Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1011/13.1T2OBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA
PRAZOS DE PRESCRIÇÃO
COMO SERVIÇO ESSENCIAL
POR CONTAGEM IRREGULAR
CONSUMO FRAUDULENTO
Nº do Documento: RP201702271011/13.1T2OBR.P1
Data do Acordão: 03/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 647, FLS. 340-355)
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de prescrição extintiva previsto no artigo 10.º da lei n.º 23/96, de 26/07, tem natureza excecional, justificado pela intenção do legislador, de estabelecer um regime específico de proteção dos utentes de alguns serviços, que são essenciais para a vida e para a participação e integração social, entre os quais se destaca o serviço de fornecimento de água e de energia (artigo 1.º, n.º 2, alíneas a) e b), do citado diploma legal).
II - Provando-se que o contador de energia fora manipulado, de forma a que na tampa de bornes, que se encontrava desselada, onde se encontram as ligações, havia duas fases que não registavam a energia efetivamente consumida, e que devido à referida manipulação a energia era captada a montante do aparelho de medição, presume-se que tal facto é imputável ao consumidor, nos termos do n.º 2 do art.º 1.º do DL 328/90, de 22/10.
III - O valor da fatura referente ao período de contagem irregular de energia tem a natureza de ressarcimento, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º do citado DL 328/90, de 22/10, correspondendo: ao valor do consumo irregularmente feito, das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude, e dos juros.
IV - A obrigação de ressarcir ou de indemnizar destina-se a remover ou reparar um dano ou prejuízo sofrido por outrem, nada tendo a ver com o normal pagamento do “preço do serviço prestado” a que expressamente se refere a previsão legal do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26.07.
V - Decorre do exposto, que à fatura referente ao período de contagem irregular de energia não é aplicável o prazo prescricional previsto no artigo 10.º da lei n.º 23/96, de 26/07, mas antes o que se prevê no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1011/13.1T2OBR.P1

Sumário do acórdão:
I. O prazo de prescrição extintiva previsto no artigo 10.º da lei n.º 23/96, de 26/07, tem natureza excecional, justificado pela intenção do legislador, de estabelecer um regime específico de proteção dos utentes de alguns serviços, que são essenciais para a vida e para a participação e integração social, entre os quais se destaca o serviço de fornecimento de água e de energia (artigo 1.º, n.º 2, alíneas a) e b), do citado diploma legal).
II. Provando-se que o contador de energia fora manipulado, de forma a que na tampa de bornes, que se encontrava desselada, onde se encontram as ligações, havia duas fases que não registavam a energia efetivamente consumida, e que devido à referida manipulação a energia era captada a montante do aparelho de medição, presume-se que tal facto é imputável ao consumidor, nos termos do n.º 2 do art.º 1.º do DL 328/90, de 22/10.
III. O valor da fatura referente ao período de contagem irregular de energia tem a natureza de ressarcimento, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º do citado DL 328/90, de 22/10, correspondendo: ao valor do consumo irregularmente feito, das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude, e dos juros.
IV. A obrigação de ressarcir ou de indemnizar destina-se a remover ou reparar um dano ou prejuízo sofrido por outrem, nada tendo a ver com o normal pagamento do “preço do serviço prestado” a que expressamente se refere a previsão legal do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26.07.
V. Decorre do exposto, que à fatura referente ao período de contagem irregular de energia não é aplicável o prazo prescricional previsto no artigo 10.º da lei n.º 23/96, de 26/07, mas antes o que se prevê no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 22.10.2013, no Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Oliveira do Bairro, comarca do Baixo Vouga[1], B…, intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra C…, S.A., formulando os seguintes pedidos de condenação da ré:
a) A reconhecer que, ainda que pudesse assistir-lhe o direito retificar os valores indevidamente subfacturados em função de um fornecimento de energia de quantidade alegadamente superior àquele que mensalmente foi sempre honradamente pago pelo A., retificação essa operada com a emissão da fatura n.º ........042 no valor de € 3.001,67, o exercício de tal direito ultrapassou já os prazos de prescrição e caducidade de seis meses previstos no artigo 10.º, n.ºs 2 e 4 do Regime Jurídico dos Serviços Públicos Essenciais;
b) A reconhecer que a dívida pelo consumo alegadamente efetuado a que corresponde a fatura nº ………227 no valor de €781.55 já está prescrita, tendo já decorrido os prazos de prescrição e caducidade de seis meses previstos no artigo 10°, n.ºs 1 e 4 do diploma supra citado;
c) Que seja a ré condenada a emitir uma nota de crédito a favor do A. no valor de € 3.783,22 que anule a dívida repercutida nas referidas faturas;
d) A reconhecer que a fatura n.º ……..042 no valor de € 3.001,67 enferma de erros graves, em virtude de especificar absurdamente as quantidades de energia elétrica que alegadamente terão sido consumidas e não pagas pelo A., o que constitui flagrante violação do disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2 da lei, da Lei n.º 23/96, de 31 de Julho;
e) A pagar ao A. a quantia de € 2.704,00, sobre a qual acrescerão juros vincendos desde esta data até efetivo e real embolso do A.;
Subsidiariamente, na eventualidade de assim se não entender pela caducidade do direito de a R. exigir o preço dos consumos alegadamente efetuados, o que apenas por mera hipótese académica se aceita, deverá a ré ser condenada a reconhecer que os referidos consumos devem ser calculados com base no consumo diário estimado de 8,79kw em horas de vazio e de 13,79kw em horas de fora de vazio, em consequência do que deve emitir uma nota de crédito, a favor do A., no valor do excedentemente calculado, e sempre condenada nos pedidos antecedentemente formulados nas alíneas e) e f).
Para fundamentar a sua pretensão, alegou o autor em síntese: celebrou com a ré, em 7 de janeiro de 1998, um contrato de fornecimento de energia elétrica de baixa tensão para consumo na sua residência e, em março 5 de 2013 recebeu, no seu apartado postal, um aviso/recibo enviado pela ré, que lhe comunicava a existência de uma conta de energia já vencida no valor de 3.001,67€, concedendo-lhe prazo para pagamento (até 11/3/2013) para seu pagamento, sob pena de interrupção do fornecimento de energia; nesse mesmo dia - 4 de março – enviou à ré um email requerendo que lhe fosse dada nota justificativa do referido débito; não tendo obtido resposta, no dia 18 de março de 2013, deslocou-se aos balcões da ré, em Aveiro, onde lhe foram entregues cópias da fatura e da carta 531, datada de 5/2/2013, documentos que só nesse dia tomou conhecimento; na carta 531, de 5/2/2013, a ré informava o autor da verificação da existência de não conformidades no contador de energia e, em consequência do mesmo se encontrar danificado, o valor da energia consumida, e não registada, ascendia a 3.001,67€; nesse mesmo dia - 18 de março de 2013- o autor enviou uma carta à ré na qual solicitava que lhe fosse entregue o auto de inspeção, identificados os critérios adotados para a determinação do valor estimado de energia e período considerado; remeteu à autora a fatura n.º ……..042 de 5 de fevereiro de 2013 no valor de 3.001,67€, e, não lhe tendo sido dado conhecimento atempado do auto de inspeção, ficou impedido de pedir a vistoria a que alude o art.º 5.º, n.º 2, do DL 328/90; impugna os consumos calculados pela autora na fatura, por excessivos, que deverão ser fixados com base no consumo médio estimado de 8, 79kw em horas de vazo e 13,79kw em horas fora de vazio para esse período em que, por anomalia do contador, não foi cobrada a energia efetivamente consumida; invoca a caducidade e prescrição do direito da autora à cobrança dos valores de retificados de energia da fatura n.º ……..042 de 5 de fevereiro de 2013 no valor de 3.001,67€, por ter decorrido mais de 6 meses e, bem assim, da fatura nº ………227 no valor de € 781.55, da qual reclamou junto da ré pelo excessivo valor, e nunca obteve resposta, em 20 novembro de 2013 a ré enviou-lhe uma carta na qual lhe imputa a prática de procedimento fraudulento, decorrente da manipulação dos equipamentos de medição, o que o atingiu na sua honra e bom nome, sentindo-se com o escrito vexado, humilhado, ultrajado, angustiado, enxovalhado e vilipendiado, devendo estes danos não patrimoniais ser compensados no valor de 2.500,00€
Citada, a ré contestou impugnando a factualidade alegada pelo autor e alegando em síntese: em 23/8/2002, no âmbito da vigência do contrato o autor solicitou que as faturas mensais e as demais comunicações emitidas ao abrigo do contrato passassem a ser enviadas para a morada Rua …, n.º . 2.º Dto, apartado …, Oliveira do Bairro, morada diferente do local do consumo; em 28/12/2009 o autor aderiu à fatura eletrónica, pelo que as faturas com periodicidade mensal foram enviadas para o e-mail disponibilizado pelo autor, e a demais correspondência dirigida a Rua …, nunca tendo sido a ré confrontada com qualquer reclamação relativa à ausência de receção das faturas ou outras comunicações; no dia 15/10/2012, os técnicos da C1… aquando duma deslocação ao local de instalação do autor para substituírem o equipamento, deparam-se com a manipulação do mesmo, detetando que a fase 1 e 2 se encontravam ligados na entrada do contador no mesmo borne e a tampa dos bornes onde se encontravam as ligações desseladas, constatando que havia duas fases que não registavam a energia efetivamente consumida; perante os factos narrados, os técnicos elaboraram o “auto de inspecção”, que foi assinado pelo cliente/representante, tendo sido entregue um duplicado do auto de inspeção; na sequência da diligência a ré apurou o valor da energia consumida e não registada de acordo com o histórico das leituras realizadas ao equipamento de medição instalado no local de consumo e, após apurado o valor do consumo efetuado de modo irregular, foi enviada ao autor a comunicação de fls. 117, 118 a 120, datada de 5/2/2013, na qual informa o autor de que, em consequência da não conformidade do contador, o valor da energia elétrica não registada, do aparelho danificado, ascendia a € 3.001,67, reportando-se o valor de consumo irregular de energia elétrica de 16/3/2010 a 14/10/2012, em consonância com a folha de cálculo, período em que as faturas apresentavam um valor consideravelmente inferior ao habitual; no caso presente não se verifica a caducidade ou prescrição pelo decurso do prazo de 6 meses conforme rege a Lei 26/96 de 26 de Julho, por não se tratar da normal execução de um contrato de fornecimento de energia elétrica, mas numa situação de fraude não contemplada nesse diploma legal e à qual é aplicável o DL n.º 328/90, aplicando-se na situação em apreço o prazo de prescrição é de 5 anos, de acordo com o art.º 310.º, al. g) do CC.
Em 2.05.2014 realizou-se a audiência prévia, na qual: foi fixado à ação o valor de € 6.487,22; foi proferido despacho saneador, considerando-se verificados todos os pressupostos processuais; foram definidos o objeto do litígio e os temas de prova; foi relegado conhecimento da caducidade e prescrição para a decisão final; foram admitidos os requerimentos probatórios e foi designada data para a audiência de julgamento.
Em 27.10.2015 realizou-se a audiência final, tendo sido proferida sentença em 8.11.2016, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, Julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
- declaro a prescrição do direito da R. ao recebimento do preço das facturas das facturas, n.ºs n.º ……..042 no valor de €3.001,67 e nº………227 no valor de €781.55.
- Julgo em improcedente o pedido de condenação na quantia de 2.500,00€ a título de danos não patrimoniais, dele absolvendo a R..
Custas pelo A. e R., na proporção do decaimento.».
Não se conformou a ré, e interpôs o presente recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
1. O Recorrido intentou acção declarativa contra a aqui Recorrente, pedindo, em suma, que fosse reconhecida e declarada:
a) a prescrição do direito da Recorrente ao recebimento do valor inscrito nas facturas n.º ……...042, no valor de € 3.001,67 (três mil e um euro e sessenta e sete cêntimos) e da factura n.º ………227, no valor de €781,55 (setecentos e oitenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 10.ª Lei 23/96;
b) o direito a ser indemnizado pela Recorrente, por danos não patrimoniais, no valor de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros)
2. Em sede de contestação a Recorrente pugnou pela improcedência do pedido do Recorrido alegando para o efeito, a apenas no que respeita ao pedido identificado na alínea a), a necessidade de distinguir a natureza dos valores inscritos nas duas facturas para, posteriormente, enquadrar a legislação aplicável a cada uma das facturas;
3. Na verdade se a factura ………227, no valor de €781,55 dizia respeito a energia eléctrica regularmente consumida pelo Recorrido os valores incluídos na factura n.º ……..042, que ascendiam à quantia de € 3.001,67, reportavam-se a energia irregularmente consumida pelo Recorrido e, por isso mesmo, sujeita a um enquadramento legal diferente, nomeadamente o Decreto Lei n.º 328/90 de 22 de Outubro.
4. Nesse sentido a Recorrente defendeu que o seu direito ao ressarcimento do valor do consumo de energia do qual a Recorrida irregularmente beneficiou deveria ser analisado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 328/90 e não nos termos da Lei dos Serviços Públicos Essenciais, pelo que não poderia ser declarado prescrito.
5. Não obstante o alegado no seu articulado e, bem assim, a prova produzida em sede de audiência de julgamento, o Tribunal a quo desconsiderou factos essenciais que resultaram provados, quer documental quer testemunhalmente, decidindo no sentido de não reconhecer o direito da Recorrente ao recebimento dos valores irregularmente consumidos pelo Recorrido e reflectidos na factura n.º ……..042 por entender que o mesmo se encontrava prescrito, fundamentando a sua decisão na Lei 23/96 com as alterações decorrentes da Lei n.º 24/2008 de 2/6.
6. Inconformada com a decisão proferida, vem a Recorrente apresentar recurso da mesma, versando sobre matéria de facto e de direito, com reapreciação da prova gravada, no sentido de obter a revogação da douta sentença proferida a 08.11.2016, pela Instância Local de Oliveira do Bairro, na parte em que julgou procedente a prescrição do direito da Recorrente em exigir o pagamento da factura n.º ……..042 no valor de € 3.001,67 (três mil e um euros e sessenta e sete cêntimos).
7. Nestes termos o objecto do presente recurso cinge-se à discussão da decisão na parte em que determina a prescrição do direito da Recorrente, deixando-se intocada a restante matéria de apreciação, que assim fica coberta pelo caso julgado e deve ter-se por decidida.
A. Da Matéria de Facto
8. A decisão do caso sub judicie, nomeadamente no que respeita à prescrição, ou não, do direito da Recorrente está umbilicalmente ligada ao enquadramento jurídico que o Tribunal ad quo fez dos factos que foram sendo carreados para o processo.
9. Nesse sentido mostrava-se essencial que, previamente, o Tribunal a quo tivesse determinado que o direito da Recorrente em ser ressarcida pelo valor da energia irregularmente consumida, e que se traduziu na emissão da factura n.º ........042, era diferente do direito que assiste à Recorrente em receber o preço pelo normal fornecimento e consumo de energia decorrente do contrato de fornecimento de energia celebrado com o Recorrido e que justificou, por exemplo a emissão da factura n.º ………227, também em discussão nos presentes autos.
10. E a verdade é que, ao contrário do que o Tribunal a quo decidiu, os consumos inscritos na factura n.º ……..042 no valor de € 3.001,67 não se referem a valores de energia regularmente consumidos pelo Recorrido, como acontece na factura n.º ………227, no valor de €781,55, mas sim a energia irregularmente consumida e não paga pelo Recorrente, no período compreendido entre 16-03-2010 e 14-10-2012, resultante de uma manipulação feita ao equipamento de medição que se encontra afecto à habitação do Recorrido sito na Rua …, … em ….
11. Não obstante do depoimento da testemunha D… resultar evidente e claro a existência de uma manipulação do contador, que configura um procedimento fraudulento, o Tribunal a quo não deu esse facto como provado e, dessa forma, tratou de forma idêntica as duas facturas em discussão.
12. Apesar do indesmentível procedimento fraudulento levado a cabo no equipamento de medição, o Tribunal a quo enquadrou, no nosso modesto entendimento mal, o direito da Recorrente em receber os valores inscritos na factura n.º ……..042, no valor de € 3.001,67, como que decorrente da mera execução do contrato de fornecimento de energia eléctrica quando, em bom rigor, o mesmo resulte do incumprimento contratual por parte do Recorrido.
13.E esta é uma diferenciação que não poderia deixar de ser feita pelo Tribunal a quo que acabou por tratar situação diferentes com uma mesma, e fácil, solução jurídica!
14. Em primeiro lugar impunha-se que o Tribunal a quo tivesse dado como provado a verificação de um procedimento fraudulento para, a partir daí, enquadrar legalmente o direito da Recorrente em ser ressarcido pela energia irregularmente consumida e que se encontram reflectidos na factura n.º ……..042, no valor de € 3.001,67.
15. E dizemos impunha-se porque do depoimento da testemunha D… resulta, de forma sucinta e clara, a certeza desse procedimento fraudulento.
16. Dos trechos do depoimento transcrito resulta, sem sombra para qualquer dúvida, a existência de um procedimento fraudulento, que se traduziu na manipulação do contador e que resultou na adulteração do registo dos valores da energia consumida e paga pelo Recorrido.
17. Nesse sentido, impunha-se que após a análise deste depoimento Tribunal a quo concluísse pela existência do procedimento fraudulento e, consequentemente, tivesse dado como provado o facto vertido no artigo 37.º da Contestação: 37.º “(…) os factos subjacentes aos presentes autos – desconformidades no equipamento de medição – consubstanciam a prática de um procedimento fraudulento”.
18. Assim, muito mal andou o Tribunal a quo ao menosprezar o depoimento da testemunha D… e ao não dar como provado a existência de um procedimento fraudulento que se traduziu na manipulação levada a cabo no contador afecto à habitação do Autor com o objectivo de falsear a contagem da energia consumida na mesma.
19. Impunha-se ao Tribunal a quo valorar correctamente o depoimento da testemunha D… e, consequentemente, dar como assente a existência do procedimento fraudulento, o que no fundo permitir-lhe-ia concluir dois pontos essenciais:
1.º Ponto – Fazer a distinção entre o direito da Recorrente em receber a contraprestação decorrente da normal execução do contrato do fornecimento de energia – Factura ………227 - e o Direito da Recorrente em ser ressarcida pelos valores irregularmente consumidos pelo Recorrente decorrente do incumprimento do contrato de fornecimento de energia – Factura ……..042;
2.º Ponto: Após a distinção referida supra competia ao Tribunal a quo o correcto enquadramento legal de ambas, ou seja, a primeira ao abrigo da lei dos Serviços Públicos Essenciais e a segunda ao abrigo do Decreto-Lei 328/90 de 22 de Outubro de 1990.
20. Ou seja, considerando o depoimento da testemunha D… impunha-se que o Tribunal desse como provado o procedimento fraudulento [artigo 37.º da Contestação] e analisasse o direito da Recorrida a receber o valor inscrito na factura n.º 10495221042 ao abrigo do disposto no Decreto-lei n.º 328/90 de 22 de Outubro de 10 e não de acordo com a Lei dos Serviços Públicos Essenciais.
21. Se assim o fizesse a solução a que chegou seria totalmente diferente conforme se deixará demonstrado infra.
A. Da fundamentação de direito
22. O Tribunal a quo jugou procedente a prescrição do direito da Ré em exigir o valor inscrito na factura n.º ……..042, fundamentando a sua decisão no disposto no artigo 10 n.º 1 da Lei dos Serviços Públicos Essenciais.
23. Esta solução não poderia merecer, aliás como não merece, qualquer juízo de censura se a factura em causa reflectisse o exercício do direito da Recorrente em exigir a contraprestação devida pelo Recorrido pela normal execução do contrato de fornecimento de energia eléctrica, tal como acontece com a factura n.º ………227, também em discussão no caso sub judice.
24. No entanto não resulta de nenhum facto trazido para o processo, e muito menos da prova produzida nos autos, que a factura n.º ……..042 reflicta valores de energia regulamente medidos no equipamento de medição afecto à habitação do Recorrido!
25. Pelo contrário! Resulta provado que a referida factura “ regularizou o período de consumo irregular de energia eléctrica de 16/10/2010 a 14/10/2012” (sublinhado nosso) – vide facto provado n.º 37º;
26. Face ao exposto teria feito toda a diferença, em termos de legislação aplicável, se o Tribunal a quo tivesse logrado fazer a distinção do direito da Recorrente que se encontra subjacente à emissão das facturas em discussão, ou seja, saber se a factura em causa reflecte o valor do consumo normal de uma habitação – Factura n.º ………227 - um acerto motivado por uma facturação feita através de estimativa ou por uma manipulação feita ao aparelho de medida que implicou que a Recorrido, durante 48 meses, apenas tenha pago 1/3 da energia que consumiu – Factura n.º ……..042.
27. E se constatado e provado que está que a factura n.º ……..042 pretende regularizar 48 meses de consumo irregular de energia eléctrica por parte do Recorrido, resultante de um procedimento fraudulento, a questão que se coloca é saber qual o motivo para o Tribunal a quo não ter aplicado nem mencionado o diploma legal que regula essas situações em concreto?
28. Como resulta evidente o ressarcimento devido à Recorrente em virtude da manipulação feita ao contador não está prevista na Lei dos Serviços Públicos Essenciais mas sim em legislação especial nomeadamente no Decreto-lei 328/90 de 22 de Outubro de 1990.
29. As medidas previstas no referido diploma legal visam a erradicação de situações fraudulentas – nomeadamente a viciação dos aparelhos de medição – que têm como objectivo a fuga ao pagamento de consumos reais e ao mesmo termo permitem o ressarcimento “(…) dos valores dos consumos verificados durante a existência de fraude e das despesas dela emergentes.” (sublinhado nosso)
30. De acordo com preambulo do referido diploma legal “(…) estando em causa um bem essencial – a energia eléctrica – e o serviço público da sua distribuição, as práticas referidas, além de constituírem uma violação ao contrato de fornecimento de energia, por fuga ao pagamento devido, configuram ainda um ilícito social”
31. O Decreto-Lei n.º 328/90 de 22 de Outubro de 1990 regulamenta as situações de fraude através da captação de energia em aparelhos de medição ou a montante destes, quer através da viciação destes aparelhos ou dos dispositivos de segurança e controle.
32. Nos termos do artigo 1º, nº 1 daquele Diploma Legal, constitui violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica consumida ou da potência tomada a (…) a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal dos aparelhos da medida ou do controlo da potência, bem como a alteração dos dispositivos de segurança, levada a cabo através da quebra dos selos ou por violação dos fechos ou fechaduras. (sublinhado nosso).
33. Conjugando os factos descritos no auto de vistoria, que resultaram provados pelo Tribunal a quo - artigo 27.º dos factos provados - e, bem assim do disposto no referido n.º 1 do artigo 1.º daquele dispositivo legal, é forçoso concluir que o facto de (…) o condutor de saída da fase 1 encontrava-se no mesmo borne de entrada (fase 1) e o contador de saída da fase 2 encontrava-se ligado ao mesmo borne de entrada (fase 2)” ao permitir falsear a contagem de energia eléctrica configura um procedimento fraudulento.
34. Nesse sentido não pode haver qualquer dúvida que é ao abrigo do Decreto-lei 328/90 de 22 de Outubro de 1990 e, em última instância, da lei geral, que deverá ser enquadrado e analisado o caso sub judicie.
35. Determina o n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 328/90 de 22 de Outubro de 1990 que, se da inspecção se concluir pela existência de violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica o distribuidor [que não é a aqui a Ré e Recorrente] goza, entre outros, dos seguintes direitos: “b) Ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dívidas activas do distribuidor”.
36. Por outro lado estabelece ainda o n.º 2 do mesmo artigo “Quando o consumidor não seja o autor do procedimento fraudulento ou por ele responsável o distribuidor tem apenas direito a ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito pelo consumidor”.
37. Ou seja, o Recorrido, independentemente da responsabilidade que tenha tido na manipulação do contador, está sempre obrigado a pagar o valor da energia eléctrica irregularmente consumido porque beneficiou directamente do procedimento fraudulento.
38. Nesse sentido, após ter sido confirmada a manipulação feita ao equipamento de medição que se encontrava afecto à habitação do Recorrido mostrou-se necessário apurar os valores efectivamente consumidos e não pagos durante os 48 meses que durou a viciação do contador e dessa forma dar cumprimento ao estipulado no n.º 1 do artigo 3º do Decreto-lei n.º 328/90 de 22 de Outubro de 1990.
39. Face ao exposto é forçoso concluir que a emissão da factura n.º ……..042 e o direito da Recorrente em receber a quantia de 3.001,67 funda-se não na normal execução do contrato de fornecimento de energia, mas sim no seu incumprimento, nomeadamente pela verificação do procedimento fraudulento que levou ao falseamento dos valores de energia efectivamente consumidos – vide artigo 1.º n.º 1 conjugado com o n.º 2 do artigo 3.º e n.º 1 do artigo 6.º, todo do Decreto- Lei 328/90 de 22 de Outubro de 1990.
40. Em bom rigor, considerando que em causa não está e emissão de uma factura motivada por um normal consumo de energia, de acertos de energia motivados pela facturação feita por estimativa nem mesmo de uma avaria involuntária do contador em nenhum momento se se poderia aplicar a Lei dos Serviços Públicos Essenciais pelo simples factos da leitura da Lei dos Serviços Essenciais não resultar, em parte nenhuma, que a mesma se aplique a casos de fraude, mediante viciação dos aparelhos de medição.
41. E não obstante o pudor do Tribunal a quo em determinar como facto provado a existência de uma fraude, de um procedimento fraudulentos a verdade é que ela existiu.
42. Nesse sentido cumpre aplicar a esses factos o enquadramento legal correcto.
43. Em bom rigor, neste tipo de situação de práticas fraudulentas, e no caso em apreço, não está em causa a prescrição do crédito da C… com fundamento na normal e regular vigência do contrato de fornecimento de energia eléctrica que se encontra consagrada na Lei nº 23/96, de 26 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12/2008, de 26 de Fevereiro.
44. Em bom rigor o que está em causa é a obrigação do Recorrido ressarcir a Recorrida pelos valores de energia que beneficiou, de forma ilegalmente, situação esta que não tem qualquer enquadramento da Lei nº 23/96, de 26 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12/2008, de 26 de Fevereiro.
45. Com efeito, estando em causa um bem essencial, as práticas abusivas aqui em causa além de constituírem uma violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica, por fuga ao pagamento devido, configuram ainda um ilícito social.
46. Efectivamente, a Lei nº 23/96, de 26 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12/2008, de 26 de Fevereiro não prevê a sua aplicação a ocorrência de situações de fraude que constituem, simultaneamente, um ilícito civil e criminal.
47. No que respeita à prescrição cumpre esclarecer que o Decreto-Lei nº 328/90 não define qualquer limitação temporal com referência aos últimos 6 meses sendo evidente que a Lei nº 23/96, de 26 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12/2008, de 26 de Fevereiro, não é aplicável.
48. Por outro lado a aplicação da Lei dos Serviços Públicos Essenciais a casos em que se verifica um procedimento fraudulento estaria a subverter todo o objectivo daquela Lei que é a protecção ao consumidor no normal funcionamento do contrato de fornecimento de energia eléctrica.
49. Ora não faz qualquer sentido estar a premiar aqueles que usam de meios ilícios, ou deles beneficiam directamente, para ocultar as quantias de energia efectivamente gastas com um prazo curto de prescrição de 06 meses.
50. Face a situações diferentes impõem-se, naturalmente, soluções e procedimentos diferentes.
51. Numa normal situação de facturação do consumo de energia não assiste aos consumidores o direito a solicitarem junto da Direcção Geral de Energia uma vistoria ao equipamento de medição.
52. No entanto nos casos em que se verifica um procedimento fraudulentos assiste aos consumidores o direito à vistoria nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-lei nº 328/90.
53. Este é mais um dos argumentos que sustentam a posição da Recorrente da necessidade de haver um tratamento diferenciado entre uma situação de normal consumo de energia e consumo irregular de energia e, bem assim, da não aplicabilidade da Lei dos Serviços Públicos Essenciais ao caso em discussão.
54. Assim, à situação em apreço, e salvo melhor entendimento, aplicar-se-á o prazo de prescrição de 5 anos previsto no Artigo 310º, alínea g), do Código Civil
55. Razão pela qual será forçoso concluir não estar prescrito o direito da Recorrida ao recebimento do preço da factura n.º ……..402 de 05 de Fevereiro de 2013 no valor de €3.001,67.
56. Face ao alegado supra impõe-se a revogação da decisão proferida pela Instância Local de Oliveira do Bairro na parte que em determinou a prescrição do directo da Recorrente ao ressarcimento do valor da energia irregularmente consumida pelo Recorrido, no valor de €3.001,67, inscrito na factura n.º ……..042.
Termos em que, nos melhores de Direito, que V.ªs Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso interposto pela Ré ser julgado totalmente te procedente e, em consequência deverá ser revogada a sentença proferida na parte em que determinou a prescrição do direito da Ré no recebimento do preço da factura n.º ……..042 no valor de €3.001,67, fazendo-se a costumada JUSTIÇA!
A recorrida apresentou resposta às alegações de recurso, pugnando pela sua total improcedência.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se nas seguintes questões:
i) aferição dos pressupostos da impugnação da decisão da matéria de facto;
ii) apreciação do mérito jurídico da decisão (prescrição) relativamente à fatura referente a consumos irregulares.

2. Aferição dos pressupostos da impugnação da decisão da matéria de facto
Na conclusão 17.ª, a recorrente delimita assim o objeto da impugnação da decisão da matéria de facto: «17. Nesse sentido, impunha-se que após a análise deste depoimento Tribunal a quo concluísse pela existência do procedimento fraudulento e, consequentemente, tivesse dado como provado o facto vertido no artigo 37.º da Contestação: 37.º “(…) os factos subjacentes aos presentes autos – desconformidades no equipamento de medição – consubstanciam a prática de um procedimento fraudulento”
Salvo todo o respeito devido, face à sua natureza claramente conclusiva, não é viável a integração no elenco factual da sentença, dos conceitos de “desconformidade” e de “fraudulento”.
Trata-se de conclusões que deverão ser suportadas por factos concretos, factos esses essenciais, que incumbia à ora recorrente alegar, a partir dos quais se poderia (ou não), extrair as conclusões que a recorrente pretende demonstradas.
Como constata o Professor Antunes Varela[2], não é fácil a tarefa de distinção entre questão de facto e questão de direito, porque «há numerosos termos que podem revestir um duplo sentido: o sentido corrente e o sentido jurídico, envolvendo pura questão de facto; e o sentido jurídico, assumindo já a natureza de verdadeira questão de direito».
O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 15.09.2010[3], define a fronteira entre matérias de facto e de direito, de acordo com o seguinte critério: tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto, sendo questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.
Aplicando o critério enunciado, propõe-se no mesmo aresto, a integração no âmbito da matéria de facto, de todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto à normas legais aplicáveis, sendo indiferente que o respetivo conhecimento se atinja diretamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência, aí se incluindo os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio.
Após a reforma do processo civil introduzida pela lei n.º 41/2013, de 26 de junho foi suprimida a previsão do n.º 4, do artigo 646.º da anterior versão legal.
Como se refere nos acórdãos desta Relação, de 04.11.2013 (processo n.º 793/10.7TBLMG.P2), e de 3.02.014 (processo n.º 2138/10.7TBPRD.P1)[4], o desaparecimento da referida previsão legal não significa que a fundamentação de facto da sentença, tal como delineada na primeira parte do n.º 3 e no n.º 4, do artigo 607.º, do atual código, tenha passado a poder incidir também sobre matéria de direito ou sobre matéria conclusiva.
A separação rigorosa da matéria de facto e de direito não traduz uma conduta processual formalista e arcaica, sendo antes uma decorrência indeclinável de “qualidade” e genuinidade na instrução da causa. Se não houver rigor na delimitação destes campos, as testemunhas serão chamadas a emitir juízos de valor, inclusive de ordem legal, procedendo assim a uma verdadeira usurpação de funções consentida, porquanto, assim atuando, demitir-se-á o julgador da função que lhe é própria, transferindo-a, à margem da lei, para as diversas entidades operantes em sede de instrução.
A inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito ou conclusiva determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.
A matéria vertida no artigo 37.º da contestação tem natureza claramente conclusiva, não sendo, face ao exposto, suscetível de integrar o elenco factual provado, daí decorrendo a inviabilidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Improcede o recurso neste segmento.

3. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade relevante provada nos autos, não impugnada:
Factos provados com relevância para a decisão da causa:
1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização de energia elétrica tendo celebrado com o A., em 7 de Janeiro de 2007 um contra mediante o qual se obrigou a fenecer-lhe energia elétrica em baixa tensão para consumo na residência deste, sita na Rua …, n.º ., em …, mediante o pagamento de tarifa simples.
2. Em 5 de Março de 2013, o A. rececionou no seu apartado postal um aviso/recibo enviado pela R. com data de 27 de Fevereiro de 2013, com o seguinte teor: “Vimos por este meio comunicar-lhe que, para o contrato acima identificado, verificámos a existência de uma divida já vencida cujo valor ascende a 3.001,67 euros, encontrando-se esta em situação de mora. Neste sentido e nos termos do disposto no artigo 5°, números 2 e seguintes da Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro e demais legislação aplicável, caso não regularize a referida dívida até ao próximo dia 2013-03-11 utilizando os meios de pagamento que estão habitualmente ao seu dispor (*), procederemos à interrupção do fornecimento de energia eléctrica sem mais aviso. (…)”.
3. Nesse mesmo dia 5 de março de 2013, cerca das 17.00h o A. à R. um e-mail, comunicando que a fatura de 3.001,67€ “só pode tratar-se de um lapso”, solicitando que fosse fornecida a “ (…) nota justificativa do referido débito, uma vez que todas as facturas que me foram enviadas foram tempestivamente pagas”.
4. No dia 18 de março de 2013, cerca das 17.30h, o A. recebeu um telefonema do responsável da empresa encarregada de proceder à interrupção do fornecimento de energia elétrica, referindo que se encontrava no local para proceder à concretização dessa interrupção.
5. O A. esclareceu nesse telefonema que até essa data não lhe tinha sido dada qualquer resposta ao e-mail anteriormente enviado em 5 de março de 2013, peio qual havia solicitado que lhe fosse dada nota justificativa do débito de € 3.001,67.
6. Com vista ao esclarecimento desta situação, o A. deslocou-se ao balcão da R., sito na Loja do Cidadão de Aveiro, onde lhe foram entregues cópias, quer da fatura no valor de € 3.001,67, quer da carta n.º …/13/DOR-FAC-FR, com data de 5 de fevereiro de 2013, quer da folha de cálculo do consumo efetuado de forma alegadamente irregular.
7. Nesse mesmo dia 18 de marco de 2013, o A. remeteu à R. um e-mail no qual solicitava o envio de cópia do auto de inspeção mencionado, informação do procedimento adotado para a determinação do valor alegadamente em dívida, designadamente o período considerado para a estimativa do alegado consumo, solicitando ainda o A. informação sobre se o contador com as alegadas não conformidades se encontrava no local ou havia sido removido, para efeito de proceder à vistoria a que alude o art.º 5.º, n.º 2 do DL 328/90, de 22 de outubro.
8. No dia 19 de março de 2013 o A. recebeu por via eletrónica a fatura n.º ……..387, de 13 de março de 2012, no valor total de €3.056,51, sendo que neste valor estava incluído o valor de € 3.001,07 acima referenciado e, bem assim, o valor de € 58,84 referente ao período de faturação entre 15 de fevereiro e 13 de março de 2013, sendo que o A. apenas procedeu ao pagamento deste último valor de € 58,84.
9. Em 1 de Abril de 2013, a R. enviou ao A. o e-mail de fls. 53 com o seguinte teor: “ (…) informamos que, na sequência da deslocação do Operador da Rede de C1… ao local de consumo em apreço foi verificado que o equipamento de contagem, que aí estava em serviço, apresentava não conformidades, que foram descritas no Auto de Inspecção que já lhe foi enviado em anexo à carta …/13/OOR-FAC-FR. Nestas Circunstâncias, foi decidido proceder ao cálculo do valor da energia eléctrica, que foi consumida e não registada, no período de 15 de março de 2010 a 14 de outubro de 2012, (bem como do relativo ao aparelho danificado e o custo da reparação e ao custo de deslocação e mão-de-obra dos técnicos do Operador de reder de Rede até à resolução do assunto) obtendo a importância de € 3.001,67 a regularizar.(…)”.
10. No dia seguinte, 2 de abril de 2013, o A. apresentou telefonicamente uma reclamação relativamente à omissão de resposta por parte da R., tendo de seguida, enviando um e-mail no qual: pediu novamente cópia do auto de inspeção, informação sobre o procedimento adotado para a determinação do valor alegadamente em dívida, designadamente do período considerado para a estimativa desse alegado consumo; informação sobre se o contador com as alegadas não conformidades se encontrava no local ou fora removido e substituído por outro e se, neste caso, o pedido de vistoria previsto no art. 5.º, n.º 2 do Dec Lei n.º 328/90, de 22 de Outubro ficava ou não impossibilitado; pediu que a R. ordenasse a imediata suspensão da ordem de interrupção de fornecimento de energia, até que toda esta questão esteja definitivamente esclarecida (art.º 19.º da PI).
11. O contador da energia elétrica consumida no local a que se vem referindo tem tarifa bi-horária a partir de 26 de Janeiro de 2001, na sequência de aditamento acordado entre as partes ao contrato inicialmente celebrado.
12. O local da instalação do contador é na Rua …, estando localizado, como sempre esteve, no exterior da residência do A., a qual tem a respetiva porta de entrada na Rua … n.º ., encontrando-se acessível a quem quer que seja.
13. Em 3 de Outubro de 2010 ocorreu um acidente (incêndio) nas estruturas de transporte e distribuição de energia elétrica, em consequência do qual resultaram alguns danos em equipamentos eletrodomésticos do A. num valor de € 1.043,00.
14. Acidente este que o próprio A. participou à R., que o registou sob a identificação …….-…………, tendo esta assumido a responsabilidade pela ocorrência dos referidos danos e procedido à indemnização dos referidos danos, e bem assim procedido à reparação da avaria resultante do referido acidente.
15. Nessa altura, o piquete responsável pela referida reparação acedeu ao contador a que se vem referindo não tendo verificado qualquer anomalia.
16. Em 24 de abril de 2013, o A. rececionou no seu e-mail a fatura n° ………227, relativa ao período de faturação de 14/3/2013 a 12/4/2013, no valor de € 781,55 da qual o A. reclamou quanto ao seu valor, mediante e–mail de fls. 63, que não obteve resposta da R.
17. Em 3 de Outubro de 2013 o A. rececionou uma carta da R., datada de 28/9/2013 mediante a qual enviam em anexo o auto de inspeção, informado que o equipamento de medida afeto ao local de consumo em causa, foi substituído no dia 15 de Outubro de 2012 conforme comunicação do Operador de Rede de C1… e que a faturação encontra-se corretamente emitida, encontrando-se em débito o valor de 3.783,22 euros.
18. O A. não esteve presente no local no momento da efetivação da inspeção.
19. A R. não disponibilizou o contador removido para, nos termos da lei, o A. efetuar uma vistoria.
20. O A. é pessoa sensível, educada, respeitada e respeitadora, assim sendo sobejamente conhecido no meio social onde se insere.
21. Em 23/08/2002, no âmbito da vigência do contrato de fornecimento de energia elétrica o Autor solicitou através de E... que as faturas mensais e as demais comunicações emitidas ao abrigo do contrato o passassem a ser enviadas para uma morada diferente da morada correspondente ao local de consumo, ou seja, Rua …, n.º ., 2.º Direito, Apartado …, …., Oliveira do Bairro.
22. Em 28/12/2009, o Autor aderiu, por E…, à fatura eletrónica, tendo indicado, para o efeito, o email “F… hotmail.com”.
23. Pelo que a partir desta data as faturas, com a periodicidade mensal, emitidas ao abrigo do contrato de fornecimento de energia elétrica foram sempre enviadas ao Autor através do endereço de email “F… Hottmail.com”.
24. E a demais correspondência dirigida ao Cliente continuou a ser enviada para a morada indicada para envio de correspondência: Rua …, n.º ., 2.º Direito, apartado …, …. Oliveira do Bairro.
25. No dia 15/10/2012, os técnicos da C1…, aquando duma deslocação ao local de Instalação sito na Rua …, …, em … em cumprimento duma Ordem de Serviço com vista à substituição do equipamento, detetaram que “a fase 1 e 2 se encontravam ligadas na entrada do contador no mesmo borne da ligação que vem do poste”.
26. A anomalia detetada localizava-se não no contador propriamente dito, mas nas suas ligações.
27. Na tampa de bornes do contador (que estava desselada) onde se encontram as ligações, havia duas fases que não registavam a energia efetivamente consumida.
28. Nessa sequência, os referidos técnicos elaboraram o “Auto de Inspecção” com vista a documentar o sucedido.
29. Conforme se vê do teor do referido Auto, na parte final respeitante à “Assinatura Cliente/representante” consta a assinatura de G… – filho do A.
30. Com a manipulação do equipamento a energia era captada a montante do aparelho de medição.
31. Na sequência da diligência, foi necessário apurar o valor da energia elétrica consumida e não registada.
32. Para o cálculo do valor da energia elétrica efetivamente consumida na Instalação do Autor foi considerado o histórico das leituras realizadas ao equipamento de medição instalado no local de consumo.
33. Da análise da evolução dos consumos de energia elétrica constatou-se que, a partir de 15/3/2010,o consumo de energia elétrica média diária na instalação em apreço diminuiu de cerca de 20 KWh para 3 kWh.
34. Após apurado o valor de consumo efetuado de modo irregular, a R. endereço ao Autor a comunicação de 5/2/2013 para a Rua …, n.º ., 2.º Direito, Apartado …, …. Oliveira do Bairro.
35. Da comunicação constava a informação de que os técnicos da C1…, deslocaram-se ao local do consumo e verificaram que o contador de energia elétrica que aí estava em serviço apresentava não conformidades, que foram descritas no Auto de Inspeção que elaboraram, e que o valor da energia elétrica não registada, é de € 3.001,67, com base em três consumos anteriores a Março de 2010; Foi ainda enviada a folha de cálculo.
36. A fatura acima identificada regularizou o período de consumo irregular de energia elétrica de l6/03/2010 a 14/10/2012.
37. Durante este período de tempo, mensalmente, a C… enviou as faturas de fornecimento de energia elétrica dirigidas ao Autor, com base nas leituras que eram, regularmente, transmitidas pelo Operador de Rede, as quais apresentavam um valor consideravelmente inferior.
38. As faturas anteriores ao período de 16/03/2010 a 14/10/2012 apresentam um valor superior:
- Fatura n.º ……...370, de 10 de Janeiro de 2010, correspondente ao período de 2009-12-17 a 2010-01-14, no valor total de €217,04;
- Fatura n.º ……..446, de 11 de Fevereiro de 2010, correspondente ao período de 2010-01-15 a 2010-02-11, no valor total de €117,88;
- Fatura n.º ……..027 de 15 de Março de 2010, correspondente ao período de 2009-12-23 a 2010-03-15, no valor total de €132,85 (art.º 61.º a contestação).
39. Desde 16/03/2010 a 14/10/2012 as faturas de fornecimento de energia elétrica debitam valores de energia elétrica inferiores:
- Fatura n.º ……..841, de 15 de Abril de 2010, correspondente ao período de 2010-03-16 a 2010-04-15, no valor total de €33,61;
- Fatura n.º ……..200, de 13 de Maio de 2010, correspondente ao período de 2009-04-16 a 2010-05-13, no valor total de €27,08;
- Fatura n.º ……..189, de 15 de Junho de 2010, correspondente ao período de 2010-05-14 a 2010-06-15, no valor total de €37,89;
- Fatura n.º ……..605, de 14 de Julho de 2010, correspondente ao período de 2010-06-16 a 2010-07-14, no valor total de €88,65;
- Fatura n.º …….234, de 13 de Agosto de 2010, correspondente ao período de 2010-07-15 a 2010-08-13, no valor total de €18,28;
- Fatura n.º ……..911, de 14 de Setembro de 2010, correspondente ao período de 2010-08-14 a 2010-09-14, no valor total de €40,84;
- Fatura n.º ……..364, de 14 de Outubro de 2010, correspondente ao período de 2010-09-15 a 2010-10-14, no valor total de €66,13;
- Fatura n.º ……..416, de 15 de Novembro de 2010, correspondente ao período de 2010-10-15 a 2010-11-15, no valor total de €5,87;
- Fatura n.º ……..324, de 15 de Dezembro de 2010, correspondente ao período de 2010-11-16 a 2010-12-15, no valor total de €38,02;
- Fatura n.º ……..318, de 14 de Janeiro de 2011, correspondente ao período de 2010-12-16 a 2011-01-14, no valor total de €61,29;
- Fatura n.º ……..534, de 11 de Fevereiro de 2011, correspondente ao período de 2011-01-15 a 2011-02-11, no valor total de €61,37;
- Fatura n.º ………531, de 14 de Março de 2011, correspondente ao período de 2011-02-12 a 2011-03-15, no valor total de €64,01;
- Fatura n.º ……..059, de 13 de Maio de 2011, correspondente ao período de 2011-04-14 a 2011-05-13, no valor total de €44,13;
- Fatura n.º ……..250, de 14 de Junho 2011, correspondente período de 2011-05-14 a 2011-06-14, no valor total de €39,98;
- Fatura n.º ……..945, de 13 de Julho de 2011, correspondente ao período de 2011-06-15 a 2011-07-13, no valor total de €40,44;
- Fatura n.º ……..675, de 12 de Agosto de 2011, correspondente período de 2011-07-14 a 2011-08-12, no valor total de €43,69;
- Fatura n.º ……..085, de 14 de Setembro de 2011, correspondente ao período de 2011-08-13 a 2010-09-14, no valor total de €27,34;
- Fatura n.º ……..407, de 14 de Outubro de 2011, correspondente ao período de 2010-09-15 a 2010-10-14, no valor total de €39,99;
- Fatura n.º ……..700, de 14 de Novembro de 2011, correspondente ao período de 2011-10-15 a 2011-10-14, no valor total de €54,22;
- Fatura n.º ……..953, de 15 de Dezembro de 2011, correspondente ao período de 2011-11-15 a 2011-12-14, no valor total de €55,67;
- Fatura n.º ……..363, de 13 de Fevereiro de 2012, correspondente ao período de 2012-01-14 a 2012-02-13, no valor total de €60,73;
- Fatura n.º ……..882, de 14 de Março de 2012, correspondente ao período de 2012-02-14 a 2012-03-14, no valor total de €57,90;
- Fatura n.º ……..862, de 13 de Abril de 2012, correspondente ao período de 2012-03-15 a 2010-04-13, no valor total de €83,22;
- Fatura n.º ……..347 de 15 de Maio de 2012 correspondente ao período de 2012-04-14 a 2012-05-15, no valor total de €54,60;
- Fatura n.º ……..935, de 14 de Junho de 2012, correspondente ao período de 2012-05-16 a 2012-06-14, no valor total de €37,15;
- Fatura n.º ……..183, de 13 de Julho de 2012, correspondente ao período de 2012-06-15 a 2012-07-13, no valor total de €42,57;
- Fatura n.º ……..977, de 14 de Agosto de 2012, correspondente ao período de 2012-07-14 a 2012-08-14, no valor total de €48,92;
- Fatura n.º ……..682 de 14 de Setembro de 2012, correspondente ao período de 2012-08-15 a 2012-09-14, no valor total de €53,77 (art.º 62 da contestação).
40. O valor da energia faturada ao A. durante o período no qual se verificou a anomalia do contador, e a estimada equivale à diferença de 2.492,97€, que não foi registada e faturada.
Matéria de facto não provada:
Não se provou, com interesse para a decisão da causa, que:
- O A. apenas tomou conhecimento do teor dos referidos documentos referidos em 6 dos factos provados em 18 de março de 2013.
- O A. ignora se o contador a que se vem referindo apresentava, ou não, quaisquer eventuais não conformidades da qual tenha, ou ainda que eventualmente, possa ter usufruído.
- O A. apenas tomou conhecimento do auto de inspeção no dia no dia 3 de outubro de 2013.
- No período de 23 de Dezembro de 2009 a 15 de Março de 2010, o consumo médio diário foi de 8,79kw em horas de vazio e 13,79kw em horas fora de vazio.
- Na carta que a R. lhe enviou e que o A. rececionou em 20 de Novembro de 2013, a R. imputa a esta a prática de “procedimento fraudulento” (...) “decorrente da manipulação da equipa de medição”
- Com a dita declaração a R. teve a óbvia intenção de ofender o A. atingindo-o na sua honra e bom nome.
- A R. ao enviar o A. a carta de fls. 76, agiu de forma voluntária, livre e consciente;
- Nunca a C… foi confrontada com qualquer reclamação da parte do Autor relativa à ausência de receção de faturas ou comunicações da C….
- Foi entregue um duplicado legal do Auto de Inspeção a G…, filho do autor, cuja assinatura consta nesse auto.

4. Fundamentos de direito
A recorrente restringe o âmbito do recurso à fatura referente a consumos irregulares de energia, por entender que, relativamente aos mesmos, não será aplicável o regime prescricional previsto no artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho.
Começamos por fazer uma breve abordagem da disciplina legal.
O artigo 1.º da lei n.º 23/96, de 26 de julho define como seu objeto e âmbito de aplicação “serviços públicos essenciais” (n.º 1), integrando neste conceito o “serviço de fornecimento de energia elétrica” (alínea b) do n.º 2 da citada disposição legal).
Preceitua o n.º 1 do artigo 10.º do citado diploma legal, que «O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação».
Pacificada a querela doutrinária e jurisprudencial, não subsistem hoje, dúvidas quanto à natureza interpretativa da nova redação dada pela Lei n.º 12/2008 ao artigo 10.º da lei n.º 23/96 e à qualificação da prescrição ali prevista, como tendo natureza extintiva[5].
Consta do preâmbulo da lei em apreço, o seu objetivo, enunciado nestes termos: «Cria no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais».
Ao legislar sobre os serviços públicos essenciais, visou o legislador estabelecer um regime específico de proteção dos utentes, de alguns serviços, que são essenciais para a vida e para a participação e integração social, destacando-se o serviço de fornecimento de água e de energia (artigo 1.º, n.º 2, alíneas a) e b), da Lei n.º 23/96).
Justificando o prazo curto de seis meses, diz o Professor Calvão da Silva na obra citada (RLJ, 132.º (1999), págs. 153 e ss): “Dir-se-á mesmo que o novo prazo é muito curto, por não ser suficientemente longo para poder alegar-se que a inércia do credor justifica a prescrição extintiva. Só que o fundamento decisivo é de ordem pública, da chamada ordem pública de proteção ou ordem pública social, própria da reluzente temática da tutela do consumidor, tirado da necessidade de prevenir a acumulação de dívidas que o utente pode (deve) pagar periodicamente mas encontrará dificuldades em solver se excessivamente agregadas”.
Regressando à temática concreta em discussão nos autos, não restarão dúvidas quanto à aplicação do prazo prescricional de seis meses, no que respeita à fatura n.º …………227, no valor de € 781.55.
A questão coloca-se (é esse o objeto do recurso) apenas quanto à fatura n.º ……..042, no valor de € 3.001,67.
Vejamos o que se provou:
25. No dia 15/10/2012, os técnicos da C1…, aquando duma deslocação ao local de Instalação sito na Rua …, …, em … em cumprimento duma Ordem de Serviço com vista à substituição do equipamento, detetaram que “a fase 1 e 2 se encontravam ligadas na entrada do contador no mesmo borne da ligação que vem do poste”.
26. A anomalia detetada localizava-se não no contador propriamente dito, mas nas suas ligações.
27. Na tampa de bornes do contador (que estava desselada) onde se encontram as ligações, havia duas fases que não registavam a energia efetivamente consumida.
28. Nessa sequência, os referidos técnicos elaboraram o “Auto de Inspecção” com vista a documentar o sucedido.
29. Conforme se vê do teor do referido Auto, na parte final respeitante à “Assinatura Cliente/representante” consta a assinatura de G… – filho do A.
30. Com a manipulação do equipamento a energia era captada a montante do aparelho de medição.
31. Na sequência da diligência, foi necessário apurar o valor da energia elétrica consumida e não registada.
32. Para o cálculo do valor da energia elétrica efetivamente consumida na Instalação do Autor foi considerado o histórico das leituras realizadas ao equipamento de medição instalado no local de consumo.
33. Da análise da evolução dos consumos de energia elétrica constatou-se que, a partir de 15/3/2010,o consumo de energia elétrica média diária na instalação em apreço diminuiu de cerca de 20 KWh para 3 kWh.
34. Após apurado o valor de consumo efetuado de modo irregular, a R. endereço ao Autor a comunicação de 5/2/2013 para a Rua …, n.º., 2.º Direito, Apartado …, …. Oliveira do Bairro.
35. Da comunicação constava a informação de que os técnicos da C1…, deslocaram-se ao local do consumo e verificaram que o contador de energia elétrica que aí estava em serviço apresentava não conformidades, que foram descritas no Auto de Inspeção que elaboraram, e que o valor da energia elétrica não registada, é de € 3.001,67, com base em três consumos anteriores a Março de 2010; Foi ainda enviada a folha de calculo.
36. A fatura acima identificada regularizou o período de consumo irregular de energia elétrica de l6/03/2010 a 14/10/2012.
Na sentença recorrida, a Mª Juíza aborda a questão da irregularidade do consumo, apenas para justificar a absolvição da ré (recorrente) relativamente ao pedido de condenação por danos patrimoniais: «No caso presente, consta do elenco dos factos provados que no local de consumo do A. ocorreu manipulação do contador, que a lei presume ser imputável ao consumidor - cabendo-lhe a prova em contrário (n.º 2) -, pelo que não de que forma ou modo o A., com a utilização por parte da R. de um fórmula “emprestada” da própria lei – que na realidade prevê essa presunção -, se possa sentir atingido na sua honra ou reputação.».
Da factualidade enunciada, a Mª Juíza não retira qualquer outra conclusão, nomeadamente quanto à inaplicabilidade do curto prazo de prescrição, sendo certo que a questão já havia sido suscitada pela ré[6], tendo sido relegada para apreciação na sentença final.
Vejamos o regime legal aplicável ao consumo irregular de energia:
O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 328/90, de 22 de outubro, enuncia a necessidade de intervenção do legislador, nestes termos:
«A medida e controlo dos consumos de energia eléctrica e da potência tomada são alvo de práticas fraudulentas assaz generalizadas a nível internacional, visando a redução dos valores facturados, com a consequente fuga ao pagamento dos consumos reais.
São exemplo disso a captação de energia sem aparelhos de medição ou a montante destes e a viciação desses aparelhos ou dos dispositivos de segurança e de controlo. […]».
Dispõe o artigo 1.º:
1 - Constitui violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica qualquer procedimento fraudulento susceptível de falsear a medição da energia eléctrica consumida ou da potência tomada, designadamente a captação de energia a montante do equipamento de medida, a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal dos aparelhos de medida ou de controlo da potência, bem como a alteração dos dispositivos de segurança, levada a cabo através da quebra dos selos ou por violação dos fechos ou fechaduras.
2 - Qualquer procedimento fraudulento detectado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia eléctrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respectivo consumidor.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, se da inspeção se concluir pela existência de violação do contrato de fornecimento de energia elétrica por fraude imputável ao consumidor, o distribuidor goza do direito de «Ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dívidas activas do distribuidor.».
Em suma, da aplicação das normas jurídicas transcritas aos factos provados, conclui-se desde já:
i) os serviços de inspeção da recorrente constataram que: existia um anomalia no contador, que consistiam no facto de na tampa de bornes (que estava desselada) onde se encontram as ligações, haver duas fases que não registavam a energia efetivamente consumida; com a referida manipulação do equipamento a energia era captada a montante do aparelho de medição;
ii) foi necessário apurar o valor da energia elétrica consumida e não registada, o que deu origem à fatura n.º ……..042, no valor de € 3.001,67;
iii) o recorrido (consumidor) não ilidiu a presunção prevista no n.º 2 do art.º 1.º do DL 328/90, de 22.10;
iv) o valor da fatura em apreço corresponde ao “ressarcimento” previsto na b) do n.º 1 do artigo 3.º do DL 328/90, de 22.10.
Revela-se fulcral a qualificação que o legislador expressamente formula no artigo 3.º do DL 328/90, de 22.10, aplicável na situação concreta à fatura n.º ……..042, quando preceitua que: se da inspeção se concluir pela existência de violação do contrato de fornecimento por fraude imputável ao consumidor, o distribuidor goza do direito de «[s]er ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros» (al. b) do n.º 1).
A obrigação de ressarcir ou de indemnizar destina-se a remover ou reparar um dano ou prejuízo sofrido por outrem[7], nada tendo a ver com o normal pagamento do “preço do serviço prestado” a que expressamente se refere a previsão legal do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26.07.
Na interpretação da norma referida, há que atender, por outro lado, à sua natureza excecional e à específica motivação do legislador na criação deste particular regime legal, consignado no preâmbulo da norma: criar no ordenamento jurídico um mecanismo legal destinado a proteger o utente de serviços públicos essenciais.
Como se referiu, ao legislar sobre os serviços públicos essenciais, visou o legislador estabelecer um regime específico de proteção dos utentes, de alguns serviços, que são essenciais para a vida e para a participação e integração social, destacando-se o serviço de fornecimento de água e de energia (artigo 1.º, n.º 2, alíneas a) e b), da Lei n.º 23/96).
O ressarcimento por danos causados pelo consumidor que não afastou a presunção de imputabilidade de alteração do contador de energia (art.º 1.º/2 do DL 328/90, de 22.10), não pode beneficiar da prescrição prevista numa norma de natureza excecional destinada a proteger o utente de um serviço essencial, reportando-se exclusivamente ao pagamento do preço desse serviço.
Decorre do exposto a conclusão de que a fatura n.º ……..042, no valor de € 3.001,67, referente ao ressarcimento pelos danos causados com a alteração do contador não beneficia do regime prescritivo excecional previsto no n.º 1 do artigo 10.º da lei n.º 23/96, de 26 de julho, sendo-lhe aplicável o prazo previsto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil[8].
Refere-se na sentença recorrida: «Acontece, porém, que a R. liquidou a diferença entre o valor da energia registada e o efectivamente consumida em 5/2/2013, emitindo a respectiva factura pelo que o prazo de 6 meses a que alude o art.º 10.º, n.º1 da Lei 23/96, para exercer o seu direito escoou-se em 6/8/2013 - sem que tivesse ocorrido qualquer facto interruptivo da prescrição (art.º 325.º do CC)».
Tendo em conta a data de entrada da ação – 22.11.2013 -, com referência à mesma, consideramos que no momento em que foi interposta não ocorrera a prescrição invocada pela recorrida/autora, relativamente à fatura n.º ……..042.
Haverá, no entanto, que ter em conta o facto provado n.º 40: «O valor da energia faturada ao A. durante o período no qual se verificou a anomalia do contador, e a estimada equivale à diferença de 2.492,97€, que não foi registada e faturada.».
De tal factualidade decorre que o valor da fatura em causa - n.º ……..042 – se deverá considera reduzido para € 2.492,97.
*
III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, ao qual concedem parcial provimento e, em consequência, em alterar o dispositivo da sentença recorrida, mantendo-a no que respeita à prescrição ocorrida relativamente à fatura n.º ………227 no valor de € 781.55, e revogando-a no que respeita à fatura n.º ……..042, cujo valor se considera reduzido para € 2.492,97, a qual se considera não prescrita, com referência à data de entrada da ação.
*
Custas pela recorrente e recorrido na proporção dos respetivos decaimentos.
*
O presente acórdão compõe-se de trinta e duas páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
*
Porto, 27 de março de 2017
Carlos Querido
Alberto Ruço
Correia Pinto
_________
[1] Na sequência da reforma do mapa judiciário, o processo transitou depois para a Instância Local – Secção de Competência Genérica - J2, de Oliveira Bairro.
[2] Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 112.
[3] Proferido no Processo n.º 4119/04.0TTLSB.S1, acessível em http://www.dgsi.pt.
[4] Ambos subscritos pelo ora relator e acessíveis no site da DGSI.
[5] Como se refere no acórdão desta Relação, de 6.02.2003, proferido no processo n.º 0233188, com a entrada em vigor da Lei n.º 23/96, a prescrição extintiva quinquenal do art. 310.º passou a ser de seis meses, no que à prestação de serviços básicos se refere, por força do seu art. 10.º/1, nada justificando que a lei especial, prevendo especificamente para o que anteriormente se considerava contido na lei geral, tenha transformado a natureza da prescrição em presuntiva. A regra é a da prescrição extintiva ou liberatória, decorrente de razões de interesse e ordem pública, que se prendem com a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico, sendo a prescrição presuntiva a exceção (veja-se nesse sentido a anotação do Prof. Calvão da Silva, aos acórdãos da Relação de Lisboa, de 9 de Julho de 1998, e da desta Relação, de 28 de Junho de 1999, na qual se pronunciou, no sentido de estarmos em presença de uma prescrição extintiva ou liberatória e não meramente presuntiva - RLJ, 132.º (1999), págs. 153 e ss..). Por isso, não tendo o legislador feito qualquer referência à natureza da prescrição em causa, só pode entender-se tratar-se de prescrição liberatória, por ser esta a regra.
[6] Veja-se o despacho proferido na audiência prévia em 2.05.2014 e consignado na respetiva ata: «No que toca às exceções invocadas, e uma vez que as partes mantiveram as suas posições. Ou seja: o autor, no seu petitório invoca a excepção da prescrição no que se refere à factura n.º 105036466227, por entender que o valor a pagar pelo consumo de electricidade prescreve no prazo de 6 meses. Contrapõe a ré que, atendendo à situação dos autos, está perante uma viciação do contador, pelo que não é aplicável o período de prescrição invocado. Assim, atendendo a que a decisão da excepção depende de prova a produzir, o Tribunal relego a sua apreciação para um momento ulterior, ou seja, para a fase da discussão e Julgamento
[7] Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, 2011, pág. 759.
[8] No mesmo sentido, apesar da diferença de pormenor quanto à factualidade, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 1.02.2011, 2664/07.5YXLSB.L1-7: «… estando provado que a Ré, ora Apelante, utilizou ilicitamente energia eléctrica não contratada, pretendendo furtar-se ao respectivo pagamento é, no mínimo, um abuso de direito, pretender esgrimir com recurso à contagem de prazos aplicáveis a situações de ilícito contratual para furtar-se ao pagamento devido pelo consumo dessa mesma energia, obtida de forma ilícita e culposa, à margem de qualquer contrato.».