Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RUI MOREIRA | ||
Descritores: | EMBARGOS NATUREZA DA PROVA INDICIÁRIA QUALIFICAÇÃO DE UMA OBRA COMO BENFEITORIA PRESUNÇÃO DA TITULARIDADE DO DIREITO PRESUNÇÃO DA POSSE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP201403111891/13.0TBAMT-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/11/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Os embargos comportam uma fase liminar, na qual, de acordo com as diligências probatórias efectuadas, estes podem ser ou não recebidos, conforme haja ou não a probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante. Essa prova serve exclusivamente para sustentar uma decisão liminar, provisória e cujo efeito de caso julgado se esgota no recebimento dos próprios embargos. II - Seguindo o processo, segundo os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, nenhum aproveitamento ulterior terão os depoimentos colhidos na fase liminar do incidente. Essa prova nada pode significar para a ulterior apreciação do mérito dos embargos, até porque ocorre num momento processual em que o contraditório nem está instalado plenamente. III - Da definição constante do art. 216º do C. Civil resulta que uma benfeitoria executada num prédio, quando se traduza num resultado material, há-de ser algo que passe a ser dele uma parte integrante, algo que fique materialmente ligado ao prédio, a fazer parte dele. Por oposição, uma coisa acessória – ainda que materialmente ligada ao prédio, mas em termos não definitivos - não deverá ser qualificada como benfeitoria. IV - Equipamentos tais como um cofre, um sistema de vídeo, incluindo aparelho de vídeo e câmaras de vigilância, um contentor a funcionar como stand de vendas; coberturas em estruturas tubulares aparafusadas ao chão e cobertas de lona ou estrutura em zinco, mas claramente amovíveis, não constituem benfeitorias. V - Para o funcionamento da presunção constante do art. 1268º, nº 1 do Código Civil, necessário se torna a identificação de uma situação possessória. VI - A presunção de posse decorrente do n.º 2 do artigo 1252.º do Código Civil não dispensa a alegação e prova do elemento material da posse (corpus). | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | PROC. N.º 1891/13.0TBAMT-B.P1 Tribunal Judicial de Amarante - 1º Juízo REL. N.º 139 Relator: Rui Moreira Adjuntos: Henrique Araújo Fernando Samões * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:1 - RELATÓRIO B… e C… vieram deduzir embargos de terceiro a um procedimento cautelar que determinou o arrolamento de diversos bens que se encontram instalados num prédio que lhes pertence, alegando que essa providência ofendeu a sua posse e direito de propriedade sobre tais bens e pretendendo que se reconheça que estes lhes pertencem. Os embargos foram recebidos e o requerente desse procedimento cautelar e agora embargado, D…, veio contestar, impugnando os factos alegados na petição inicial e defendendo a improcedência dos embargos, alegando que os bens que foram arrolados lhe pertencem, por os ter comprado à sua anterior proprietária, que era comodatária daquele prédio dos embargantes. Por isso mesmo, pediu também que se declare reconhecida a sua propriedade sobre esses bens, nos termos do art.º 357.º n.º 2 do CPC. Foi proferido despacho saneador, com dispensa de selecção da factualidade assente e fixação da base instrutória e foi realizada audiência de discussão e julgamento. Sucessivamente, foi proferida sentença, na qual foi decidida a matéria de facto e foram julgados improcedentes quer os embargos, quer a pretensão do embargado. É esta sentença que os embargantes vêm impugnar através do presente recurso, no qual criticam a decisão sobre a matéria de facto, argúem a necessidade de inclusão nessa matéria de outra factualidade alegada e concluem pela suficiência da matéria assim acrescida e a qualificar como provada para que se conclua pela sua propriedade sobre os bens arrolados e, assim, pela procedência dos embargos de terceiro. Terminaram elencando as seguintes conclusões: “I. O objecto do presente recurso restringe-se à decisão que julgou improcedentes, por não provados, os Embargos e determinou a manutenção do arrolamento determinado e efectuado nos termos dos autos apensos de Procedimento Cautelar de Arrolamento. II. Os fundamentos específicos deste recurso e do pedido de alteração da decisão recorrida prendem-se com a impugnação da selecção da matéria de facto manifestamente insuficiente; com a decisão proferida dos pontos de facto a) e b) julgados não provados; e com a violação das normas jurídicas dos Artigos 1251.º, 1258.º n.º 1, 1263.º, n.º 1 a), 1268.º, n.º 1, 1278.º, 1344.º, 216 e 350.º do Código Civil, 7.º do Código de Registo Predial e 5.º, n.º 2, 413.º e 607.º do CPC. III. No que especificamente concerne à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, os Apelantes entendem ser essencial para o julgamento do pedido, para além dos factos assentes da sentença, a ampliação da matéria de facto através da consideração dos factos vertidos nos artigos 4, 7, 8, 9, 10, 11, 14., 15, 16, 17, 19, 23 e 24 da Petição Inicial. IV. A matéria de facto selecionada pelo Tribunal de Primeira Instância revelou-se manifestamente insuficiente para o enquadramento das questões que o próprio Tribunal fixou como relevantes, ou seja, a questão da integração dos bens arrolados no conceito de benfeitorias, tal como nos é dado pelo Artigo 216.º do Código Civil, e a posse e propriedade dos bens arrolados. V. Não obstante ser de considerar suficiente a prova da posse pelos Embargantes para a procedência do pedido de reconhecimento da propriedade nestes autos (Artigo 1268.º do Código Civil), os Embargantes alegaram e provaram factos susceptíveis de integrarem os bens arrolados no conceito de benfeitorias, para além dos actos de posse sobre os mesmos à data da diligência de arrolamento. VI. Ressalvado o devido respeito pela análise e selecção perpetrada pela Meritíssima Juiz a quo da factualidade alegada pelos Embargantes, forçoso é de concluir que a fundamentação vertida na decisão proferida quanto à matéria de facto, pela falta de apreciação da globalidade dos factos que integram a causa de pedir da Petição Inicial e dos factos complementares e instrumentais que resultaram da instrução da causa e pela desconsideração da comunidade da prova aduzida ao processo, viola as normas processuais dos Artigos 5.º, n.º 2, 413.º e 607.º, n.ºs 2, 3 e 4 do CPC. VII. Na data do arrolamento, os Embargantes tinham (e alegaram-no e provaram-no), para além do poder de facto sobre os bens arrolados, a intenção de exercer como titulares o direito de propriedade sobre as ditas coisas. VIII. Não tendo sido alegada, nem resultando da instrução da causa, melhor posse sobre os ditos bens que a dos Apelantes, a presunção de propriedade derivada dessa posse deveria ter sido reconhecida e deveria ter sido julgado procedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre os referidos bens, ao abrigo do disposto no Artigo 1268.º n.º 1 do Código Civil. IX. A decisão recorrida padece de erro na apreciação das provas e na aplicação do Direito, que se requer seja corrigido nesta sede, por V. Exas., Venerandos Desembargadores. X. A comunidade da prova testemunhal e documental aduzida ao processo impunha decisão diversa da recorrida quanto à matéria de facto alegada e quanto à que resultou dessa mesma instrução. XI. Acontece que na sentença recorrida apenas vêm referenciados, para suporte da decisão tomada, os depoimentos das duas testemunhas inquiridas em sede de julgamento final, E… e F…, tendo sido manifestamente desprezados os três depoimentos de E…, G… e H…, prestados na primeira Inquirição de Testemunhas de 20 de Abril de 2012, em violação do Princípio da Aquisição Processual consagrado no Artigo 413.º do CPC. XII. Pelos fundamentos alegados, o que se pretende é uma apreciação global, por V. Exas., Venerandos Desembargadores, de todo o material aduzido ao processo e uma ampliação da decisão sobre a matéria de facto, julgando provados, para além daqueles que já o foram, os factos vertidos nos artigos 4, 7, 8, 9, 10, 11, 14., 15, 16, 17, 19, 23 e 24 da Petição Inicial e a revogação da decisão dos pontos a) e b) julgados não provados. XIII. Acresce que a decisão proferida, para além de ter omitido uma apreciação global do material aduzido ao processo, ainda perpetrou uma errada aplicação do Direito, considerando-se violadas as normas jurídicas aplicáveis dos Artigos 216.º, 1251.º, 1258.º n.º 1, 1263.º, 1268.º, n.º 1, 1278.º, 1344.º, 350.º e 376.º do Código Civil, 413.º e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC e 7.º do Código do Registo Predial. XIV. Os Embargantes beneficiam da presunção de propriedade do prédio rústico onde os bens arrolados se encontram edificados, decorrente do registo predial a seu favor, comprovado nos autos a fls. 12 (Artigo 7.º do Código do Registo Predial), pelo que estavam dispensados da prova de qualquer dos factos de que deriva o seu direito de propriedade, porque tal presunção não foi ilidida. XV. Nestes termos, ao omitir pronúncia sobre o direito de propriedade dos Embargantes sobre o prédio onde se encontram edificados os bens arrolados, o Tribunal de Primeira Instância violou as normas jurídicas dos Artigos 350.º e 1344.º do Código Civil, 413.º e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC e 7.º do Código do Registo Predial. XVI. Por outro lado, especificamente no que concerne aos bens arrolados, os Apelantes alegaram e provaram factos susceptíveis de integrarem os bens arrolados no conceito de benfeitorias, tal como nos é dado pelo Artigo 216.º do Código Civil, e actos de posse sobre os mesmos, inclusive à data da diligência de arrolamento. XVII. Os bens arrolados consubstanciam-se em benfeitorias úteis que poderiam ter sido removidas do prédio sem deterioração da coisa, mas não o foram, antes foram entregues voluntariamente aos comodantes integradas no prédio restituído, que as possuem em nome próprio. XVIII. Nos termos do disposto no Artigo 4.º do Contrato de Comodato celebrado entre os Apelantes (e julgado provado) e a sociedade embargada e corroborado pelo disposto nos Artigos 1138.º e 1273.º do C. Civil, os ditos bens móveis ficaram a pertencer ao prédio dos Apelantes, sem que assista à referida sociedade comodatária o direito a indemnização. XIX. Mas mesmo que se concluísse que a posse dos Embargantes é não titulada, sempre será inequívoca a sua posse sobre os bens arrolados e comprovadamente perfeita, verdadeira e em nome próprio, visto que os Recorrentes tinham o poder de facto sobre os referidos bens, manifestado pela atividade exercida, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade. XX. A presença e relevância do animus possidendi dos Apelantes na data do arrolamento não deveria ter sido recusada, quando a actividade em que o corpus se traduzia, pela causa que a justifica, era reveladora, por parte de quem a exercia, da vontade de criar, em seu benefício, uma aparência de titularidade correspondente ao direito de propriedade. XXI. Na data do arrolamento, os Apelantes tinham, para além do poder de facto sobre os bens arrolados, a intenção de exercer como titulares o direito de propriedade sobre as ditas coisas. XXII. Assim, resultando inequívoca a posse dos Embargantes sobre os bens arrolados, a estes só restou lançar mão dos Embargos de Terceiro contra o arrolamento efectivado, enquanto meio de defesa especial da tutela possessória. XXIII. Como acentua o Prof. Pires de Lima, in Noções Fundamentais de Direito Civil, 5.ª ed., II, pag. 148, esta acção é, ainda, no fundo, uma consequência da presunção de propriedade resultante da posse. O embargante – isto é, o possuidor que deduz embargos de terceiro – não necessita de provar a sua propriedade sobre os bens que considera indevidamente apreendidos: é bastante a prova da sua posse. A prova de que ele, conquanto possuidor, não é contudo proprietário, e de que os bens podem ser executados, incumbe em tal caso ao credor. XXIV. Em face do disposto no n.º 1 do Artigo 1268.º, do Código Civil, os Embargantes apenas tinham que fazer a prova da posse, cabendo aos Embargados o ónus de impugnar a presunção legal. XXV. Não tendo sido alegada pelos Embargados, nem resultando da instrução da causa melhor posse sobre os bens em causa, que a alegada e comprovada pelos Apelantes, a presunção de propriedade derivada dessa posse deveria ter sido reconhecida e ter sido julgado procedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre os referidos bens, ao abrigo do disposto no Artigo 1268.º n.º 1 do Código Civil. XXVI. Ao ter julgado não provada a posse e o direito de propriedade dos Embargantes sobre os sobreditos bens móveis, a decisão proferida, para além de ter omitido uma apreciação global do material aduzido ao processo, em violação do Princípio da Aquisição Processual consagrado no Artigo 413.º do CPC, ainda violou o direito substantivo aplicável, nomeadamente as normas jurídicas dos Artigos 1251.º, 1258.º n.º 1, 1263.º, n.º 1 a), 1268.º, n.º 1, 1278.º, 1344.º e 350.º do Código Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que reconheça o direito de propriedade dos Apelantes sobre os bens arrolados e ordene o levantamento do arrolamento e a restituição dos bens aos seus donos. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, o que se reclama é a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que declare procedentes por provados os Embargos e reconheça o direito de propriedade dos Apelantes sobre os bens arrolados, com todas as consequências legais, nomeadamente o levantamento do arrolamento efectivado e a restituição da posse aos Apelantes, com o que, e só assim, será feita inteira Justiça.” Foi junta resposta ao recurso, pelo embargado, na qual se pronunciou pelo acerto da decisão recorrida, quer na parte respeitante aos factos controvertidos, quer na parte referente à solução jurídica encontrada. O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo. Foi depois recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto. Cumpre decidir. 2- FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso. As questões propostas em tais conclusões (e que não se analisarão necessariamente pela ordem em que se encontram colocadas), são: - a necessidade da ampliação da matéria de facto a julgar, de forma a que inclua os factos alegados nos arts. 4, 7, 8, 9, 10, 11, 14., 15, 16, 17, 19, 23 e 24 da Petição Inicial. - a qualificação dos bens arrolados como benfeitorias do prédio dos embargantes; - a existência de alegação factual apta ao preenchimento do conceito de posse dos embargantes sobre os bens arrolados; - a desconsideração, na decisão final, dos depoimentos prestados pelas testemunhas no acto preparatório da decisão de recebimento dos embargos; - a presunção de propriedade sobre os bens arrolados, derivada da propriedade dos embargantes sobre o prédio em que eles se encontram “edificados” e da inerente posse sobre eles (usando a expressão dos próprios apelantes). * O tribunal deu por provados e não provados os factos seguintes:Factos provados - 1) Nos autos de Arrolamento a que estes hão-de ser apensos, no dia 13 de Fevereiro de 2012, foram arrolados os seguintes bens: a) Seis coberturas tradicionais simples; b) Um vídeo; c) Seis câmaras de vídeo; d) Um cofre 140; e) Um stand de vendas composto por entrada, dois gabinetes e WC; f) Uma cobertura. 2) Os referidos bens não foram removidos do prédio onde se encontram edificados, tendo sido constituído fiel depositário o ora Embargante. 3) Encontra-se registada a favor dos embargantes o prédio rústico situado em …, na freguesia … do concelho de Amarante, com a área de 10.635 m2, o qual confronta a norte e nascente com a Variante da E.N. …, e a sul e poente com os limites da freguesia, conforme descrição na Conservatória do Registo Predial de Amarante na ficha 2502 e inscrito matriz rústica da freguesia … sob o artigo 2880. 4) Os embargantes vêm pagando impostos e dispondo do mesmo da forma que em entendem, o que vêm fazendo à vista de todos ao longo dos últimos 5 anos, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de quem quer que seja, e na convicção de exercerem o direito de propriedade. 5) No dia 1 de Fevereiro de 2007, os embargantes cederam o gozo a titulo gratuito, de uma parcela de terreno, integrante do prédio acima identificado à Requerida “I…, Lda, nos termos do acordo junto aos autos a fls. 4 e 5 cujo teor se dá aqui por reproduzido. 6) No dia 1 de Fevereiro de 2012, os Embargantes celebraram com E… o acordo escrito junto aos autos a fls. 20 a 22, cujo teor se dá aqui por reproduzido. 7) No dia 13 de Fevereiro de 2012, o Embargante marido foi contactado por E… que lhe solicitou que se deslocasse à parcela, uma vez que, na presença da GNR, um Oficial de Justiça comunicou que iria remover todos os bens amovíveis existentes na parcela. 8) Tendo-se deslocado ao local, o Embargante opôs-se à remoção, alegando que tais bens lhe pertenciam. Factos não provados - Não se provou, com relevância para a decisão da causa: a) Que no dia 25.1.2012 a representante daquele embargado “I…, Lda, decidiu restituir a parcela de terreno identificada no acordo mencionado supra. b) Que os embargantes são proprietários de todos os bens móveis existentes na parcela de terreno acima identificada. c) Que o embargado D… comprou efectivamente à I… os bens arrolados. Na fundamentação da sua decisão, o tribunal referiu, quer o acordo processual das partes, quer os documentos juntos aos autos, quer os depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, E… e F…. * Analisada esta componente da decisão recorrida, e já apreciando a primeira questão suscitada pelos apelantes, verifica-se, ser verdade o Tribunal, em sede de decisão sobre a matéria de facto, não ter enunciado a conclusão que constava do art. 4º da p.i., sobre o direito de propriedade dos embargantes sobre o prédio da …. No entanto, como é próprio dessa fase processual, pronunciou-se expressamente sobre a factualidade apta a suportar ulteriormente essa conclusão. Ou seja, deu por provada a inscrição desse direito em nome deles, na Conservatória do Registo Predial. Com isso, em momento ulterior da sentença, sempre é possível fazer derivar desse facto a conclusão jurídica da sediação de um tal direito de propriedade sobre aquele prédio na esfera jurídica dos embargantes. Porém, na fase da decisão sobre a matéria de facto, ao contrário do defendido pelos apelantes, não carecia de ser afirmada já aquela conclusão que é, em si mesma, não um facto, mas o resultado de uma operação de qualificação jurídica.Não merece, pois, qualquer crítica, a decisão do tribunal recorrido quanto a esta matéria, que excluiu da sua pronúncia uma pura conclusão jurídica. Mas os apelantes defendem também que outras suas alegações deveriam ter sido expressamente mencionadas – e dadas por provadas – na decisão sobre a matéria de facto. Para isso transcrevem, no texto do seu recurso, por duas vezes, o seu articulado inicial. São as seguintes as afirmações que entendem corresponderem a factos merecedores de uma apreciação judicial: 7. Os Embargantes estão na posse do sobredito prédio, com todas as coisas móveis que o integram, 8. Pagando os impostos e dispondo do mesmo da forma que bem entendem, 9. O que vêm fazendo à vista de todos, ao longo dos últimos cinco anos, 10. Sem oposição de quem quer que seja, 11. Na convicção de exercerem um direito próprio, o direito de propriedade. 14. No dia 25 de Janeiro de 2012, a gerente da sociedade Requerida, por sua livre e espontânea vontade, restituiu a parcela de terreno aos Embargantes. 15. Para o efeito, um funcionário da Requerida, de seu nome G…, entregou-lhes a chave do portão de vedação da parcela emprestada e as chaves do contentor e o comando da barreira existentes na mesma, alegando que o fazia por ordem da gerência da Requerida. 16. A entrega dos referidos objectos foi efectivada ao Embargante marido, no seu domicílio profissional, nas instalações da J…. 17. Uma vez que não havia sido a gerente da Requerida, D. K…, a vir falar com os Embargantes, o que muito os surpreendeu e até desgostou, os Embargantes decidiram enviar para a residência desta, a carta que se anexa sob doc. n.º 4, naquele mesmo dia. 19. A parcela foi emprestada com todas as coisas que a integram, inclusive os bens arrolados, coisas essas que passam a discriminar-se: a. Seis coberturas, constituídas por estrutura metálica em tubos redondos, aparafusados ao solo por meio de uma base em chapa metálica, forradas por uma lona para a cobertura com as dimensões de 9000*6200; b. Uma Pérola em ferro e lona com 6000*10000; c. Um contentor constituído por dois gabinetes e uma casa de banho, com as dimensões de 2500*7700; d. Uma mesa em ferro fundido de 1 m e quatro cadeiras; e. Uma cobertura em chapa de zinco com 5000*7700; f. Uma estrutura em chapa de zinco com 5000*7700; g. Seis câmaras de vídeo marca S. Cheu; h. Uma vedação em rede em painéis de 2500*1500 com a totalidade de 32500; i. Um portão de correr em ferro metalizado com a largura de 5000*1500; j. Uma barreira com motor eléctrico com largura de 5000; k. Baixada de emergência eléctrica, incluindo quadro eléctrico e contador de luz; l. Duas secretárias; m. Um vídeo AVT; n. Quatro holofotes marca Disanovo, 230 V, 50 HZ, com coluna em ferro; o. Rede de vedação com 128 metros por 2,00 metros de altura, incluindo suportes em ferro; p. Seis candeeiros para as coberturas marca SOFLIGHT; q. Dois aparelhos de ar condicionado; r. Dois cadeirões de escritório; s. Quatro cadeiras de escritório; t. Dois móveis metálicos; u. Um contador de notas; v. Um computador Fletron LG; w. Uma fotocopiadora. 23. Os Embargantes são efectivamente proprietários da parcela e de todos os bens móveis existentes na mesma, inclusive as edificações amovíveis. 24. Os Embargantes não são parte nos autos de Arrolamento. Vejamos, quanto a tais alegações, a pertinência das razões dos apelantes. No que respeita ao art. 7º da p.i., o que se constata é que o respectivo conteúdo corresponde à alegação de um conceito jurídico, e não à alegação de factos, relativamente ao prédio que já anteriormente se dera por provado estar inscrito em nome dos apelantes, quanto à respectiva propriedade, na Conservatória do Registo Predial. As afirmações constantes dos arts. 8º a 11º, e mesmo a constante do art. 7º, como é bom de ver, referem-se ao prédio (cfr. art. 8º “dispondo do mesmo”) sendo que a alegação é completamente vazia quanto à descrição de quaisquer factos directamente respeitantes a bens móveis que ali se encontrem. Ora estando adquirida a factualidade de que resultará, por presunção, a conclusão sobre o direito de propriedade dos autores sobre o seu prédio – matéria que, de resto, não é alvo de qualquer controvérsia - fica inútil a alegação dos factos constantes dos arts. 8º a 11º a propósito desse mesmo prédio, que é o que aí consta. Quanto aos pontos 14º a 16º, inexiste qualquer omissão de pronúncia, já que o tribunal expressamente qualificou tal matéria como não provada (em termos que infra se discutirão). A matéria do art. 17º é inútil para a decisão da causa. A matéria do art 19º situa-se cronologicamente em momento ulterior ao que é relevante para a decisão da causa. Sendo certo que os bens ali mencionados se encontravam na parcela e que os embargantes os incluíram no comodato que fizeram a um terceiro, tanto assim que foram arrolados em tais circunstâncias, isso nada esclarece sobre a entrega dos mesmos ou sobre os termos da sua aquisição pelos embargantes, como alegam. Pelo contrário, o arrolamento é em si mesmo a manifestação de oposição a tal alegação dos embargantes, por constituir manifestação da reivindicação de um direito de propriedade contraditório. Por isso, tal matéria não tem qualquer utilidade para a decisão a proferir. A matéria do quesito 23º, apesar de ser substancialmente uma conclusão jurídica e não uma asserção factual, o que torna pertinente aqui o que já antes se referiu a propósito do art. 4º da p.i., acabou por merecer, quanto aos bens móveis, uma expressa pronúncia negativa pelo tribunal recorrido. Por isso, inexiste, também a este respeito, qualquer necessidade de ampliação da base instrutória. Quanto à matéria do art. 24º, tal como alega o apelado, não carece ela de ser incluída na decisão sobre a matéria controvertida, tanto mais que está pressuposta no reconhecimento da legitimidade dos embargantes para se oporem, através destes embargos de terceiro, ao arrolamento realizado. Assim, quanto a esta primeira questão, verifica-se uma total falta de razão dos apelantes, não sendo a decisão recorrida passível de qualquer crítica sobre a matéria que seleccionou como relevante e que ajuizou. Diferente questão, como já se disse, é a da adequação do respectivo juízo probatório à prova produzida. Porém, no que respeita á necessidade de ampliação da matéria a utilizar na decisão, improcedem as conclusões dos apelantes. * Passando, então, à apreciação dessa outra questão (apesar de não ter sido a que foi sucessivamente colocada pela apelante, um critério lógico impõe a sua imediata decisão), cabe indagar se a prova produzida impunha outra decisão, designadamente quanto à factualidade não provada e que o tribunal referiu sob als. a) e b), referente ao circunstancialismo da entrega do imóvel e bens que nele se encontravam, aos apelantes (artigos 14º, 15º e 16º da petição), e à falta de elementos de onde pudesse derivar uma conclusão sobre a aquisição da propriedade dos bens móveis pelos mesmos ora apelantes.Para sustentar um diferente juízo probatório, os apelantes invocam os seguintes meios de prova: - auto de arrolamento e documentos anexos; - registo e caderneta do prédio do prédio - contrato de comodato, de fls. 14 a 16; - carta de fls. 17, referindo o recebimento da parcela, chaves do portão e do contentor e comanda da barreira, à gerente da empresa comadatária - novo contrato de comodato, onde se menciona a entrega da parcela e dos bens que vieram a ser arrolados, de fls. 20 a 22; - Depoimentos de E…, quer o prestado em 20/4/2012 (em sede de inquirição prévia ao recebimento dos embargos de terceiro), quer o prestado em audiência de julgamento; - Depoimentos de G… e de H…, prestados em 20/4/2012, em sede de inquirição prévia ao recebimento dos embargos de terceiro. A este propósito, os embargantes criticam precisamente a não ponderação, pelo tribunal a quo, dos depoimentos prestados em 20/4/2012, invocando o princípio da aquisição processual. Fazem-no, porém, em completo erro e esquecendo a natureza e finalidade dessa prova e o regime processual deste expediente de embargos de terceiro. Como bem se explica no Ac. do TRL de 31-01-2013 (proc nº 296/05.1TBPNI-J.L1-8, in dgsi.pt) com a reforma processual introduzida pelo DL 329-A/95 de 12/12, os embargos de terceiro são um incidente da instância, “uma verdadeira sub-espécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro – art. 351 a 359 CPC. E, assim, como é próprio do conceito de oposição (art. 342/1), encontramo-nos perante um incidente que permite a um terceiro intervir na causa para fazer valer no confronto de ambas as partes um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas – cfr. Curso de Processo de Execução, 5ª ed. – 248 e Acs. STJ de 15/1/2013, relator Sebastião Póvoas e de 6/11/2012, relator António Piçarra, in www.dgsi.pt.” E continua esse Acórdão: “Trata-se de um incidente cuja estrutura corresponde à de uma acção declarativa a processar por apenso à causa em que haja sido ordenado o invocado acto ofensivo do direito de um terceiro (o embargante), permitindo-lhe intervir a fim de fazer valer o seu direito (…). Estipula o art. 354 CPC, sob a epígrafe Fase introdutória dos Embargos que: Sendo apresentados em tempo e não havendo razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não a probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante. No caso dos embargos serem recebidos, são notificadas para contestar as partes primitivas…; suspensão dos termos do processo em que se inserem, quanto a bens que dizem respeito…-cfr. arts. 356 e 357 CPC. Daqui se extrai que os embargos comportam uma fase liminar, na qual, de acordo com as diligências probatórias efectuadas, estes podem ser ou não recebidos, conforme haja ou não a probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante e só, sendo recebidos, é que há lugar à dedução da oposição por parte das partes primitivas. (…) A decisão do recebimento ou rejeição dos embargos de terceiro, de acordo com a prova produzida, não visa o julgamento de mérito dos embargos, é uma decisão liminar, introdutória, na qual se aquilata a probabilidade séria da existência ou não do direito invocado pelo embargante, seguindo-se, em caso de recebimento, a oposição/contestação e o julgamento (decisão de mérito).” Resulta de tal regime processual, a nosso ver sem que tal possa dar azo a quaisquer dúvidas, que a prova produzida na fase liminar se destina (quanto ao que releva para esta análise) a demonstrar um dos pressupostos de aceitação dos embargos: a de uma probabilidade séria de existência do direito invocado. Essa prova serve exclusivamente para sustentar uma decisão liminar, provisória e cujo efeito de caso julgado se esgota no recebimento dos próprios embargos. A incompreensão deste regime estará eventualmente na génese da afirmação feita nas alegações recursivas dos apelantes segundo a qual o despacho liminar de recebimento dos embargos lhes reconheceu a qualidade de possuidores dos bens arrolados e transitou em julgado por não ter sido impugnado pelo embargado. Porém, o que é indubitável é que isso não é assim. Proferida decisão liminar de recebimento dos embargos de terceiro, o processo prossegue com a contestação dos embargados (partes primitivas no processo onde se praticou o acto alegadamente ofensivo), seguindo-se depois os termos do processo ordinário ou sumário de declaração (art. 357º do CPC). Segundo tal tramitação, haverão de ser produzidas provas e discutida a causa, sob pleno contraditório, em audiência de julgamento. Nesta, destinada à apreciação do mérito dos embargos, nenhuma pertinência terão os depoimentos colhidos na fase liminar do incidente, cujo fim era claramente diferente e em função do qual foram produzidos. A função dessa prova nada pode significar para a ulterior apreciação do mérito dos embargos, até porque ocorre num momento processual em que o contraditório nem está instalado plenamente, já que os embargados ainda não tiveram oportunidade de trazer aos autos a sua versão dos factos. Essa prova, versando sobre matéria limitada e alheia à decisão sobre o mérito dos embargos, esgota a sua utilidade na decisão liminar, sendo inaproveitável para momentos ulteriores desse mesmo processo. Aliás, por isso mesmo é que tem sentido a repetição da audição de testemunhas em audiência de julgamento, ainda que tenham sido ouvidas naquela fase liminar, como aconteceu no caso sub judice com E…. Com este regime não contende o princípio da aquisição processual, que constava do art. 515º do CPC aplicável, que respeita a questões diversas, designadamente a da origem das provas atendíveis. Na questão em análise, o que está em causa é a inadmissibilidade de uma ultra-eficácia da prova produzida, para além do fim para o qual foi oportunamente produzida. Assim, em face do disposto no art. 357º do CPC, é óbvio não relevarem, em sede de julgamento do mérito dos embargos de terceiro, as provas indiciárias acolhidas para a prolação da decisão liminar de recebimento dos embargos. Por isso mesmo, bem fez o tribunal recorrido ao ponderar exclusivamente os documentos juntos aos autos (com eficácia inerente à sua natureza de prova pré-constituída) e os depoimentos testemunhais produzidos em sede de audiência de julgamento. Cabe, então, indagar se, em razão desses meios de prova, outra decisão se impunha ao tribunal recorrido sobre a matéria relevante para os apelantes, traduzida nas als. a) e b) dos "Factos não provados". Para melhor execução desta tarefa, é importante ter presente a natureza dos bens em causa, bem como a sua contextualização no âmbito daquele contrato de comodato que teve por objecto o prédio dos apelantes e a cedência precária do seu gozo à dona daqueles bens. Com tais parâmetros, melhor se interpretarão os depoimentos e demais provas a ponderar. E isso torna-se essencial porquanto se constata que foram sendo usados conceitos com um sentido que talvez não corresponda ao seu significado real ou jurídico, o que constitui factor de perturbação da análise a realizar e que, por isso, deve ser esclarecido. Isso ocorre, por exemplo, em relação à expressão de "benfeitorias" ou ao conceito de bens móveis "edificados" na parcela de terreno. Ora, os bens que estão em causa são os seguintes: a) Seis coberturas tradicionais simples; b) Um vídeo; c) Seis câmaras de vídeo; d) Um cofre 140; e) Um stand de vendas composto por entrada, dois gabinetes e WC; f) Uma cobertura. E quanto ao teor do contrato (referido no ponto 5 dos factos provados), verifica-se que na sua cláusula 4ª ficou estabelecido ser vedado à comodatária "Fazer obras ou benfeitorias na parcela cedida, sem consentimento por escrito dos comodantes e aquelas que porventura venha a fazer, ficam a pertencer ao referido prédio, não podendo a comodatária por elas pedir qualquer indemnização ou usar do direito de retenção". Não oferece dúvida o conceito de obras executadas na parcela, além de que nenhuma polémica se encontra estabelecida em relação a qualquer obra que ali tenha sido realizada. Diferente, no entanto, é a questão respeitante às “benfeitorias” cuja realização na parcela estava sujeita a autorização e cujo resultado ficaria a pertencer à parcela. O conceito legal de benfeitoria encontra-se fixado no art. 216º do C. Civil, segundo o qual são benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, sendo necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração daquela; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação lhe aumentam, todavia, o valor, e voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante, Desta noção, resulta que a benfeitoria, maxime quando a despesa se revela num resultado material, há-de constituir algo que fique materialmente ligado ao prédio, que fique a integrá-lo, a fazer parte dele. Só assim a benfeitoria realizará a sua natureza de alterar o prédio em termos que se traduzem no necessário á sua conservação, no incremento do seu valor intrínseco ou da sua potencialidade recreativa. Temos, pois, que a benfeitoria executada num prédio há-de ser algo que passe a ser dele uma parte integrante. Manuel de Andrade (“Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. I, pág. 237) define o que sejam partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos: “ As partes integrantes, por seu lado, não chegam a ser elementos da própria estrutura do prédio, que sem elas não deixaria de existir completo e prestável para o uso a que se destina. Só que aumentam a utilidade do mesmo prédio, enquanto servem para o tornar mais produtivo, ou para sua maior segurança, comodidade ou embelezamento. Estão postas ao serviço do prédio. Desempenham relativamente a ele uma função auxiliar ou instrumental.”. Como exemplo típico de partes integrantes dos prédios urbanos as instalações para luz eléctrica ou os pára-raios. Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 198), dão exemplos de partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos: “(…) esteios e ferros de uma ramada, os motores eléctricos, a instalação de água e de luz, o aquecimento central, etc....”. Por oposição, uma coisa acessória – ainda que materialmente ligada ao prédio, mas em termos não definitivos, não deverá ser qualificada como benfeitoria. Pensemos, por exemplo, num quadro que se pendura numa parede, numa instalação exterior de ar condicionado, ou na colocação de canteiros amovíveis com plantes. Tudo isso pode melhorar o prédio, proporcionar um grau diferente de utilidade ou recreação na sua utilização. Mas tais instalações não haverão de ser consideradas partes integrantes do imóvel e, por isso, benfeitorias, na media em que mantêm a ele um grau de autonomia ou individualidade que permite a sua percepção como algo de diferente do próprio prédio. Neste sentido, cfr. Ac. do TRG de 22-2-2011, in dgsi.pt., onde se conclui pela não qualificação como benfeitoria de um equipamento de ar condicionado instalado num imóvel. No caso em apreço, parece-nos óbvio ser insusceptível de considerar como parte integrante do imóvel qualquer dos bens arrolados: um cofre, um sistema de vídeo, incluindo aparelho de vídeo e câmaras de vigilância, um contentor apto a funcionar como stand de vendas; coberturas que, na descrição inicial dos embargantes, são estruturas tubulares aparafusadas ao chão e cobertas de lona ou estrutura em zinco, mas claramente amovíveis. Tais objectos são equipamentos, coisas acessórias, que foram colocadas no local pela comodatária, para utilizar o terreno emprestado para o exercício da sua actividade. Mas de forma alguma se integraram no prédio ou ficaram a fazer parte dele. Basta simplesmente desmontar esses equipamentos e levá-los dali. Acresce que, a cláusula contratual transcrita supra, de forma alguma consente uma interpretação segundo a qual as “benfeitorias” ali previstas, a par de obras que viessem a ser executadas no próprio local, possam incluir toda a categoria de objectos ou equipamentos que a comodatária ali instalasse para exercer a sua actividade. Claramente o que ali estava em causa eram as benfeitorias com o sentido que antes se fixou a este conceito, conforme à sua consagração legal. E nesse não se podem incluir os citados objectos. Aliás, os próprios autos fornecem elementos que só levam a sustentar esta conclusão. Veja-se, por exemplo, que o embargado jamais reivindicou a entrega das vedações em rede, do protão ou da barreira de acesso instalados no terreno. Esses bens sim, seriam passíveis de qualificação como benfeitoria, dada a sua incorporação no próprio imóvel. E que tal parece ser a compreensão dos próprios embargantes – apesar da pretensão de afirmação da tese contrária – resulta ainda do esforço que fazem para tratar aqueles móveis arrolados como algo diferente do que são, aplicando-lhes o verbo “edificar”. Com efeito, foi uma tal necessidade que certamente presidiu à sua alegação de que tais bens (por exemplo, um cofre ou um circuito de vídeo incluindo o seu aparelho de gravação) foram “edificados” pela comodatária. O próprio abuso deste conceito, de que se socorrem na sua alegação, traduz a insustentabilidade dessa tese. Um cofre não pode ser edificado; uma cobertura amovível não é um edifício; nem sequer um contentor destinado a escritório o é. Em conclusão, quer face ao conceito legal, quer face ao próprio teor do contrato, temos por adquirido que os bens móveis arrolados não se encontram abrangidos pela clausula contratual nos termos da qual, cessado o comodato, haveriam eles de reverter para a propriedade dos embargantes. * Assim, sendo, como justificar a aquisição da propriedade desses bens arrolados pelos embargantes? Afirma eles que, em 25/1/2012, um funcionário da comodatária lhes entregou (mais concretamente ao embargante marido) a chave do portão e o comando da barreira, afirmando que o fazia por ordem da comodatária, com o que estaria a entregar-lhes a parcela e tudo o que estava no seu interior.Acontece que o depoimento de E…, testemunhando a entrega dessa chave, nada revelou saber sobre a origem ou o destino desses bens móveis. O seu depoimento é, aliás, completamente despido de referência a tais factos, a não ser quanto à admissão de que continua a usá-los e de que lhe referiram que, nos termos do contrato de comodato anterior, aqueles bens ficariam para os embargantes. Todavia, desacompanhado de outra prova, esse depoimento é muito pouco preciso para que possa ser considerado convincente e eficaz para a demonstração dos termos daquela entrega. Assim, não é com base neste depoimento, que se pode alterar o juízo do tribunal recorrido, inexistindo outras provas que devam motivar uma tal alteração (designadamente os escritos produzidos pelos próprios embargantes, v.g. a carta de fls 17, que só menciona a recuperação da parcela e a ocupação do seu espaço, ou o novo contrato de comodato, este conforme infra se referirá) * Por fim, referem os embargantes, nas suas alegações de recurso, que sendo titulares da propriedade sobre o imóvel referido e estando na respectiva posse, estavam também na posse desses móveis, o que faz presumir a sua propriedade sobre os mesmos.Acontece que a mera presença dos bens móveis arrolados no interior do prédio dos embargantes, nas circunstâncias descritas e mesmo inexistindo dúvidas sobre a titularidade do direito de propriedade sobre esse imóvel, não é apta a facultar a conclusão sobre a existência de uma efectiva posse sobre esses móveis, em termos suficientes para justificar a procedência destes embargos com fundamento na tutela dessa posse, ou inferindo dela o correspondente direito de propriedade (nos termos do nº 1 do art. 1268º do C. Civil). Como se refere no Ac. do TRC de 17/11/2009, a presunção de posse decorrente do n.º 2 do artigo 1252.º do Código Civil não dispensa a embargante de alegar e provar o elemento material da posse (corpus). No caso em apreço, quanto a este elemento material, apenas se revela que os embargantes decidiram elencar os bens móveis em questão e inclui-los num novo comodato, feito a E…, que passou a usá-los com essa justificação. Nenhum acto de domínio de facto sobre esse móveis foi concretamente descrito, discutido e demonstrado, e as circunstâncias da sua entrega a E…, em 1/2/2012 (ponto 6 da matéria provada), logo postas em causa com um arrolamento efectivado em 13/2/2012, isto é, apenas 12 dias depois, são de ordem a que não possa considerar-se demonstrado de forma minimamente densificada o referido corpus possessório. Pelo contrário, a actuação apurada tende a indiciar, isso sim, a construção de uma situação apta a revelar uma posse que, quanto a ambos os seus elementos – material e psicológico – inexistia originalmente. Fica, assim, prejudicado o funcionamento da presunção de animus possidendi, nos termos do nº 2 do art. 1252º do C. Civil, bem como, sucessivamente, da presunção de um invocado direito de propriedade sobre esses móveis, com base no reconhecimento de uma situação possessória mantida sobre esses mesmos móveis, designadamente, por inerência ao direito de propriedade sobre o imóvel em que os mesmos móveis se encontravam. Diferentemente do alegado pelos apelantes, a sua posse não pode afirmar-se pura e simplesmente pela não afirmação de uma posse superior ou de um direito de propriedade adverso. Para o funcionamento da presunção constante do art. 1268º, nº 1 do Código Civil, necessário se torna a identificação de uma situação possessória, para se presumir a titularidade do direito correspondente. Verificando-se essa situação possessória, fica facilitada a afirmação do direito, se não for demonstrada a titularidade, por outrem, desse mesmo direito (Mota Pinto, Direitos Reais, pgs. 204 e 205). Porém, no caso em apreço, essa presunção não cai pela comprovação de um direito contrário (o que o embargado também ensaiou, mas sem sucesso), mas por não se poder concluir que os embargantes mantinham efectivamente uma posse sobre os bens arrolados. Essa posse, como se disse, não deriva simplesmente do facto de os bens estarem instalados num imóvel que lhes pertence, pois que se apuraram as circunstâncias que justificaram essa instalação, das quais não decorrer nem o invocado direito de propriedade, nem a posse sobre esse móveis. E não deriva de suficientes actos subsumíveis ao corpus possessório invocado, em termos que, pelo seu turno, permitissem presumir o correspondente animus. * Por todo o exposto, só podemos acompanhar o tribunal recorrido na afirmação de que ficou por demonstrar, pelos embargantes, que os bens arrolados eram de sua propriedade ou estavam na sua posse. Por conseguinte, na improcedência deste recurso, deve confirmar-se a decisão recorrida.Sumariando: - Os embargos comportam uma fase liminar, na qual, de acordo com as diligências probatórias efectuadas, estes podem ser ou não recebidos, conforme haja ou não a probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante. Essa prova serve exclusivamente para sustentar uma decisão liminar, provisória e cujo efeito de caso julgado se esgota no recebimento dos próprios embargos. - Seguindo o processo, segundo os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, nenhum aproveitamento ulterior terão os depoimentos colhidos na fase liminar do incidente. Essa prova nada pode significar para a ulterior apreciação do mérito dos embargos, até porque ocorre num momento processual em que o contraditório nem está instalado plenamente. - Da definição constante do art. 216º do C. Civil resulta que uma benfeitoria executada num prédio, quando se traduza num resultado material, há-de ser algo que passe a ser dele uma parte integrante, algo que fique materialmente ligado ao prédio, a fazer parte dele. Por oposição, uma coisa acessória – ainda que materialmente ligada ao prédio, mas em termos não definitivos - não deverá ser qualificada como benfeitoria. - Equipamentos tais como um cofre, um sistema de vídeo, incluindo aparelho de vídeo e câmaras de vigilância, um contentor a funcionar como stand de vendas; coberturas em estruturas tubulares aparafusadas ao chão e cobertas de lona ou estrutura em zinco, mas claramente amovíveis, não constituem benfeitorias. - Para o funcionamento da presunção constante do art. 1268º, nº 1 do Código Civil, necessário se torna a identificação de uma situação possessória. - A presunção de posse decorrente do n.º 2 do artigo 1252.º do Código Civil não dispensa a alegação e prova do elemento material da posse (corpus). 3 - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a apelação e em confirmar a douta decisão recorrida. * Custas pelos apelantes.Porto, 11/03/2014 Rui Moreira Henrique Araújo Fernando Samões |