Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
501/11.5TTVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: SUCESSÃO DE PRESTADORES DE SERVIÇO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
DENÚNCIA DO CONTRATO
PERÍODO EXPERIMENTAL
Nº do Documento: RP20140217501/11.5TTVRL.P1
Data do Acordão: 02/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Tendo em atenção as classificações legais das actividades económicas e, mesmo, a consideração empírica de que são substancialmente diversas as actividade de recolha e transporte a destino final de resíduos sólidos urbanos, limpeza urbana de espaços públicos, por um lado, e de gestão, manutenção e apoio a edifícios e instalações, ao nível da área administrativa, de recepção, portaria e vigilância, limpeza de interiores e sanitários e limpeza de espaços exteriores de edifícios, por outro, é de concluir que quem se dedica à primeira não se mostra vinculado pelo instrumento de regulamentação colectiva destinado a regular as relações laborais estabelecidas com quem se dedica à segunda, por via de uma Portaria de Extensão que torna extensivo a todas as empresas que exerçam no território do continente a “actividade económica por ele abrangida e aos trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nele previstas”.
II – Embora a mera sucessão de prestadores de serviços no exercício de uma actividade não corresponda a uma transmissão de estabelecimento, pode detectar-se em algumas situações a aptidão para o exercício de uma actividade económica, designadamente quando o segundo assuma a maioria ou o essencial dos efectivos que o primeiro afectava aquela actividade, pois que em algumas actividades o principal substracto de uma empresa é o seu “capital humano”, as aptidões dos seus trabalhadores, e não tanto os meios materiais de que estes se servem.
III – A cessação do contrato operada pelo empregador por motivos que não foram fundados na faculdade de denúncia prevista no artigo 114.º do Código do Trabalho, nem numa conduta do trabalhador justificativa dela, deve ser considerada um despedimento ilícito e não uma denúncia no período experimental.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 501/11.5TTVRL.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B… intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra C… e D…, Lda., pedindo:
“a) Ser declarado ilícito o despedimento do Autor.
b) Ser a 1ª Ré condenada a pagar ao Autor a quantia global € 12.910,59 (Doze mil novecentos e dez euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal em vigor.
Subsidiariamente, caso assim não se entenda, considerando-se que não ocorreu a cessão do contrato de trabalho celebrado entre Autor e a 2ª Ré para a 1ª Ré, deverá:
A) Ser declarado ilícito o despedimento do Autor.
B) Ser a 2ª Ré condenada a pagar ao Autor as quantias descritas em 30º, 31º e 39º supra, num total de € 11.935,98 (Onze mil novecentos e trinta e cinco euros e noventa e oito cêntimos) – (€ 7.325,52+ € 610,46+ € 4.000,00), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal.”
Em fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese: que foi admitido em 01 de Setembro de 2003 ao serviço da 2ª R. D…, mediante contrato de trabalho a termo certo, que veio a converter-se em contrato de trabalho sem termo, para exercer as funções de manobrador de viaturas, tendo sempre conduzido o camião do lixo, mediante a remuneração de € 551,67, acrescida de € 4,49/dia a título de subsídio de alimentação; que em 24 de Agosto de 2011 recebeu uma comunicação da 2ª R. dando-lhe conhecimento que o contrato de prestação de serviços que vigorava entre a mesma e a autarquia de Mondim de Basto iria cessar e que tais serviços seriam adjudicados à 1ª R., pelo que por via da cláusula 17ª do CCT aplicável, o contrato de trabalho do A. se transmitiria para esta demandada a partir do dia 01 de Setembro de 2011; que começou a trabalhar por conta da 1ª R. nesta data, prosseguindo a sua habitual actividade de condutor do camião do lixo, observando um horário de trabalho semelhante; que no dia 09 de Setembro de 2011, tendo terminado o serviço pelas 21h00 horas, apresentou-se uma colaboradora da 1.ª R. que lhe apresentou um contrato de trabalho a termo certo, com início de vigência em 01 de Setembro de 2011 e termo em 31 de Agosto de 2012, em que se previa o pagamento de um salário de € 500,00 e um período experimental de 30 dias, o que se recusou a subscrever por diminuir a remuneração e violar a sua antiguidade; que nos dias seguintes já não lhe foi permitido iniciar a sua actividade, não lhe tendo sido distribuído qualquer serviço, apesar do A. se ter apresentado à hora habitual para ocupar o seu posto de trabalho, pelo que remeteu à 1ª R. três comunicações, via postal, solicitando-lhe que esclarecesse a sua situação, tendo a mesma respondido em 29 de Setembro, recusando a existência de qualquer contrato de trabalho que tivesse sido transmitido para si e despedindo-o ilicitamente deste modo; que auferia à data da cessação a quantia mensal de € 610,46, tendo 8 anos de antiguidade; que sofreu danos morais com o despedimento, e que estão ainda em dívida a remuneração devida pelo trabalho prestado em Setembro de 2011 e os demais créditos laborais vencidos com a cessação do contrato.
Realizada audiência de partes, na qual não foi possível a conciliação entre as mesmas, a R. D… apresentou contestação na qual alegou, em síntese: que foi adjudicatária da prestação de serviços de recolha dos resíduos sólidos urbanos do concelho de Mondim de Basto de 1998.11.12 a 2011.08.31, e antes deste contrato terminar, a R. teve conhecimento que o referido município havia deliberado adjudicar este mesmo contrato à 1.ª R.; que comunicou a esta que a situação configurava o conceito de perda de local de trabalho, de acordo com a cláusula 17ª do CCT publicado no BTE 1ª Série, nº 12, de 29/03/2004 e Portaria de Extensão nº 478/2005 de 13/05, pelo que deveria assumir todos os trabalhadores que prestavam serviço no âmbito daquele contrato de prestação de serviços, identificando ainda todos os trabalhadores, nos quais se incluía o A.; que em 2011.08.31 procedeu ao pagamento ao A. de todos os créditos laborais que até então se tinham vencido, desconhecendo o sucedido posteriormente entre aquele e a 1.ª R e que, estando o A. ao seu serviço há mais de 120 dias e não tendo tido qualquer promoção de categoria nos 120 dias anteriores à transmissão, transitou para a 1ª R., pelo que deverá ser absolvida dos pedidos pelo mesmo formulados.
Também a R. C… apresentou contestação na qual veio a alegar, em suma: que lhe foi adjudicado, em concurso público, o contrato de recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos com o município de Mondim de Basto, não tendo existido qualquer transmissão de estabelecimento comercial; que o CCT referido pela R. D… não se aplica, quer porque não é filiada em qualquer uma das associações que o subscreveram, quer porque o CAE da actividade a que se destina é o CAE …..-.. correspondente à recolha, tratamento e eliminação de resíduos não perigosos, não podendo ser abrangida pela Portaria de Extensão invocada; que quando iniciou a sua actividade para o município de Mondim de Basto contratou a empresa de trabalho temporário E…, para proceder à contratação de pessoal, tendo a mesma contratado alguns trabalhadores que já haviam trabalhado para a anterior adjudicatária D…, mas no regime de utilização de trabalhadores de trabalho temporário, não tendo existido qualquer transmissão do vínculo jurídico entre estas empresas; que o A. não quis aceitar o contrato que lhe foi proposto pela E… e, ainda que se pudesse considerar que existiu uma prestação de trabalho, por parte do A., ao seu serviço entre os dias 01 e 09 de Setembro de 2011, inexistiu qualquer despedimento ilícito, já que a cessação configurou uma denúncia do contrato no período experimental, sem necessidade de invocação de justa causa, nem direito a indemnização. Pugna pela improcedência da acção e pela sua absolvição dos pedidos formulados pelo A.
O A. respondeu a ambas as contestações nos termos de fls. 61 e ss e 173 e ss.
Foi fixada a matéria de facto assente, bem como organizada a base instrutória. Depois de certificada nos autos a insolvência da R. D…, por sentença transitada em julgado em 5 de Julho de 2012 (fls. 199 e ss.), a massa insolvente veio requerer a extinção da instância por inutilidade da lide, o que foi indeferido por despacho proferido a fls. 217.
Realizou-se audiência de julgamento em 22 de Abril de 2013, após o que foi decidida a matéria de facto em litígio (fls. 226 e ss.) e proferida sentença em 20 de Junho de 2013, a qual terminou com o seguinte dispositivo:
«[…]
Tudo visto e atento o acima exposto, julga-se a presente procedente por provada e em consequência declara-se ilícito o despedimento movido pela demandada C… ao aqui demandante e em conformidade condena-se a mesma demandada a pagar-lhe a quantia de € 20.145,18 (vinte mil cento e quarenta e cinco euros e dezoito cêntimos), acrescidos dos respectivos juros de mora, vencidos à taxa legal desde a data da citação, bem como dos vincendos até integral pagamento.
Absolve-se a 2ª R. D…, Lda. dos pedidos formulados pelo A.
Fixa-se aos autos o valor de € 12.910,59.
Custas pela 1ª demandada C….
[…]»

Por despacho autónomo proferido em 21 de Junho de 2013 (fls. 244-245), foi rectificada a sentença com invocação do disposto no artigo 667.º do Código de Processo Civil e apreciou-se o pedido indemnizatório por danos não patrimoniais formulado pelo A. na petição inicial, concluindo-se pela sua improcedência.
1.2. A R. C…, inconformada interpôs recurso da sentença em 15 de Julho de 2013, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1. Para se aferir da extensão e consequente alargamento do âmbito pessoal de uma CCT, e para se aferir qual o sector económico a que se destina uma CCT, ter-se-á que interpretar conteúdo expresso quer da CCT, quer da Portaria de Extensão, Para tanto, dever-se-á lançar mão das regras da hermenêutica jurídica5 “…a interpretação e a integração das convenções colectivas seguem as regras próprias de interpretação e de integração da lei, com cedências subjectivas quando estejam em causa aspectos que apenas respeitem às partes que as hajam celebrado.”
2. A recente Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2012 de 31-10-2012, veio clarificar os critérios de emissão de uma Portaria de Extensão, em função da necessidade de evitar interpretações excessivamente literais da letra das Portarias de Extensão, pondo fim à ambiguidade e pouca clarificação do dispositivo das PE A Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2012 de 31-10-2012 constitui uma verdadeira norma interpretativa quanto ao âmbito de aplicação e abrangência de destinatários das portarias de extensão e constitui, também, uma interpretação autêntica, feita pelo pleno do órgão do Governo com competência orgânica para emitir as Portarias de Extensão. E a Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2012 de 31-10-2012 impõe que a Portaria de Extensão deva mencionar, especificadamente, o sector ou subsector da actividade económica, de acordo com a Classificação Portuguesa, das Actividades Económicas.
3. O CCT celebrado entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o STAD–Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Profissões Similares e Actividades Diversas e outros, publicado no BTE nº 12/2004 de 29/03/2004, alvo de Portaria de Extensão nº 478/05 de 13/05; e o CCT celebrado entre a APFS e o FETESE, publicado no BTE nº 15 de 22/04/2008, alvo da Portaria de Extensão nº 1519/08 de 24/12 e revisto em 28/2/2010, BTE nº 8 de 28/2/2010 não são aplicáveis ao sector económico de actividade a que se dedica a recorrente e, consequentemente, não são aplicáveis à aqui recorrente, que assim não está sujeita à sua regulação normativa.
4. Em ambos os CCT acima referidos foi parte contratante como Associação Patronal a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares que mudou a sua designação, posteriormente, para APFS - Associação Portuguesa de Facility Services, (BTE, nº 2 de 15/1/2008: http://bte.gee.mineconomia. pt/completos/2008/bte2_2008 .pdf) Ao invés, do lado sindical, as Associações Sindicais que foram parte nos CCT são: no CCT publicado no BTE nº 12/2004 de 29/03/2004 foi o STAD–Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Profissões Similares e Actividades Diversas e outros; e no CCT publicado no BTE nº 15 de 22/04/2008, revisto em 28/2/2010, BTE nº 8 de 28/2/2010, foi a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores dos Serviços e outros.
5. Todas as partes contratantes dos dois CCT acima referidos dedicam-se ao sector económico de actividade de “actividades administrativas e dos serviços de apoio a edifícios”, integrada na Secção N do Decreto-Lei n.º 381/2007 de 14 de Novembro. Na última revisão do CCT outorgado entre a APFS e a FETESE, de 28/2/2010, publicada no BTE nº 8 de 28/2/2010, as partes contratantes concretizaram e clarificaram o sector económico de actividade a que se destina o CCT afirmando no nº 2 da cláusula primeira que: “O presente CCT obriga, por um lado, todas as empresas representadas pela Associação Portuguesa de Facility Services que se dediquem às actividades de gestão e manutenção de edifícios, de higiene e limpeza em edifícios, em equipamentos industriais e noutro tipo de instalações, de desinfecção, desratização e similares, de plantação e manutenção de jardins, de prestação de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas, nomeadamente recepção, atendimento telefónico e secretariado…..” Nessa medida a Portaria de Extensão nº 1519/08 de 24/12 tem a sua extensão limitada ao sector económico de actividade expressamente fixado e delimitado naquele no nº 2 da cláusula primeira do CCT. Situando-se esse sector de actividade claramente circunscrito à gestão, manutenção e apoio a edifícios e instalações, ao nível da área administrativa, de recepção, portaria e vigilância, ao nível da manutenção de edifícios, limpeza de interiores e sanitários, limpeza de espaços exteriores de edifícios, e electricidade; um sector de actividade que tem o seu campo de eleição na Hotelaria, Restauração e apoio a instalações físicas de empresas e de outras entidades.
6. Conforme resultou provado no facto nº 19 da Sentença, a recorrente “dedica-se à actividade de recolha, transporte e tratamento de resíduos sólidos urbanos, com o CAE .....-...” A actividade da recorrente consiste em recolher os contentores do lixo, transferindo os resíduos para veículos pesados especialmente adequados a essa recolha e, após a recolha dos resíduos, a recorrente procede ao seu transporte para os locais de tratamento e destino final, Alguns resíduos são transportados para aterro sanitário e outros resíduos são transportados para Ecocentros, para tratamento, reciclagem e valorização. Existem, também, resíduos sólidos que os utentes não depositam nos respectivos contentores e que acabam espalhados pela via pública. Nestes casos a recorrente procede à recolha manual para um contentor portátil, para depois ser transportado ao destino final. De acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 381/2007 de 14 de Novembro o CAE 38112 corresponde à “Recolha, tratamento e eliminação de resíduos não perigosos”, correspondendo à Secção “E” - Captação, tratamento e distribuição de água; saneamento, gestão de resíduos e despoluição.
7. O sector económico de actividade dos resíduos tem o seu enquadramento legal na “Lei Quadro” prevista no Decreto-Lei 178/2006 de 5-09, que criou a Autoridade Nacional de Resíduos, e prevê, no seu enquadramento legislativo, a existência de um “Mercado de Resíduos”, em que a sua gestão adequada contribui para a preservação dos recursos naturais, quer ao nível da Prevenção, quer através da Reciclagem e Valorização, além de outros instrumentos jurídicos específicos, considerado nas suas vertentes, ambiental e como sector de actividade económica, e dos desafios que se colocam aos responsáveis pela execução das políticas e a todos os intervenientes na cadeia de gestão, desde a Administração Pública, passando pelos operadores económicos até aos cidadãos, em geral, enquanto produtores de resíduos e agentes indispensáveis da prossecução destas políticas. Resultante da Lei-quadro dos Resíduos, a elaboração e aplicação de um Plano Nacional de Gestão de Resíduos e o cumprimento integral dos Planos Estratégicos de Gestão dos Resíduos são medidas de política de Ordenamento do Território e de Ambiente, aconselhada para o prosseguimento dos princípios de sustentabilidade, transversalidade, integração, equidade e da participação. O actual Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU II) encontra-se regulado na Portaria 187/2007 de 12 de Fevereiro. O sector dos resíduos é regulado pela Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos ERSAR (www.ersar.pt) A ERSAR define o sector de resíduos da seguinte forma: “O sector de serviços de resíduos compreende as actividades de recolha, tratamento e destino final dos resíduos urbanos. Estes serviços são considerados de interesse geral, essenciais ao bem-estar dos cidadãos, à saúde pública, às actividades económicas e à protecção do ambiente. http://www.ersar.pt/website/ViewContent.aspx?FolderPath= %5cRoot%5cContents%5cSitio%5cMenuPrincipal%5cSector&Section=MenuPrincipal&SubFolderPath=
8. Não existe qualquer relação, cruzamento ou interligação entre o sector económico da recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos e o sector económico da administração, gestão, manutenção e apoio de edifícios. O sector económico de actividade a que se dedica a recorrente não é, de todo, enquadrável no sector económico de actividade previsto, pensado e regulado nos CCT outorgados pela APFS com o STAD e a FETESE. Cremos, assim e com a devida vénia, que o Tribunal “a quo” fez uma interpretação meramente literal e truncada da palavra “limpeza”, alargando de forma excessiva o âmbito de aplicação dos CCT e respectivas Portarias de Extensão, Ao ponto de decidir pela aplicação daqueles CCT a um sector económico de actividade que, a nosso ver, não tem correspondência com o sector económico de actividade pensado e previsto para aqueles CCT.
9. Também a recorrente não pode concordar com o entendimento do Tribunal “a quo” de que pelo facto de naqueles CCT estarem previstas profissões que a aqui recorrente utiliza na sua actividade, tais como motoristas e cantoneiros de limpeza, os CCT são, também por isso, aplicáveis à recorrente, porque, de facto, quer a profissão de motorista, quer a profissão de cantoneiro de limpeza estão previstas em várias dezenas de diferentes CCT que nada têm que ver com o sector económico de actividade a que se destinam os dois CCT invocados pelo Tribunal “a quo”, São vários e diferentes os sectores de actividade económica que justificam a existência de idênticas profissões, tais como manobrador de viaturas ou de motorista, como é o caso do autor, que estão previstas em vários CCT de diferentes sectores económicos de actividade, designadamente no CCT outorgado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE, 1ª série, nº 9, de 08.03.1980 e alterações posteriores, ou mesmo nos CCT aplicáveis ao sector da construção civil. As profissões previstas nos diferentes CCT não constituem, por si só, critérios diferenciadores do sector económico de actividade a que se destinam os respectivos CCT.
10. A propósito desta clarificação de diferentes sectores económicos de actividade e das diferentes profissões, já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 02-12-2010, no processo nº 108/07.1TTBGC.P1.S1, em que foi Relator o Ex.mo Conselheiro VASQUES DINIS, que considerou que: “…são bem distintas a actividade de prestação de serviços de limpeza e a actividade de recolha de resíduos, não podendo considerarse similares, para efeito de determinação do sector económico em que se inserem.”
11. Também não nos podemos conformar com a afirmação e conclusão que o Tribunal “a quo” faz, de que a recorrente, em resultado do caderno de encargos do contrato outorgado com o Município, está obrigada à limpeza e lavagem dos contentores e à limpeza e varredura urbana, e que, portanto, essa função cai no âmbito de regulação dos CCT invocados. Os contentores constituem utensílios e instrumentos de trabalho da recorrente e que têm como objectivo receber lixo doméstico e outro equiparado, sendo esse lixo, na sua quase totalidade, orgânico e que entra em decomposição natural, daí que os contentores tenham que ser lavados e desinfectados, por razões de salubridade e saúde pública, A limpeza e desinfecção dos utensílios de trabalho é uma função que é transversal e comum a todos os sectores de actividade económica e não constitui um elemento diferenciador dos diversos sectores de actividade económica, nem tal função poderá ser tida como exclusiva do sector de actividade a que se destinam os CCT invocados pelo Tribunal “a quo”, A limpeza e varredura urbana das vias e espaços públicos consiste na recolha dos resíduos para um contentor portátil, ou por aspiração mecânica para a cuba de um veículo, para depois ser transportado a destino final, dos resíduos, que, por várias razões, não foram colocados directamente nos contentores e se encontram espalhados na via pública. Por outro lado, não se pode ignorar que o Concelho de Mondim de Basto é um Concelho essencialmente rural e com um reduzido espaço dito “urbano”, sendo, por conseguinte, esses espaços públicos e passeios manifestamente reduzidos.
12. O vínculo laboral do Autor com a 2ª Ré D..., Lda não se transmitiu para a aqui recorrente.
13. Município de Mondim de Basto iniciou um concurso público através do Anúncio de procedimento n.º 5874/2010, publicado no Diário da República de 23 de Dezembro de 2010, Número 247, II Série, Parte L, com o objecto de “Prestação de Serviços de Recolha e Transporte a Destino Final de Resíduos Sólidos Urbanos, Limpeza Urbana de Espaços Públicos e Outros, no Concelho de Mondim de Basto” Esse concurso público tem por base legal o Decreto-lei 18/2008 de 29 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo D.L 278/2009 de 2-10, pela Lei 3/2010 de 27-04, pelo D.L. 131/2010 de 14-12, pela Lei 64-B/2011 de 30-12 e pelo D.L 149/2012 de 12-07, Como legislação especial que é, contém regras e normas especiais, especificamente delimitadoras e definidoras da concreta relação contratual que se gera entre os respectivos contratantes, O quadro negocial de direitos e obrigações a que as partes contratantes estão sujeitas é delimitado e definido pelo conjunto das suas normas especiais e em lado nenhum do conteúdo do contrato outorgado com o Município de Mondim a aqui recorrente se obrigou a assumir quaisquer contratos de trabalho ou vínculos laborais pré-existentes, e muito menos, vínculos laborais com uma antiguidade como a do Autor destes autos, Se a aqui recorrente soubesse, à partida, que ao contratar com o Município teria que assumir contratos de trabalho com uma antiguidade tal que lhe implicassem o pagamento de encargos e indemnizações do montante a que agora foi condenada, certamente que o preço final da sua proposta a concurso teria de ser outro mais elevado, Assim, a Decisão Judicial ora em crise, a manter-se, vem adicionar encargos à recorrente não perspectivados nem previstos na sua proposta que apresentou ao concurso público, e que extravasam todo o circunstancialismo factual e jurídico em a recorrente fundou a sua decisão de contratar com o Município de Mondim de Basto.
14. Se por mero dever de patrocínio e por mera hipótese académica, se considerasse que o CCT invocado pelo Tribunal “a quo” seria aplicável à aqui recorrente (o que não se admite como se expôs acima), sempre haveria de considerar-se que a definição de local de trabalho prevista nos art.ºs 13º e 15º daquele CCT é demasiado vaga e, como tal, deverá ser interpretada tendo por referência o sector económico de actividade abrangido pelas respectivas partes contratantes, que se confina às actividades administrativas e de serviços de apoio a edifícios. Daí que, o local de trabalho a que se refere tal definição não pode deixar de ser um determinado edifício ou uma determinada instalação física, ainda que englobem o seu espaço exterior, Ao invés, cremos que tal definição não pode tomar-se como que querendo referir-se à divisão Administrativa do País, como que querendo referir-se ao território geográfico de uma Freguesia, de um Concelho, de um Distrito, de uma Província ou, no limite, do País, até porque, este território geográfico administrativo abrange propriedade pública e propriedade privada, abrange domínio do Município e domínio que não é do Município, Pelo que nunca se acharia preenchido o requisito de perda de local e trabalho daquele CCT.
15. Impugna-se os factos provados sob os nºs 10,13,16, por não serem inteiramente rigorosos e correctos, uma vez que, A recorrente ofereceu ao Autor o trabalho de motorista e este só não ficou a trabalhar com a recorrente porque não quis, tendo-se recusado a outorgar o contrato que havia acordado outorgar inicialmente e por via da empresa de trabalho temporário E.... Só nessa medida é que começou a desempenhar as funções de motorista de camião do lixo. Conforme foi provado pelos depoimentos das testemunhas F... e G..., (Cfr. últimos dois parágrafos do Despacho de resposta à matéria de facto)
16. Ainda por mero dever de patrocínio e na hipótese meramente académica de soçobrarem as conclusões acima expostas, dever-se-á dizer que critério de fixação da indemnização por ilicitude de despedimento em 45 dias por cada ano de antiguidade, sempre seria manifestamente excessivo, se considerarmos que a recorrente cria e crê, de boa-fé, que o vínculo laboral do Autor não se havia transferido para si; que a recorrente lhe ofereceu uma proposta de trabalho e que foi o Autor que não aceitou o emprego; que o Autor nada perdia em ter ficado a trabalhar e ter a sua remuneração mensal, podendo, ainda assim, intentar a acção judicial contra as Rés para apreciação da mesma questão objecto dos autos. Atento estes considerandos, o eventual grau de ilicitude do alegado despedimento pela recorrente sempre deveria se considerado reduzido, devendo o critério a fixar para cálculo do valor da indemnização nunca ultrapassar os 15 dias por cada ano de antiguidade, nos termos do disposto no art.º 391º nº 1 do Código do Trabalho.
17. O Tribunal “a quo” não determinou em que data considerou efectivado o considerado despedimento ilícito, parecendo ter considerado que tal ocorreu em 04-10-2011, Se assim foi, deveria o Tribunal “a quo” ter descontado a parte da remuneração prevista no art.º 390º nº 2 b) do Código do Trabalho, uma vez que a presente acção judicial foi intentada para além de 30 dias após aquela data, tendo assim violado esta norma legal.
Termos em que e sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que absolva a aqui recorrente dos pedidos, Por ser de Inteira Justiça»
1.3. A Massa Falida de D…, S.A. apresentou contra-alegações (fls 279 e ss.), nas quais concluiu que:
«1ª A douta sentença que foi objecto de recurso é perfeitamente idónea em face do que ficou provado, tendo abordado serenamente a problemática em discussão e assim abarcado aquilo que estava em conflito, tanto do ponto de vista legal como dando também nota de jurisprudência atinente e confirmativa da decisão de fundo que foi tomada.
2ª O Município de Mondim de Basto iniciou um concurso público com o objecto de prestação de serviços de recolha e transporte a destino final de resíduos sólidos, limpeza urbana de espaços públicos e outros, no concelho de Mondim de Basto, no qual participou a recorrente.
3ª Recorrente essa que se dedica à actividade de recolha, transporte e tratamento de resíduos sólidos urbanos, sendo que do seu objecto social consta a realização do contrato de prestação de serviços de recolha e transporte a destino final de resíduos sólidos urbanos, limpeza urbana de espaços públicos e outros, o concelho de Mondim de Basto, adjudicado pelo Município de Mondim de Basto.
4ª A recorrente substituiu nessa prestação de serviços a contra-alegante e aqui recorrida, sendo certo que à matéria em discussão é aplicável o CCT publicado no BTE nº 12 de 28/03/2004, que impõe ao novo empregador que substitui o anterior a obrigação de ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço.
5ª Existindo todavia um outro CCT que igualmente abrange a situação em análise, posterior e publicado no BTE nº 15 de 22/04/2008, o certo é que ambos os CCT foram alvo de portarias de extensão, sendo pois aplicáveis à recorrente mesmo que não esteja esta integrada nas entidades subscritoras.
6ª Verifica-se a necessidade de conferir ao trabalhador a necessária estabilidade do seu local de trabalho, como dispõe o Acórdão da Relação do Porto de 19/12/2012, in www.dgsi.pt.
7ª A douta sentença esteve muito bem e deve ser mantida, pois fez correcta aplicação da lei e dos demais normativos que lhe são respeitantes.
Termos em que, muito respeitosamente, deve o recurso interposto improceder e a douta sentença se manter inalterada, com todas as demais consequências legais aplicáveis, assim se fazendo douta e serena Justiça»
1.4. Também o A apresentou contra-alegações, nas quais adere aos fundamentos constantes das contra-alegações da Massa Falida de D…, S.A. e pugna pela improcedência do recurso.
1.5. O recurso foi admitido por despacho de fls. 291.
1.6. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta defendeu no seu douto Parecer que deve ser rejeitado o recurso na parte relativa à impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, no mais, sustenta que deve ser negado provimento ao recurso.
Apenas a recorrente se pronunciou sobre este Parecer, discordando do seu teor, nos termos de fls. 306 e ss.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013[1], de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com a análise:
1.ª – da observância, pela recorrente, dos requisitos legais para a impugnação da matéria de facto;
2.ª – da impugnação da decisão de facto quanto aos factos que ficaram a constar dos pontos 10., 13. e 16. da sentença;
3.ª – de saber se deve aplicar-se ao caso sub judice o Contrato Colectivo de Trabalho publicado no BTE nº 12/2004 de 29 de Março de 2004, celebrado entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Profissões Similares e Actividades Diversas e outros, ou o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a FETESE e APFS, publicado no BTE nº 15 de 22 de Abril de 2008, ambos alvo de portarias de extensão – o primeiro pela Portaria nº 478/05 de 13/05 e o segundo pela Portaria nº 1519/08 de 24/12;
4.ª – de saber se a R., ora recorrente, deve ser considerada a entidade empregadora do A., ora recorrido, a partir de 1 de Setembro de 2011;
5.ª – do valor da indemnização de antiguidade;
6.ª – do desconto das retribuições intercalares vencidas até 30 dias antes da propositura da acção.
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3. Fundamentação de facto
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3.1. Quanto à impugnação da decisão de facto.
A recorrente afirma a sua intenção de impugnar a matéria de facto e estrutura as alegações apresentadas demonstrando o seu inconformismo com a decisão de que esteve vinculada ao A. através de um contrato de trabalho, invocando que a sentença “padece de errada e incorrecta apreciação da matéria de facto face à prova testemunhal e documental produzida” e, “por lógica decorrência”, que a sentença “enferma de clamoroso erro de julgamento na interpretação da matéria de facto, errando consequentemente na interpretação e aplicação das correspondentes normas de direito”.
A propósito dos requisitos para a impugnação da matéria de facto, estabelece o artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lei processual aplicável à data em que foram produzidas as alegações[2] o seguinte:
«Artigo 685.º-B
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
4 - Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores.
5 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A.»
Para sindicar o cumprimento destas especificações legais, cabe ter presente o objectivo da sua previsão.
Com as normas relativas à interposição de recurso e apresentação da motivação, o legislador pretendeu criar um conjunto de regras de natureza prática a observar pelos recorrentes e que permitam ao tribunal ad quem apreender de forma clara, as razões que levam o recorrente a atacar a decisão recorrida, de modo a que possam ser apreciadas com rigor (nem mais, nem menos do que é pedido, com ressalva das matérias de conhecimento oficioso).
Assim, o critério subjacente à definição da conformidade das conclusões com o comando dos artigos 685.º-A e 685.º-B do CPC está necessariamente relacionado com a respectiva aptidão para exercerem a sua função delimitadora e sinalizadora do campo de acção interventiva do tribunal de recurso. É esta função das conclusões que legitima a existência de normas processuais que as exijam.
Na mesma lógica delimitadora e sinalizadora da intervenção do tribunal de recurso se situam os requisitos legais para a impugnação da matéria de facto, cuja inobservância, atenta a especificidade desta impugnação, justifica a rejeição do recurso no que se refere a tal matéria.
No caso em análise, a recorrente especificou nas suas alegações e conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados: os factos 10., 13. e 16. elencados na sentença.
E diz que os mesmos não são “inteiramente rigorosos e correctos”, uma vez que, ofereceu ao A. o trabalho de motorista e este só não ficou a trabalhar com a recorrente porque não quis, tendo-se recusado a outorgar o contrato que havia acordado outorgar inicialmente e por via da empresa de trabalho temporário E… e só nessa medida é que começou a desempenhar as funções de motorista de camião do lixo, “conforme foi provado pelos depoimentos das testemunhas F… e G…”.
Se este referência pode considerar-se ser uma especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo que entende determinarem uma decisão diversa da recorrida quanto aqueles pontos, a verdade é que a recorrente de modo algum indica, muito menos “com exactidão”, tal como exige o n.º 2 do artigo 685.º-A, “as passagens da gravação daqueles depoimentos “em que se funda”, não procedendo também à sempre possível transcrição dos excertos que entende serem relevantes.
A este propósito, limita-se a remeter para o despacho que motivou as respostas aos quesitos (que não constitui, naturalmente, um meio de prova), omitindo um qualquer exercício de análise dos depoimentos e deixando sem suporte argumentativo a alteração que pretende, o que inviabiliza a apreciação do recurso.
Aliás, em boa verdade, a recorrente não chega a explicitar quais os factos, dos que ficaram relatados nos pontos 10., 13. e 16., que pretendia ver provados, ou não provados.
E debalde se procura no corpo da motivação do recurso uma melhor explicitação dos fundamentos da impugnação da decisão de facto, pois que a alegação a este propósito produzida (fls. 267-267), transcrita quase integralmente nas conclusões, padece das mesmas deficiências.
De acordo com a parte final do corpo do artigo 685.º-B, n.º1 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não é possível o aperfeiçoamento das conclusões quando não se cumpram as especificações legais previstas no artigo 685.º-B (regime este que foi assumido pelo artigo 640.º, n.º 1 do NCPC).
Esta maior exigência do legislador tem plena justificação uma vez que, dirigindo o recorrente a sua pretensão a um tribunal que não intermediou a instrução da causa e que vai julgar o facto em circunstâncias de maior dificuldade na apreensão da prova, deve cumprir com rigor e precisão as exigências legais, sinalizando correctamente o que pretende, e não limitar-se a uma manifestação inconsequente de inconformismo[3].
Impõe-se, assim, a rejeição do recurso no que diz respeito à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
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3.2. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
1.A 1ª R. é um agrupamento complementar de duas empresas, respectivamente, a H…, S.A. e a I…, Lda., que se dedica à prestação de serviços de recolha e transporte a destino final de resíduos sólidos urbanos, limpeza urbana de espaços públicos e outros no concelho de Mondim de Basto, prestação de serviços que lhe foi adjudicada pelo referido município, por contrato outorgado entre ambos em 30/08/2011.
2.A 2ª R. dedica-se essencialmente à actividade de prestação de serviços de limpeza e de recolha de resíduos sólidos urbanos, seu transporte a destino final, bem como ao desenvolvimento e realização de trabalhos na área da construção civil e obras públicas.
3.O A. foi admitido por contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de 3 meses, pela aqui 2ª R., em 01/09/2003, tendo o mesmo por via das sucessivas renovações passado a contrato de trabalho por tempo indeterminado, para sob as ordens, direcção e fiscalização da mesma R., executar as funções de manobrador de viaturas.
4.As funções exercidas pelo A. foram sempre as de motorista de pesados, conduzindo o “camião do lixo”.
5.Com o vencimento mensal inicial ilíquida de € 551,67, acrescida de subsídio de refeição diário de € 4,49, sendo ultimamente de € 610,46 acrescido de idêntico subsídio de alimentação.
6.Com o horário estipulado de 2ª a 6ª feira das 05h00 às 12h00 e aos sábados das 05h00 às 10h00 horas, mas que desde o início da vigência do seu contrato era, nos meses de Janeiro a Junho, de 2ª a sábado, das 14h00 às 21h30 ou 22h00 horas e nos meses de Julho e Agosto sempre até às 22h00 horas.
7.A 2ª R. enviou em 18/08/2011 ao A. uma carta, que este recepcionou em 24/08/2011 - cfr. doc. de fls. 38 - cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido – onde lhe comunicou que face à cessação do contrato de prestação de serviços de resíduos urbanos de Mondim de Basto, deveriam contactar a 1ª R. como sua futura entidade patronal.
8.O A. começou, a partir de 01/09/2011, a trabalhar como condutor de veículos pesados, sob as ordens e direcção da 1ª R., cumprindo um horário semelhante ao que tinha anteriormente pela 2ª R., antecipando apenas a entrada e a saída em cerca de ½ hora.
9.No dia 09/09/2011, o A. apresentou-se no local de trabalho, pelas 13h30 horas, tendo terminado o seu serviço pelas 21h00 horas, com uma primeira descarga às 18h00 horas e uma segunda pelas 21h00 horas.
10.Nesse dia, apresentou-se no local uma colaboradora da 1ª R. que lhe apresentou um contrato de trabalho a termo certo, com início de vigência a 01/09/2011 e termo em 31/08/2012, em que se previa uma remuneração mensal de € 500,00 e um período experimental de 30 dias, tendo dito ao A. para o assinar, sob pena de não o fazendo deixar de ter trabalho no dia seguinte.
11.Como o A. se recusou a assinar tal contrato, no dia 10/09/2011, já não lhe foi distribuída qualquer tarefa, tendo-se o A. apresentado, no entanto, todos os dias ao serviço.
12.O A. dirigiu à 1ª R. 3 cartas, a 20/09/2011, 27/09/2011 e 03/10/2011, todas elas recepcionadas pela demandada, em que solicitava o esclarecimento da sua situação enquanto trabalhador dessa empresa.
13.Tendo a 1ª R. respondido ao A. por carta datada de 29/09/2011, recepcionada pelo mesmo em 04/10/2011, recusando a existência de qualquer vínculo laboral com o mesmo – cfr. doc. de fls. 56 a 58, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.
14.Atento o conteúdo desta missiva o A. já não se apresentou ao serviço no dia 05/10/2011.
15.O A. vive da ajuda de terceiros e de familiares, sendo o seu salário o único rendimento do seu agregado familiar, estando o seu cônjuge desempregado há muitos anos.
16.A 1ª R. não liquidou ao A. o salário referente ao mês de Setembro e aos dias de Outubro de 2011 em que trabalhou, nem os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal relativo ao trabalho prestado nesse mesmo ano.
17.O Município de Mondim de Basto iniciou um concurso público através de anúncio de procedimento nº 5874/2010, publicado no DR de 23/12/2010, nº 247, II Série, parte L, com o objecto de prestação de serviços de recolha e transporte a destino final de resíduos sólidos urbanos, limpeza urbana de espaços públicos e outros, no concelho de Mondim de Basto.
18. A esse concurso concorreu a aqui 1ª R. tendo-lhe sido adjudicado o objecto do mesmo.
19.A 1ª R. dedica-se à actividade de recolha, transporte e tratamentos de resíduos sólidos urbanos com o CAE …..-...
20.A 1ª R. quando iniciou a sua actividade no município de Mondim de Basto, contratou com a empresa de trabalho temporário E…, S.A., novos contratos de utilização laboral de algumas pessoas que já haviam trabalhado por conta da 2ª R.
21.A 2ª R. é uma empresa que tem por objecto social a prestação de serviços de limpeza, tendo-lhe sido adjudicada a prestação de serviços de recolha de resíduos sólidos urbanos do concelho de Mondim de Basto, a qual vigorou entre 12/11/1998 e 31/08/2011.22.Em 18/08/2011 a 2ª R. comunicou à 1ª R., por carta registada com A/r, que a perda da prestação de serviços integrava o conceito de perda de local de trabalho e que deveria assumir com os trabalhadores que ali prestavam serviço, identificando-os.
23. A 1ª R. em 14/09/2011, endereçou uma comunicação à 2ª R. informando também que alguns dos funcionários não se enquadravam no conceito de trabalhadores que prestam normalmente serviço no local de trabalho há mais de 120 dias, nos quais não se inseria o aqui A.

[...]».
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4. Fundamentação de direito
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4.1. Da aplicabilidade dos instrumentos de regulamentação colectiva invocados na sentença
4.1.1. Tendo em consideração a data em que se verificaram os factos que integram a causa de pedir da presente acção, o regime jurídico a atender é o constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (entrado em vigor no dia 17 de Fevereiro de 2009 de acordo com o artigo 2.º da Lei), cujo artigo 7.º, n.º 1 estabelece que o Código é aplicável aos efeitos dos factos ocorridos na sua vigência, ainda que esses factos possam ter tido início em momento anterior
No caso, embora os factos se verifiquem na sequência de uma relação jurídica laboral vigente desde 2003, é discutido qual o instrumento de regulamentação colectiva aplicável em Setembro de 2011 – data em que a R. C… assumiu a prestação de serviços de recolha e transporte a destino final de resíduos sólidos urbanos, limpeza urbana de espaços públicos e outros no concelho de Mondim de Basto (factos 17. e 18.) – e para o futuro da relação.
Deste modo, a determinação da convenção colectiva de trabalho aplicável deverá fazer-se à luz do regime do Código do Trabalho de 2009, por ter ocorrido na sua vigência o facto que determinou, na óptica do autor – que foi acolhida na sentença da 1.ª instância –, a alteração da configuração da sua relação laboral que determina a aplicação do invocado instrumento de regulamentação colectiva.
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4.1.2. A principal dissidência entre as partes desta acção reporta-se à questão de saber se se deve aplicar-se ao caso sub judice o Contrato Colectivo de Trabalho publicado no BTE nº 12/2004 de 29 de Março de 2004, celebrado entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Profissões Similares e Actividades Diversas e outros, ou o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a FETESE e APFS, publicado no BTE nº 15 de 22 de Abril de 2008, ambos alvo de portarias de extensão – o primeiro pela Portaria nº 478/05 de 13/05 e o segundo pela Portaria nº 1519/08 de 24/12.
A primeira instância veio a concluir que, por força das referidas portarias de extensão, o CCT em apreço é aplicável às relações de trabalho estabelecidas entre o autor e a ré considerando, em suma, o seguinte:
«[…] quanto à questão da inexistência de filiação, quer da demandada nas associações patronais que subscreveram estes contratos colectivos, quer do trabalhador que nem sequer invoca ser filiado nos sindicatos que outorgaram os mesmos acordos, a mesma fica absolutamente arredada, face ás portarias de extensão que consideraram ser de proceder à generalização das cláusulas destes mesmos contratos aos trabalhadores do sector.
Quanto à aplicabilidade á aqui 1ª demandada por via da actividade a que esta se dedica, também se considera que dúvidas não podem existir que a mesma, atento o objecto a que aquela se dedica (supra transcrito da sua certidão permanente), e o conteúdo do caderno de encargos a que se obrigou por força do contrato de prestação de serviços que celebrou com o Município de Mondim de Basto, se inclui na área de actividade abrangida pelo referido CCT e que visa, precisamente, acautelar a estabilidade dos postos de trabalho ocupados pelos trabalhadores da limpeza que se encontram abrangidos por contratos de prestação de serviços celebrados com terceiros e que podem determinar, como no caso concreto, alteração da entidade empregadora.
A circunstância da limpeza a que a demandada C… e a sua antecessora D…, Lda. se dedicam, por conta do contrato celebrado com o Município de Mondim de Basto, ser de vias públicas ou de espaços públicos e de todos os contentores e utensílios relacionados com a recolha de resíduos sólidos, não afasta em nosso entender, a aplicação deste contrato colectivo de trabalho, já que contém a componente de limpeza como uma das principais actividades deste contrato de prestação de serviços, uma vez que o seu escopo é o manter limpas as vias públicas e os demais espaços que se encontram sob gestão da autarquia.
Mais.
Quer num, quer noutro CCT acima referidos, se prevêem categorias profissionais ali descriminadas, nas quais se insere o aqui A. enquanto motorista e os seus colegas enquanto cantoneiros de limpeza, lavadores de viaturas, etc, pelo que também por este motivo torna-se claro que a previsão legal destes acordos colectivos pretendia abranger todos os trabalhadores de limpeza, fossem eles afectos a locais públicos ou privados.
[…]»
Na sequência destas considerações, a sentença veio a lançar mão, concretamente, do CCT publicado no BTE nº15 de 22 de Abril de 2008 (que entendeu aplicável por via da Portaria de Extensão nº 1519/08 de 24/12), e que prevê na sua cláusula 15ª que “a perda de um local de trabalho” por parte da empregadora não integra o conceito de caducidade nem de justa causa de despedimento (n.º 1) e que, em caso de perda de um local de trabalho, o empregador que tiver obtido a nova empreitada “obriga-se a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço” (n.º 2), pelo que considerou que o contrato de trabalho do A. se transferiu para a ora recorrente.
A recorrente discorda deste entendimento, essencialmente, por entender que tais instrumentos de regulamentação colectiva não são aplicáveis ao sector económico de actividade a que se dedica e, consequentemente, não lhe são aplicáveis.
Vejamos.
4.1.3. Uma convenção colectiva de trabalho constitui um acordo celebrado entre associações sindicais e associações de empregadores (ou uma pluralidade de empregadores, ou um empregador) que visa regular, quer as relações individuais de trabalho, quer as relações que se estabelecem directamente entre as entidades celebrantes.
A convenção colectiva baseia-se na Constituição que concede às associações sindicais competência para exercerem tal direito colectivo de acordo com o que prescreve o art. 56º da Lei Fundamental.
Além disso, constitui uma fonte de direito do trabalho - cfr. o art. 1º do Código do Trabalho.
As normas das convenções colectivas condicionam directamente o conteúdo dos contratos de trabalho por elas abrangidos na medida em que preenchem o que não foi previsto pelos respectivos sujeitos e em que se substituem às disposições contratuais individualmente clausuladas que forem menos favoráveis aos trabalhadores - cfr. o artigo 476.º do Código do Trabalho.
No que diz respeito ao âmbito pessoal de aplicação das convenções colectivas, a regra delimitativa básica consiste no chamado “princípio da dupla filiação”: as convenções colectivas obrigam apenas aqueles que, durante a respectiva vigência, estiverem filiados ou se filiarem nas entidades outorgantes (associações de empregadores e sindicatos) e ainda os empregadores que outorguem directamente, nos casos dos acordos colectivos de trabalho e dos acordos de empresa.
Este princípio encontra-se plasmado no art. 496.º do Código do Trabalho nos termos do qual a convenção colectiva “obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associações de empregadores celebrantes, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante”.
Como resulta do disposto no art. 492.º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho, além da exigência da “dupla filiação” (que justifica a obrigatoriedade de se fazer menção no texto da convenção da designação das entidades celebrantes), a definição pessoal dos destinatários da CCT infere-se, ainda, da menção obrigatória no instrumento de regulamentação colectiva do respectivo “âmbito do sector de actividade”, o que nos reconduz ao sector de actividade económica que a convenção pretende abranger.
A normação plasmada na convenção colectiva pode, contudo, alargar-se total ou parcialmente, nos termos do artigo 514.º do Código do Trabalho.
De acordo com o n.º 1 deste preceito, “[a] convenção colectiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento”.
As Portarias de Extensão são regulamentos normativos emanados da Administração (portaria ministerial) que alargam a aplicação das convenções (artigo 516.º do Código do Trabalho).
Em suma, as convenções colectivas de trabalho obrigam os empregadores que as subscrevem e os inscritos nas associações signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes – artigo 496º do Código do Trabalho – e o âmbito da aplicação que é traçado no seu texto pode ser estendido, por portaria, a empregadores e trabalhadores do mesmo sector de actividade e profissional – artigo 514.º do mesmo Código.
4.1.4. No caso sub judice, está arredada a questão da aplicabilidade directa das citadas convenções às relações individuais de trabalho em causa nos autos, pois que nos articulados nada foi alegado a respeito da filiação da Ré na associação de empresas que as outorgou e as sucessivas alterações, nem a respeito da filiação do A. nas associações sindicais que as subscreveram ou em associações por elas representadas, matéria sobre a qual não foi, por isso, feita prova.
Quanto à aplicabilidade das referidas convenções colectivas de trabalho por via das portarias de extensão que foram a propósito emitidas, o Supremo Tribunal de Justiça teve já ocasião de se pronunciar em aresto de 2010.12.02 (processo n.º 108/07.1TTBGC.P1.S1), e fê-lo nos seguintes termos:
«Entre as datas em que os Autores foram admitidos ao serviço da Ré e as datas em que as acções foram instauradas, as relações laborais do sector económico que compreende a «prestação de serviços de limpeza e outras actividades similares» estiveram — como continuam a estar — subordinadas a regulamentação colectiva estabelecida, designadamente, no Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o STAD — Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Profissões Similares e Actividades Diversas e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª Série, n.º 8, de 28 de Setembro de 1993, com alterações de índole salarial e outras, publicadas no BTE, 1.ª Série, n.º 7, de 22 de Fevereiro de 1994; n.º 9, de 8 de Março de 1995; n.º 8, de 29 de Fevereiro de 1996; n.º 7, de 22 de Fevereiro de 1997; n.º 9, de 8 de Março de 1998; n.º 8, de 29 de Fevereiro de 2000; n.º 7, de 22 de Fevereiro de 2001; n.º 9, de 8 de Março de 2002; n.º 9, de 8 de Março de 2003; e n.º 12, de 29 de Março de 2004 (alterações e texto consolidado), com rectificação publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 32, de 29 de Agosto de 2004.
(…)
O conteúdo normativo do referido CCT, e subsequentes alterações, foi tornado extensivo a todas as empresas que exerçam no território do continente a actividade económica por ele abrangida e aos trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nele previstas, pelas Portarias de Extensão (PE), publicadas, respectivamente, no BTE, 1.ª Série, n.º 19, de 22 de Maio de 1993; n.º 18, de 15 de Maio de 1994; n.º 30, de 15 de Agosto de 1995; n.º 26, de 15 de Julho de 1996; n.º 25, de 8 de Julho de 1997; n.º 29, de 8 de Agosto de 1998; n.º 1, de 8 de Janeiro de 2001; n.º 32, de 29 de Agosto de 2001; n.º 22, de 15 de Junho de 2002; n.º 21, de 8 de Junho de 2003; e pelo Regulamento de Extensão aprovado pela Portaria n.º 478/2005, de 13 de Maio, publicada no Diário da República, 1.ª Série e também no BTE, 1.ª Série, n.º 17, de 8 de Maio de 2005.
Na cláusula 1.ª do mencionado CCT, estipulou-se que o mesmo «obriga, por um lado, todas as empresas representadas pela Associação de Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e, por outro lado, os trabalhadores ao seu serviço representados pelos sindicatos outorgantes, cujas funções sejam correspondentes às profissões definidas no anexo» (n.º 1); e que as partes outorgantes «obrigam-se a requerer em conjunto ao Ministério do Emprego e da Segurança Social a extensão deste CCT por alargamento de âmbito a todas as entidades patronais que, em território nacional, se dediquem, à prestação de serviços de limpeza ou outras actividades similares, ainda que subsidiária ou complementarmente à sua actividade principal, e aos trabalhadores ao seu serviço» (n.º 2).
A questão que importa resolver é a de saber se a actividade económica a que a Ré, aqui recorrida, se dedica integra, de algum modo, a “prestação de serviços de limpeza ou outras actividades similares”.
Não discutiram as partes que essa actividade da Ré é, conforme resulta do documento de fls. 184, a de “recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos”, classificada no mesmo documento sob a menção “90030 Limpeza pública, despoluição e actividades similares”.
O Decreto-Lei n.º 182/93, de 14 de Maio, aprovou a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas (abreviadamente, CAE — Rev. 2), anexa ao mesmo diploma, organizada por secções, divisões, grupos, classes e subclasses.
Na Secção K, designada “Actividades imobiliárias, alugueres e serviços prestados às empresas”, incluiu, na Divisão 74 – “Outras actividades de serviços prestados principalmente às empresas”, Grupo 747 “Outras actividades de serviços prestados principalmente às empresas” , Classe 7470, a Subclasse 74700 – “Actividades de limpeza industrial”; e, no Grupo 748 – “Outras actividades de serviços prestados principalmente às empresas”, Classe 7484 – “Outras actividades de serviços prestados principalmente às empresas, n. e.”, a Subclasse 74842 – “Outras actividades de serviços prestados principalmente às empresas, n. e.”
Na Secção O, designada “Outras actividades de serviços colectivos, sociais e pessoais”, na Divisão 90, Grupo 900, Classe 9000, sob a denominação “Saneamento, higiene pública e actividades similares”, incluiu as Subclasses 90001 – “Recolha e tratamento de águas residuais”, 90002 – “Gestão de resíduos e limpeza pública em geral”, e 90003 – “Gestão de outros resíduos e actividades relacionadas, n. e.”.
A CAE — Rev. 2 foi substituída pela CAE Rev. 2.1, anexa ao Decreto-Lei n.º 197/2003, de 27 de Agosto, que manteve a anterior nomenclatura, no que respeita à Secção K, mas alterou a Secção O – “Outras actividades de serviços colectivos, sociais e pessoais”, na qual ficou a constar o seguinte: Divisão 90, Grupo 900 – “Saneamento, limpeza pública e actividades similares”, Classe 9001, Subclasse 90010 – “Recolha e tratamento de águas residuais”, Classe 9002, Subclasse 90020 – “Recolha e tratamento de outros resíduos”, Classe 9003, Subclasse 90030 – “Limpeza pública, despoluição e actividades similares”.
Finalmente, o Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de Novembro, procedeu à revisão da Classificação Portuguesa das Actividades Económicas, adoptando a CAE — Rev. 3 e cometendo ao Instituto Nacional de Estatística o encargo de aprovar as tabelas de equivalência entre a CAE — Rev. 2.1 e a CAE — Rev. 3.
A CAE Rev. 3 inscreveu na Secção E (Captação, tratamento e distribuição de água; saneamento, gestão de resíduos e despoluição), Divisão 38 (Recolha, tratamento e eliminação de resíduos; valorização de materiais), Grupo 381 (Recolha de resíduos), Classe 3811 (Recolha de resíduos não perigosos), a Subclasse 38112 (Recolha de outros resíduos não perigosos).
E na Secção N (Actividades administrativas e outros serviços de apoio), Divisão 81 (Actividades relacionadas com edifícios, plantação e manutenção de jardins), Grupo 812 (Actividades de limpeza), Classe 8121, Subclasse 81210 (Actividades de limpeza geral em edifícios), Classe 8122, Subclasse 81220 (Outras actividades de limpeza em edifícios e em equipamentos industriais), Classe 8129 (Outras actividades de limpeza), Subclasse 81291 (Actividades de desinfecção, desratização e similares), e Subclasse 81292 (Outras actividades de limpeza, n. e.).
Atendendo a estas referências extraídas das sucessivas versões da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, é de concluir que são bem distintas a actividade de prestação de serviços de limpeza e a actividade de recolha de resíduos, não podendo considerar-se similares, para efeito de determinação do sector económico em que se inserem.
No Sistema de Informação da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas (em www.sicae.pt), a Ré figura, com o Número de Identificação de Pessoa Colectiva 502755369, incluída no CAE principal 38112 (Recolha de outros resíduos não perigosos), que de acordo com a tabela de correspondências aprovada pelo Instituto Nacional de Estatística (em www.ine.pt), corresponde, parcialmente, aos serviços compreendidos no código 90020 da CAE Rev. 2.1 (Recolha e tratamento de outros resíduos).
Ora os instrumentos de regulamentação colectiva acima referidos contemplam a actividade económica de prestação de serviços de limpeza e outras similares.
É certo que, como referem os recorrentes, por via das alterações do CCT publicadas no BTE, 1.ª Série, n.º 8, de 29 de Fevereiro de 1996, foi criada a categoria de cantoneiro de limpeza — o trabalhador que, normal e predominantemente, executa serviços de limpeza em arruamentos e zonas da via pública —, que não figurava na versão original da convenção colectiva.
Todavia, o facto de uma empresa que se dedica à recolha de resíduos, no âmbito do saneamento público, ter ao seu serviço trabalhadores com essa categoria, não tem, por si só, virtualidade para a classificar em sector económico que compreende a prestação de serviços de limpeza no âmbito da prestação de serviços de apoio relacionados com edifícios, no qual se incluem serviços de portaria, vigilância, limpeza, domésticos e profissões similares, pois se este sector pode justificar a existência de cantoneiros de limpeza, outros sectores de actividade económica pode haver em que essa existência também se justifique, sem que as actividades económicas respectivas deixem de ser distintas.
Conclui-se deste modo que a Ré não pertence ao sector económico a que se refere a regulamentação colectiva em causa, não estando, por conseguinte, as relações laborais estabelecidas com os Autores sujeitas à respectiva disciplina.»
Não vemos razões para nos afastar da doutrina afirmada neste douto acórdão cujas considerações, por isso, sufragamos integralmente,
Com efeito, a Portaria de Extensão expressamente invocada pela sentença recorrida, a Portaria nº 1519/08 de 24/12 (in D.R. n.º 248, Série I de 2008-12-24), estabelece no seu art. 1.º que:
“1 — As condições de trabalho constantes do contrato colectivo de trabalho entre a Associação Portuguesa de Facility Services e a FETESE — Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 15, de 22 de Abril de 2008, são estendidas, no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a actividade económica abrangida pela convenção e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nele previstas;
b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a actividade económica referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço das mesmas profissões e categorias profissionais não representados pelas associações sindicais outorgantes.
2 — (…).”
Por seu turno o CCT a que se reporta a Portaria (celebrado com a FETESE, in BTE n.º 15 de 2008) define o seu âmbito de aplicação estabelecendo que “obriga, por um lado, todas as empresas representadas pela Associação Portuguesa de Facility Services que se dediquem à actividade de prestação de serviços de limpeza e jardinagem e, por outro, os trabalhadores ao seu serviço representados pelos sindicatos outorgantes cujas funções sejam as correspondentes às profissões nele definidas” (art. 1.º).
O mesmo se passa com o outro CCT referido na sentença (celebrado com o STAD, in BTE n.º 12 de 2004), que traça o seu âmbito de aplicação de modo similar por referência à actividade exercida pelas empresas representadas pela referida associação de empregadores “no sector de prestação de serviços de limpeza”.
As entidades outorgantes dos CCT acima referidos foram, como Associação de Empregadores, a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares que mudou a sua designação, posteriormente, para APFS - Associação Portuguesa de Facility Services (vide o BTE, nº 2 de 15/1/2008) e, do lado sindical, o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Profissões Similares e Actividades Diversas e outros (no CCT publicado no BTE nº 12/2004 de 29/03/2004) e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores dos Serviços e outros (no CCT publicado no BTE nº 15 de 2008, revisto no BTE nº 8 de 2010[4]).
No artigo 1.º dos Estatutos da Associação Portuguesa de Facility Services, é a mesma definida como “uma associação de direito civil, sem fins lucrativos, que agrupa as empresas que tenham como actividade a prestação, de parte ou de todos os serviços, que se passam a enumerar:
(i) Gestão e manutenção de edifícios;
(ii) Higiene e limpeza, em edifícios, em equipamentos industriais e noutro tipo de instalações;
(iii) Desinfeção, desratização e similares;
(iv) Plantação e manutenção de jardins e
(v) Serviços administrativos e de apoio prestados às empresas, nomeadamente receção, atendimento telefónico e secretariado.”[6]
Os trabalhadores e empregadores inscritos nas associações outorgantes dos CCT dedicam-se, pois, ao sector económico de “actividades administrativas e dos serviços de apoio a edifícios”, integrado na Secção N do Decreto-Lei n.º 381/2007 de 14 de Novembro e, como bem diz a recorrente, este sector de actividade mostra-se circunscrito à gestão, manutenção e apoio a edifícios e instalações, ao nível da área administrativa, de recepção, portaria e vigilância, ao nível da manutenção de edifícios, limpeza de interiores e sanitários, limpeza de espaços exteriores de edifícios, e electricidade, sector de actividade que tem o seu campo de eleição na Hotelaria, Restauração e apoio a instalações físicas de empresas e de outras entidades.
Nos presentes autos, ficou provado que a recorrente se dedica “à actividade de recolha, transporte e tratamento de resíduos sólidos urbanos, com o CAE …..-...” (facto 19.).
Ficou também provado que o Município de Mondim de Basto iniciou um concurso público através de anúncio de procedimento nº 5874/2010, publicado no DR de 23/12/2010, nº 247, II Série, parte L, com o objecto de prestação de serviços de recolha e transporte a destino final de resíduos sólidos urbanos, limpeza urbana de espaços públicos e outros, no concelho de Mondim de Basto e que a esse concurso concorreu a ora recorrente, tendo-lhe sido adjudicado o objecto do mesmo por contrato outorgado em 2011.08.30. (factos 1., 17. e 18.).
Ora, como é dito no referenciado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “são muito distintas a actividade de prestação de serviços de limpeza e a actividade de recolha de resíduos, não podendo considerar-se similares, para efeito de determinação do sector económico em que se inserem.”
É pois de concluir, como a recorrente, que não existe qualquer relação, cruzamento ou interligação entre o sector económico da recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos e o sector económico da administração, gestão, manutenção e apoio de edifícios, não sendo o primeiro enquadrável no sector económico de actividade previsto, pensado e regulado nos CCT's outorgados pela APFS com o STAD e a FETESE.
E isto é assim a despeito de a componente da “limpeza” fazer parte do contrato de prestação de serviço celebrado com o Município de Mondim de Basto – em que se prevê a limpeza de vias públicas ou de espaços públicos e de todos os contentores e utensílios relacionados com a recolha de resíduos sólidos – e de os CCT acima referidos preverem categorias profissionais nas quais se insere a de “motorista” (como o aqui A.) e as de “cantoneiro de limpeza”, “lavador de viaturas”, etc.
Estas circunstâncias assinaladas na sentença para sustentar a aplicabilidade daqueles CCT's, não são, em si, caracterizadoras da actividade económica prevista nos mesmos pois que, quer as tarefas de limpeza genericamente consideradas, quer as referenciadas categorias profissionais, são susceptíveis de estar previstas em múltiplos sectores de actividade.
Como é dito no referido ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.12.02, o facto de uma empresa que se dedica à recolha de resíduos, no âmbito do saneamento público, ter ao seu serviço trabalhadores com a categoria de «cantoneiros de limpeza» – que também consta do CCT celebrado pelas empresas de serviços de limpeza e actividades similares –, “não tem, por si só, virtualidade para a classificar em sector económico que compreende a prestação de serviços de limpeza no âmbito da prestação de serviços de apoio relacionados com edifícios, no qual se incluem serviços de portaria, vigilância, limpeza, domésticos e profissões similares, pois se esse sector pode justificar a existência de cantoneiros de limpeza, outros sectores da actividade económica pode haver em que essa existência também se justifique, sem que as actividades económicas respectivas deixem de ser distintas”.
Tendo em atenção as classificações legais de actividades económicas – o que nesta sede se nos afigura decisivo, por denotar uma opção do legislador na distinção, ou diferenciação, das diversas actividades –, e mesmo a consideração empírica de que são substancialmente diversas as actividade de recolha e transporte a destino final de resíduos sólidos urbanos, limpeza urbana de espaços públicos, por um lado, e de gestão, manutenção e apoio a edifícios e instalações, ao nível da área administrativa, de recepção, portaria e vigilância, limpeza de interiores e sanitários e limpeza de espaços exteriores de edifícios, por outro, é de concluir que quem se dedica à primeira não se enquadra nos instrumento de regulamentação colectiva destinados a regular as relações laborais estabelecidas com quem se dedica à segunda.
Deve notar-se que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2012 de 31 de Outubro de 2012 – embora não decisiva para a decisão do caso sub judice, atenta a data da sua publicação (posterior aos factos em causa) e a sua específica eficácia normativa (dirigida ao ministro responsável pela emissão das portarias de extensão) –, pretendeu confessadamente “clarificar os critérios de emissão de uma Portaria de Extensão” e estabeleceu entre os “critérios mínimos, necessários e cumulativos a observar no procedimento para a emissão de portaria de extensão”, que o pedido de extensão deve indicar, designadamente, o “sector de atividade ou subsectores de atividade abrangidos pela extensão, nos termos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE)” – ponto 1, alínea b), iii) – o que nesta sede não pode deixar de ser ponderado como indicador da pertinência da interpretação da menção à “actividade económica abrangida pela convenção” constante da PE em causa, com referência ao sector de actividade económica, de acordo com a Classificação Portuguesa, das Actividades Económicas.
Entende-se, assim, que a actividade económica prosseguida pela recorrente não se enquadra na actividade económica a que se refere a regulamentação colectiva em causa, não estando, por conseguinte, as relações laborais estabelecidas com o A. ora recorrido sujeitas à respectiva disciplina.
*
4.2. Da vinculação laboral do A. a partir de 1 de Setembro de 2011
O cerne deste recurso consiste em averiguar se a R., ora recorrente, deve ser considerada a entidade empregadora do A., ora recorrido, a partir de 1 de Setembro de 2011.
4.2.1. Em face da resposta à questão antecedente – relativa à aplicabilidade dos instrumentos de regulamentação colectiva invocados na sentença –, surge como evidente a resposta à questão de saber se o contrato de trabalho que estava em vigor entre o A. e a segunda R. D…, Lda. desde o ano de 2003 se transmitiu para a ora recorrente pelo simples facto de à mesma ter sido adjudicada pela Câmara de Mondim de Basto a prestação de serviço de recolha e transporte a destino final de resíduos sólidos urbanos, limpeza urbana de espaços públicos e outros, a que se dedicava o primitivo empregador.
Se as empresas que sucessivamente prestaram aquele serviço de recolha e transporte a destino final de resíduos sólidos urbanos no concelho de Mondim de Basto não se encontram vinculadas pelo CCT para o sector da limpeza e actividades similares, o A. não estava abrangido pela obrigatoriedade da “subrogação” prevista naquele CCT invocado na sentença, apenas aplicável para os casos de sucessão de empresas no sector da prestação de serviços de limpeza e similares, pelo que por esta via não se transmitiu a posição patronal no contrato de trabalho que o A. executava desde o ano de 2003 ao serviço da R. D… para a R. recorrente.
4.2.2. O mesmo deve afirmar-se perante a lei laboral geral como, aliás, se afirmou na sentença da 1.ª instância que, procurando enquadrar a transferência do contrato de trabalho do A. numa eventual transmissão de estabelecimento comercial entre as RR., nos termos do artigo 285.º do Código do Trabalho, veio a concluir que está absolutamente excluída a aplicação deste preceito.
Perante a factualidade apurada na presente acção, não se desenha a figura da transmissão de uma unidade económica com a sucessão dos contratos de prestação de serviço relativos à recolha e transporte a destino final de resíduos sólidos urbanos que o Município de Mondim de Basto adjudicou à R. D…, Lda. entre 1998 e Agosto de 2011 e que a partir de 01 de Setembro de 2011 adjudicou à R. C….
Senão, vejamos.
Decorre do regime traçado no artigo 285.º do Código do Trabalho – que corresponde com algumas alterações ao artigo 37º da Lei do Contrato Individual de Trabalho (LCT), aprovada pelo Decreto-Lei n.° 49.408, de 24 de Novembro de 1969, e ao art. 318º do Código do Trabalho de 2003 – que, nos casos de transmissão da titularidade do estabelecimento ou da ocorrência de quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da sua exploração, não é afectada em princípio a subsistência dos contratos de trabalho, nem o respectivo conteúdo. A legislação codicística alargou as referências ao âmbito do fenómeno transmissivo, na medida em que qualificou como transmissão, para efeitos da sujeição àquele regime, não apenas a mudança da titularidade da empresa ou do estabelecimento, por qualquer título (isto é, uma transmissão definitiva, por efeito de trespasse, fusão, cisão ou venda judicial), mas também a transmissão, a cessão ou a reversão da exploração da empresa ou do estabelecimento, sem alteração da respectiva titularidade, isto é, uma transmissão das responsabilidades de gestão, a título temporário.
No que diz respeito aos conceitos jurídicos de “transmissão” e de “empresa ou estabelecimento”, o artigo 285.º do Código não estabelece uma definição (ao invés do que sucede com conceitos pressupostos noutros institutos do código), limitando-se a dar um contributo para a definição do segundo conceito ao descrever em que consiste uma “unidade económica”.
Mas em literal consonância com a directiva nº 2001/23/CE do Conselho, o artigo 285º, que o Código do Trabalho transpõe, define a “unidade económica”, como “o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”.
De acordo com a jurisprudência do TJCE, o critério fundamental para a aplicação da directiva comunitária é o de saber se há uma entidade que desenvolve uma actividade económica de modo estável e se essa entidade, depois de mudar de titular (ainda que sem vínculo negocial entre o transmitente e o transmissário), sobreviveu e manteve a sua identidade[6].
Determinar se a entidade económica subsiste, é tarefa que, como refere Júlio Gomes[7], “exige a ponderação, no caso concreto, de uma série de factores, entre os quais se contam o tipo de estabelecimento, a transmissão ou não de elementos do activo, tais como edifícios e bens corpóreos, mas também o valor dos elementos imateriais no momento da transmissão, a continuidade da clientela, a manutenção do pessoal (ou do essencial deste), o grau de semelhança entre a actividade exercida antes e depois e a duração de uma eventual interrupção da actividade”.
Há que apreciar em concreto o conjunto de circunstâncias de facto presentes no caso em análise e ponderar o peso relativo de cada uma delas, tendo em conta o tipo de actividade desenvolvido, numa compreensão flexível do conceito de unidade económica.
Deve salientar-se que os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça mostram uma crescente independência face a critérios próprios do direito comercial, bem como a superação de uma perspectiva predominantemente material do estabelecimento (que atribui grande importância, por ex., à transmissão de elementos do activo, designadamente bens patrimoniais que constituem o suporte do exercício de uma actividade) e que corresponde a uma visão clássica da empresa[8].
Vem-se contudo exigindo que a transferência – que se pode operar por qualquer título e mesmo sem relações contratuais directas entre cedente e cessionário – deve ter por objecto uma entidade económica organizada de modo estável, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das actividades da empresa cedente, devendo o trabalhador provar na acção em que se pretende fazer valer deste regime os factos necessários à conclusão de que existe uma unidade económica e que a mesma mudou de titular, mantendo a sua identidade[9].
Ora no caso vertente, os factos provados apenas permitem afirmar que as duas RR. se dedicaram sucessivamente à mesma actividade por força de contratos de prestação de serviço que celebraram em alturas diferentes com o Município de Mondim de Basto, mas nada mais resulta susceptível de permitir a conclusão de que se verificou a transmissão da R. D…, Lda. para a ora recorrente, de uma unidade económica que manteve a sua identidade para efeitos de aplicação do preceituado no artigo 285.º do Código do Trabalho.
O desconhecimento quanto a uma eventual transmissão de activos corpóreos e mesmo quanto à dimensão que assumiu a assunção posterior de trabalhadores da primitiva adjudicatária do serviço torna impossível identificar na esfera jurídica da recorrente a unidade económica com identidade própria e mantendo a autonomia tecnico-organizativa que anteriormente constituía a empresa da R. D…, Lda..
É certo que, embora a mera sucessão no exercício de uma actividade não corresponda a uma transmissão de estabelecimento, pode detectar-se em algumas situações a aptidão para o exercício de uma actividade económica em casos de sucessivos prestadores de serviços, vg. quando o segundo assuma a maioria ou o essencial dos efectivos que o primeiro afectava aquela actividade, pois que em algumas actividades de prestação de serviços o principal substracto de uma empresa é o seu “capital humano”, as aptidões dos seus trabalhadores, e não tanto os meios materiais de que estes se servem[10].
Contudo, no caso vertente apenas se sabe a este propósito que a recorrente contratou com uma empresa de trabalho temporário a utilização de “algumas pessoas” que já haviam trabalhado por conta da 2ª R. (facto 20.), o que, desconhecendo-se quantas pessoas exerciam anteriormente aquela actividade, desconhecendo-se a real importância do elemento humano no seio da organização e desconhecendo-se a efectiva relevância dos bens corpóreos (que as regras da experiência ensinam não ser despiciendo, designadamente no que concerne ao transporte dos resíduos sólidos urbanos), manifestamente, não demonstra a existência da transmissão de uma unidade económica, entendida esta como um “conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”(n.º 5 do artigo 285.º).
Pelo que não pode o A., ora recorrido, enquanto trabalhador da R. D…, Lda., beneficiar da tutela prevista nas normas nacionais e comunitárias em matéria de transmissão do estabelecimento[11].
4.2.3. Concluindo-se que o contrato de trabalho celebrado pelo A. se não transmitiu para a ora recorrente, quer por via dos instrumentos de regulamentação colectiva invocados na sentença, quer por via do artigo 285.º do Código do Trabalho, subsiste a questão de saber se se estabeleceu entre recorrente e recorrido um contrato de trabalho com a prestação laboral verificada a partir do dia 1 de Setembro de 2011, questão esta que o A. suscitou na presente acção e de que a recorrente se defendeu, mas que a 1.ª instância não chegou a apreciar expressamente por entender ser aplicável a Convenção Colectiva de Trabalho do sector de limpeza e similares (o que, naturalmente, tornou prejudicada esta questão – cfr. o artigo 666.º, n.º 2 do Código de Processo Civil então em vigor).
4.2.3.1. Resulta dos factos provados que o A. começou, a partir de 01 de Setembro de 2011, a trabalhar como condutor de veículos pesados, sob as ordens e direcção da recorrente, cumprindo um horário semelhante ao que tinha anteriormente ao serviço da 2ª R., antecipando-se a entrada e a saída em cerca de ½ hora (facto 8.).
Resulta ainda dos factos provados que no dia 09 de Setembro de 2011, o A. se apresentou no local de trabalho, pelas 13h30 horas, tendo terminado o seu serviço pelas 21h00 horas, com uma primeira descarga às 18h00 horas e uma segunda pelas 21h00 horas e que nesse dia, se apresentou no local uma colaboradora da recorrente que lhe apresentou um contrato de trabalho a termo certo, com início de vigência a 01 de Setembro de 2011 e termo em 31 de Agosto de 2012, em que se previa uma remuneração mensal de € 500,00 e um período experimental de 30 dias, tendo dito ao A. para o assinar sob pena de, não o fazendo, deixar de ter trabalho no dia seguinte (factos 9. e 10.).
E ficou finalmente provado que, como o A. se recusou a assinar tal contrato, no dia 10 de Setembro de 2011, já não lhe foi distribuída qualquer tarefa, tendo-se o A. apresentado, no entanto, todos os dias ao serviço (factos 8. a 11.), o que fez até receber em 4 de Outubro de 2011 uma carta da recorrente em que esta recusava a existência de qualquer vínculo laboral com o A., pelo que este deixou de se apresentar ao serviço a partir do dia 5 de Outubro (facto 14.).
4.2.3.1.1. Destes factos resulta, em primeiro lugar, que se estabeleceu a partir de 1 de Setembro de 2011 entre recorrente e recorrido um contrato de trabalho tal como o mesmo vem definido no art. 11.º do Código do Trabalho de 2009, ou seja, um contrato pelo qual “uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”, mostrando-se inequivocamente caracterizados, quer o objecto tradicional do contrato de trabalho, em que o que está "in obligatio" é a prestação de uma actividade, quer a subordinação jurídica, elemento verdadeiramente individualizador do contrato de trabalho e em que reside o critério de distinção desta figura contratual relativamente a figuras limítrofes[12].
Com efeito, o A. exercia uma actividade - despendendo para tanto energias físicas e psíquicas - e a recorrente encontrava-se numa posição de supremacia (que se traduz no poder de organizar e dirigir a execução da prestação de trabalho do trabalhador) e o A. na correlativa posição de subordinação (que se traduz no dever de conformar a sua actividade laboral com a injunções que nesse sentido lhe são dirigidas pelo empregador) que caracterizam o vínculo contratual laboral.
Quanto à vontade das partes, é manifesto que o A. pretendia executar um contrato de trabalho quando começou a trabalhar naqueles moldes a partir de 1 de Setembro para a recorrente, tanto mais que havia recebido uns dias antes uma carta da sua anterior empregadora a comunicar-lhe que deveria contactar a recorrente como sua futura empregadora (facto 7.)
E quanto à recorrente, conhecedora já da posição da anterior empregadora do A. de que se transmitiriam para si os contratos de trabalho dos trabalhadores que prestavam trabalho no âmbito do contrato de prestação de serviço de recolha e transporte de resíduos em vigor com aquela até 31 de Agosto de 2011 (facto 22.) e discordando – correctamente – de que tal transmissão se verificava em consequência de uma inaplicável Convenção Colectiva de Trabalho, a posição que assumiu de continuar a beneficiar da prestação laboral do A. a partir de 1 de Setembro de 2011 e de se comportar como sua empregadora, alterando-se até o seu horário de trabalho, outro sentido não tem de que o que pretendeu vincular-se laboralmente ao mesmo “ex novo”.
Tendo em consideração que o contrato de trabalho é um negócio não formal, meramente consensual (artigo 110.º do Código do Trabalho de 2009), a determinação da sua existência e dos seus contornos alcança-se pelo comportamento das partes, pela análise da situação de facto que, no caso vertente, denota sem sombra de dúvidas que o A. começou, a partir de 01 de Setembro de 2011, a trabalhar como condutor de veículos pesados, sob as ordens e direcção da recorrente e cumprindo um horário de trabalho.
A circunstância de se não ter apurado o montante do vencimento devido não tem qualquer relevo na qualificação contratual, na medida em que a lei estabelece um modo de fixação judicial da retribuição no artigo 272º do Código do Trabalho de 2009, dispondo que “[c]ompete ao tribunal, tendo em conta a prática da empresa e os usos do sector ou locais, determinar o valor da retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável”.
Repare-se que uma das hipóteses em que ao julgador compete fixar judicialmente a retribuição devida no seio de um contrato de trabalho é a de as partes o não terem feito, o que denota que, apesar de constituir elemento essencial do contrato a obrigação de prestação de actividade mediante retribuição (artigo 11.º), já o não é a fixação do quantum que em concreto é devido a título retributivo.
Acresce que a lei garante a todos os trabalhadores uma retribuição mínima mensal, com o valor que anualmente for fixado por legislação especial – artigo 273.º do Código do Trabalho – o que igualmente denota a não essencialidade da fixação de um concreto quantum retributivo.
4.2.3.1.2. Mas dos referidos factos resulta também, em segundo lugar, que o contrato de trabalho em causa terminou por iniciativa da recorrente quando esta remeteu ao A. uma carta em que recusava a existência de qualquer vínculo laboral com o mesmo, carta que o A. recebeu em 4 de Outubro de 2011 e que motivou que o mesmo deixasse de se apresentar ao serviço a partir de 5 de Outubro de 2011.
Com esta atitude, a R. assumiu um comportamento concludente no sentido de que não era sua vontade manter um vínculo de natureza laboral com o A. e pôs definitivamente termo à relação contratual que se estabelecera entre as partes no anterior dia 1 de Setembro.
Com efeito, e como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.10.22, “[o] despedimento promovido pela entidade empregadora traduz-se numa declaração negocial, que produz efeitos logo que é recebida pelo destinatário (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) – por isso, irrevogável (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) –, podendo o desígnio de fazer extinguir o contrato ser levado ao conhecimento do trabalhador, quer através de palavras, escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de expressão da vontade, quer através de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade, revelem, clara e inequivocamente, a vontade de despedir (artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil) e, como tal, sejam entendidos pelo trabalhador, segundo o critério definido no artigo 236.º, do referido Código”[13].
No caso sub judice, o acto da recorrente é inequívoco quanto aos seus intentos relativamente ao contrato de trabalho e operou a extinção do vínculo a partir da data da recepção pelo trabalhador da carta em que se contém, ou seja, a partir de 4 de Outubro de 2011.
Invoca a R. que, ainda que se pudesse considerar que existiu uma prestação de trabalho, por parte do A., ao seu serviço entre os dias 1 e 9 de Setembro de 2011, inexistiu qualquer despedimento ilícito, já que a referida cessação se verificou no âmbito do período experimental.
O período experimental, ou período de prova, “corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção”, conforme dispõe o artigo 111.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
Trata-se, com efeito, da primeira fase do ciclo vital do contrato, fase em que o vínculo jurídico-laboral revela ainda uma grande fragilidade, apresentando fraca consistência e sendo facilmente dissolúvel por qualquer das partes.
Segundo João Leal Amado, «[o] período de experiência consiste, na verdade, numa figura cautelar, numa medida de “precaução ou de prudência”, como escreve Jorge Leite, possibilitando uma certificação mútua: o empregador certifica-se de que o trabalhador possui as aptidões laborais requeridas para o cabal desempenho das funções ajustadas; o trabalhador certifica-se de que as condições (humanas, logísticas, ambientais, etc.) de realização da sua atividade profissional são as esperadas. Compreende-se por isso que, em princípio, durante o período experimental qualquer das partes possa denunciar o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar a qualquer indemnização (artigo 114.º/1 do CT)»[14].
Simplesmente, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.04.21 (Processo n.º 3988/05.1TTLSB.S1, in www.dgsi.pt), “a cessação do contrato de trabalho por motivos que não foram fundados na faculdade prevista para o período experimental (art. 105º CT/2003), nem numa conduta do A. justificativa dela”, tem de ser considerada como um despedimento ilícito.
No caso em análise, não foi com fundamento na faculdade de denúncia prevista nos artigos 114º e seguintes do Código do Trabalho que a recorrente fez cessar o contrato de trabalho que firmara com o A. em 1 de Setembro de 2011, como decorre dos factos 10. e 13., demonstrativos de que a recorrente tinha a intenção de se vincular a termo certo com o A. (sendo-lhe apresentado um contrato de trabalho a termo para ele assinar) e que só assim pretendia que o mesmo continuasse a prestar-lhe a sua actividade (ameaçando-o a sua colaboradora de que se não assinasse o contrato a termo deixaria de ter trabalho no dia seguinte), tudo apontando no sentido de que não foi por motivos relacionados com uma não satisfação do desempenho do labor do A. que a recorrente fez cessar o contrato.
Aliás, é de notar que a recorrente recusava a existência de um contrato de trabalho que se tivesse transmitido para si, continuando a afirmar na referida carta em que põe termo às relações contratuais que o contrato de trabalho com a R. D…, Lda. se não transmitiu (vide a carta de fls. 56 a 58, reproduzida no facto 13.), parecendo esquecer-se que se vinculou ela própria a partir de 1 de Setembro de 2011 e que se aproveitou da prestação laboral do A. enquanto condutor de veículos pesados, alterando até o horário deste e comportando-se como sua empregadora durante aquele período em que estava já sob a sua responsabilidade a prestação de serviços de recolha de resíduos sólidos urbanos no concelho de Mondim de Basto (factos 8., 17. e 18.).
Assim, e em consonância com o entendimento plasmado no citado douto aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.04.21, a cessação do contrato operada pela recorrente por motivos que não foram fundados na faculdade de denúncia prevista no artigo 114.º do Código do Trabalho, nem numa conduta do A. justificativa dela, não pode ser considerada que não como um despedimento ilícito, o que acarreta as consequências previstas no artigo 389º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009.
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4.3. Do valor da indemnização de antiguidade
Nas suas alegações de recurso, e em termos subsidiários, a recorrente defende que o critério de fixação da indemnização por ilicitude de despedimento em 45 dias por cada ano de antiguidade, é manifestamente excessivo se considerarmos que a recorrente cria e crê, de boa-fé, que o vínculo laboral do A. não se havia transferido para si, que lhe ofereceu uma proposta de trabalho e que foi ele que não aceitou o emprego, que o A. nada perdia em ter ficado a trabalhar e ter a sua remuneração mensal, podendo, ainda assim, intentar a acção judicial contra as Rés para apreciação da mesma questão objecto dos autos, pelo que o eventual grau de ilicitude do alegado despedimento sempre deveria se considerado reduzido, devendo o critério a fixar para cálculo do valor da indemnização nunca ultrapassar os 15 dias por cada ano de antiguidade, nos termos do disposto no art.º 391º nº 1 do Código do Trabalho.
A sentença recorrida – que julgou verificado um despedimento ilícito, embora partindo de uma antiguidade superior porque entendeu aplicável a Convenção Colectiva de Trabalho dos serviços de limpeza e similares – discorreu a este propósito do seguinte modo:
«Em primeiro lugar e porque o aqui demandante optou pela indemnização, ao invés da reintegração, há que atender à sua antiguidade, de 8 anos, e ao abrigo do disposto nos artigos 389º e 391º ambos do Cód. do Trabalho (aqui na sua versão aplicável introduzida pela Lei nº 7/2009 de 12/02) e atendendo ao grau de ilicitude, decorrente da conduta da 1ª demandada, acima constante da factualidade dada como assente, que permitiu inclusivamente que o A. tivesse criado a séria e convicta expectativa de que permaneceria no seu posto de trabalho, já que após o contrato de serviços ter sido adjudicado à demandada C… ainda ali trabalhou durante 9 dias até lhe ser vedado o acesso ao seus posto de trabalho, e ao valor da sua remuneração mensal, se considera ser de fixar nos 45 dias por cada ano de antiguidade, ou seja, no montante de € 7.325,52 (€ 915,69 x 8).»
Nos termos do preceituado no artigo 391º do Código do Trabalho de 2009, “[e]m substituição da reintegração o trabalhador pode optar por uma indemnização, (…) cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º” (n.º1) e que para tais efeitos o tribunal deve “atender a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial” (n.º 2), sendo que tal indemnização “não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades” (n.º 3).
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2013.02.19 (2018/08.6TTLSB.L1.S1), a indemnização substitutiva da reintegração assume feição mista (reparadora e sancionatória), devendo ser calculada em função dos parâmetros indicados no n.º 1 do citado art. 439.º (valor da retribuição vs. grau da ilicitude), sendo o primeiro (retribuição) factor de variação inversa (quanto menor for, maior deve ser o valor/ano, dentro da latitude legalmente prevista) e o segundo (ilicitude), de variação directa.
No caso em análise, não pode perder-se de vista quanto ao grau de ilicitude do despedimento que o mesmo se situa em terceiro lugar na ordenação estabelecida no artigo 381.º do Código do Trabalho – não ter sido o mesmo “precedido de procedimento” – bem como que, se por um lado a R, podia estar convicta de que não houve transmissão do contrato de trabalho, por outro não podia desconhecer que estabeleceu ela mesma com o A. um novo contrato de trabalho que se encontrava em execução e que era absolutamente lícito ao A. não aceitar a ulterior contratação a termo que lhe propôs, não podendo escudar-se na inexistência de transmissão para justificar a sua atitude de negar a existência de um contrato de trabalho.
Quanto ao valor da retribuição mensal, apesar de se não ter apurado a retribuição devida no âmbito do novo contrato firmado em 2011.09.01, é de notar que o tribunal recorrido atendeu para a fixação da indemnização ao valor base € 610,46 sem que a recorrente questionasse na apelação este base de cálculo (aqui limita-se, em termos de base de cálculo, a defender que o número de dias a atender deve ser de 15 dias, e não de 45, como entendera a 1.ª instância). Atender-se-á pois a esse valor base mensal, sendo certo que é este o valor mensal que se entende adequado fixar em termos equitativos nos termos do artigo 272.º do CT, não só porque era o valor auferido pelo A. até 2011.08.31, como porque continuou ele a exercer as mesmas funções ao serviço da recorrente, como, ainda, porque a R. não questionou autonomamente na apelação a condenação de que foi objecto relativamente aos créditos vencidos entre 2011.09.01 e a data da cessação do contrato, cuja base de cálculo foi, justamente, a retribuição mensal de € 610,46.
Temos, pois, que o grau de ilicitude da conduta do empregador se situa numa linha média, apenas demandando um incremento da indemnização o relativamente baixo valor da retribuição mensal de € 610,46.
Assim, entende-se justo e adequado fixar a base de cálculo de tal indemnização em substituição da reintegração em 35 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade (€ 610,46 : 30 x 35 = € 712,20) – contada desde 1 de Setembro de 2011, pois que se reporta ao contrato firmado com a recorrente, e “até ao trânsito em julgado da decisão judicial” , nesta medida se alterando o juízo efectuado pelo tribunal a quo.
Tal indemnização, que não pode ser inferior a 3 meses (artigo 391.º, n.º 3), ascende neste momento à quantia de € 2.136,60 (€ 610,46 : 30 x 35 x 3 meses). Mas uma vez que para a fixação da indemnização o tribunal deve atender a todo o tempo decorrido “até ao trânsito em julgado da decisão judicial” e, neste momento, o presente acórdão ainda se não mostra transitado, o cálculo do montante indemnizatório tendo por referência a prescrição inserta no n.º 2 do mesmo preceito deve ser relegado para incidente de liquidação, limitando-se este tribunal à parametrização a que alude o n.º 1 do referido art. 439.º e a que já se procedeu - vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.06.25, Recurso n.º 376/09 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
Sobre a quantia indemnizatória são devidos juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento (artigos 559.º do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril), computando-se os mesmos apenas desde a data do trânsito em julgado deste acórdão, e não desde a citação, pois apenas em tal data se fixará o valor da indemnização.
Procede parcialmente a apelação, nesta parte.
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4.4. Do cômputo das retribuições intercalares
Alega finalmente a recorrente que o Tribunal a quo não determinou em que data considerou efectivado o despedimento ilícito, mas parece ter considerado que tal ocorreu em 04 de Outubro de 2011, pelo que deveria ter descontado a parte da remuneração prevista no artigo 390.º n.º 2, alínea b) do Código do Trabalho, uma vez que a presente acção judicial foi intentada para além de 30 dias após aquela data, tendo assim violado esta norma legal.
Nos termos do preceituado no artigo 390.º, n.º 1 do Código do Trabalho, para além da indemnização de antiguidade, tem o trabalhador direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, as chamadas “retribuições intercalares”.
Nos termos do nº 2, al. b) do artigo 390.º, àquelas retribuições é descontado o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento.
No caso sub judice, uma vez que o A. foi despedido em 4 de Outubro de 2011 (facto 13.) e a presente acção foi intentada em 16 de Novembro de 2011 (vide fls. 59), deverão as retribuições intercalares ser computadas apenas a partir de 16 de Outubro de 2010.
Sobre as retribuições intercalares vencidas até à data da propositura da acção, são devidos juros de mora à taxa legal a contar da data da citação conforme peticionado e sobre as vencidas a partir de então e vincendas são devidos juros desde as datas dos respectivos vencimentos, já que se trata de obrigações com prazo certo (artigo 806.º, n.º 2 do Código Civil).
O valor a apurar em liquidação não poderá exceder o de € 12.819,66 apurado na 1.ª instância, uma vez que o A. não recorreu da sentença na parte em que a mesma fixou a condenação em quantia certa e não determinou a liquidação ulterior de retribuições que entretanto se vencessem.
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4.5. Precise-se que se mantém a sentença recorrida – por não impugnada – na parte em que fixou em € 875,83 os peticionados créditos laborais vencidos e não liquidados descritos no ponto 16. da factualidade dada como assente, que se traduzem na remuneração devida pelo trabalho correspondente aos meses de Setembro e Outubro (parcialmente) de 2011 e os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal relativos ao trabalho prestado até essa data.
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4.6. As custas em dívida a juízo serão suportadas por recorrente e recorrido na proporção do vencido (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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5. Decisão
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, altera-se a sentença da 1.ª instância, mantendo-se a declaração de ilicitude do despedimento operado pela recorrente C… e condenando-se a mesma a pagar ao recorrido B…:
● as retribuições vencidas desde 16 de Outubro de 2011 até ao trânsito em julgado da decisão final desta acção, no montante unitário de € 610,46 - não podendo o valor final ultrapassar a quantia de € 12.819,66 - acrescidas dos juros de mora computados à taxa legal desde a citação quanto às vencidas até então e desde a data de vencimento de cada prestação quanto às ulteriormente vencidas, até efectivo e integral pagamento;
● a título de indemnização de antiguidade, a quantia de € 712,20 por cada ano completo ou fracção desde 1 de Setembro de 2011 até ao trânsito em julgado da decisão final desta acção, não podendo ser inferior a 3 meses, acrescida dos juros de mora computados à taxa legal desde a data do trânsito em julgado, até efectivo e integral pagamento;
● o valor de € 875,83 a título de créditos laborais vencidos e não liquidados à data do despedimento, acrescido dos juros de mora computados à taxa legal desde a citação, até efectivo e integral pagamento.
Custas por recorrente e recorrido na proporção do vencido.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 17 de Fevereiro de 2014
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
___________________
[1] Preceito a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual, por força dos arts. 5.º a 8.º da Lei Preambular do Código de Processo Civil de 2013.
[2] Em face do disposto nos artigos 5.º e 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, é o mesmo aplicável aos processos pendentes nos actos que se desenrolem a partir de 1 de Setembro de 2013. Temos contudo em vista, nesta análise dos actos que se praticaram à luz do anterior Código de Processo Civil, a redacção constante da republicação em anexo ao DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelos seguintes diplomas: DL 180/96, de 25-9; DL 125/98, de 12-5; L 59/98, de 25-8; DL 269/98, de 1-9; DL 315/98, de 20-10; L 3/99, de 13-1; DL 375-A/99, de 20-9; DL 183/2000, de 10-8; L 30-D/2000, de 20-12; DL 272/2001, de 13-10; DL 323/2001, de 17-12; L 13/2000, de19-2; DL 38/2003, de 8-3; DL 199/2003, de 10-9; DL 324/2003, de 27-12; DL 53/2004, de 18-3; L 6/2006, de 27-2; DL 76-A/2006, de 29-3; L 14/2006, de 26-4; L 53-A/2006, de 29-12; DL 8/2007, de 17-1; DL 303/2007, de 24-8; DL 34/2008, de 26-2; DL 116/2008, de 4-7; L 52/2008, de 28-8; L 61/2008, de 31-10; DL 226/2008, de 20-11; L 29/2009, de 29-6; DL 35/2010, de 15-4; L 43/2010, de 3-9; L 52/2011, de 13-4; L 63/2011, de 14-12; L 31/2012, de 14-8; L 60/2012, de 9/11 e L 23/2013, de 5/3.
[3] Vide Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2010, pp. 158-159.
[4] Nesta revisão da Convenção Colectiva de Trabalho, ficou escrito no nº 2 da cláusula primeira que: “O presente CCT obriga, por um lado, todas as empresas representadas pela Associação Portuguesa de Facility Services que se dediquem às actividades de gestão e manutenção de edifícios, de higiene e limpeza em edifícios, em equipamentos industriais e noutro tipo de instalações, de desinfecção, desratização e similares, de plantação e manutenção de jardins, de prestação de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas, nomeadamente recepção, atendimento telefónico e secretariado.”
[5] Os seus Estatutos estão publicados no Diário da República, 3ª Série de 08 de Outubro de 1976 e e podem ver-se, em texto integral, in http://www.apfs.pt.
[6] Vide o Ac. do TJCE de 2003.11.20 e a jurisprudência aí citada, publicado na Revista “Sub Judice”, Jan.- Março de 2004, a pp. 163 e ss.
[7] In “A Jurisprudência Recente do TJ das CE em matéria de transmissão de empresa, estabelecimento, ou parte de estabelecimento - inflexão ou continuidade?” publicado nos Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, I, p 493.
[8] Vide Júlio Vieira Gomes, in estudo citado, pág. 494.
[9] Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.05.07, Recurso n.º 3363/08 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[10] Vide Júlio Manuel V. Gomes no seu estudo intitulado “O conflito entre a Jurisprudência Nacional e a Jurisprudência do TJ das CCEE em matéria de transmissão do estabelecimento no Direito do Trabalho: o art. 37º da L.C.Trabalho e a Directiva 77/187/CEE”, publicado na RDES 1996, nº1-2-3-4, pp. 77 e ss., vg. p.140 e 153.
[11] Vide o Ac. TJ de 12 de Novembro de 1998, Proc. C-399/96 (Europièces SA v. Wilfried Sanders), CJ, 1998, p. 6965.
[12] Vide os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol II, p. 459, Barros de Moura, in "Introdução ao Direito de Trabalho", p.23 e ss., Jorge Leite, in "Direito do Trabalho e Segurança Social" edição policopiada, p. 224 e ss., Vaz Serra, in "Revista de Legislação e Jurisprudência", ano 112º, p. 203 e Menezes Cordeiro, in "Manual do Direito do Trabalho”, p.535.
[13] Recurso n.º 1034/08 - 4.ª Secção. Vide também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2011.04.07, Recurso n.º 1180/07.0TTPNF.P1.S1-4.ª Secção.
[14] Vide João Leal Amado, in Contrato de Trabalho – à luz do novo Código do Trabalho, 3.ª edição, p. 183.