Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ELSA PAIXÃO | ||
Descritores: | SIMULAÇÃO DE CRIME DENÚNCIA AUTORIDADE PÚBLICA ESTRANGEIRA | ||
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Nº do Documento: | RP20150617906/13.9JAPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/17/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | PARCIAL PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - No crime de simulação de crime (artº 366º CP) o bem jurídico protegido é a realização da justiça, e o tipo objectivo consiste na denuncia de um crime inexistente à autoridade competente ou a criação de uma suspeita da pratica de um crime sem que se proceda à imputação desse ilícito a uma pessoa concreta. II – Só constitui crime a denúncia feita à autoridade pública portuguesa competente para a investigação e o procedimento criminal ou a outra autoridade portuguesa que tenha o dever legal de comunicar a denúncia à autoridade competente para a investigação e procedimento criminal. III – Não constitui crime a denúncia feita perante autoridade pública estrangeira. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 905/13.9JAPRT.P1 Instância Central de Vila do Conde – 2ª Secção Criminal – J2 - Comarca do Porto Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO Na Instância Central de Vila do Conde – 2ª Secção Criminal – J2 - Comarca do Porto, no processo comum coletivo nº 905/13.9JAPRT, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, as juízas que integram este Tribunal Coletivo acordam em, julgando a acusação parcialmente procedente e, em consequência, decidem: 1. Absolver o arguido B… da prática do crime de dano com violência, p. e p. pelo art. 214º, nº 1, b) com referência aos arts. 212º, nº 1 e 213º, nº 1, c), todos do Código Penal; 2. Condenar o arguido B…, como autor material, de um crime de dano qualificado p. e p. pelos arts. 212º, nº 1 e 213º, nº 1, c), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; 3. Condenar o arguido B…, como autor material, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º, nº 1 e 2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão; 4. Condenar o arguido B…, como autor material, de um crime de simulação de crime, p. e p. pelo art. 366º, nº 1 do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão; 5. Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 2. 3. e 4. nos termos do artigo 77º do Código Penal, condenar o arguido B… na pena única de 5 (cinco) anos de prisão. 6. Suspender a execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão ao arguido B… por igual período, com a imposição do dever de apresentação de um pedido formal de desculpas quer à Policia Judiciária, quer à GNR, reconhecendo assim o perigo para vida e para a integridade física em que colocou os identificados agentes das referidas forças policiais. Para o efeito, o arguido deverá fazer o referido pedido no prazo máximo de dois meses e dar conhecimento do teor do mesmo nos autos. 7. Ordenar a restituição do telemóvel de marca Samsung, e da fatura em nome do arguido da C… (fls. 22), apreendidos por auto constante de fls. 15 e depositado conforme guia de fls. 548, ao arguido, ordenando a destruição da fatura em nome de D… (fls. 21). 8. Declarar perdido a favor do Estado o veículo Audi, modelo …, de cor azul e matrícula ….CPW, apreendido por auto constante de fls. 15, nos termos previstos no art. 109º, nº1, do Código Penal, por ter servido para a prática dos crimes pelos quais o arguido foi agora condenado. 9. Ordenar a entrega do depósito da quantia de € 1.671,15 constante de fls. 307, à Policia Judiciária, com vista à reparação do dano provocado na viatura Seat … da Policia Judiciária. 10. Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se em 4 (quatro) UC a respetiva taxa de justiça. *** Deposite - art. 373º, nº 2 do Código de Processo Penal. Após trânsito: Remeta boletins à D.S.I.C.C. Comunique ainda esta decisão à D.G.R.S. *** Inconformado com a sentença condenatória, o arguido B… veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):De facto 1 – Inexiste prova para a imputação de ação delituosa do recorrente quanto ao elemento da GNR E…, inexiste dolo direto no atropelamento do inspetor F…, inexiste conhecimento da afetação do Seat … a um organismo, qualquer que ele seja, inexiste conhecimento da tramitação adjetiva portuguesa sequente à participação dos factos em Espanha, inexiste motivo para o recorrente temer ser detido e, por fim, inexiste fundamento legal para a operação desencadeada, atento o valor nulo de uma denúncia anónima. 2 – Por inexistirem tais fundamentos, não se pode imputar a carga delituosa e, em consequência a prova deve ser renovada. 3 – Com as inerentes consequências, nomeadamente, as que decorrem das penas a aplicar e seu quantum. 4 - O vício resulta do texto da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum, na medida em que há contradição insanável entre a fundamentação e a decisão como supra se explanou e demonstrou. 5 – Vício previsto no artigo 410º, nº 2 do CPP, que deve ser sanado, com renovação da prova, nos termos reclamados, à luz dos artigos 430º e 431º, do CPP. De direito 6 – Não se mostra preenchido o tipo legal de crime de simulação de crime. 7 – No caso em apreço, conforme supra se explanou em sede de motivação, há um empolamento de parte do que aconteceu na realidade, factos que por si são passíveis de tratamento penal. 8 – O empolamento dos disparos sobre o carro, o desaparecimento deste e os contornos da abordagem são uma parte do que aconteceu, sendo que também aconteceram outros factos. 9 – Mas os denunciados factos levam a que se investigue, nem que seja para chegar à conclusão que o veículo está apreendido e que foi alvejado enquanto saia do local onde se pretendia fazer uma abordagem. 10 – A denúncia tem por base factos que aconteceram na sua realidade e que por si determinam uma averiguação. 11 – A decisão recorrida violou assim o artigo 366º, nº 1 do CP. Sem prescindir 12 - O recorrente pugna pela ponderação das questões submetidas à ponderação sob A) e B)1, se não lhe for conferida a razão que sustenta, subsidiariamente, coloca à ponderação a medida das penas e aponta: as penas parcelares são elevadas. 13 – Atendendo ao facto do recorrente ter reparado o dano na sua totalidade ainda na pendência do inquérito, atendendo ao facto de não ter antecedentes em Portugal, atendendo ao facto de não se terem verificado quaisquer das suspeitas que desencadearam a presente investigação, nomeadamente o tráfico de heroína, atendendo ao facto de não obstante ter apenas TIR como medida coativa e não residir em Portugal, nunca ter faltado a qualquer diligência, nem mesmo para a elaboração do relatório social, o que evidencia que não se quer eximir à ação da justiça, atendendo à sua integração familiar, social e económica, adequam-se as abaixo indicadas: - a pena de 1 (um) ano de prisão pela prática do crime de dano qualificado p. e p. pelos arts. 212º, nº 1 e 213º, nº 1, c), ambos do Código Penal; - a pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática do crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º, nº 1 e 2 do Código Penal; - a pena de 4 (quatro) meses de prisão pela prática do crime de simulação de crime, p. e p. pelo art. 366º, nº 1 do Código Penal. 14 – Em cúmulo, deve a pena única fixar-se em 3 anos de prisão, cuja execução deve ficar suspensa na sua execução. 15 – A decisão recorrida violou os artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal. Revogando-se a decisão recorrida, far-se-á justiça. *** O recurso foi admitido (cfr. despacho de fls. 714).*** Em resposta, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e manutenção do acórdão recorrido. Concluiu com as seguintes conclusões:1-A decisão recorrida não enferma do vício resultante do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, já que não há contradição insanável entre a fundamentação e a decisão de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão previsto no art.º410.º,n.º2-b), do C.P.P.; e 2-Não foram violados quaisquer preceitos legais, nomeadamente os art.ºs 410.º, n.º 2-b), do C.P.P. e 40.º, 70.º 71.º e 366.º, n.º 1, todos do Cód. Penal. *** Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, tendo em conta as considerações da resposta do Ministério Público em primeira instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.*** Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, tendo sido apresentada resposta pelo arguido, em que concluiu como na motivação.*** Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.*** II – FUNDAMENTAÇÃOPassemos agora ao conhecimento das questões alegadas no recurso interposto da decisão final proferida pelo tribunal coletivo. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo do acórdão recorrido. Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, constantes do acórdão recorrido (transcrição): 2. Fundamentação de Facto: 2.1. Matéria de facto provada. De relevante para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 30 de abril de 2013, pelas 21h30m, o arguido B… conduzia o veículo marca Audi, modelo …, com a matrícula ….CPW, acompanhado de outro indivíduo cuja identidade se desconhece, e seguia pela A28, no sentido norte-sul, junto ao nó de acesso de …. 2. Nesse mesmo dia, foi recebida pela Polícia Judiciária uma denúncia anónima em que se dava conhecimento que dois indivíduos de nacionalidade espanhola, um deles conhecido por B1…, se deslocariam à cidade do Porto, num veículo marca Audi, modelo …, com a matrícula ….CPW, a fim de efetuar uma entrega de dois quilos de heroína. 3. Na sequência desta denúncia, a GNR e a Polícia Judiciária, nesse dia, tendo tido conhecimento que o arguido circulava pela A28, cerca das 22h15m, encerraram parte desta autoestrada ao trânsito, bloqueando esta via junto ao Km 34.600, na Póvoa do Varzim. 4. Para o efeito, a GNR cortou ao trânsito a via da esquerda da faixa de rodagem, no sentido norte-sul, tendo ainda informado em painel eletrónico existente na via a verificação de tal corte ao km 34.600. 5. No local do corte da faixa de rodagem, também com o propósito de o sinalizar, encontrava-se uma viatura caracterizada da GNR e dois militares daquela guarda devidamente fardados e uniformizados com coletes refletores. 6. Entretanto, cerca das 23h00, o arguido B… conduzindo o referido veículo com a matrícula ….CPW, aproximou-se do Km 34.600 da A28 e, ali chegado, em virtude da via se encontrar bloqueada pela GNR e face às ordens de paragem de E…, cabo daquela guarda, que se encontrava devidamente fardado e identificado como guarda daquela força policial, parou a viatura que conduzia. 7. Nessa altura, os inspetores da Polícia Judiciária, G… e H…, que se faziam transportar num veículo marca Seat, modelo …, com a matrícula ..-IJ-.., pertencente à Polícia Judiciária, pararam junto do veículo do arguido. 8. Os inspetores saíram do veículo, que identificaram com sinalização luminosa, e dirigiram-se junto do arguido e do indivíduo que o acompanhava, identificando-se verbalmente como “polícias”, tendo de seguida ordenado ao arguido que desligasse a viatura e a abrisse. 9. Entretanto os inspetores da Polícia Judiciária, F… e I… também se aproximaram do veículo conduzido pelo arguido e identificaram-se como “polícias”. 10. Ao aperceber-se da presença dos inspetores da PJ, o arguido B… de imediato e com o propósito de evitar ser identificado e detido, virou as rodas do veículo completamente à direita e arrancou, projetando para o chão o inspetor F…, que se encontrava perto da parte lateral direita do veículo Audi, passando ainda sobre o pé esquerdo do inspetor F… com a roda traseira direita do referido veículo. 11. De seguida, o arguido embateu na viatura marca Seat, modelo …, com matrícula ..-IJ-.., pertencente à PJ, da qual tinham saído os inspetores G… e H…, e que também bloqueava a passagem do veículo Audi, arrastando a viatura Seat durante alguns metros e arrancando-lhe a porta do pendura que se encontrava aberta, seguindo em velocidade e obrigando ainda o Cabo E… a desviar-se, para não ser atingido pelo veículo que o arguido conduzia. 12. O arguido B… passou assim o bloqueio da via, colocando-se em fuga, através da berma da autoestrada, com o indivíduo que o acompanhava e cuja identidade não se logrou apurar. 13. Com o seu comportamento, B… arrancou completamente a porta dianteira do lado direito da viatura Seat e o guarda-lamas, causando estragos avaliados em 1671,15 €. 14. O comportamento do arguido B… foi ainda causa, direta e necessária, para o inspetor F…, de contusão do pé esquerdo, na região dos 4.º e 5.º metarsianos e respetivos dedos e escoriação do joelho direito, tendo ainda sido causa de 15 dias de doença, sem afetação da capacidade para o trabalho geral e profissional. 15. No dia 1 de maio de 2013, pelas 16h30, foi encontrada a viatura marca Audi, modelo …, com a matrícula ….CPW, estacionada na Rua …, em …, Vila do Conde. 16. No interior da viatura foi encontrado: um telemóvel, marca “Samsung”, com o IMEI ……………; documentação automóvel referente ao veículo com a matrícula ….CPW; uma fatura em nome de D… relativa à aquisição de três telemóveis; uma fatura da “C…”, por serviços prestados na viatura com a matrícula ….CPW, em nome de B…. 17. No dia 2 de maio de 2013, pelas 19h59m, o arguido B…, com a intenção de evitar ser responsabilizado pelas consequências da sua desobediência às ordens dos inspetores da polícia judiciária, do atropelamento do inspetor F…, do embate no veículo Seat e da sua fuga, dirigiu-se à “Comisaría de Policía de Vigo”, em Vigo, Espanha, na companhia de um indivíduo que se identificou como “J…”, onde apresentou uma denúncia, por, no dia 30 de abril de 2013, cerca das 22h45, ir na companhia deste amigo de Valença para o Porto, num veículo marca “Audi”, modelo …, com a matrícula ….CPW, conduzido por este último. 18. Referiu ainda que antes de chegar à Póvoa do Varzim, os painéis luminosos da autoestrada informavam que havia um acidente a 150m e quando chegaram perto do local do acidente pararam atrás de um camião. Cerca de quatro minutos depois, um veículo marca Seat, modelo …, do qual desconhece outros dados, cruzou-se na sua frente, saindo desse carro dois homens que se colocaram um de cada lado do seu veículo e, sem nada dizerem, começaram a disparar contra eles. 19. Perante esta situação, o arguido e o seu acompanhante fugiram do local, tendo embatido no veículo Seat e cerca de quinze quilómetros depois saíram da autoestrada, estacionaram o veículo numa rua e passaram a noite escondidos num canavial. Na manhã seguinte, apanharam um táxi e regressaram a …. 20. No dia 1 de maio de 2013, voltaram ao local onde tinham deixado o veículo e verificaram que o mesmo já ali não se encontrava. 21. A queixa apresentada pelo arguido B… e por este assinada, cujos factos nela descritos o arguido sabia não corresponderem à verdade, foi registada e autuada como inquérito e deu origem ao Processo nº 1213/13.0TAPVZ, que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal da Póvoa do varzim e posteriormente no DIAP do Porto. 22. Após a competente instrução, quanto aos factos denunciados pelo arguido B… foi proferido despacho de arquivamento. 23. O arguido B… agiu sempre livre e conscientemente, bem sabendo que F… e E… eram agentes da autoridade e que se encontravam no exercício respetivas funções. 24. O arguido, ao adotar o comportamento supra descrito, quis opor-se a que tais agentes da autoridade desempenhassem as suas funções, bem sabendo que ofendia corporalmente o inspetor F… e colocava em perigo a integridade física e a vida do cabo E…. 25. O arguido bem sabia que ao atuar da forma descrita causava, como causou, estragos num bem que sabia não lhe pertencer e que era destinado a um organismo público, a Polícia Judiciária. 26. Sabia ainda o arguido B… que os factos por si relatados não correspondiam à verdade, que constituíam a prática de crime e que dariam origem a um inquérito, como deram, mas, apesar disso, não se coibiu de participar criminalmente por tais factos. 27. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas por lei. 28. Em Portugal o arguido não tem antecedentes criminais. 29. O arguido foi condenado em Espanha, em 2006, pela prática do crime de tráfico de drogas sin grave dano a la salud, na pena de três anos de prisão efetiva, já cumprida. Relativos às condições pessoais: 30. O arguido é o terceiro de cinco descendentes de um casal de nacionalidade Espanhola, residente em zona rural de …, Pontevedra. 31. O progenitor trabalhava como operário fabril e a progenitora era doméstica, apresentando o agregado uma situação socioeconómica média. 32. O arguido integrou a escolaridade em idade regular, frequentando o ensino normal até aos 15 anos, sem retenções, concluindo o ensino obrigatório, segundo refere. 33. Teve a sua primeira experiência profissional com 15 anos de idade, como aprendiz de pedreiro, na área da construção civil. Aos 23 anos, constituiu empresa de construção civil em nome próprio, “K…, SL”, tendo mantido a empresa em atividade até há cerca de 4 anos, altura em que encerrou a mesma, ainda que refira não ter cessado atividade. 34. Paralelamente, a esta atividade na construção civil, há cerca de 7 anos, abriu com o cônjuge um café, “L…”, sito em …, negócio que mantém presentemente. 35. B… autonomizou-se do agregado de origem aos 18 anos de idade, para contrair matrimónio com M…, tendo deste relacionamento três filhos, atualmente com 14, 9 e 5 anos. 36. O arguido residia com a família constituída em … (…), em casa da sogra, uma vez que se encontravam a construir a sua moradia, em terreno, propriedade do pai do arguido. 37. Presentemente B… reside com o cônjuge e três filhos em moradia, tipologia 4, com condições de habitabilidade, sita em …, …, Pontevedra. 38. O agregado subsiste dos rendimentos provenientes do café explorado pelo casal, na ordem dos €2500/3000, apresentam como despesas fixas mensais o crédito bancário para a construção da habitação (€900), eletricidade (€200), custo com a educação e alimentação dos filhos (€400) e custos inerentes à defesa no presente processo, avaliando a situação económica do agregado como globalmente estável. 39. B… ocupa o seu quotidiano com o trabalho no café e no treino de cavalos, referindo ter um picadeiro com dois cavalos. Nos tempos livres dedica-se à família, convivendo quer com os filhos e cônjuge, quer com a família de origem. 40. O arguido encontra-se familiar, profissional e socialmente integrado. * 2.2. Matéria de facto não provada: Não resultaram provados os factos que não se compaginam com os que foram dados por provados, nomeadamente, e com interesse para a decisão da causa da acusação não se provou: 1. Que no local do corte da faixa de rodagem, se encontravam duas viaturas caracterizadas da GNR e quatro militares daquela guarda devidamente fardados e uniformizados com coletes refletores. 2. Que o arguido tenha colocado em perigo a integridade física e vida dos inspetores G… e H…. * 2.3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto. ……………………………………………… ……………………………………………… ……………………………………………… Aqui chegados, e considerando definitivamente assente a matéria de facto provada e não provada fixada pelo tribunal a quo, cumpre verificar se a conduta do arguido preenche todos os elementos típicos do crime de simulação de crime, previsto e punível pelo art.º 366º, n.º 1, do Código Penal, pelo qual vem condenado. Defende o recorrente que não se mostra preenchido o tipo legal de crime de simulação de crime, sendo que o “empolamento dos disparos sobre o carro, o desaparecimento deste e os contornos da abordagem são uma parte do que aconteceu” e a denúncia tem por base factos que aconteceram na sua realidade e que por si determinam uma averiguação. Conclui que a decisão recorrida violou assim o artigo 366º, nº 1 do CP”. Vejamos. O acórdão recorrido trata a questão da qualificação jurídica da conduta do arguido quanto ao crime em causa nos seguintes termos: “Dispõe o art. 366º, nº 1, do Código Penal, que “Quem sem o imputar a pessoa determinada, denunciar crime ou fizer criar suspeita da sua prática à autoridade competente, sabendo que ela não se verificou, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”. A consumação da infração exige a lograda e efetiva indução em erro daquela autoridade. Trata-se assim de um crime material, com o erro a figurar como resultado típico. Exige-se pois que se induza a autoridade em erro quanto à subsistência dos indícios bastantes para impor a promoção de ações de investigação e perseguição dos responsáveis. O que, por sua vez, afasta a relevância das denúncias e suspeitas (falsas) que não sejam idóneas a causar aquele erro e a consequente promoção processual - cfr. Costa Andrade in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 1999, p. 564-567. Outro elemento do tipo objetivo do crime em análise é a falsidade da denúncia ou suspeita, ou seja, um facto que se não verificou. Nesta medida, não há preenchimento do tipo quando a falsa representação de facto penalmente relevante constitui apenas um exagero ou empolamento de um crime efetiva e inquestionavelmente cometido; ou quando o facto simulado e o facto real se interligam e sobrepõem em parte. Do tipo subjetivo dir-se-á que o facto só é punível a título de dolo, exigindo-se um dolo qualificado relativamente à falsidade da denúncia ou suspeita. O agente tem de atuar com conhecimento da falsidade ou tendo-a como segura, o que afasta a atuação com mero dolo eventual. O dolo deverá estender-se igualmente à idoneidade da conduta para induzir a autoridade em erro e, consequentemente, para desencadear a sua ação infundada e inútil - vide Costa Andrade, ob. cit., p. 571. Ora, da factualidade provada resulta que nas circunstâncias temporais supra descritas, o arguido B…, com a intenção de evitar ser responsabilizado pelas consequências da sua desobediência às ordens dos inspetores da polícia judiciária, do atropelamento do inspetor F…, do embate no veículo Seat e da sua fuga, dirigiu-se à “Comisaría de Policía de Vigo”, em Vigo, Espanha, na companhia de um indivíduo que se identificou como “J…”, onde apresentou uma denúncia, por, no dia 30 de abril de 2013, cerca das 22h45, ir na companhia deste amigo de Valença para o Porto, num veículo marca “Audi”, modelo …, com a matrícula ….CPW, conduzido por este último. E provou-se que nessa ocasião, referiu ainda que antes de chegar à Póvoa do Varzim, os painéis luminosos da autoestrada informavam que havia um acidente a 150m e quando chegaram perto do local do acidente pararam atrás de um camião. Cerca de quatro minutos depois, um veículo marca Seat, modelo …, do qual desconhece outros dados, cruzou-se na sua frente, saindo desse carro dois homens que se colocaram um de cada lado do seu veículo e, sem nada dizerem, começaram a disparar contra eles. Perante esta situação, o arguido e o seu acompanhante fugiram do local, tendo embatido no veículo Seat e cerca de quinze quilómetros depois saíram da autoestrada, estacionaram o veículo numa rua e passaram a noite escondidos num canavial. Na manhã seguinte, apanharam um táxi e regressaram a …. No dia 1 de maio de 2013, voltaram ao local onde tinham deixado o veículo e verificaram que o mesmo já ali não se encontrava. Mais se provou que essa queixa apresentada pelo arguido B… e por este assinada, cujos factos nela descritos o arguido sabia não corresponderem à verdade, foi registada e autuada como inquérito e deu origem ao Processo nº 1213/13.0TAPVZ, que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal da Póvoa do varzim e posteriormente no DIAP do Porto. Certo é que, após a competente instrução, quanto aos factos denunciados pelo arguido B… foi proferido despacho de arquivamento. Donde, se pode concluir pelo preenchimento de todos os elementos do tipo de crime de simulação de crime, conforme supra expostos. Verificou-se pois a indução em erro daquela autoridade e o circunstancialismo fáctico inverídica que, atuando o arguido com conhecimento da falsidade. Ou seja, o arguido atuou com conhecimento de que relatava, perante órgão de polícia criminal, a verificação de crime que não tinha ocorrido e com a sua conduta o arguido pretendia dar origem a um procedimento criminal, assim encobrindo a sua participação, horas antes, no cometimento dos crimes de dano e resistência e coação a funcionário acabados de descrever e criar nas autoridades competentes para investigação criminal a suspeita de que os factos por si denunciados tinham ocorrido, resultado que logrou obter. Trata-se, como da inserção sistemática resulta, e um crime contra a realização de justiça determinando-se a punição à proteção da eficácia funcional das instituições judiciárias. Isto é, com a punição pretende-se evitar que sejam afetados ou gastos meios e recursos, já normalmente escassos, em vão. O crime consuma-se quando a autoridade competente (que recebe a denúncia) é induzida em erro, com a denúncia do crime. Sendo certo que a autoridade policial que foi induzida em erro, após a receção da queixa, deu o normal seguimento ao processo, e encaminhou o processo para Portugal, o que originou o Processo nº 1213/13.0TAPVZ, que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal da Póvoa do varzim e posteriormente no DIAP do Porto. O arguido cometeu pois, indiscutivelmente o crime de simulação de crime, p. e p. pelo art. 366º, n.º 1 do Código Penal que lhe era imputado.” O tipo penal previsto no artigo 366º do Código Penal pune a conduta de quem, sem o imputar a pessoa determinada, denunciar crime ou fizer criar suspeita da sua prática à autoridade competente, sabendo que ele não se verificou. Inscreve-se no âmbito da tutela da realização da Justiça, aqui na dimensão da eficácia funcional ou de preservação de todo o potencial de perseguição criminal, evitando a dispersão por investigações sem fundamento [Assim Manuel da Costa Andrade, “Comentário Conimbricense”, tomo III, Coimbra Ed., 2001, pág. 562. Com efeito, no crime de simulação de crime o bem jurídico protegido é a realização da justiça, consistindo o tipo objetivo na denúncia de crime inexistente à autoridade competente ou na criação de uma suspeita de prática de um crime, sem que se proceda à imputação desse ilícito a uma pessoa concreta. Só releva tipicamente a denúncia feita à autoridade pública Portuguesa competente para a investigação e o procedimento criminal ou a outra autoridade pública Portuguesa com o dever legal de comunicar a denúncia à autoridade competente. Não é relevante a denúncia a autoridade estrangeira, em virtude do bem jurídico protegido (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, pág. 857). Com efeito, os crimes contra a realização da justiça não estão incluídos no artigo 5º, nº 1, alínea a) do Código Penal (ob. cit. pág. 843). Também Costa Andrade in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 1999, p. 566 entende que “… só as autoridades portuguesas figuram como destinatários típicos da infração, não relevando como condutas típicas as denúncias ou suspeitas apresentadas perante autoridades estrangeiras”. O crime consuma-se com o conhecimento pela autoridade competente da comunicação feita pelo agente, não sendo indispensável a prática de qualquer ato pela autoridade competente. O facto só é punível a título de dolo. Aqui chegados e atentas as considerações expostas, cumpre reverter para o caso em apreço. A conduta ponderada para a condenação prende-se com a circunstância de o arguido B…, com a intenção de evitar ser responsabilizado pelas consequências da sua desobediência às ordens dos inspetores da polícia judiciária, do atropelamento do inspetor F…, do embate no veículo Seat e da sua fuga, se ter dirigido à “Comisaría de Policía de Vigo”, em Vigo, Espanha, na companhia de um indivíduo que se identificou como “J…”, e ter apresentado uma denúncia, por, no dia 30 de abril de 2013, cerca das 22h45, ir na companhia deste amigo de Valença para o Porto, num veículo marca “Audi”, modelo …, com a matrícula ….CPW, conduzido por este último (…). Ora, conforme já referimos, só relevam tipicamente as denúncias ou suspeitas apresentadas perante as autoridades portuguesas, não sendo relevantes as denúncias apresentadas perante as autoridades estrangeiras, o que foi o caso: o arguido apresentou a denúncia perante uma autoridade espanhola. Assim, face a todo o exposto e, sem necessidade de mais delongas, entendemos que, nesta parte, não tem tipicidade penal a conduta de arguido. Procede, pois, o recurso, quanto a esta questão. Subsiste, no entanto, a condenação do recorrente pela prática de um crime de dano qualificado, previsto e punível pelos arts. 212º, nº 1 e 213º, nº 1, c), ambos do Código Penal e de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punível pelo art. 347º, nº 1 e 2 do Código Penal, por se encontrarem preenchidos todos os elementos típicos dos crimes em causa. ……………………………………………… ……………………………………………… ……………………………………………… *** III – DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência: A) Absolver o arguido da prática do crime de simulação de crime, previsto e punível pelo artigo 366º, nº 1 do Código Penal, pelo qual vinha condenado, B) Alterar a decisão recorrida, condenando-se o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, ao invés da pena de 5 (cinco) anos de prisão, aplicada no acórdão recorrido. C) Manter, quanto ao demais, o acórdão recorrido. Sem custas. *** Porto, 17 de junho de 2015Elsa Paixão Maria dos Prazeres Silva |