali efetivamente foram depositadas). Pois desse facto se pode concludentemente extrair, com toda a probabilidade, de forma tácita, a manifestação de vontade das partes no sentido de pretenderem que ficasse para o Autor (que os Réus se tenham obrigado a entregar- lhe) a remuneração (juros) da conta bancária referida em B) que viesse a ser obtida) considerou que, relativamente às quantias cuja entrega a terceiros ou consentida ou autorizada pelo autor, estava extinta “a obrigação de restituição”, atento o disposto no artigo 770, alínea a) do Código Civil (CC), porquanto “os acordos celebrados com terceiros com o acordo ou autorização do Autor (essencialmente contratos de mútuo), por força dos quais lhes eram entregues quantias pecuniárias que o Autor havia entregado aos Réus para serem depositadas na conta bancária titulada por estes, os efeitos desses contratos produziam-se diretamente na esfera jurídica do Autor.”

Em conformidade, o tribunal recorrido entendeu que os réus se obrigaram “a guardar os capitais que o Autor entregasse (neles depositasse), com a obrigação de os restituir quando tal lhes fosse solicitado, deduzidos das quantias que fossem utilizadas (sacadas, caso já tivessem sido depositadas) por instrução ou com autorização do Autor, acrescendo a esse saldo a remuneração paga pelo banco”. Por ser assim, e cessada a relação estabelecida entre as partes, “para o apuramento do montante devido é necessário contabilizar a crédito do Autor, para além do saldo inicial do depósito, os vários depósitos (entregas) e deduzir os levantamentos acordados ou autorizados (bem como a restituição de quantias que os Réus já tenham efetuado)”, uma vez que são factos constitutivos do direito do demandante “as entregas aos Réus das quantias pecuniárias depositadas, incumbindo por isso ao Autor o ónus de alegação e prova dessas entregas” e, ao invés “constituem factos extintivos do direito do Autor as ordens ou autorizações deste sobre o levantamento de quantias depositadas (...) incumbindo por isso aos Réus o ónus de alegação e prova desses factos”[5].

De seguida, a sentença aprecia que será o deve e o haver da relação estabelecida entre as partes (Depósitos efetuados; Levantamentos autorizados pelo autor e restituições efetuadas; Entrega ao autor de pagamentos efetuados por terceiros (saldo nulo); compras e vendas de veículos; saldo apurado; Rendimentos (Juros) da conta referida em B); Juros de mora; Gastos feitos pelos réus e Questões relacionadas com a conta referida em A)) e, julgando improcedente a compensação reclamada a título de danos morais, condena os réus nos termos e nas quantias que inicialmente referimos.

Nas conclusões do seu recurso, o autor, depois de impugnar a decisão sobre a matéria de facto, defende que a decisão recorrida “violou, para além do mais, o preceituado nos artigos 405, 1180, 1185, 1205, 1206 e 1142 e seguintes, todos do Código Civil” e sustenta que foi feito um errado enquadramento da factualidade, uma vez que a causa de pedir é “a devolução de tudo o que foi prestado, em virtude de um contrato consensual de mandato sem representação” e o tribunal tipificou o negócio como um depósito irregular, “que não corresponde à vontade à vontade das partes” e os apelados “não se consideravam donos daquelas quantias, bem sabendo que elas não lhes pertenciam.” De todo o modo, acrescenta o apelante, mesmo se se estivesse perante um contrato de depósito irregular, o mesmo seria nulo, por falta de forma e atenta a aplicação das regras do mútuo, e como tal deveria ter sido declarado, e tal nulidade reflete-se nos “alegados empréstimos a terceiros”. Finalmente, o autor sustenta que as contas constantes da sentença estão mal feitas.

Os apelados, por seu turno, consideram irrelevante à solução do pleito a qualificação do contrato, já que não podiam ser condenados na devolução dos montantes dos empréstimos, porque “a obrigação de restituição (se se tratar do contrato de depósito, ao abrigo do art. 1187 c) do Cód. Civil, e se se tratar de contrato de mandato ao abrigo do art. 1161 d) do mesmo diploma) encontrava-se extinta nos termos do art. 770 a) do Cód. Civil.” Defendem, ainda assim, a qualificação feita pela 1.ª instância e rebatem o argumento do apelante (que o dinheiro foi entregue para os réus o administrarem em seu próprio nome), considerando que a alegada administração foi dada como não provada, porquanto o que ficou assente é que o apelante dava dinheiro ao réu para “que ele fizesse um depósito bancário” e para esse negócio “não tem qualquer sentido a exigência de forma constante do art. 1.143 do C. Civil”, pois a equiparação feita no artigo 1.206 do CC é apenas “ na medida do possível”. Terminam a sustentar que a invocação da nulidade é abusiva e que a consequência da nulidade sempre seria a devolução de tudo o que foi prestado, mas o que agora haverá que devolver “é o saldo apurado na sentença e nada mais, até porque o recorrente não põe em causa, no presente recurso, a compensação do seu crédito com o crédito dos recorridos pelo valor dos contratos de compra e venda dos veículos.”

Vejamos.

Nos termos do Código Civil, o contrato de depósito é aquele pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e a restitua quando for exigida (artigo 1185). O depósito presume-se gratuito salvo se tiver por objeto atos que o depositário pratique por profissão (artigo 1158, n.º 1, ex vi, 1186). O depositário é obrigado, além do mais, a restituir a coisa com os seus frutos (artigo 1187, alínea c)) e não tem direito a usar a coisa depositada, nem dar em depósito a outrem, se o depositante o não tiver autorizado (artigo 1189). O depósito é irregular quando tenha por objeto coisas fungíveis (artigo 1205), como sucede quando o depositante entrega dinheiro ao depositário, e ressalvando o caso excecional de aquele pretender e convencionar que a guarda e posterior restituição tem por objeto concretas e determinadas notas. O depósito irregular é um negócio translativo do domínio, que converte a obrigação de restituição “de específica em genérica (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª edição, Coimbra Editora Limitada, 1986, pág. 783)[6]. Ao depósito irregular aplicam-se, “na medida do possível”, as normas relativas ao mútuo (artigo 1206).

Nos termos do mesmo diploma legal, o contrato de mandato é aquele pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta de outrem (artigo 1157).

Quem "realiza um ou mais negócios jurídicos em nome e por conta de outrem", atua "em representação (desse) outrem" trate-se de uma representação[7] direta, seja naqueles "casos em que o intermediário celebra negócios jurídicos em nome próprio mas por conta de outrem, não mencionando a simples existência daquele por quem negoceia, ou seja, os casos vulgarmente apelidados de representação indireta (a situação mais frequente é a do comissionista ou do mandatário sem representação) em que o "representante" atua em seu nome próprio, assumindo todos os direitos e obrigações emergentes do contrato e que mais tarde podem ser transferidas para o "principal". Neste tipo de representação, o intermediário é ele mesmo parte principal na relação com os terceiros e permanece um representante na relação com o seu próprio representado" – Helena Mota, Do abuso de Representação – Uma análise da problemática subjacente ao artigo 269.º do Código Civil de 1966, Coimbra Editora, 2001, págs. 15 e 19.

O artigo 1180 do CC consagra a figura do mandato sem representação, ou seja – como diz a epígrafe do preceito -, quando o "mandatário age em nome próprio", dizendo: "O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra, embora o mandato seja conhecido de terceiros que participem nos atos ou sejam destinatários destes". Os preceitos seguintes disciplinam os direitos adquiridos e as obrigações contraídas em execução do mandato; a responsabilidade do mandatário e a responsabilidade dos bens adquiridos pelo mandatário (artigos 1181 a 1184 do CC): "1. O mandatário é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato; 2. Relativamente a créditos, o mandante pode substituir-se ao mandatário no exercício dos respetivos direitos" (1181). "O mandante deve assumir, por qualquer uma das formas indicadas no n.º 1 do artigo 595.º, as obrigações contratadas pelo mandatário em execução do mandato; se não puder fazê-lo deve entregar ao mandatário os meios necessários para as cumprir ou reembolsá-lo do que este houver despendido nesse cumprimento" (1182). "Salvo estipulação em contrário, o mandante não é responsável pela falta de cumprimento das obrigações assumidas pelas pessoas com quem haja contratado, a não ser que no momento da celebração dos contratos conhecesse ou devesse conhecer a insolvência delas" (1183) e "Os bens que o mandatário haja adquirido em execução do mandato e devam ser transferidos para o mandante no termos do n.º 1 do artigo 1181.º não respondem pelas obrigações daquele, desde que o mandato conste de documento anterior à data da penhora desses bens e não tenha sido feito o registo de aquisição, quando esta esteja sujeita a registo" (1184).

O mandato sem representação não estava previsto, "pelo menos ostensivamente", no Código Civil de 1867, mas a doutrina já o admitia "abertamente" (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 746). Efetivamente, já Fernando Pessoa Jorge, na monografia correspondente à sua dissertação de doutoramento, o estudara com referência ao Código Civil anterior. Segundo este autor (O Mandato sem Representação (Reimpressão), Almedina, 2001, págs. 100/101; 190/191 e 411), o mandato sem representação responde a "certas necessidades sociais, perfeitamente dignas de proteção legal. Sucede, na verdade, com frequência que uma pessoa, desejando realizar certo negócio, tem interesse legítimo em não intervir pessoalmente na sua efetivação e em se manter oculto, a fim de que as outras pessoas, especialmente a parte contrária, ignorem ser ela o interessado real. A ocultação do verdadeiro interessado não é ilícita nem significa simulação; ocultar a verdade, quando não há qualquer obrigação de a manifestar nem disso deriva prejuízo injusto para outros, nada tem de imoral".[8] Mais adiante (págs. 190/191), refere: "Quando o contraente não declara, nem por qualquer modo manifesta a vontade de atuar em nome alheio, entende-se que atua em nome próprio, ainda que porventura a outra parte saiba que ele pratica o ato por conta de outrem. Como atua em nome próprio, assume a posição de parte e, em princípio, recebe na sua esfera jurídica os efeitos que decorrem do negócio (…). No fundo, o alcance da atuação em nome próprio é o de fazer projetar sobre a esfera jurídica do agente, além dos efeitos característicos da posição de parte, os de natureza pessoal: é ele quem tem legitimidade para exigir e receber o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, é contra ele que a outra parte se deve dirigir, não só para reclamar os seus créditos, como para fazer valer quaisquer ações pessoais derivadas do contrato, nomeadamente a respeitante à sua validade ou eficácia". E, definindo este negócio jurídico, diz o mesmo autor (pág. 411) que o mandato sem representação é aquele contrato "pelo qual uma pessoa (mandante) confia a outra (mandatário) a realização, em nome desta mas no interesse e por conta daquela, de um ato jurídico relativo a interesses pertencentes à primeira, assumindo a segunda a obrigação de praticar esse ato; ou, dada a noção de interposição de pessoas, como o contrato pelo qual alguém se obriga a intervir, como interposta pessoa, na realização de um ato jurídico que ao segundo respeita".

Como consequência do mandato sem representação, o mandatário, quando estão em causa direitos adquiridos em execução do mandato, é obrigado a transferi-los para o mandante (1181, n.º 1 do CC). E, um vez que, nos termos do artigo 1180 do CC, o mandatário "adquire" o direito, não pode dizer-se que o Código Civil/66 tenha consagrado a possibilidade da (chamada) projeção imediata e, por isso, no âmbito do mandato para adquirir, está consagrada a (chamada) dupla transferência: "os efeitos dos negócios não se repercutem diretamente na esfera do mandante, mas antes na esfera do mandatário, de onde terão que ser posteriormente transferidos para o mandante" (Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, 8.ª edição, Almedina, 2013, págs. 409/411),[9] seja através de uma contrato ou de um ato jurídico[10], seja, ou não, com a possibilidade de execução específica[11].
Vistas as características essenciais dos negócios jurídicos que os autos suscitam, importa dizer duas coisas: a primeira é que a decisão da causa não depende da qualificação negocial que se faça, ou seja, sempre está em causa, apenas, o apuramento do que é devido ao autor, independentemente de como se qualifique o negócio celebrado entre si e os réus, mais precisamente entre si e o seu irmão, primitivo réu. A segunda, no entanto, revela a constatação que dos factos transparece: como se disse aquando da reapreciação da matéria de facto, não foi possível apurar os contornos do alegado “mandato” conferido pelo autor ao seu irmão e, por isso, em sede fáctica, esse “mandato”, nos termos que ficaram provados, sempre foi, sendo-o apenas e sem se apurar ter sido mais, um verdadeiro contrato de depósito irregular. E se os factos o revelam, isto é, se dos factos se retira que o único contorno definidor do alegado mandato é um contrato de depósito irregular, é este negócio que deve ter-se por celebrado entre as partes, independentemente da indefinição que apresente ou do nome que os contraentes pensaram ou pretenderam dar-lhe.

Note-se que, como salientam os apelados e resulta manifesto da sentença, a tipificação do negócio, num caso ou noutro, nunca fugirá ao disposto no artigo 770, alínea a) do CC, que determina que a prestação feita a terceiro extingue a obrigação se tal tiver sido estipulado pelo credor ou por este consentido. E tenha-se em conta que o está em causa na apelação, com relevo na eventual alteração do decidido, e agora fundando-se na pretendida alteração da matéria de facto (que improcedeu) são os negócios celebrados com terceiros e a autoria destes, esta mantida nos termos (provados ou não provados) que a manutenção da decisão sobre a matéria de facto consolidou.

O apelante suscita, no entanto, o seguinte problema, decorrente da qualificação do negócio: a ser um depósito irregular, então o negócio é nulo.

Se bem vemos, segue o seguinte raciocínio: celebrou com o seu irmão, primitivo réu, um negócio que deve qualificar-se como mandato sem representação e não como depósito irregular, mas se for considerado depósito irregular (qualificação com a qual não concorda), então o negócio padece de nulidade (por falta de forma e por aplicação das regras relativas ao mútuo). Dito de outro modo, para o apelante, o negócio (que é o mesmo e é aquele que ficou provado) é válido ou nulo consoante a sua qualificação. Se o tribunal considerar que estamos perante um mandato sem representação, o negócio é válido; se o tribunal considerar que (o mesmo negócio) se traduz num depósito irregular, então já é nulo.

Admitimos que as exigências de forma do mútuo se apliquem também ao depósito irregular, porquanto num e noutro causa está em causa “sobretudo evitar a insegurança da prova testemunhal (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 785), mas não podemos admitir que o apelante, no caso concreto, invoque a nulidade do negócio celebrado, pois tal seria claramente abusivo e contrário à boa-fé. Tenha-se em conta que o recorrente diverge da matéria de facto por considerar que determinados empréstimos feitos a terceiros foram feitos por si ou então foram feitos sem a sua autorização ou sem o seu consentimento. Não tendo sido essa a conclusão da 1.ª instância, ou da Relação, não faria qualquer sentido pôr em causa a validade do depósito irregular, por razões de forma, quando o apelante pressupõe a validade do que negociou, mas não demonstra que determinados negócios (empréstimos) foram feitos à sua revelia.

Em suma, e dito de outro modo, a manutenção dos factos fixados na 1.ª instância condenaria ao insucesso a pretensão recursória, pois a decisão da ação – e do recurso – não dependem da qualificação do contrato e sempre o “encontro de contas” entre o autor e os réus, consequência da cessação do negócio (como quer que se qualifique) teria de acontecer, mesmo até (o que se não declara, pelas razões já ditas antes) se se considerasse o negócio nulo.

Refere ainda o recorrente que as contas feitas pela 1.ª instância estão mal feitas, embora esta afirmação a funde mais para a hipótese de alteração da decisão sobre a matéria de facto (o que não sucede) e, por outro lado, venha renovar o pedido formulado na ação, esquecendo que num recurso se aprecia a decisão recorrida e não propriamente o pedido formulado.

Ainda assim, e na sequência do que anteriormente deixámos dito (que a questão relevante é o “encontro de contas” entre as partes, mais do que a classificação do negócio entre elas celebrado), não podemos concordar com o que a sentença refere no ponto relativo aos “gastos feitos pelos réus”.

Com efeito, a decisão sob censura, apoiando-se no disposto no artigo 1144 do CC, considera que é “irrelevante que os réus tenham usado em seu proveito as quantias depositadas pelo autor (pois delas se tornaram proprietários) exceto na parte em que tal afetava o rendimento da conta bancária”. Dito de outro modo, os valores entregues pelo autor e que os réus gastaram em seu próprio proveito (sem que tal se traduzisse, atento os factos provados, em qualquer doação daquele a estes) passaram a ser valores propriedade dos réus e pelos quais os mesmos não têm de prestar contas.

Ora, se é certo que as coisas mutuadas se tornam propriedade do mutuário, em razão da entrega (segundo o artigo 1144 do CC), não pode esquecer-se que o contrato de mútuo obriga o mutuário a restituir tanto quanto recebeu (artigo 1142 do CC). Assim, se (agora) não estão em causa empréstimos a terceiros, autorizados ou consentidos pelo mutuante, os valores usados pelos mutuário em seu próprio proveito não podem ser descontados à obrigação de restituição, ou sequer irrelevantes para essa obrigação, antes a integram.

A sentença faz referência a esses valores e eles resultam dos factos provados, respeitando à conta referida em B), pois quanto à referida em A), considerando que foi mantida a factualidade apurada não ocorre obrigação de restituição, na medida em que se não provou que os valores nela depositados fossem apenas do autor.

Os valores em causa referem-se ao pagamento do Mercedes … (descontado da reposição parcial efetuada), ao pagamento da obra na habitação dos réus, dos televisores, das prestações do Lancia …, adquirido pela ré, e de levantamento com cartão Multibanco[12].
Assim, tendo em conta os factos provados referidos nos pontos L (Em 29.09.2005, os réus compraram um Mercedes …, emitindo o cheque n.º … sobre a conta bancária do F… referida em B), no valor de 38.000,00€); M (Para pagamento da quantia referida em L), os réus efetuaram dois depósitos na conta referida em B), no valor de 10.000,00€ em 04.10.2005, e de 3.300,00€ em 02.01.2006); O (Em maio de 2006, a ré C… emitiu o cheque n.º ………. de 2.500,00€, da conta do F… referida em B), para pagar a um serralheiro uma obra na sua habitação e o cheque n.º ………., da mesma conta, a favor de AE… de 9.269,81€, para pagamento de televisores plasmas que comprou para a sua habitação); P (Em julho e agosto de 2006, e da conta referida em B), os réus efetuaram sete levantamentos de Multibanco, três de 200,00€ e três de 150,00€ e pagaram um crédito de 246,10€); Q (De agosto de 2006 a fevereiro de 2008, foram efetuados os seguintes pagamentos através da conta bancária do F… referida em B): a) Um crédito no valor de 977,91€; b) Seis cobranças no valor de 756,71€; c) Três cobranças no valor de 763,71€; d) Uma cobrança no valor de 764,21€; e) Três cobranças no valor de 767,39€; f) Duas cobranças no valor de 769,39€; g) Quatro cobranças no valor de 772,13€) e CCC31.º (As quantias referidas em Q) dizem respeito à aquisição, em agosto de 2006, pela 2.ª ré, de um veículo Lancia …) tem que se concluir – atendendo ao disposto no artigo 1142 do CC, como se referiu – que o autor é credor, a mais, da quantia de 42.040,76€ (quarenta e dois mil, quarenta euros e setenta e seis cêntimos).

Pelas razões ditas, o recurso é parcialmente procedente.

As custas do recurso são a cargo do autor e dos réus, na proporção de 3/5 e 2/5, respetivamente e deve atender-se ao agora decidido na proporção do decaimento e vencimento nas custas da ação.

3 – Decisão:
Pelo exposto, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso na parte em que o autor impugnou a decisão sobre a matéria de facto e, no mais, julga-se o mesmo parcialmente procedente e, em conformidade, altera-se o dispositivo da sentença recorrida, nos termos que ora se determinam, sublinham-se a alteração e mantendo o mais. Assim:
Condenam-se os réus a restituírem ao autor o montante de 52.739,36€ (10.698,60€ + 42.042,76€), acrescido das seguintes quantias, a liquidar em execução de sentença:
a) O valor global correspondente à diferença entre as parcelas de juros e as parcelas dos respectivos impostos e comissões de gestão de conta/despesas bancárias, cujos montantes se encontram discriminados no documento de fls. 258 a 263; e
b) O montante proporcional ao valor apurado na alínea anterior (que respeita ao saldo de 37.107,34€), relativamente à quantia de 52.739,36€ (cálculo da remuneração líquida que seria obtida sobre este montante, na proporção correspondente à que for liquidada relativamente ao montante de 37.107,34€).
A essas quantias acrescem juros de mora à taxa de juro supletiva legal aplicável aos juros civis (que é de 4% ao ano), contados desde 24/11/2009.
Absolvem-se os réus do mais peticionado.

Custas do recurso pelo apelante e pelos apelados, na proporção de 3/5 e 2/5, respetivamente, e atendendo-se ao ora decidido na ponderação do vencimento e decaimento das custas da ação.

Porto, 15.02.2016
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Carlos Querido
___________
[1] Que segue de perto o relatório constante da decisão recorrida.
[2] E fazendo preceder o dispositivo, acabado de citar, da seguinte “SÍNTESE – OS PEDIDOS”, a qual, pelo seu interesse para a apreciação do recurso, se transcreve, omitindo-se o que seria apenas repetitivo: “Em face do exposto, a ação tem, inelutavelmente, de proceder apenas parcialmente (...) Deste modo, procedem apenas parcialmente, nos sobreditos termos, os pedidos das alíneas b) e d). Relativamente ao restante peticionado, não há fundamento que permita a sua procedência, pelo que nessa parte os Réus terão de ser absolvidos do pedido. Com efeito, o pedido da alínea a) parte do pressuposto errado de que o depósito das quantias na conta dos Réus transmite para o Autor a titularidade da conta, quando na verdade tais entregas transferem para os Réus a propriedade sobre tais quantias, pelas razões supra referidas. De resto, uma conta bancária constitui a expressão materializada de um contrato de depósito bancário (que também é, por sua vez, um contrato de depósito irregular), constituindo, por isso, meros direitos de crédito. Sendo, por isso, insuscetível de apropriação – cfr. o Artigo 1302 do Código Civil. Razões pelas quais é manifesto que o pedido da alínea a) nunca poderia proceder. O pedido da alínea c) não pode proceder, uma vez que respeita às prestações que terceiro (M…) se obrigou a pagar como forma de restituição do capital que lhe foi mutuado (no montante global de €60.000,00) com autorização do Autor, referido nos Artigos 10.º e 28.º e na alínea N) dos factos provados. Ora, conforme se referiu supra, produziam-se diretamente na esfera jurídica do Autor os acordos que com a sua autorização eram celebrados pelos Réus com terceiros, por força dos quais lhes eram entregues quantias pecuniárias (que o Autor havia entregado aos Réus para serem depositadas na conta bancária titulada por estes) – como é o caso do contrato de mútuo acima referido, que foi celebrado pelos Réus com o acordo do Autor. Pois nesses casos o contraente é o Autor e não os Réus (os quais agiam como meros representantes – mandatários – daquele), não recaindo sobre estes a obrigação de restituir o capital mutuado, mas apenas a obrigação de entregar ao Autor as quantias que fossem restituídas pelos mutuários. Como tal, não podem os Réus ser condenados a pagar ao Autor montantes que o mutuário (o referido M…) não lhes entregou – sendo certo que não se provou que o mutuário tenha entregado aos Réus as prestações peticionadas identificadas na referida alínea c). O pedido da alínea e) improcede por falta de nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo Autor e qualquer conduta (por ação ou omissão) que possa ser imputada aos Réus, pelas razões supra referidas. Não há elementos nos autos que permitam concluir que o Autor tenha litigado de má-fé.”
[3] Igualmente com depoimento no Ficheiro 20130417102740, que se refere à acareação entre esta testemunha e as testemunhas M… e H…. Fazemos apenas esta referência, uma vez que, na aludida acareação todas as testemunhas mantiveram os seus anteriores depoimentos.
[4] Mantém-se a identificação feita na 1.ª instância, que omite as alíneas I e J.
[5] Acrescentando-se na sentença ora sob censura: “Relativamente à entrega ao Autor de pagamentos efectuados por terceiros, no caso de respeitarem à restituição de quantias que tenham sido entregues a terceiros com autorização do Autor (designadamente empréstimos), há que contabilizar esses montantes simultaneamente a crédito do Autor (por pressuporem o recebimento pelos Réus das correspondentes quantias pagas por terceiro a favor do Autor) e a débito (porque com a entrega de tais montantes ao Autor se extingue, na parte correspondente, a obrigação de restituição que impendia sobre os Réus) – ou seja, os pagamentos efectuados ao Autor que pressuponham o recebimento pelos Réus do pagamento dessas quantias efectuado por terceiros, são contabilisticamente neutros (porque se trata de montantes cuja restituição ao Autor pressupõe que as mesmas hajam sido recebidas de terceiros pelos Réus)”.
[6] Sobre a natureza jurídica do depósito bancário, M. Januário da Costa Gomes, Contratos Comerciais, Almedina, 2013, págs. 178/179.
[7] Sobre o problema da representação no contrato, Inocêncio Galvão Telles, Manual do Contratos em Geral, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2002, págs. 419 e ss., em especial, págs. 423/425 e também Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição atualizada, Coimbra Editora, 1996, págs. 535 e ss. Na pág. 538 refere que pode haver mandato sem representação "quando o mandatário não recebeu poderes para agir em nome do mandante; age por conta do mandante, mas em nome próprio: é o caso (…) e do contrato de mandato sem representação, cuja regulamentação foi introduzida pelo novo Código Civil (art. 1180.º)".
[8] Este, que segundo Pires de Lima e Antunes Varela, constitui o "problema geral da admissibilidade ou não admissibilidade do mandato sem representação e da interposição de pessoas que lhe está inerente" resolve-se na afirmação da licitude da interposição, "porque é real e verdadeira, e não fictícia ou simulada e porque não há interesse jurídico, social ou moral em a proibir " (Código Civil Anotado, Volume II… cit., pág. 747)
[9] Pessoa Jorge defendia, ao contrário do que veio a consagrar o CC/66, a teoria da projeção imediata e afastava a tese da dupla transferência: "Quer se encare este princípio sob o ponto de vista da proteção aos interesses da outra parte ou de terceiros – que confiaram na aparência de o mandatário ser o verdadeiro interessado e, portanto, o real destinatário do efeito do ato que praticou – quer se encare sob o aspeto da pretensa inoponibilidade ao mandante daquele ato, não vemos que tal princípio possa admitir-se em termos absolutos " (O mandato sem representação… cit. pág. 307)
[10] Pessoa Jorge, admitindo a repercussão direta no mandante do negócio celebrado pelo mandatário, defendia que o (segundo) ato transmissivo não podia ser um contrato (compra e venda, doação…) uma vez que seria inequivocamente simulado, mas não é esse o entendimento doutrinal dominante – Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações… cit., págs. 410/411, nota 932. Fernando Pessoa Jorge, ob. cit., págs. 317 e Miguel Galvão Teles, Obrigação de Emitir Declaração Negocial (1963-2012), Almedina, 2012, pág. 21.
[11] Afastando claramente a execução específica: Ac. STJ de 22.01.2008 (dgsi), onde pode ler: "Daí ser de concluir que a doutrina do mencionado art. 830, nº 1, só é aplicável naqueles casos em que a obrigação de celebrar um contrato resulta de um contrato promessa. Neste sentido tem decidido a jurisprudência deste Supremo (Ac. S.T.J. de 11-5-00, Bol. 497-357, que seguimos de perto; Ac. S.T.J. de 11-6-80, Bol. 298-287)". Em sentido diferente, entre outros, Manuel Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, pág. 35, nota 125.
[12] E apenas estes. Com efeito, não está em causa o empréstimo de 30.000,00€ referido na alínea T) da matéria de facto e relativamente ao qual se dá como assente que a ré assumiu pessoalmente o seu pagamento. É que só aparentemente tal empréstimo podia suscitar o problema da insuficiência da qualificação do negócio jurídico como simples depósito irregular (quando já esclarecemos a irrelevância prática da qualificação do negócio). Efetivamente, como resulta dos factos, conciliando a matéria fixada na alínea V) com a resposta positiva ao artigo 35.º da Base Instrutória, o empréstimo foi integralmente pago, isto é, houve restituição integral do valor depositado/mutuado, pelo qual a ré se responsabilizou.