Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
176/01.0TBVCD-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: EXTINÇÃO DA PENA
LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE
RESPONSABILIDADE CIVIL PELAS MULTAS E COIMAS
Nº do Documento: RP20120606176/01.0TBVCD-B.P1
Data do Acordão: 06/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - É o registo da liquidação da sociedade que confere certeza jurídica à extinção da pessoa coletiva.
II – Não havendo, nos autos, notícia do registo do encerramento da liquidação em que a sociedade arguida se achava à data em que foi proferida a sentença condenatória, conclui-se que não ocorreu a invocada causa de extinção da pena de multa que lhe foi aplicada.
III - A responsabilidade solidária dos administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas coletivas pelas multas e coimas aplicadas [n.º 7 do art. 8.º do RGIT], acha a sua fundamentação na colaboração dolosa na prática do crime tributário pelo qual ambos foram condenados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal nº 176/01.0TBVCD-B.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1.Relatório
No 1º juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila do Conde foi proferido despacho que declarou o arguido B…, devidamente identificado nos autos, civil e solidariamente responsável pelo pagamento da quantia de 2.500€, equivalente ao valor da multa em que a arguida “C…, S.A.” havia sido condenada nos autos e determinou que o mesmo fosse notificado, após trânsito, para efectuar, em 15 dias, o pagamento desse montante.
Inconformado com esse despacho, dele veio interpor recurso o arguido, pugnando para que o mesmo fosse revogado, para o que apresentou as seguintes conclusões:

01- O arguido foi condenado pelo tribunal a quo, cuja sentença foi confirmada por Acórdão desta Relação, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art° 105°, n° 1 e n° 2 do RGIT e pelos art°s 30, n° 2 e 79° do CP, na pena de prisão de 2 anos e 6 meses com execução suspensa por 4 anos, com a condição de pagar ao Estado os impostos em falta.
02- Nos termos dos factos provados, os impostos pelos quais o arguido foi acusado e condenado por abuso de confiança fiscal reportam-se aos anos de 1993 a 1997.
03- Nessa data encontrava-se ainda em vigor o Regime Jurídico das Infracções Jurídicas não Aduaneiras (RJIFNA), que não positivava qualquer responsabilidade solidária dos administradores e gerentes, em matéria criminal.
04- Uma vez que a lei em vigor à data da prática dos factos era claramente mais favorável ao arguido, não tem sustentação o despacho em crise, que deve ser revogado pelo acórdão que sobre este recurso seja proferido.
05- Nos termos dos factos definitivamente assentes [./ al. 27]: “A empresa arguida encontrava-se desde há alguns anos em situações financeira e económica difícil que culminou com a declaração de falência por sentença proferida em 22/11/99, transitada em julgado, no Processo 7/99, do 2° Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia”.
06- A declaração de falência equivale à morte do infractor, daí decorrendo a extinção do procedimento criminal e, consequentemente, da obrigação do pagamento de multas.
07- A responsabilização dos responsáveis subsidiários e solidários nos termos previstos no RJIFNA e mesmo do RGIT não pode deixar de ser interpretada como uma transmissão do dever de cumprimento da sanção, para terceiros, que não o responsável pela infracção.
08- É o corolário do princípio da necessidade em matéria de restrição de direitos, enunciado no art. 18.° da Constituição, pois a primacial razão de ser da intransmissibilidade é a não satisfação de qualquer dos fins das penas quando as sanções são aplicadas a quem não é imputável a infracção.
09- O regime da responsabilidade subsidiária por dívidas de multas originadas por factos ocorridos no período de exercício do cargo de gerente, como é o caso dos autos, apenas existe «quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento» - RJIFNA, art° 7° A, em que os administradores ou gerentes apenas respondem subsidiariamente “...em caso de insuficiência do património destas, por si culposamente causada”.
10- Nos autos, não se provou (nem sequer se alegou ou evidenciou) que tenha sido por culpa do recorrente que o património da sociedade se tornou insuficiente para pagamento da multa em que foi condenada.
11- Não havendo uma presunção legal, existiria sobre o MP o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária que se invoca (art. 342.°, n.° 1, do CC), pelo que a dúvida sobre tal ponto sempre teria de ser valorada a favor do arguido.
12- Nos termos supra expendidos o despacho em recurso é ilegal e inconstitucional, pelo que deverá ser revogado por violação do princípio da Irretroactividade da Lei Penal, e da Necessidade previsto no artigo 18° da CRP

Na resposta, o MºPº - considerando que, embora os factos pelos quais os arguidos foram condenados tenham sido praticados na vigência do RJIFNA, lhes foi aplicado, porque considerado como mais favorável, o regime do RGIT; que este tem de ser aplicado em bloco; que, consequentemente e porque o recorrente foi condenado por actos praticados dolosamente no exercício da administração da sociedade arguida, o nº 7 do art. 8º desse diploma é aplicável ao caso; que o recorrente apenas é chamado a responder porquanto foi criminalmente responsabilizado e condenado pela factualidade em causa; e que a declaração de falência das sociedades comerciais não constitui fundamento para a extinção da sua responsabilidade criminal, pois esta só ocorreria caso tivesse sido efectuado o registo do encerramento da liquidação e tal não se verificou - defendeu a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no qual, referindo que a jurisprudência vem pacificamente decidindo que a declaração de insolvência de uma sociedade provoca a sua dissolução, mas já não a sua extinção ou a do procedimento criminal contra ela intentado, e salientando o facto de nem o recorrente nem a co-arguida terem impugnado a ponderação de que o regime em concreto mais favorável era o do RGIT, tendo sido este o aplicado na respectiva condenação, se pronunciou pela improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º C.P.P., sem que tivesse havido resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.

2.Fundamentação
Revestem-se de interesse para a decisão do recurso as seguintes ocorrências processuais:
- o ora recorrente e a arguida “C…, S.A.”, foram submetidos a julgamento e condenados, por decisão transitada em julgado, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. nos termos do art. 105º do RGIT – regime que foi considerado ser o concretamente mais favorável - , por falta de entrega de montantes de IVA, IRS e Imposto de Selo relativos aos anos de 1993 a 1997, o primeiro, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão com execução suspensa por 4 anos, com a condição de pagar ao Estado, no prazo da suspensão, os impostos em dívida, e a segunda, na pena de 500 dias de multa à taxa diária de 5€ (cfr. fls. 58-69, 70-87 e 84-85);
- em obediência ao determinado por acórdão proferido por esta Relação (cfr. fls. 97- 105), que revogou o despacho que, encurtando o período de suspensão da execução da pena e considerando não ser o recorrente culpado pelo incumprimento da condição da suspensão, havia declarado a pena extinta, e ordenou a reabertura da audiência e a realização das diligências necessárias à aferição das condições socio-económicas do recorrente em ordem a determinar qual o regime concretamente mais favorável no que tange ao período de suspensão da execução da pena que lhe tinha sido aplicada -, foi a audiência reaberta e, subsequentemente, proferida decisão que decretou a redução daquele período para 2 anos e 6 meses e, porque já decorrido, declarou extinta a pena (cfr. fls. 2-15);
- porque, apesar de notificada para pagar a multa e as custas da sua responsabilidade, a arguida C… nada pagou, o MºPº promoveu que o recorrente fosse condenado solidariamente relativamente à pena que caberia àquela arguida, nos termos do disposto no nº 7 do art. 8º do RGIT (cfr. fls. 16-18);
- notificado para, querendo, se pronunciar, o ora recorrente, com base em argumentação idêntica àquela que depois veio oferecer no recurso, pugnou pela rejeição do promovido (cfr. fls. 20-23);
- foi, em seguida, proferido o despacho recorrido, cujo teor é o seguinte:

O Ministério Público veio, a fls. 1185 a 1187 e 1200, promover que o arguido B… seja solidariamente condenado relativamente à pena de multa que caberia à sociedade arguida, nos termos do artigo 8.º, nº7, do RGIT.
Alega, para o efeito e em síntese, que a sociedade arguida foi condenada pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, nºs 1 e 5, do RGIT, na pena de 500 dias de multa, à razão diária de 5 €, e nada pagou até à data.
Sustenta, por outro lado, que resulta dos factos provados que o arguido B… era a única pessoa que exercia funções de administração e assumia total responsabilidade no que respeita à actividade desenvolvida pela sociedade arguida. Uma vez que o referido arguido colaborou dolosamente na prática da infracção, como, aliás, decorre da fundamentação da sentença, a responsabilidade pelo pagamento da multa aplicada à sociedade arguida incumbe não só a esta, mas também àquele, nos termos do disposto no art. 8º, nº7, do RGIT, podendo o mesmo ser, assim, responsabilizado solidariamente, pelo pagamento da pena de multa aplicada à referida sociedade. O Ministério Público adianta, ainda, que, sendo certo que os factos pelos quais a sociedade arguida e o arguido foram condenados ocorreram no domínio do RJIFNA, não foi este o regime aplicado aquando da prolação da sentença. Na verdade, e por ser o RGIT o regime mais favorável, foi este o aplicado em sede de determinação da pena, aqui notando que o que consta do dispositivo é a prática, por ambos os arguidos, do crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art. 105º, nºs 1 e 2, do RGIT e não do crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art. 24.º do RJIFNA.
Tendo aquele sido o regime aplicado em sede de sentença, deverá igualmente continuar a ser seguido no que toca aos ulteriores termos do processo. O Ministério Público conclui, assim, que face ao supra exposto e à factualidade dada como provada na sentença condenatória, tendo actuado o arguido B… em co-autoria com a sociedade C…, S.A., mostram-se preenchidos todos os pressupostos necessários à sua responsabilidade solidária.
Notificado para se pronunciar, o arguido B… veio alegar, em súmula, que o mesmo e a sociedade arguida foram condenados por factos reportados aos anos de 1993 a 1997, sendo que, nessa data, encontrava-se em vigor o RJIFNA. No RJIFNA, quanto à responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes por multas e coimas, consagrava-se o disposto no artigo 7.º-A e nada estava previsto de semelhante ao actual RGIT. Assim, em virtude de a lei em vigor à data dos factos ser claramente mais favorável ao arguido, não pode este ser solidariamente responsável pela pena de multa aplicada à sociedade arguida, sob pena de grosseira violação do princípio constitucional da irretroactividade da lei penal. Sem prescindir, e citando jurisprudência nesse sentido, o arguido invoca que a declaração de falência da sociedade arguida equivale à sua morte, daí decorrendo a extinção do procedimento criminal e, consequentemente, da obrigação de pagamento de multas. O arguido alega, ainda, que a responsabilização subsidiária ou solidária nos termos previstos no RJIFNA e no RGIT viola os princípios da intransmissibilidade das penas e da presunção de inocência. Por fim, refere que não se provou, nem sequer se alegou que foi por culpa do arguido que o património da sociedade se tornou insuficiente para pagamento da multa em que a mesma foi condenada (cf. fls. 1193 a 1198).
Cumpre apreciar e decidir.
Por sentença de 5.02.2003, transitada em julgado em 8.03.2005, o arguido B… foi condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, nºs 1 e 5, do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 5.06, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, com a condição de o mesmo pagar ao Estado os impostos em dívida, no valor global de 1.640.777, 42 € (328.946.338$00), e acréscimos legais, no prazo de 4 anos. Por sua vez, a sociedade arguida C…, S.A. foi condenada, pela prática do mesmo crime, p. e p. pelos artigos 105.º, nºs 1 e 5, do RGIT, na pena de 500 dias de multa, à razão diária de 5 € (cf. fls. 719 a 730, douto acórdão da Relação do Porto a fls. 883 a 894 e decisão sumária do Tribunal Constitucional a fls. 934 a 936).
Na douta sentença, ao abrigo do artigo 2.º, nº4, do Código Penal, decidiu-se aplicar ao caso decidendo o RGIT, em detrimento do RJIFNA, por se considerar que aquele regime era em concreto mais favorável aos arguidos (cf. fls. 728 e 729), não se equacionando a aplicação do artigo 7.º-A do RJIFNA ou do artigo 8.º do RGIT.
À luz do artigo 7.º-A, nº1, do RJIFNA (aditado pelo D.L. nº394/93, de 24.11), os administradores, gerentes e outras pessoas que exercessem funções de administração em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados eram subsidiariamente responsáveis, em caso de insuficiência do património destas, desde que tal insuficiência fosse por si culposamente causada, nas relações de crédito emergentes da aplicação de multas ou coimas àquelas entidades referentes às infracções praticadas no decurso do mandato.
No âmbito do RJIFNA, não existia norma similar à do actual nº7 do art.º 8.º do RGIT.
Ora, compulsando o acervo fáctico dado como provado na sentença, dele não decorre que o arguido B… tenha “culposamente causado a insuficiência do património” da sociedade arguida, pelo que, nos termos do citado artigo 7.º-A, não poderia ser responsabilizado pelo pagamento da multa aplicada à sociedade arguida.
Ora, sendo certo que, no confronto de leis que se sucedem no tempo, o julgador deve optar pela aplicação daquela que resultar em concreto mais favorável para o arguido, é igualmente seguro que o regime jurídico, perspectivado na sua globalidade, se aplica em bloco, inexistindo fundamento para se convocar os normativos de uma e de outra lei que se mostrem mais favoráveis.
Daí que, tendo sido o RGIT considerado na sentença como o regime concretamente mais favorável aos arguidos e nela aplicado, no que tange à determinação das penas, em detrimento do RJIFNA, deve continuar a fazer-se aplicação do RGIT e, assim, atender-se ao disposto no seu artigo 8.º, não se ferindo, por essa via, o princípio da não retroactividade da lei criminal, intimamente ligado ao princípio da legalidade («nullum crimen sine lege»), sendo que aquele princípio comporta excepções, como sejam a aplicação da nova lei que descriminaliza/despenaliza o facto ou a aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nos termos e com os limites previstos no artigo 2.º, nºs 2 e 4, do Código Penal.
O artigo 8.º do RGIT, na parte que interessa, preceitua:
“1. Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
2. (…).
3. (…).
4. (…).
5. (…).
6. (…).
7. Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.
8. Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade”.
A responsabilidade regulada no nº1 do artigo 8.º do RGIT é meramente subsidiária e respeita a crimes praticados por terceiro (neste caso, a sociedade arguida), colocando-se apenas em sede de execução, quando o património da sociedade seja insuficiente para o pagamento da multa que lhe foi aplicada e estiverem reunidos os demais pressupostos aí previstos (cf., neste sentido, o Ac. da Rel. do Porto, de 24.05.2004, processo nº342179; e Ac. da Rel. de Guimarães, de 3.05.2004, processo nº1363/03-1, ambos in www.dgsi.pt).
O nº7 do mesmo artigo 8.º (na redacção introduzida pela Lei nº60-A/2005, de 30.12, correspondente ao nº6 do mesmo artigo na redacção anterior à citada lei e em vigor à data da prolação da sentença) contempla a hipótese de quem tiver colaborado dolosamente na prática da infracção tributária ser responsabilizado civilmente, a título não subsidiário, mas, diversamente, solidário, pelo não pagamento da (pena de) multa aplicada pelo cometimento de tal infracção.
Como já se clarificou, nas situações contempladas por este normativo “não se está, como no n.º 1, perante responsabilidades subsidiárias relativamente aos agentes das infracções, mas sim perante solidariedade em primeiro plano, podendo as dívidas ser originariamente exigidas, desde logo, aos responsáveis solidários, independentemente da existência de bens do autor da infracção” (cf. Jorge Lopes de Sousa/Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2ª ed. act. e ampliada, Lisboa, 2003, p. 96). Trata-se de uma “responsabilidade solidária, de natureza civil, de quem colaborar com a prática de infracções tributárias, independentemente da responsabilidade própria, criminal ou contra-ordenacional, que for imputada àquele que presta a colaboração” (idem, ibidem, p. 98). Assim, “incorrerão nesta responsabilidade civil os co-autores e cúmplices de infracções tributárias, relativamente às sanções que vierem a ser aplicadas aos seus co-arguidos, cumulativamente com a sua própria responsabilidade (idem, ibidem, p. 98).
A propósito da natureza civil da responsabilidade consagrada no artigo 8.º do RGIT, a jurisprudência já explicitou que “do que ela trata é da responsabilização civil - pelo não pagamento culposo das multas e coimas da responsabilidade das pessoas colectivas ou sociedades condenadas - dos responsáveis pela impossibilidade da sua cobrança; com a particularidade mais impressiva de que fixa como quantitativo indemnizatório devido quantia monetária equivalente ao valor das multas ou coimas cuja cobrança se gorou. É este o sentido da norma, que melhor se entenderia se onde se referiu multas ou coimas se tivesse referido montante indemnizatório equivalente ao valor das multas ou das coimas. Dito de outro modo: ao legislador é legítima (se bem que não desejável) uma menor correcção na formulação da norma, mas já não o é o desconhecimento do sistema. E quer a unidade do sistema (em questão tão básica como a da intransmissibilidade da responsabilidade penal) quer o elemento puramente literal da epígrafe e do próprio preceito apontam para que o que está em causa na norma é a enunciação de regras relativas à responsabilidade civil e não à responsabilidade penal. A responsabilidade penal, ou melhor, a pena de multa ou a coima, apenas são referidas no preceito enquanto elemento de referência para a quantificação do valor da responsabilidade a que ele respeita: a civil (…). E (…) para além do elemento literal e sistemático apontarem decisivamente nesse sentido, o sentido contrário implica sério e intolerável atropelo à unidade do sistema, pois só na desconsideração de princípios constitucionais penais fundamentais a norma poderia subsistir (princípios como o da intransmissibilidade das penas e dos outros que lhe vêm agregados, da culpa e da proibição da dupla condenação pelo mesmo facto)” – cf- Ac. da Rel. do Porto, de 12.01.2011, proc. nº 243/05.0IDPRT-A.P1, in www.dgsi.pt).
Como se menciona no douto acórdão supra citado, é este o entendimento que tem vindo a ser sustentado pelo Tribunal Constitucional (cf. Acórdão nº129/2009, de 12.03.2009, processo nº649/08, e Acórdão nº150/2009, de 25/03/2009, processo nº878/08, ambos in www.tribunalconstitucional.pt), pois, embora a questão tenha sido analisada, nos doutos arestos citados, face a coimas (condenações contra-ordenacionais) e a situações de responsabilidade subsidiária, subsumíveis ao nº1 do artigo 8.º do RGIT, “o essencial da fundamentação da solução aí vertida aplica-se, mutatis mutandis, ao caso em apreço: aplicação de multa penal numa situação subsumível a responsabilidade solidária, por força do nº 7 do referido preceito. Desses arestos consta que «O que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas” (cf. Ac. da Rel. do Porto, de 12.01.2011, supra citado).
Importa ainda referir que o nº7 do artigo 8.º do RGIT não enferma de inconstitucionalidade, por eventual violação do princípio da intransmissibilidade das penas (consagrado no n.º 3 do artigo 30.º da CRP), pois tal só seria equacionável no caso de se responsabilizar pelo pagamento da multa uma pessoa que não possa ser responsabilizada pela prática do crime, situação que configuraria uma espécie de responsabilidade por facto de terceiro. Ora, isso não sucede no caso dos autos, porquanto o arguido B… chamado a responder por via do nº7 do artigo 8.º do RGIT foi criminalmente responsabilizado, e a título doloso (como expressamente se refere na sentença – cf. Factos provados sob os nºs 1 a 7, 11 a 13 e 15, 22 e 23), pelos factos que deram origem à pena cujo montante a título de indemnização agora lhe é reclamado.
Por outro lado, não há qualquer ofensa do caso julgado, na medida em que, ao considerar-se o arguido solidariamente responsável pelo pagamento da aludida multa, não se contraria nem se altera o que foi decidido na sentença condenatória, não sendo incompatível com a responsabilidade criminal da sociedade arguida o facto de, em momento ulterior ao trânsito em julgado daquela decisão, se reconhecer, com base numa norma imperativa, que o seu administrador também é responsável (civil) solidário pelo pagamento da multa que lhe foi aplicada (cf., neste sentido, o Ac. da Rel. do Porto, de 27.05.2009, processo nº47/02.2IDPRT-B.P1, in www.dgsi.pt).
Por último, cumpre apreciar a questão, suscitada pelo arguido, da equiparação da declaração de falência da sociedade arguida à morte do infractor.
No caso concreto, a sociedade arguida foi declarada falida por sentença de 22.11.1999, transitada em julgado, no Processo nº73/99 do 2º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia (cf. certidão a fls. 631 a 637).
Decorre do disposto no artigo 127.º, nºs 1 e 2, do Código Penal que a responsabilidade criminal das pessoas colectivas se extingue pela respectiva extinção, ainda que o correspondente património responda pelas multas e indemnizações em que aquelas forem condenadas.
Ora, contrariamente ao sustentado pelo arguido, hoje é entendimento pacífico na jurisprudência (cf., por todos, o Ac. do STJ, de 12.10.2006, processo nº06P2930; e Ac. da Rel. do Porto, de 28.05.2003, processo nº0310495; e, mais recentemente, o Ac. da Rel. De Guimarães, de 9.02.2009, processo nº2701/08-1; e Ac. da Rel. de Coimbra, de 14.07.2010, processo nº474/04.0TAAGD.C2, todos in www.dgsi.pt) que a declaração de falência ou de insolvência das sociedades comerciais não constitui fundamento da extinção da sua responsabilidade criminal, pois aquela declaração não elimina a personalidade jurídica da sociedade visada, apenas implicando a sua dissolução e a sua imediata entrada em liquidação, nos termos conjugados dos artigos 141.º, nº1, al. e), e nº2, e 146.º, nºs 1 e 2, do CSC.
Como se esclarece no douto acórdão da Relação de Guimarães de 9.02.2009, supra citado, “para efeitos de extinção do procedimento criminal, nos termos do artigo 127.º do Código Penal, não existe qualquer analogia entre a morte de uma pessoa física e a declaração de insolvência de uma sociedade”.
Com efeito, resulta expressamente do nº2 do artigo 160.º do CSC que a sociedade considera-se extinta somente pelo registo do encerramento da liquidação.
No caso sub judice, não existe notícia de que já se encontra registado o encerramento da liquidação da sociedade arguida, pelo que esta não se extinguiu e, nessa medida, mantém a sua personalidade jurídica até aquele registo.
De todo o modo, o que está em causa já não é a sua responsabilidade penal, mas a responsabilidade civil, do seu administrador, pela indemnização devida ao Estado, fixada em valor equivalente ao da multa em que a sociedade arguida foi condenada.
Conclui-se, assim, que o nº7 do artigo 8.º do RGIT é aplicável ao caso concreto, pois o arguido B… foi também condenado, por actos praticados dolosamente, no exercício da administração da sociedade arguida, pelo cometimento, em autoria material, do crime tributário pelo qual aquela foi penalmente responsabilizada.
Por todo o exposto, e ao abrigo do preceituado no artigo 8.º, nº7, do RGIT, defere-se o promovido e, em correspondência:
a) declara-se o arguido B… civil e solidariamente responsável pelo pagamento da quantia de 2.500 € (dois mil e quinhentos euros), equivalente ao valor da multa em que C…, S.A. foi condenada nos presentes autos; e
b) determina-se a notificação do referido arguido, após trânsito em julgado do presente despacho, para efectuar o pagamento do montante indicado em a) no prazo de 15 dias.
Notifique.

3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, verificamos que as questões suscitadas pelo recorrente se prendem com a inaplicabilidade e inconstitucionalidade da norma do art. 8º do RGIT e a extinção da obrigação de pagamento da multa.

Quanto à última das questões enunciadas, sustenta o recorrente que a declaração de falência equivale à morte do infractor, com a consequente extinção do procedimento criminal e da obrigação do pagamento de multas. Embora não o diga expressamente, quis obviamente implicar que não pode ser responsabilizado pelo pagamento da multa em que a arguida C… foi condenada por, com a declaração de falência desta sociedade, também se ter extinto a respectiva responsabilidade pelo pagamento dessa multa.

Começaremos por corrigir o recorrente quando pretende que da morte de um agente de um facto ilícito, já condenado por decisão transitada em julgado, resulta como efeito a extinção do procedimento criminal. Assim não é, obviamente. A extinção do procedimento criminal só ocorre quando o procedimento criminal ainda está em curso e ele esgota-se com o trânsito da decisão que aplica a pena, iniciando-se a partir de então a fase de execução da decisão condenatória. Portanto, na hipótese em questão, do que se fala é da extinção da pena, um dos efeitos que podem decorrer da morte enquanto causa de extinção da responsabilidade criminal prevista nos arts. 127º e 128º do C. Penal.
Coloca-se, então, a questão de saber se a falência ( que a lei actual designa, indiferentemente de o sujeito passivo ser pessoa colectiva ou singular, como insolvência ) de uma sociedade, ou a respectiva liquidação, tem como efeito a extinção da pena em que foi condenada. Embora seja amplamente consensual que a simples declaração de falência não pode ser equiparada à morte da pessoa singular, não tendo, por isso, como efeito a extinção da pessoa colectiva, que mantém a sua personalidade jurídica na fase da sua liquidação, durante a qual pode ser objecto de vicissitudes várias, entre elas o reatamento da actividade nas condições previstas na lei[3], as divergências subsistem quanto ao momento em que, finda a liquidação, se considera a pessoa colectiva como extinta, se logo com o encerramento da liquidação, se apenas quando seja efectuado o respectivo registo[4]. O legislador de 2007, com o acrescento de um nº 2 ao art. 127º do C. Penal, nos termos do qual “No caso de extinção de pessoa colectiva ou entidade equiparada, o respectivo património responde pelas multas e indemnizações em que aquela for condenada” – que parece pretender cobrir até aquelas situações em que se venha a constatar que, mesmo já depois da extinção da pessoa colectiva, ainda existem bens que não foram objecto de partilha -, de alguma forma resolveu a questão subsistente, aproximando-se mais do entendimento, aliás suportado pelo disposto no nº 2 do art. 160º do C.S.C. quanto às sociedades, de acordo com o qual, pelo menos no que a estas concerne, é o registo da liquidação, e não o seu encerramento, que confere certeza jurídica à extinção da sua personalidade jurídica.

Ora, no caso, a falência da sociedade arguida já havia sido declarada, por sentença proferida em 22/11/99 e transitada em julgado, em data anterior àquela em que foi proferida a sentença condenatória, encontrando-se ao tempo em fase de liquidação do património (cfr. pontos 27. e 28. dos factos ali considerados como provados), sem haver nos autos notícia, conforme vem referido no despacho recorrido, de que já se encontre registado o encerramento dessa liquidação, sequer que tal encerramento tenha sido concluído. E, assim sendo, temos de concluir que – face aos elementos que constam destes autos (que são insuficientes para conferir se ocorreram causas de suspensão e de interrupção da prescrição das penas previstas nos arts. 125º e 126º do C. Penal e, decorrentemente também se o prazo previsto na al. d) do nº 122º do mesmo diploma se completou) - não ocorreu a invocada causa de extinção da pena de multa que lhe foi aplicada.

Quanto à responsabilidade subsidiária e solidária pelas multas e coimas, aplicadas pela prática de infracções tributárias, a pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas prevista no RGIT e, também, no RJIFNA, considera o recorrente que não pode deixar de ser interpretada como uma transmissão do dever de cumprimento da sanção para terceiros, que não o agente da infracção, sendo, por isso, violadora da norma do nº 3 do art. 30º da C.R.P., (de acordo com a qual “a responsabilidade penal é insusceptível de transmissão”) e, decorrentemente, do princípio da intransmissibilidade das penas, tendo sido, igualmente violado o princípio da presunção de inocência por não se ter provado que tenha sido por culpa do recorrente que o património da sociedade se tornou insuficiente para o pagamento da multa em que foi condenada.

Diga-se, desde logo, que a invocação da pretensa violação do princípio da inocência é perfeitamente descabida na medida em que o fundamento para a condenação do recorrente, nos termos exarados no despacho recorrido, não se foi colher à eventual culpa que ele possa ter tido na criação à arguida de uma situação de insuficiência patrimonial que não permitiu a esta proceder ao pagamento da multa que lhe foi aplicada, mas sim à colaboração dolosa na prática do crime tributário pelo qual ambos foram condenados, colaboração esta que se extrai dos factos que foram considerados como provados e relativamente aos quais (também) o recorrente teve ampla oportunidade de se defender em julgamento. Tal invocação é, na verdade, reveladora da confusão que ele faz entre a responsabilidade que vem prevista na al. a) do nº 1 do art. 8º do RGIT (em termos semelhantes aos que já vinham previstos no art. 7º-A do RJIFNA) e aquela outra prevista no nº 7 do mesmo preceito.
De facto, é inequívoco que em causa nos autos está apenas e só a responsabilidade solidária prevista no referido nº 7 do citado art. 8º - responsabilidade esta que permite ao credor exigir o cumprimento da obrigação a qualquer dos responsáveis solidários, sem ser necessário, diferentemente do que sucede com a responsabilidade subsidiária, que se demonstre previamente a inexistência de bens por parte do autor da infracção -, pois foi expressamente ao abrigo desta norma que o recorrente foi condenado no pagamento do equivalente à multa que havia sido aplicada à arguida sociedade. E, pese embora o Tribunal Constitucional, até ao momento e tanto quanto sabemos, ainda[5] não se tenha debruçado especificamente sobre a conformidade constitucional desta norma, as razões que tem vindo a indicar[6] para refutar a inconstitucionalidade da norma do nº 1 do mesmo preceito legal, quer por violação do nº 3 do art. 30º da C.R.P., quer por violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade, têm sido consideradas, pela jurisprudência largamente maioritária das relações, como transponíveis para aquela outra modalidade de responsabilidade[7]. Tanto uma como outra são responsabilidades de natureza civilística – como decorre, desde logo, da epígrafe do aludido art. 8º -, deveres indemnizatórios impostos por lei que, num caso, derivam de factos ilícitos culposos praticados por administradores e gerentes, ainda que de facto, através dos quais colocaram a infractora numa situação de penúria e, no outro, da colaboração dolosa na prática da infracção tributária. Sendo o facto ilícito imputável ao agente que fundamenta o dever de indemnizar e que, como tal, origina a responsabilidade civil, “A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contraordenacional”[8] ou penal.

Não iremos aprofundar esta questão de inconstitucionalidade material porque, como vamos de seguida demonstrar, concorrem outras razões – pensamos que não tão polémicas - que determinam a inaplicabilidade, no caso, da norma que serviu de fundamento à declaração do recorrente como solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à arguida e que esta não liquidou e, por isso, comprometem o acerto do que foi decidido no despacho em recurso.
Seja qual for o prisma pelo qual se encare a natureza da responsabilidade solidária estabelecida no nº 7 do art. 8º do RGIT, pensamos ser inquestionável que se trata de uma responsabilidade civil “na medida em que não se procura com ela fins próprios das penas, mas antes a garantia de cumprimento das sanções pecuniárias à custa do património do obrigado solidário e nunca da sua pessoa, como meio de assegurar aos cofres públicos a receita correspondente ao pagamento das sanções pecuniárias.”[9]
Entendimento que também foi expressamente, ex abundantis, seguido no despacho recorrido, onde se refere que: “o que está em causa na norma é a enunciação de regras relativas à responsabilidade civil e não à responsabilidade penal; (…) O que está em causa não é (…) a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório (…); o que está em causa já não é a sua responsabilidade penal, ma a responsabilidade do seu administrador, pela indemnização devida ao Estado”.
Ora, se assim é, não se compreende como, contraditoriamente, se vai colher no facto de, na sentença condenatória, se ter aplicado o regime penal do RGIT, porque ali considerado como sendo o concretamente mais favorável aos arguidos (art. 2º nº 4 do C. Penal), o fundamento para a aplicação do art. 8º daquele diploma. É certo que, de acordo com o entendimento seguido pela jurisprudência largamente maioritária[10], nos casos em que se verifique uma sucessão de leis no tempo, o regime penal concretamente mais favorável deve ser aplicado em bloco, e não norma a norma, consoante cada uma se revele concretamente mais favorável, procedendo à conjugação de normas pertencentes aos vários regimes em confronto, pois tal redundaria na criação de um regime novo, misto, sem correspondência em qualquer das leis e, portanto, não previsto pelo legislador[11], que concebeu cada regime dentro de uma mesma lógica e coerência internas. Mas, no caso, estamos fora do âmbito da responsabilidade penal e no campo da responsabilidade civil[12]. E, quanto a esta, no que concerne à aplicação das leis no tempo, rege o art. 12º do C. Civil (ex vi da al. c) do art. 3º do RGIT), que consagra o princípio “tempus regit factum”. Norma esta da qual decorre que, no caso, tal responsabilidade se rege pela lei vigente à data da prática dos factos, em concreto, aquela em que foi prestada a colaboração dolosa na prática da infracção tributária – o concreto facto ilícito que o nº 7 do aludido art. 8º considera como relevante para integrar um dos pressupostos da responsabilidade civil nele prevista.
Sucede que, nessa data – a última conduta integradora do ilícito criminal pelo qual recorrente e arguida foram condenados reporta-se a meados de 1997 e o RGIT só entrou em vigor em 2001 -, não existia nenhuma norma que estabelecesse a responsabilidade solidária de quem colaborasse dolosamente na prática da infracção tributária pelas multas e coimas aplicadas por essa prática. Não o previa nenhum dos diplomas vigentes à data em que se consumou o crime de abuso de confiança fiscal praticado por recorrente e arguida e pelo qual ambos foram condenados, quer o RJIFNA – regime no âmbito do qual a responsabilidade solidária pelo pagamento das multas ou coimas em que fossem condenados os agentes da infracção, prevista no seu art. 6º, recaía sobre a pessoa colectiva ou equiparada em nome da qual aqueles tivessem actuado, enquanto que a responsabilidade solidária prevista no nº 2 do seu art. 7º-A pressupunha a existência de vários responsáveis que, sendo representantes legais ou de facto de pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado, houvessem causado culposamente a insuficiência do respectivo património e a decorrente incapacidade de essas entidades satisfazerem os créditos emergentes de multas ou coimas que lhes fossem aplicadas por infracções praticadas no decurso do mandato daqueles primeiros –, quer o C. P. Tributário, aprovado pelo DL nº 154/91 de 23/4 (e objecto de alterações que para o caso não relevam, posteriormente revogado pela LGT, aprovada pelo DL nº 328/98 de 17/12), nas normas que definiam os sujeitos das relações tributárias e as responsabilidades tributários (arts. 9º a 15º).
Donde se terá de concluir que a condenação do recorrente no pagamento solidário da multa aplicada à arguida não tem suporte legal e, por isso, não pode subsistir.

4. Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgam o recurso procedente e revogam o despacho recorrido.
Sem tributação.

Porto, 6 de Junho de 2012
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas
_________________
[1] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Como se fez notar no Ac. STJ 12/10/06, proc. nº 06P2930.
[4] Neste sentido já subscreveu a ora relatora, enquanto adjunta, o Ac. RP 9/5/07, proc. nº 0710 903, apontando-se igualmente no sentido de que a sociedade não se pode considerar extinta enquanto não se mostrar efectuado o registo do encerramento da liquidação, v.g., o Ac. RP 12/9/07, proc. nº 0741140; em sentido oposto, considerando que se deve julgar extinto o procedimento criminal contra sociedade comercial que foi declarada falida e cuja liquidação do activo já se encerrou, ainda que se não tenha feito o respectivo registo, v.g., o Ac. RP 27/6/07, proc. nº 0742535.
[5] Terá certamente de o fazer na sequência do que foi decidido no recente Ac. RE 20/3/12, proc. nº 213/09.0TAETZ.E1.
[6] Acs. TC nºs 249/2012 e 561/2011 (no qual, tirado em Plenário, foi adoptado o entendimento seguido nos Acs. nºs 129/2009, 150/2009 e 234/2009), o primeiro quanto ao art. 8º nº 1 al. a) do RGIT e o segundo quanto à norma que lhe correspondia anteriormente, no RJIFNA, o art. 7º-A deste diploma.
[7] Assim, Acs. RP 23/6/10, proc. nº 248/07.7IDPRT-A.P1, 12/1/11, proc. nº 243/05.0IDPRT-A.P1, 28/9/11, proc. nº 1062/05.0TAPRD-B.P1, 20/12/11, proc. nº 1299/06.4TAVNF-A.P1, 2/5/12, proc. nº 1113/06.0TAPRD-B.P1 e 14/3/12, proc. nº 105/07.7IDPRT-A.P1; RC 13/12/11, proc. nº 36/02.7IDCBR-A.C1, e 9/5/12, proc. nº 98/07.0IDACB-A.C1; RG 21/11/11, proc. nº 1453/07.1TAVCT.G2 e 16/3/12, proc. nº 1407/09.3TAVCT.G1; RE 11/10/11, proc. nº 26/07.3TAAVS-A.E1, e 18/10/11, proc. nº 56/03.4TAETZ-D.E1.
Em sentido oposto, os Acs. RG 12/4/10, proc. nº 149/04.0IDBRG-A.P1, RP 30/11/11, proc. nº 794/07.2TAPRD-B.P1 e RE 20/3/12, já aludido.
[8] cfr. Ac. TC nº 249/2012.
[9] Como se refere no Ac. RE 20/3/12, já citado.
[10] Seguindo a ponderação unitária – tal como o fizeram o Assento nº 2/89 e o AUJ nº 11/2005 (este com indicação de várias decisões do STJ), em oposição à ponderação diferenciada defendida por Taipa de Carvalho, in Sucessão de Leis Penais, 2ª ed. revista, págs. 192 ss.
[11] “(…) não podem ser misturados ou combinados os dispositivos mais favoráveis de cada uma das leis concorrentes, pois aí estaria o julgador a arvorar-se em legislador, formando uma terceira lei dissonante, no seu hibridismo, de qualquer das leis em jogo.” cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal anotado, 2ª ed., 1º vol., pág. 100.
[12] O que não conflitua com a circunstância de o estabelecimento do nexo de imputação (subjectivo) ao agente do facto criminal danoso se ir buscar às normas de direito penal, conforme referido no Ac. RP 20/9/06, proc. nº 0611503.