Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MÁRCIA PORTELA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PRISÃO ILEGAL HABEAS CORPUS | ||
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Nº do Documento: | RP201303051963/09.6TVPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/05/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA. | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I- A acção de responsabilidade civil contra o Estado por prisão ilegal deve ser fundada na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, nos termos do artigo 13.°, n.° 2, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE), anexo à Lei 67/2007, de 31 de Dezembro. II- Significa isto que requisito da ilicitude, consubstanciado na existência de um erro de julgamento, terá de ser demonstrado, não através da acção de responsabilidade civil que se destine a efectivar o direito de indemnização pelo exercício da função jurisdicional, mas no próprio processo judicial em que foi cometido o erro e por via dos meios impugnatórios que, no caso, forem admissíveis. III- A prévia revogação da decisão danosa constitui, pois, uma condição de procedência da acção. IV- A decisão de habeas corpus, que se limita a ordenar a restituição do preso à liberdade, não revoga a decisão alegadamente danosa. V- O expediente extraordinário de habeas corpus não se destina a sindicar decisões judiciais. VI- Uma decisão de habeas corpus favorável não basta para legitimar uma acção de responsabilização do Estado por prisão ilegal, pois o habeas corpus não é sucedâneo do recurso. Não pode, por isso, corresponder à acção pressuposta no artigo 13.°, n.° 2, do RRCEEP. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 1963/09.6TVPRT.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório B......, em seu nome e em representação de seu filho C…., propôs contra o Estado Português, acção declarativa, sob a forma ordinária, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 291.859,11, a título de danos patrimoniais, e a quantia de € 450.000,00, a título de danos não patrimoniais, perfazendo um total de € 741.859,11, valores acrescidos de juros, a contar da citação, às taxas de juro sucessivamente aplicáveis. Alegou para tanto, e em síntese, ter sido preso ilegalmente, o que lhe provocou danos morais e patrimoniais. Que a decisão tomada em 12 de Julho de 2007, consubstancia um erro grosseiro na aplicação do direito, uma situação de abuso de poder por parte do Exmo. Magistrado do tribunal a quo, que a proferiu, contrariando, assim, o estipulado no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, que expressamente estabelece que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime, e, por maioria de razão, também não pode ser condenado mais do que uma vez pelo mesmo acto. Refere ter sido condenado à pena única de 290 dias de multa à taxa diária de € 1.50, que já tinha pago, daí ter sido duplamente condenado pelos mesmos factos. Invoca, também, que a responsabilidade pela prática do alegado crime de usurpação era da sociedade D….., Ld.ª, e não apenas do A. B…., e que quem beneficiava ou não da prática do crime era a própria sociedade e não o A.. Afirma que foi julgado em revelia absoluta, não tendo, por isso, constituído mandatário, pelo que se verifica, assim, a violação dos princípios básicos incluídos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptados pela Resolução 217A (III) de 10 de Dezembro de 1948 e publicada no Diário da República, I Série A, n.º 57/78, de 9 de Março de 1978, mediante, Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e bem assim que ao A., não foi assegurado o direito a um sistema perfeito de acesso ao direito e aos tribunais, não lhe tendo sido permitido fazer valer e defender os seus direitos, em contradição, pelo que todas as notificações efectuadas ao A., até ao trânsito em julgado da decisão, têm de ser consideradas irregulares e inválidas, conforme o disposto no artigo 113.º (a contrario) do Código de Processo Penal. Conclui alegando que, tratando-se de um processo público, não lhe foram asseguradas pelo R. todas as garantias necessárias à sua defesa, e que, tendo-se pago a pena única de multa na sua totalidade, a prisão a que foi submetido, além de ilegal, constitui manifesto abuso de poder. E que, mesmo que a prisão a que foi sujeito, não enfermasse de ilegalidade pelos motivos apontados, sempre a mesma seria injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, integrando a previsão do artigo 225.º, n.º 2, Código de Processo Penal, porquanto à data da detenção, bem como à data do decretamento da prisão e, ainda, à data da sua manutenção, não se verificavam os pressupostos de facto, invocados para a tomada de tal medida. Diz ainda que a prisão a que foi sujeito lhe causou danos não patrimoniais irreparáveis, quer na vida pessoal, quer profissional, quer na vida pública, designadamente na vertente social em que estava perfeitamente inserido, com queda irrecuperável do seu crédito moral, bem como, a diminuição evidente do seu único ganho comercial, para além das dores, mágoas, tristezas, inquietações, humilhações e angústias causadas e amputação dos seus sonhos e ambições imediatas, pedindo, a esse título, € 450.000,00. E pelo facto de milhares de pessoas terem tido conhecimento, pelas publicações semanais de revistas e jornais, da sua prisão, conotando-o como ex-presidiário, após a sua libertação, pede, a esse título, um valor de 0,10 cêntimos por cada exemplar produzido, num total de € 148.102,30, para repor com igual exposição pública factos que contrariam o teor das referidas publicações. Mais afirma que após tais publicações todas as possíveis oportunidades de trabalho ficaram à partida “minadas” de forma quase perpétua, uma vez que nenhum empresário pretenderá ter como relações públicas, um ex-presidiário, a que acresce o facto do A. ter ficado sem as características que faziam dele um comunicador nato, tais como, a naturalidade, a simpatia, o à vontade, a facilidade de sociabilidade. Aduz-se, também, que, em virtude, das lesões emocionais sofridas e as sequelas sociais, ficou afectado de uma incapacidade para o trabalho que vinha desenvolvendo nos últimos 20 anos, pelo que, levando em conta que, à data dos factos, o A. se encontrava a recibos verdes e auferia da sua actividade profissional a remuneração média mensal de3.000 euros, actividade esta que poderia exercer até à idade da reforma (73 anos), e, assim, o rendimento anual de € 36.000 (3.000 x 12), bem como o respectivo coeficiente de incapacidade social de 100%, a que acresce o valor correspondente ao vencimento de 2 meses, de 22 de Julho a 03 de Setembro de 2008, que deixou de auferir no período em que esteve preso de, pelo menos, € 6.000,00, bem como o número de horas em que esteve privado da sua liberdade, pelo valor médio hora de € 200,00 indicado, num total de € 112.400,00, despesas que teve de assumir, designadamente com honorários de advogados, no valor já liquidado de € 9.474,90, pagamento de adiantamentos/empréstimos de dinheiro, para que o mesmo pudesse fazer face às suas despesas básicas, bem como, para suportar as despesas de seu filho C......, nomeadamente, a pensão de alimentos que sempre suportara até à data em que foi preso, no montante de € 9.081,91, perda de ganho pelas presenças que deixou de realizar, pede-se a quantia de € 291.859,11, a título de danos patrimoniais. Quanto ao direito de indemnização por danos reflexos no filho C...... pela privação o contacto com ele, sustenta que a lesão em causa ofende directamente o direito do C...... de poder contactar livremente com o pai, pelo que deveria, a esse título, ser fixado o valor de € 5.000,00, pelos 51 dias pela privação desse contacto. O Estado Português, para além de arguir a falta de capacidade judiciária do A. menor, C......, bem como a falta de constituição de advogado por parte do 2.º A., impugnou os factos alegados, considerando não serem os mesmos susceptíveis de integrar as conclusões a que se chega, e, bem assim, que a sujeição do A. à pena de prisão se ficou a dever a um entendimento aceitável, legal, efectuado segundo os padrões e ditames de uma boa hermenêutica jurídica, o que, em seu entender, afasta a obrigação de indemnizar, mais considerando, para o caso de assim não se entender, ser exorbitante e excessiva a indemnização peticionada, para além da falta de nexo de causalidade entre alguns dos alegados danos e o facto de ter sido preso. Replicaram os AA., respondendo às excepções, pedindo, a final, que se julguem sanadas as excepções deduzidas que obstavam ao conhecimento total do mérito da causa e totalmente improcedentes as invocadas excepções, com a consequente condenação do R. na totalidade do pedido. Após, o A. reduziu o pedido à quantia de € 736.859,11, reconhecendo a ilegitimidade do A. menor C....... O R. nada opôs à redução do pedido. Após despacho saneador, em que se julgou ocorrer falta de causa de pedir e pedido formulado quanto ao menor e, assim, a petição inicial manifestamente inepta, nos termos do artigo 193.º, n.ºs 1 e 2, CPC, com a consequente nulidade de todo o processado quanto ao menor, ao abrigo do disposto nos artigos 193.º, n.ºs 1 e 2, 288.º, n.º 1, alínea b), 493.º e 494.º, alínea b), do CPC, pelo que foi o R. absolvido da instância, determinando-se, assim, consequentemente, apenas o prosseguimento da instância quanto ao A. B....... Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o R. a pagar ao A. a quantia de € 66.000,00 (sessenta e seis mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como no pagamento que se vier a comprovar ter sido liquidado a título de honorários no processo crime, que se relegou para execução de sentença. Inconformado, apelou o R., apresentando as seguintes conclusões: «1. A factualidade dada como provada pelo Tribunal recorrido revela à saciedade não ter o A. Recorrido, enquanto arguido em processo penal, nos autos em que foi condenado pelo crime dos arts. 199°, 195° e 197° do Código de Direitos de Autor, por decisão transitada em julgado, acatado o cumprimento do que lhe fora determinado, no sentido de evitar a expiação da pena de prisão em causa; 2. Constata para além disso, em termos definitivos, a mesma matéria fáctica assente, que não foi viável ao Tribunal da condenação obter o pagamento coercivo da multa substituta da pena de prisão, em virtude de não serem conhecidos bens penhoráveis ao A.. 3. E ainda que o A. Recorrido foi notificado directamente bem como através do seu ilustre defensor de todos os despachos judiciais subsequentes, tendo tomado conhecimento das consequências legais da sua conduta omissiva, designadamente que levariam, em caso de incumprimento, à consolidação da punição corporal de privação de liberdade, proveniente da multa substituta não paga; 4. E, por último, que tomou conhecimento o A. Recorrido, ali arguido, da decisão judicial ulterior, que fixara em pena de prisão a multa substituta, a qual veio a adquirir foros de julgado; 5. Ainda assim porém, pela 1.ª instância da qual se apela foi lobrigada errónea interpretação e aplicação das normas penais substantivas pertinentes, quando a actividade exegética do foro criminal se limitara a cumprir os ditames do legislador, enquadrada e sustentada em jurisprudência e doutrina consentâneas; 6. Ao entender verificar-se erro judiciário na actividade jurisdicional desenvolvida no processo criminal referenciado, o Tribunal "a quo" decidiu não só em contradição com a matéria fáctica assente, vertida na fundamentação do seu veredicto, incorrendo no vício insanável do art. 668.º - 1 - c) do C. Pr. Civil; 7. Como efectuou tarefa interpretativa "ad latere" e extensiva do espírito do legislador, em detrimento da correspondência verbal mínima e da leitura sistemática e integrativa dos comandos legais pertinentes de direito penal substantivo nomeadamente dos arts. 43°, 44° -1- a), 46° -1 e 50° do C. Penal; 8. Por maioria de razão, mostra-se prejudicada a invocação de "erro grosseiro ", que pela sua natureza e conceptualização, há muito recortada "de jure constituendo" e "de jure constituto", nem sequer por hipótese acadêmica seria equacionável. 9. Acresce, no que concerne ao pedido indemnizatório do A. Recorrido, que através da prova produzida em audiência de julgamento, cuja factualidade se encontra transcrita e fundamenta o decidido, grande parte dos prejuízos ao seu bom nome e à sua imagem resultaram directa e necessariamente da actividade mediática desenvolvida em torno da sua pessoa; 10. Não sendo essa actividade do domínio de facto nem de direito da actividade jurisdicional desenvolvida no âmbito do processo criminal em que se produziram os actos judiciais em apreço nem com os mesmos conexionados. 11. Pelo que, ao relevar tal factualidade para efeitos de responsabilização civil extracontratual do recorrente Estado Português e na determinação do correspondente "quantum" quer por danos patrimoniais quer por danos não patrimoniais, o Tribunal apelado descaracterizou o princípio da causalidade adequada entre o evento danoso e o prejuízo, estabelecido pelo art. 563º do C. Pr. Civil. 12. Verificada a invocada violação pelo Tribunal recorrido dos comandos legais "supra" citados, deverá a correspondente decisão ser reconhecida como afectada pelo vício insanável de nulidade, absolvendo-se o recorrente Estado Português do pedido». O A., para além de contra-alegar, apelou subordinadamente, assim concluindo: «1. A douta sentença recorrida não merece qualquer censura, e muito menos aquela que lhe é dirigida pelo recorrente. 2. As alegações do recorrente carecem de qualquer fundamento sério e válido já que a Meritíssima juiz a quo apreendeu corretamente toda a matéria que foi carreada para os autos, transmitindo-a para a sua decisão, e, sobretudo, ao decidir como decidiu, designadamente no que se refere à matéria posta em crise pelo recorrente, a Meritíssima Juiz a quo fundamentou a sua convicção não só na correta interpretação que fez da lei aplicável, tanto do ponto de vista das normas penais, como também da legislação do Código Civil, no que se refere à responsabilidade civil do Estado, como ainda teve em consideração os depoimentos das testemunhas que com absoluta isenção e razão de ciência explicaram ao Tribunal as condições em que o A. ficou após ter sido sujeito ao vexame da ilegal prisão porque passou, resultante do erro grosseiro judiciário na atividade jurisdicional no processo criminal que deram origem a estes autos, pois, o tribunal “a quo” interpretou corretamente todas as normas aplicáveis ao caso em apreço, nomeadamente os artigos 43.º, 44.º, nº 1, alínea a), 46.º, n.º 1, e 50.º, todos do Código Penal. 3. O âmbito do recurso determina-se pelas conclusões do recorrente, só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, pelo que, sabendo-se que o objeto do recurso é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, não pode o ora recorrido deixar de se pronunciar quanto às mesmas, no que se refere à prova produzida e à consequente matéria de facto dada como provada na audiência de julgamento. 4. Nos termos do disposto no artigo 511.º do Código de Processo Civil, “As partes podem reclamar contra a seleção da matéria de facto, incluída na base instrutória ou considerada como assente, com fundamento em deficiência, excesso ou obscuridade.”, sendo que, nos termos legais, tal reclamação deverá ser apresentada imediatamente na audiência preliminar, caso a mesma tenha lugar, ou no prazo de 10 dias após a notificação do despacho saneador. 5. Tendo o Mm.º Juiz a quo fixado a matéria de facto assente e a matéria de facto a levar à base instrutória, nos termos do disposto no artigo 508.º-B do Código de Processo Civil, a verdade é que se o ora Recorrente entendia existir fundamentos para tal, deveria ter então reclamado contra tal alegada contradição - no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho saneador, pelo que, não o tendo feito, no momento processual adequado, não pode vir agora, em sede de alegações de recurso, reclamar da mesma, aliás, tal como bem refere o Acórdão da Relação do Porto, de 19/02/1991, in BMJ, 404.º - 513, “não tendo havido reclamação contra a especificação e o questionário na oportunidade prevista no artigo 511.º do Código de Processo Civil, não pode aproveitar-se o recurso que se interpuser da decisão final para levantar essa questão.” 6. Nos pontos 9, 10 e 11 das conclusões das alegações do recorrente, este não indicou clara e fundamentadamente, como deveria, os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver alterada, bem como fazer referência aos depoimentos em que alicerça a sua argumentação, sendo que essa menção deverá sempre fazer expressa referência ao que se encontra assinalado na acta, isto é, ao início e ao termo da gravação de cada depoimento, por razões óbvias de verificação, e assim sendo, não pode o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, pois, impendia sobre o Recorrente o ónus de indicar o segmento da decisão que considera viciada e o de fundamentar a discordância por referência aos concretos meios probatórios, pelo que não o tendo feito, não deve o recurso, nesta parte, ser atendido, pois, como é óbvio, impossibilita a recorrida de se pronunciar sobre a matéria vertida nas alegações sob a epígrafe “quanto à reapreciação da prova gravada”, pois desconhece qual a matéria que a Recorrente considera incorrectamente julgada. 7. Conforme a douta decisão de fls 610 a 627 – despacho com a referência 8670727 – e ao contrário do expendido pelo recorrente a fls 1 a 4 das suas alegações de recurso, não foi dada apenas como provada a matéria dos pontos 1 a 8 que aí vem referida, já que, pelo julgador foram dados como assentes grande parte dos factos constantes da Base Instrutória. 8. A decisão tomada pelo Tribunal Criminal do Porto, configurou uma situação de abuso de poder por parte do Exmo. Magistrado do tribunal que a proferiu, contrariando e violando, assim, o estipulado no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que expressamente estabelece que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime, o artigo 32.º do texto constitucional que impõe as garantias a que deve obedecer o processo criminal com vista a assegurar a defesa dos arguidos, incluindo o recurso, e ainda os artigos 27º e 31º da CRP, bem como os artigos 114º, 115º, 116º e 117.º do Código das Custas Judiciais. 9. A prisão a que o A. foi sujeito causou-lhe danos não patrimoniais irreparáveis, quer na vida pessoal, quer profissional, quer na vida pública, designadamente na vertente social em que estava perfeitamente inserido, e, por isso é lícito que peticione uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, resultantes da privação do valor da liberdade de 15 de Julho de 2008 a 03 de Setembro de 2008, ou seja, 51 dias de privação de liberdade, perfazendo um período global de 1124 horas, encarcerado ilegalmente, situação que lhe causou a queda irrecuperável do seu crédito moral, bem como, a diminuição evidente do seu único rendimento. 10. O carácter distintivo do dano moral é o seu conteúdo, que "não é o dinheiro nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuído à palavra dor o mais largo significado". 11. A prisão ilegal, é um violento atentado à liberdade, de larga ocorrência, que infringe e ofende inúmeros dispositivos constitucionais e legais, que visam amparar a vítima para garantir-lhe a reparação pelo acto ilegal praticado por agentes públicos. 12. A prisão ilegal do A., causou-lhe grande constrangimento, pelo que não poderão ser insuficientemente calculados os prejuízos morais sofridos em consequência da permanência na cela de um estabelecimento prisional, pois, tais riscos são de amplo e geral conhecimento, na medida em que a prisão traz hoje consigo risco de mal grave, perigo de lesão intensa, sem esquecer a quebra da dignidade da pessoa humana. 13. A prisão indevida do A., significou, antes de tudo, uma flagrante ilegalidade em total invasão lesiva do status dignitatis e libertatis, e o dano moral dela decorrente é in re ipsa, pois, surge inerente à própria prisão, dano esse que se mostra intrínseco. 14. A ausência temporária da liberdade, constitui um facto perpétuo na mente do A., que humilhou e constrangeu em elevado grau a sua pessoa, enquanto cidadão cumpridor. 15. Existe, assim, um efetivo nexo de causalidade entre o acto praticado pelos agentes públicos – no caso a prisão indevida – e os danos morais experimentados pelo ofendido. 16. No respeito dos caracteres da indemnização, da mesma forma que é preciso compensar o A., é preciso punir o R. ofensor, pois, somente assim se conseguirá atingir o verdadeiro objetivo pretendido pelo legislador constitucional, em que a forma de punição que maior eficácia apresenta, tratando-se de indemnização monetária, é a fixação de um valor que tenha em conta o poder económico do R. ofensor, devendo ser atingido de maneira significativa, de forma a ser exemplar. 17. As indemnizações irrisórias pouco ou nada abalam o património do R. ofensor, não se prestando ao seu objetivo primário, sendo certo que nos casos de prisão ilegal a jurisprudência vai no sentido de que se deve, sim, indemnizar o ofendido, os valores fixados por essa mesma jurisprudência são insignificantes, e não trazem compensação satisfatória à vítima de fato tão violento que tatua perpetuamente o curriculum de pessoas de bem. 18. A indemnização por dano moral é arbitrável, mediante estimativa prudencial que tem em conta a necessidade de, com uma certa quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa, seguindo os pressupostos Indemnização – Dano moral – Arbitramento – Critério – Juízo prudencial. 19. Na reparação do dano moral, o juiz deverá ter em conta – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e a repercussão da ofensa e a posição social do ofendido, – a intensidade do dolo ou grau da culpa do responsável e a sua situação económica. 20. Na fixação do quantum indemnizatório, pela apreciação da posição social do ofendido como critério para valorar a indemnização, maior será a repercussão da ofensa, na medida em que ela se torna pública e nessa medida, a lesão por danos não patrimoniais sofridos por preso submetido a prisão preventiva injusta deve ser valorada de harmonia com a sua extensão e o sofrimento pelos correspondentes estados de angústia e solidão, mesmo que a personalidade do lesado se mostre refratária a uma conduta correta e em consonância com os valores legalmente protegidos. 21. A situação de privação de liberdade pelo período de quatro meses, que se veio a revelar realmente injustificada - é, de per si, em abstracto, e segundo qualquer padrão aferidor de carácter objetivo, como particularmente grave e de especial danosidade para a esfera jurídico-pessoal de qualquer cidadão médio, em termos de comportamento cívico, isto é para o cidadão que é suposto ser o querido pela ordem jurídica. 22. O art.º 22.º da CRP respeita genericamente a defesa dos direitos liberdades e garantias das pessoas, sendo a sua direta aplicação realizada por uma norma de decisão a criar pelos próprios tribunais, além do n.º 1 do art.º 225 do CPP de 1987 que prevê a indemnização por prisão manifestamente ilegal levadas a cabo por entidades administrativas ou policiais. 23. A liberdade, para além de um direito universalmente consagrado - art. 3.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem - e constitucionalmente reconhecido - art. 27.° da CRP -, constitui também uma normal forma de estar na vida em sociedade de todo e qualquer cidadão, e cuja respetiva privação, salvo o caso anómalo dos estados em que o pluralismo democrático e as liberdades fundamentais sejam letra morta, apenas pode resultar de uma iniciativa do mesmo cidadão, consubstanciada na prática de uma atitude contrária àqueles ditames legais, cujo sancionamento se mostre consagrado na lei ordinária com tal meio coercitivo. 24. Nos presentes autos, os pressupostos do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, da responsabilidade civil estão absolutamente preenchidos, já que se verifica: o facto; a imputação do facto ao lesante; o dano; a ilicitude; o nexo de causalidade entre o facto e o dano. 25. O despacho que assina o mandado de prisão constitui um facto voluntário significa, aqui, “um facto dominável ou controlável pela vontade", a ilicitude de tal ato cometido pelo R. traduz-se na violação do direito subjetivo do A. sendo reprovado pela mesma ordem jurídica que aquele serve. 26. A conduta do R. é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se demonstrou que ele podia e devia ter agido de outro modo. 27. Em consequência das lesões emocionais sofridas e às sequelas sociais que se lhes seguiram, o A. ficou afetado de uma incapacidade para o trabalho que vinha desenvolvendo nos últimos 20 anos, sendo que o A. não sabe fazer mais nada, que não seja dentro do âmbito das relações públicas. 28. Na fixação da indemnização devem ser atendidos os danos futuros – sejam danos emergentes, sejam lucros cessantes – uma vez foi demostrada a sua previsibilidade, como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva do A., consequentemente, de auferir o rendimento inerente, por virtude de lesão social criada pelo R.. Ora, ao R. cabe reparar um dano reconstituindo a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, a fixar em dinheiro, no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie. 29. A incapacidade permanente que A. sofre, afeta a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração, sem que haja sequer a possibilidade de este poder aplicar um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas que vinha desenvolvendo nos últimos 20 anos. 30. A jurisprudência dominante tem-se firmado no sentido de a indemnização por danos patrimoniais futuros dever ser calculada em atenção ao tempo provável de vida do lesado, por forma a representar um capital que, com os rendimentos gerados e com a participação do próprio capital, compense, até ao esgotamento, o lesado dos ganhos do trabalho que, durante esse tempo, perdeu (v. acórdãos de 13.10.92, BMJ n.º 420, p. 514, de 31.3.93, BMJ n.º 425, p. 544, de 8.6.93, CJSTJ, ano I, tomo II, p. 138, de 11.10.94, CJSTJ, ano II, tomo II, p. 86 de 28.09.95, CJSTJ, ano III, tomo III, p. 36, de 12.6.97, proc. 95/97-2.ª, Sumários dos Acórdãos n.º 12, pp. 41 e 42, de 6.7.2000, proc. 1861/00, Sumários dos Acórdãos n.º 43, p. 20 e de 25.06.2002, CJSTJ, ano X, tomo II, p. 128). 31. A indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a ação e ou a omissão lesiva em causa. 32. A responsabilidade objetiva do Estado, ficou demonstrada nos presentes autos, provou-se a culpa do servidor público ofensor; a responsabilidade civil do Estado decorre do simples funcionamento dos seus serviços prestados, tendo ficado absolutamente assente o nexo de causalidade entre o ato ilegal praticado pelo do R. e as lesões sofridas pelo A. 33. O dever do Estado é indemnizar o ofendido, atingindo dois objectivos: compensar a vítima e punir o ofensor, onde os baixos valores indemnizatórios não encontram qualquer justificação, principalmente diante do princípio da justiça distributiva, onde todos os cidadãos repartem tanto os benefícios como os ónus oriundos dos serviços públicos. 34. A violação aos direitos da personalidade, com a restrição da liberdade individual, seja através da prisão decretada ilegalmente através de sentença condenatória por erro judicial, aviltou, degradou, humilhou, desmoralizou, corrompeu e brutalizou o homem, afrontando o direito fundamental de liberdade e o princípio da dignidade da pessoa humana. 35. A consagração da tese do direito à indemnização por prisão ilegal se impõe, como forma de compensar a dor e o sofrimento do A. que permaneceu preso injustamente. 36. O decretamento da prisão ilegal provocou danos ao A., facto que obriga o Estado civilmente, impondo ao mesmo o dever de indemnizar, em virtude do já comentado princípio da igualdade da repartição dos encargos sociais, em que a recomposição do lesado deve ser plena, não remanescendo dano sem a devida reparação, já que a ninguém é permitido causar prejuízo à esfera jurídica alheia, sem a correspondente reparação. 37. A prisão ilegalmente decretada de um reconhecido relações públicas como o A. produziu um tremendo abalo de crédito pessoal mas também social, instrumento utilizado pela maioria dos relações públicas no exercício da atividade comercial, desse modo, não hesitamos afirmar que dos factos criados pelo R, resultou a falência do A. enquanto relações públicas. 38. Além dos outros prejuízos advindos do encarceramento ilegal, como as injúrias físicas perpetradas contra o A. enquanto preso, dentro das celas do EPP, colocando em risco sua integridade física e moral, causou-lhe nas horas, dias e meses que passou no EPP, constrangimento, humilhação e diminuição na sua auto-estima, como se de uma verdadeira eternidade se tratasse, prolongando a angústia do A. enquanto preso. 39. A tatuagem infligida no percurso do A., enquanto cidadão honrado, no mesmo instante em que é levado à prisão, fica marcada para sempre com a mácula da desonra, com o ferro escaldante da improbidade, que permanece latente na sua reputação, pois, muitas vezes ouviu murmurar à boca pequena: ‘É, se foi para as trás das grades, é porque algo havia’. 40. A angústia experimentada no cárcere provocou um abalo interior e uma redução da auto-estima, sem falar na superlotação e promiscuidade do ambiente prisional, que colocaram em jogo a integridade física e psíquica do A. enquanto preso, gerando sentimentos de humilhação e constrangimento. 41. O terceiro requisito a observar para se estabelecer o valor da indemnização diz respeito à capacidade económica do ofensor, o que no caso em tela é representada pelo Estado, entidade com poder económico bastante para compensar a dor e o sofrimento vivenciado pelo A., de maneira significativa, fazendo valer a teoria do desestimulo, que por sua vez imprime ao ofensor o pagamento de quantia razoável, o bastante que venha a compensar os danos causados e que ao mesmo tempo produza efeitos inibitórios ou sancionador, para que atos dessa qualidade não sejam repetidos, com a melhoria na prestação dos serviços, posto ser a finalidade do Poder Judiciário pacificar os litígios com justiça. 42. A condição social do A. constitui elemento que deve ser apreciado com cautela, não podendo servir de obstáculo à reparação, ou dar causa a indemnizações extremamente parcimoniosas. 43. Num autêntico Estado de Direito, o A. possui direitos e garantias consagrados pela Constituição, que o Direito contemporâneo não admite sejam restringidos desnecessariamente, pois, para evitar abusos e arbitrariedades, a mais autorizada doutrina reconhece princípios informadores concernentes às medidas de cautela adoptadas no processo penal, que devem ser observadas pelos operadores do Direito, principalmente para aferir a necessidade de restrição da liberdade de locomoção por meio da prisão. 44. Esses princípios são: princípio da legalidade, princípio da adequação e proporcionalidade, princípio da precariedade e princípio da subsidiariedade. 45. A prisão foi injustificada por erro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, pois, como resulta da abordagem introdutória supra feita, é na apontada falta de correspondência entre os motivos de facto em que o julgador fundou a decisão e a realidade concreta revelada de forma clara e inequívoca pelo processo, tal erro apenas se pode qualificar de “grosseiro”, para efeitos da aplicação do artº 225º nº 2 CPP. 46. O erro grosseiro será o erro indesculpável, escandaloso, crasso, no qual não cairia uma pessoa dotada de normal inteligência, experiência e circunspeção, defendendo a jurisprudência do S.T.J. que a previsão do artº 225º nº 2 abrange também o chamado ato temerário, entendido este como o que, integrando um erro decorrente da violação de solução que os elementos de facto notória ou manifestamente aconselham, se situa num nível de indesculpabilidade e gravidade elevada, embora de menor grau que o erro grosseiro tout court ou, recordando-as, nas palavras do douto Acórdão do Supremo Tribunal de 12/10/2000, ato temerário ou erro temerário é “aquele que – perante a factualidade exposta aos olhos do jurista e contendo uma duplicidade tão grande no seu significado, uma ambiguidade tão saliente no seu lastro probatório indiciário – não justificava uma medida gravosa de privação de liberdade, mas sim uma outra mais consentânea com aquela duplicidade ambígua”, continuando esse Acórdão dizendo que “O ato temerário, o ato que as circunstâncias manifestamente aconselhavam que tivesse sido substituído por outro, e que – ao ser praticado – lesou gravemente direitos de personalidade, também terá que estar englobado no conceito delineado no nº 2 do artigo 225º”. 47. Se uma das partes recorre da decisão, na parte em que a desfavorece, justifica-se que a outra, eventualmente surpreendida com essa interposição, possa também ela pedir ao tribunal ad quem a reapreciação da decisão impugnada, no segmento em que ela se mostra também contrária aos seus interesses, ainda mesmo quando o valor da sua sucumbência se contenha na alçada do tribunal recorrido. 48. O valor arbitrado ao A. a título de danos patrimoniais peca por defeito, pois um valor de € 50.000,00 estará mais de acordo com os prejuízos sofridos e reclamados pelo ora recorrido. 49. O montante de € 25.000,00 atribuído ao R. a título de danos não patrimoniais, tem igualmente de ser considerado diminuto, pois, perante os danos resultantes da ofensa que o recorrido sofreu, praticada por um órgão jurisdicional do Estado, e que atingiu fortemente a integridade pessoal deste, no mínimo, tal indemnização deveria ser fixada em € 50.000,00, pois, a indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico. 50. O A. esteve durante um período global de 1124 horas, encarcerado ilegalmente…ficou privado de receitas/proventos, nomeadamente em diversos eventos que lhe pagavam um valor médio/hora de € 200,00, pelo que, multiplicando-se o número de horas em que esteve privado da sua liberdade, devendo acrescer a este valor todas as despesas que teve de assumir, designadamente com honorários de advogados, no valor já líquido de € 9.474,90, ao qual deverá também ser acrescido o montante relativo os adiantamentos/empréstimos de dinheiro concedidos pela mãe, que totalizam o montante global de € 9.081,91. 51. Pelo facto de terem sido publicitadas diversas notícias que chegaram pelo menos ao conhecimento de 1.481.023 pessoas, deverá tal factualidade ser considerada para efeitos indemnizatórios, de modo à reposição com igual exposição pública, factos que efetivamente contrariam o teor das referidas publicações. 52. Deverá ainda o R. indemnizar o único filho do A. para esse efeito repositório, com um valor simbólico de € 5.000,00, pelos 51 dias pela privação de contacto com o A. 53. O A. deixou ainda de receber a retribuição acordada de 2 meses, de 22 de Julho a 03 de Setembro de 2008, no valor de € 6.000,00. 54. O A. como agenciado da AGÊNCIA E…. empresa portuguesa líder na representação (manager) de vários atores, apresentadores de televisão e desportistas, participaria em presenças em espaços públicos pelo menos até ao fim do ano 2 a 3 vezes por mês, recebendo €300,00 por cada presença, pelo que o A. tinha a expectativa de vir a receber um valor próximo dos € 1.800,00, só a título de presenças, pelo que deve o A. ser indemnizado pelo valor correspondente a essa perda de retribuições, por haver entre essa lesão e a prisão o necessário nexo de causalidade adequada. 55. O A. ainda terá ainda previsivelmente 33 anos de vida ativa, e atenta a sua repercussão direta e inequívoca na sua vida como homem e como pai, se não tivesse ocorrido o facto ilícito, que atualmente o impede de trabalhar, estaria certamente a auferir quantias mensais retributivas, que lhe garantissem um bom nível de vida. 56. Fica, assim, sustentada a necessidade de apreciar e avaliar os danos de natureza não patrimonial, nos quais, atentos os fundamentos da sentença, o A. sustenta agora o pedido de € 50.000,00, valor julgado adequado para compensar o lesado pelo mal que lhe foi causado, de onde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, para assim se intentar compensar a lesão sofrida, proporcionando ao ofendido os meios económicos capazes de fazer esquecer, ou pelos menos mitigar, o abalo moral suportado. 57. A limitação da liberdade, a privação do convívio com a família no seu habitat natural, a humilhação – cuja intensidade não se pode dissociar do facto de o A. ser um conhecido Relações Públicas, ex-marido de uma apresentadora de televisão – o desespero de estar preso, como também as preocupações que tinha quanto ao seu presente e ao seu futuro, pessoal e profissional, o receio pela sua integridade física e mesmo pela vida, o sofrimento sentido pelo A. em razão do padecimento que via nos seus familiares próximos em virtude da sua prisão, as repercussões na sua atividade pública de índole social, as sequelas ao nível da saúde (graves quanto à saúde psíquica), da honra, do bom nome e da reputação, constituem danos que merecem a tutela jurídica. 58. De entre os danos não patrimoniais sofridos pelo A., os que respeitam à sua vida pública, designadamente na vertente social, tiveram, têm e terão reflexos que se farão sentir durante toda a sua vida, pois as suas honradez e probidade, que a comunidade exige daqueles que exercem funções públicas, ficarão para sempre beliscadas, subsistindo quer no cidadão comum, quer nos seus correligionários, quer ainda nos demais cidadãos que se dedicam à causa pública no país e no estrangeiro (atenta a repercussão internacional que a sua prisão teve) a dúvida sobre a legalidade da prisão. 59. O A., desde jovem se dedicou à vida social pública e era considerado um dos melhores Relações Públicas do país, vendo frustrada a continuação dessa possibilidade, em virtude da prisão a que foi sujeito, tal não pode deixar de lhe causar um sofrimento profundo que persistirá por toda a vida. 60. Por outro lado, a circunstância de a dúvida sobre a legalidade da sua prisão ir subsistir no espírito daqueles que com o A. lidam e lidarão ao longo da vida nas suas atividades profissionais não pode deixar de lhe causar sofrimento, perante a incógnita permanente de que, intimamente o consideram autor de crimes dos que maior repulsa causam nas modernas sociedades. 61. Ponderando tudo quanto antecede, que patenteia um sofrimento que não cessou com a libertação do A. e que se manifestará ao longo de toda a sua vida, e considerando as disposições conjugadas dos já referidos artºs 494º e 496º nº 3, do Código Civil, afigura-se-nos razoável e equitativo arbitrar ao A. uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00, e a quantia de € 50.000,00 a titulo de danos patrimoniais. 62. O dever de indemnizar constitui um verdadeiro sucedâneo do dever de prestar, ou seja, o dever de indemnizar traduz-se na patologia do dever de prestar, é subsidiário, não uma alternativa, por relação com o dever de prestar, verifica-se, assim, que o valor global indemnizatório fixado na sentença, e pelas razões de discordância atrás referidas, deve ser substituído por outro que arbitre ao aqui recorrente uma indemnização global de € 100.000,00. 63. Foram violadas, entre outras, as disposições legais constantes dos artigos 564º e 566 nº 2 do Código Civil. 64. Por último, cumpre esclarecer esse Venerando Tribunal, que apesar do esforço desenvolvido pelo ora recorrente subordinadamente, para apresentar as suas alegações de forma sintética, conforme determina o n.º 1 do artigo 690.º do CPC, a verdade é que perante a matéria que sustenta o seu recurso, não lhe foi possível, e, por isso se penitencia. NESTES TERMOS, e pelos fundamentos supra expostos, devem V. Exas. Senhores Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação do Porto, julgar o recurso do R. totalmente improcedente, mas devem julgar procedente o recurso subordinado, fixando a indemnização global a atribuir ao A. na quantia de € 100.000,00 (cem mil euros) Assim decidindo, farão V. Ex.ªs inteira e merecida JUSTIÇA» Contra-alegou o MP ao recurso subordinado, assim concluindo: «1. Não está nem nunca estiveram em causa, nas alegações do recurso principal, a coesão e a coerência da matéria fáctica dada como assente; 2. As ilacções jurídicas retiradas pelo Tribunal recorrido e consequente matéria decisória é que se encontram em contradição com a factualidade dada como provada; 3. Ocorrendo o vício de nulidade da sentença, previsto no art. 668º - 1 - c) do C. Pr. Civil, por oposição do veredicto com os respectivos fundamentos; 4. Logo, a argumentação (expressamente ou por remissão, integrada na respectiva alegação pelo recorrente subordinado) não tem nesse domínio qualquer pertinência jurídica, não devendo ser considerada; 5. A teoria da causalidade adequada, consagrada no arte 563.º do C. Civil, mesmo na hipótese de "erro judiciário", afastaria a responsabilização da recorrida subordinada pelos prejuízos quer materiais quer imateriais sofridos pelo recorrente, provenientes da actividade mediática. 6. Utilizando qualquer uma das formulações (positiva ou negativa) adoptadas pela doutrina, sendo certo porém que a fórmula de enunciação negativa é a que se contém no referido art. 563º do C. Civil, não seria possível estabelecer nexo de causalidade entre a conduta do agente judiciário e os danos provenientes da matéria fáctica assente nos itens 40 a 56 da sentença; 7. Necessariamente o recurso subordinado deverá improceder, com todas as suas legais consequências, reiterando-se as considerações de direito sobre o "erro judiciário" e a "indemnização civil", tecidas em sede de recurso principal, assim se absolvendo do pedido o aqui recorrido Estado Português». Pela Relatora foi proferido o seguinte despacho: «Quer a decisão recorrida, quer as alegações do recurso subordinado convocam o regime estabelecido pela Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, para a responsabilidade do Estado por erro judiciário. Nos termos do artigo 13.º, n.º 2, deste diploma, constitui condição da acção de indemnização a prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, o que não ocorreu no caso vertente. Prevenindo os possíveis enquadramentos jurídicos da questão, ouça-se as partes nos termos do artigo 3.º, n.º 3, CPC.» O apelante respondeu no sentido da improcedência da apelação, e o apelante em sentido oposto, sustentando que, para além do citado artigo 13.º, n.º 2, há que convocar os artigos 225.º e 226.º CPP e 26.º e 27.º da CRP, e que a decisão de libertação do arguido proferida no âmbito da providência de habeas corpus revogou a decisão danosa à liberdade do apelado. 2. Fundamentos de direito A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação: 1- No âmbito do Proc. com o nº 110/01.7 PJPRT, do 1.º Juízo Criminal do Porto, o A. foi condenado, por sentença proferida em 04 de Maio de 2006, como autor de um crime de aproveitamento de obra usurpada previsto e punível pelos artigos 199.º, 195.º e 197.º, do Código de Direitos de Autor na pena concreta de 4 meses de prisão que ao abrigo do artigo 44.º do Código Penal foi substituída por igual tempo de multa à taxa diária de 1,50€ e em 170 dias de multa à mesma taxa diária — alínea A) da matéria de facto assente. 2- Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei 48/95, de 23 de Dezembro, foi o aí arguido, aqui A., condenado na pena única de 290 dias de multa à taxa diária de —1,50€ – cfr. Decisão junta a fls. 272, do p.p. – alínea B) da matéria de facto assente. 3- Tal decisão transitou em julgado em 4 de Julho de 2006 — alínea C) da matéria de facto assente. 4- Por despacho datado de 12 de Julho de 200, tendo-se considerado que o aí arguido não procedeu ao pagamento voluntário da multa fixada em substituição dos 4 meses de prisão, não requereu o seu pagamento em prestações, não justificou a sua omissão, não se julgando viável o seu pagamento coercivo, por não serem conhecidos bens penhoráveis, determinou-se, ao abrigo do disposto no artigo 44.º, n .º 2 do Código Penal, ter o aí arguido de cumprir a pena de 4 meses de prisão, e a pena de 170 dias de multa, ao abrigo do disposto no artigo 49.º, n.º 1 do Código Penal, convertida em 113 dias de prisão subsidiária — cfr. fls. 277, do p.p., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido — alínea D) da matéria de facto assente. 5- Nesse mesmo despacho determinou-se a notificação do aí arguido, com expressa advertência de, a todo o tempo evitar a execução apenas da prisão subsidiária fixada pagando a multa em que foi condenado — alínea E) da matéria de facto assente. 6- Mais se determinou que, após trânsito, fossem passados e entregues mandados de captura contra o aí arguido, a fim de cumprir 4 meses de prisão efectiva e 113 dias de prisão subsidiária — alínea F) da matéria de facto assente. 7- Por requerimento apresentado em 12 de Setembro de 2007, o arguido requereu ao abrigo do artigo 49º, n.º 3 do Código de Processo Penal, que a pena de prisão subsidiária fosse suspensa, subordinando essa suspensão ao cumprimento de deveres ou regras de conduta não económicas, entendidas pelo tribunal como adequadas –cfr. fls. 279, do p.p. — alínea G) da matéria de facto assente. 8- Nesse mesmo requerimento, alegou, para além do mais, que só não procedeu ao pagamento da globalidade da multa por não ter tido efectivo conhecimento das notificações tendentes à execução da mesma e que até à apresentação do requerimento não estava representado por mandatário — alínea H) da matéria de facto assente. 9- Por despacho proferido em 21 de Novembro de 2007, foi indeferido aquele requerimento com o fundamento de que o arguido esteve sempre representado por advogado, o qual foi sempre notificado para os termos do processo; que o arguido foi regular e pessoalmente notificado da sentença condenatória proferida e que foi ainda advertido para as possíveis formas de cumprimento da pena; que apesar disso, nada fez ou disse; que as notificações postas em causa pelo arguido, mostram-se válidas e regulares, atento o disposto no artigo 113.º, n.º 9, 1ª parte, do Código de Processo Penal, porquanto sempre foi o seu defensor notificado dos despachos proferidos; e que o arguido pode a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária, pagando a multa a que foi condenado (170 dias de multa à taxa diária de € 1,50), mas já não pode evitar a pena de 4 meses de prisão, fixada a título principal, a que foi condenado — doc. de fls. 282, do p.p., aqui dado por integralmente reproduzido — alínea I) da matéria de facto assente. 10- O arguido interpôs recurso desse despacho — doc. de fls. 285, do p.p. — alínea J) da matéria de facto assente. 11- Por despacho proferido em 30 de Abril de 2008, pelo Exm.º Relator, foi rejeitado o recurso interposto, por ser manifestamente improcedente — doc. de fls. 295, do p.p., aqui dado por integralmente reproduzido — alínea L) da matéria de facto assente. 12- Por despacho proferido em 11 de Julho de 2008 foi ordenado que, face ao requerido pelo arguido, fossem passadas as guias para pagamento imediato da pena de multa de 170 dias á taxa diária de € 1,50, por forma a ser evitado o cumprimento de 113 dias de prisão subsidiária fixada — doc. de fls. 306, do p.p., aqui dado por integralmente reproduzido — alínea M) da matéria de facto assente. 13- Nesse despacho indeferiu-se também os pedidos — novamente formulados pelo arguido — da suspensão da pena de prisão ao abrigo do artigo 50º do Código Penal ou da sua substituição, por trabalho, nos termos do artigo 58º do Código Penal, quer porque o despacho que determinou o cumprimento da pena de 4 meses de prisão já transitara em julgado, quer porque requerimento semelhante, do arguido, havia sido já indeferido por despacho igualmente transitado em julgado, quer ainda, porque a sentença proferida nos autos também já estava transitada — alínea N) da matéria de facto assente. 14- Por despacho proferido em 17 de Julho de 2008 foi indeferido o requerimento do arguido (feito ao abrigo do artigo 371.º- A do Código de Processo Penal) de reabertura da audiência para aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, invocando para tanto a aplicação do estatuído nos artigos 44.º, n.º 1, alínea a), e 46.º, n.º 1, do Código Penal, ambos na redacção da Lei 59/07, de 04 de Setembro — doc. de fls. 315, do p.p., aqui dado por integralmente reproduzido — alínea O) da matéria de facto assente. 15- Em novo requerimento, apresentado em 23 de Julho de 2008, o arguido volta a pedir a reabertura da audiência de julgamento, para aplicação retroactiva da lei mais favorável invocando para tanto a aplicação dos artigos 50.º e 43.º do Código Penal, ambos na redacção da Lei 59/07, de 04 de Setembro — doc. de fls. 318, do p.p., aqui dado por integralmente reproduzido – alínea P) da matéria de facto assente. 16- Por despacho proferido em 24 de Julho de 2008, foi indeferido aquele requerimento de reabertura da audiência — doc. de ls. 336, do p.p., aqui dado por integralmente reproduzido — alínea Q) da matéria de facto assente. 17- Em 15.07.2008, o arguido procedeu ao pagamento da quantia de € 435,00 — cfr. fls. 361 a 363, do processo referido em A)/fls. 79, do p.p. — alínea R) da matéria de facto assente. 18- Parte de tal quantia, ou seja, € 255,00 evitou a execução dos 113 dias de prisão subsidiária (170 dias x € 1,50) — alínea S) da matéria de facto assente. 19- Quanto à quantia restante, ou seja, € 180,00 (€ 435,00 - € 255,00), por despacho de 24.07.2008, foi determinado que fosse imputada ao montante devido pelo arguido a título de custas – cfr. fls. 387/388, do processo referido em A) — alínea T) da matéria de facto assente. 20- O arguido/requerente foi preso e conduzido ao EP do Porto, em 15 de Julho de 2008, em cumprimento da pena de quatro meses de prisão que lhe foi aplicada no referido processo n.º 110/01.7 PJPRT, da 2.ª Secção do 1.º Juízo Criminal do Porto — doc. de fls. 359 desse processo — alínea U) da matéria de facto assente. 21- O A. prestou termo de identidade e residência em 09/09/2005 — doc. de fls. 129, do processo referido em A) — alínea V) da matéria de facto assente. 22- O filho do A., C......, nasceu no dia 24 de Setembro de 2000 — doc. de fls. 385, do p.p. — alínea X) da matéria de facto assente. 23- O A. instaurou providência de Habeas Corpus, pedindo a declaração de ilegalidade da sua prisão desde o dia 15 de Julho de 2008 e respectiva libertação imediata, com restituição à liberdade — doc. de fls. 340, do p.p., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido — alínea Z) da matéria de facto assente. 24- O STJ, apreciando a petição de Habeas Corpus instaurada pelo aqui A., considerou que o seu caso não caía na previsão de qualquer uma das alíneas do n.º 2, do artigo 222.º, do Código de Processo Penal, mas que “…de qualquer da forma, a execução cessa a todo o tempo desde que o condenado pague a multa. É a disciplina que resulta do regime de pena de multa e que está conforme com a respectiva natureza, quer seja multa primária, quer resulte de substituição (artigos 47.º e 49.º, n.º 3, do Código Penal, e 6.º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março” — alínea AA) da matéria de facto assente. 25- Assim, considerando que “…a partir do momento em que o requerente efectuou o pagamento da multa, e (…) pode fazê-lo a todo o tempo, cessando mesmo com o pagamento a execução da pena de prisão que entretanto se tenha iniciado, a manutenção da execução de uma situação de privação da liberdade nestas circunstâncias traduz-se, materialmente, nos seus efeitos, numa privação de liberdade sem todos os necessários pressupostos materiais e processuais e que, no rigor das coisas, equivale a uma situação de prisão (…) em circunstâncias que a lei não permite…” — alínea BB), da matéria de facto assente. 26- Como tal, o STJ deliberou deferir a petição do aqui A. com a libertação do mesmo — cfr. doc. de fls. 352, do p.p., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido —alínea CC) da matéria de facto assente. 27- Assim, com data de 3 de Setembro de 2008, foi emitido o mandado de libertação do A. , enviado para o respectivo estabelecimento prisional, nesse mesmo dia — doc. de fls. 82/83, do p.p., aqui dado por reproduzido — alínea DD) da matéria de facto assente. 28- O A. era um profissional de Relações Públicas reconhecido a nível nacional, cuja actividade exercia há mais de 20 anos — resposta ao artigo 1.º da base instrutória. 29 - O A. ficou privado, em consequência, do facto de ter estado preso, de receitas/proventos, nomeadamente em diversos eventos que pagam pelo simples facto da sua imagem/presença estar num certo local, associada a determinadas empresas/eventos, como figura reconhecidamente pública — resposta ao artigo 3.º da base instrutória. 30 – Foi emitida nota de honorários pelo valor total de € 9.474,90, cuja cópia se encontra junta a fls. 106, do p.p. — resposta ao artigo 4.º da base instrutória. 31 - A mãe do A. concedeu-lhe diversos adiantamentos/empréstimos de dinheiro, para que o mesmo pudesse fazer face às suas despesas — resposta ao artigo 5.º da base instrutória. 32 – Concretamente, as seguintes quantias: — 28.07.2008: € 200,00; — 29.08.2008: € 245,00; — 12.09.2008: € 250,00; — 09.10.2008: € 195,91; — 15.10.2008: € 150,00; — 31.10.2008: € 100,00; — 07.11.2008: € 110,00; — 26.12.2008: € 150,00; — 18.12.2008: € 260,00; — 02.01.2009: € 500,00; — 27.02.2009: € 3.000,00; — 06.02.2009: € 2.000,00; — 03.04.2009: € 100,00; — 04.02.2009: € 260,00; — 30.01.2009: € 281,00; — 07.01.2009: € 1.280,00 — resposta ao artigo 6.º da base instrutória. 33 – A prisão do A. afectou o crédito moral que tinha, bem como os seus ganhos —resposta ao artigo 7.º da base instrutória. 34 - Bem como dores, mágoas, e uma multiplicidade de tristezas — resposta ao artigo 8.º da base instrutória. 35 - Mais tendo amputado ao A. sonhos e ambições imediatas — resposta ao artigo 9.º da base instrutória. 36 - O A. com a prisão a que foi sujeito mostrou-se constrangido por ter de entrar pela primeira vez numa prisão e pelo temporário cerceamento — resposta ao artigo 10.º da base instrutória. 37 – O mandado de prisão foi efectuado por agente policial, apesar do A. ter procedido ao pagamento da multa de € 435,00 — resposta ao artigo 11.º da base instrutória. 38 – O que lhe provocou indignação — resposta ao artigo 12.º da base instrutória. 39 – O temporário cerceamento da liberdade do A. constitui facto que perpétua na mente do A. e que fortemente o humilhou e constrangeu — resposta ao artigo 13.º da base instrutória. 40 – Milhares de pessoas tiveram conhecimento pelas publicações semanais de revistas e jornais da prisão do A. — resposta ao artigo 14.º da base instrutória. 41 - Foi publicada notícia referente ao A. no jornal F….., com o teor que consta de fls. 191, aqui dado por reproduzido — resposta ao artigo 15.º da base instrutória. 42 - Foi publicada noticia do A. na G….. n.º…, de 25 a 31 de Julho de 2008, com o teor que consta de fls. 192, aqui dado por reproduzido — resposta ao artigo 16.º da base instrutória. 43 - Foi publicada notícia do A. na Revista H…. n.º …., com o teor que consta de fls. 195, aqui dado por reproduzido — resposta ao artigo 17.º da base instrutória. 44 - Foi publicado no I…. uma noticia do A., com o teor que consta de fls. 196, aqui dado por reproduzido — resposta ao artigo 18.º da base instrutória. 45 - Foi também publicado na revista J…. (n.º …, .. a 28.7.08), notícia sobre o A., com o teor que consta de fls. 197, aqui dado por reproduzido — resposta ao artigo 19.º da base instrutória. 46 - Também na Revista K…. foi publicada notícia do A. (n.º …, 28/08/2008), com o teor que consta de fls. 200, aqui dado por reproduzido — resposta ao artigo 20.º da base instrutória. 47 - Foi publicada notícia do A. na Revista L…., com o teor que consta de fls. 203, aqui dado por reproduzido — resposta ao artigo 21.º da base instrutória. 48 - Foi publicada também notícia sobre o A.., com o teor que consta de fls. 204, aqui dado por reproduzido — resposta ao artigo 23.º da base instrutória. 49 - Na Revista M…. (n.º … 10 a 16/9/2008) foi publicada notícia sobre a prisão do A., com o teor que consta de fls. 205, aqui dado por reproduzido — resposta ao artigo 25.º da base instrutória. 50 - Na mesma senda, foi publicado na Revista I…. (n.º …., 7/9/08), notícia sobre a prisão do A., com o teor que consta de fls. 208, aqui dado por reproduzido —resposta ao artigo 26.º da base instrutória. 51 - Também na revista K…., perduraram as notícias referentes ao A., com o teor que consta do doc. de fls. 211, aqui dado por reproduzido — resposta ao artigo 27.º da base instrutória. 52 - A mesma Revista K…., procedeu a nova publicação, com o teor que consta do doc. de fls. 213, aqui dado por reproduzido — resposta ao artigo 28.º da base instrutória. 53 - Ainda na mesma Revista da K…. , o A. foi novamente alvo de notícia sobre a sua prisão, com o teor que consta do doc. de fls. 215, aqui dado por reproduzido — resposta ao artigo 29.º da base instrutória. 54 - A Revista N…. dias publicou noticia sobre a prisão do A, com o teor que consta do doc. de fls. 218, aqui dado por reproduzido — resposta ao artigo 30.º da base instrutória. 55 – Algumas revistas são visualizadas por mais que uma pessoa em cabeleireiros, cafés, clínicas, etc — resposta ao artigo 31.º da base instrutória. 56 - As pessoas que leram as referidas notícias fizeram as suas próprias interpretações — resposta ao artigo 32.º da base instrutória. 57 - Após tais publicações, as possíveis oportunidades de trabalho ficaram “minadas”, por nenhum empresário pretender ter como relações públicas, um ex-presidiário —resposta ao artigo 33.º da base instrutória. 58 – Além do mais, a A. face à prisão ficou sem as características que faziam dele um comunicador nato, tais como, a naturalidade, a simpatia, o à vontade, a facilidade de sociabilidade — resposta ao artigo 34.º da base instrutória. 59 - Em virtude das lesões emocionais sofridas e das sequelas sociais, o A. ficou afectado na sua capacidade de trabalho que vinha desenvolvendo nos últimos 20 anos — resposta ao artigo 35.º da base instrutória. 60 - O A. não fazia mais nada, que não fosse dentro do âmbito da sua actividade como relações públicas — resposta ao artigo 36.º da base instrutória. 61 - O A., à data dos factos, encontrava-se a recibos verdes e auferia da sua actividade profissional a remuneração média mensal de cerca de 3.000 euros/mês —resposta ao artigo 37.º da base instrutória. 62 – A saída do A. do estabelecimento prisional do Porto — Custóias, no dia 03 de Setembro, foi fotografada pelos repórteres que se encontravam no local — resposta ao artigo 38.º da base instrutória. 63 - À data da prisão, o A. era Relações Públicas da O….. situada numa zona nobre da cidade do Porto no Edf. Transparente — resposta ao artigo 39.º da base instrutória. 64 – O A. auferia, como Relações Públicas da O…., uma remuneração média mensal de cerca de 3.000,00 € — resposta ao artigo 41.º da base instrutória. 65 - O A. deixou de poder exercer a sua actividade entre 15 de Julho de 2008 e 3 de Setembro de 2008 — resposta ao artigo 42.º da base instrutória. 66 - Era o A. quem tratava de alguns assuntos relacionados com a divulgação e publicidade do espaço — resposta ao artigo 43.º da base instrutória. 67 - O A. era a “cara” do espaço — resposta ao artigo 44.º da base instrutória. 68 - O referido espaço encerrou — resposta ao artigo 45.º da base instrutória. 69 - A actividade do A. depende, em parte, do reconhecimento do público — resposta ao artigo 46.º da base instrutória. 70 - Após a sua libertação, o A. não conseguiu retomar as suas funções de Relações Públicas nos moldes por si anteriormente exercidas, quer na anterior entidade, quer noutra — resposta ao artigo 47.º da base instrutória. 71 - À data da sua detenção, o Autor, por vezes, fazia presenças em espaços nocturnos da zona Norte — resposta ao artigo 48.º da base instrutória. 72 – A prisão do A. foi do conhecimento da opinião pública Nacional — resposta ao artigo 51.º da base instrutória. 73 - As pessoas que tomaram conhecimento dos acontecimentos ocorridos, ficaram a conhecer a situação do arguido: a prisão a que foi sujeito — resposta ao artigo 53.º da base instrutória. 74 - O A. sofreu angústia pela indefinição do seu futuro e por se ter visto arredado, durante o tempo em que esteve preso, do seu ambiente pessoal, familiar, profissional e da própria liberdade de viver — resposta ao artigo 54.º da base instrutória. 75 – Esse estado de angústia ainda hoje subsiste — resposta ao artigo 55.º da base instrutória. 76 - O A., em cada pessoa que contacta, pressente sempre a hipótese de, no espírito de cada uma delas, se aventar a dúvida sobre a justeza da sua prisão — resposta ao artigo 56.º da base instrutória. 77 - O que lhe causa angústias, sofrimentos, pesadelos e depressões que lhe destroem a alegria de viver e o entusiasmo com que sempre, antes de tal acontecer, encarava o presente e o futuro — resposta ao artigo 57.º da base instrutória. 78 - O A., foi associado à prática de crimes que merecem particular censura social — resposta ao artigo 58.º da base instrutória. 79 - Algumas pessoas, ao tomarem conhecimento das notícias difundidas, mesmo assim ficaram com dúvidas sobre os reais e efectivos motivos da sua prisão, o que o prejudica a nível profissional — resposta ao artigo 59.º da base instrutória. 80 - As notícias na comunicação social faziam referência à condição do A. também como ex-marido de P….., ex-apresentadora de televisão — resposta ao artigo 60.º da base instrutória. 81 – O A. era tido como um dos Relações Públicas mais capazes, sendo referenciado como um dos melhores para abrir estabelecimentos de discotecas ou levantar aquelas que já não conseguiam bons índices de clientela/facturação — resposta ao artigo 61.º da base instrutória. 82 - Um dos factores do seu sucesso profissional se devia ao facto de ter uma aparência jovem e, predominantemente, ao seu desempenho como Relações Públicas, durante já 20 anos, em estabelecimentos nocturnos — resposta ao artigo 62.º da base instrutória. 83 - Continuam ainda activas na Internet notícias sobre a prisão do A. — resposta ao artigo 63.º da base instrutória. 84 – O sofrimento provocado pela reclusão foi agravado pelo conhecimento que teve do que era dito ao seu filho pelos respectivos colegas de escola, quanto à sua prisão — resposta ao artigo 64.º da base instrutória. 85 - No período de 15 de Julho a 03 de Setembro de 2008, o A. ficou impedido de exercer a guarda e tutela conjunta do seu filho — resposta ao artigo 65.º da base instrutória. 86 - O A. ficou impedido de gozar as férias de Verão de 2008 com o seu filho — resposta aos artigos 66.º e 67.º da base instrutória. 87 - O A. teve de explicar ao filho o que lhe tinha acontecido — resposta ao artigo 68.º da base instrutória. 88 - O A. recebeu uma carta do filho com um desenho de um menino sozinho e uma árvore — resposta ao artigo 70.º da base instrutória. 89 – O referido desenho causou sofrimento ao A. — resposta ao artigo 71.º da base instrutória. 90 - O A. tinha uma relação afectiva com uma companheira, de cuja proximidade se viu privado durante o período em que esteve preso — resposta ao artigo 72.º da base instrutória. 91 - A relação do A. com a sua companheira foi afectada — resposta ao artigo 73.º da base instrutória. 92 – O A. tem uma relação de grande intensidade afectiva com os pais, pelo que o choque sofrido por estes ao verem, de repente, um filho preso, perturbou o A. muito fortemente — resposta ao artigo 74.º da base instrutória. 93 – O A. ficou afectado com o facto dos seus pais serem confrontados pelos outros com as notícias que sobre si foram publicadas quanto à sua prisão — resposta ao artigo 76.º da base instrutória. 94 – O A. não pôde passar com a família o aniversário da mãe, a 31 de Agosto — resposta ao artigo 77.º da base instrutória. 95 - Teve crises de ansiedade, que lhe provocaram tremores das mãos, com os dedos completamente ensanguentados, já que estava constantemente em estado nervoso que se extravasava com o roer das unhas e dos dedos na ausência daquelas — resposta ao artigo 80.º da base instrutória. 96 – O A. temia pela sua integridade física — resposta ao artigo 83.º da base instrutória. 97 - No estabelecimento prisional se incitava ao suicídio, dizendo: “mete a corda” — resposta ao artigo 84.º da base instrutória. 98 - O A. durante algum tempo optou por não querer inteirar-se das notícias publicadas em revistas — resposta aos artigos 86.º e 87.º da base instrutória. 99 – O A. deixou de ser convidado para fazer presenças desde que foi preso — resposta ao artigo 89.º da base instrutória. 100 - O A., como agenciado da E…., que representava vários actores, apresentadores de televisão e outros, tinha a expectativa de enveredar pela representação e ‘realizar presenças’, entre Julho e Setembro, em espaços públicos pelo menos 2 a 3 vezes por mês, e que, por norma, era paga a quantia de, pelo menos, € 300,00 por cada presença — resposta ao artigo 90.º da base instrutória. 3. Do mérito do recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 685.º A, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 660.º, n.º 2, in fine, e 684.º, n.º 4, CPC ). No caso vertente, está em causa responsabilidade civil do Estado por prisão ilegal, estando o recurso estruturado em torno do conceito de erro judiciário, que a sentença da 1.ª instância considerou verificado, propondo-se o recorrente reverter a decisão sustentando não poder haver erro grosseiro quando as normas em causa suscitam interpretações divergentes na doutrina e jurisprudência. A Relatora suscitou a questão de não estar preenchida a condição da acção de indemnização consistente na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, prevista no artigo 13.º, n.º 2, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE), anexo à Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, o que não ocorreu no caso vertente. Importa, pois, definir qual o enquadramento fáctico da questão, para seguidamente definir o seu regime jurídico. Está em causa um pedido de indemnização formulado contra o Estado por o apelado ter cumprido 53 dias de prisão, prisão que cessou na sequência de uma providência de habeas corpus. O apelado foi julgado e condenado como autor de um crime de aproveitamento de obra usurpada, previsto e punido pelos artigos 199.º, 195.º e 197.º, do CDA, na pena de quatro meses de prisão, a qual, nos termos do artigo 44.º CP, foi substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de 1,50€, e em 170 dias de multa, à mesma taxa diária. Assim, e de acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei 48/95, de 23 de Dezembro, foi condenando na pena única de 290 dias de multa, à taxa diária de 1,50€. Esta decisão transitou em julgado. Não tendo o apelado procedido ao pagamento voluntário da multa fixada em substituição dos 4 meses de prisão, requerido o seu pagamento em prestações, nem justificado a sua omissão, e, por outro lado, não se julgando viável o seu pagamento coercivo, por não serem conhecidos bens penhoráveis, determinou-se, ao abrigo do disposto no artigo 44.º, n.º 2 CP, o cumprimento da pena de 4 meses de prisão, e a pena de 170 dias de multa, convertida em 113 dias de prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 49º, n.º 1 CP, determinando-se que, após trânsito, fossem passados e entregues mandados de captura contra o aí arguido, a fim de cumprir 4 meses de prisão efectiva e 113 dias de prisão subsidiária. O apelado, então arguido, procedeu ao pagamento da quantia de € 435,00, em 2008.07.15. Dessa quantia, € 255,00 evitaram a execução dos 113 dias de prisão subsidiária (170 dias x € 1,50), tendo a quantia restante, ou seja, € 180,00 (€ 435,00 - € 255,00), sido imputada ao montante devido pelo arguido a título de custas por despacho de 2008.07.24. Os sucessivos requerimentos pedindo a suspensão da pena de prisão subsidiária, a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, bem como de reabertura da audiência para aplicação retroactiva da lei mais favorável, foram indeferidos, acabando o apelado por ser preso e conduzido ao EP do Porto, em 15 de Julho de 2008, em cumprimento da pena de quatro meses de prisão supra referida. Foi libertado ao fim de 53 dias, na sequência do deferimento da providência de habeas corpus pelo STJ. Nessa decisão, apesar de se considerar que a situação não se enquadrava em nenhum dos fundamentos taxativamente enunciados no artigo 222.º, nº 2, CPP, conclui-se que, materialmente, nos seus efeitos, traduzia uma privação da liberdade sem os pressupostos materiais e processuais que, no rigor das coisas, equivalia a uma prisão em circunstâncias que a lei não permite. A sentença recorrida, procedeu à análise do regime legal da pena de multa substitutiva da prisão nos termos do artigo 44.º CP, e, partindo da decisão de habeas corpus, concluiu que «pelo STJ foi decidido e considerado, sem margem para dúvidas não se verificarem os necessários pressupostos materiais e processuais para a prisão do aqui A., equivalendo a mesma a uma situação de prisão em circunstâncias que a lei não permite, como tal, ilegal ou, pelo menos, injustificada, susceptível, pelo menos, de ser enquadrada no disposto no art. 225.º, n.º 1, al. b), do CPP. Consequentemente, há a obrigação do Estado de indemnizar o A. pela prisão que injustamente suportou.» Do regime jurídico aplicável Ao caso vertente aplica-se o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE), anexo à Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, e, porque se trata de responsabilidade que radica num acto jurisdicional de natureza penal, o disposto no artigo 225.º CPP, na redação da Lei 42/2007, de 29 de Agosto. Com efeito, a prisão que está na origem dos danos cujo ressarcimento o apelado pretende ocorreu em 15 de Julho de 2008, só aqui se consumando o alegado dano, elemento de verificação necessária para a responsabilidade civil. Dispõe o artigo 13.º deste novo regime, sob a epígrafe «responsabilidade por erro judiciário», e inserido no capítulo da «responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional», que: 1- Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto. 2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente. Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Coimbra Editora, 2.ª ed., pg. 271 , esclarece: «Tal significa que o requisito da ilicitude — consubstanciado na existência de um erro de julgamento _, terá de ser demonstrado, não através da acção de responsabilidade civil que se destine a efectivar o direito de indemnização pelo exercício da função jurisdicional, mas no próprio processo judicial em que foi cometido o erro e por via dos meios impugnatórios que, no caso, forem admissíveis». Mais adiante, a pgs. 274-5, afirma: «A verificação do requisito da ilicitude convoca, por conseguinte, a existência de uma decisão que, com efeitos de caso julgado, determine a revogação da sentença ou acórdão que tenha incorrido em erro de direito ou erro de facto (479). O regime de responsabilidade civil aqui previsto não tem aplicação quando o tribunal superior, no uso dos seus poderes de cognição, confirma a decisão recorrida mas com um fundamento jurídico diferente, caso em que se não opera uma efectiva revogação do anterior julgado. Do mesmo modo que se não aplica quando a revogação da decisão recorrida resulta da interposição de um recurso extraordinário de revisão». Com este autor podemos concluir que «A prévia revogação da decisão danosa constitui uma condição de procedência da acção, visto que o pedido de indemnização não pode ser deduzido sem que tenha sido reconhecido pela jurisdição competente, em recurso ou reclamação, a existência de um erro de julgamento» (pg. 274, nota 479). Na nota 483, a pg. 276, explica: «Afigura-se, no entanto, que estamos não já perante um requisito especificamente processual, de que depende uma apreciação de mérito da causa (em sentido favorável ou desfavorável), mas uma condição da acção, ou seja, um requisito que interessa ao fundo da causa e se conexiona com a relação jurídica substancial. Não se trata, por outro lado, de um requisito meramente formal. A revogação relevante, para efeitos do disposto no artigo 13.°, n.º 2, é aquela que tenha por base a existência de um erro de facto ou de direito, e é também em função dos termos em que essa revogação se operou que o juiz do processo indemnizatório irá efectuar a qualificação do erro para efeitos de responsabilidade civil» Por todo o exposto, e seguindo o mesmo autor, op. cit., pg. 276, «Se não se fizer prova, no processo destinado a efectivar a responsabilidade civil, da revogação da decisão que tenha incorrido em erro judiciário, não será possível considerar verificada a ilicitude, pelo que a acção deverá necessariamente improceder. A decisão pretensamente ilegal ou inconstitucional não é recorrível ou se o tribunal de recurso, que poderia pronunciar-se em última instância sobre a matéria da causa, manteve o entendimento do tribunal recorrido, não pode dar-se como existente um erro de julgamento para efeitos de responsabilidade civil» E bem se compreende que assim seja, como explica Ana Celeste Carvalho, Responsabilidade Civil por Erro Judiciário, Uma realidade ou princípio por concretizar, Almedina, pg. 62: «Para o legislador do RRCEE, a prévia revogação da decisão danosa constitui um pressuposto da acção de responsabilidade, o que tem o significado de já ter sido reconhecido o erro pelo sistema de justiça, ainda que, porventura, não haja sido qualificado de manifesto ou de grosseiro pelo tribunal, em regra, pela instância de recurso. A não ser assim, correria como efeito colateral - senão vedado, pelo menos, indesejável, para o sistema judicial -, a derrogação da estrutura hierárquica judicial, permitindo-se ao tribunal onde a acção de responsabilidade deverá ser instaurada, poder sindicar a legalidade de uma decisão de outro Tribunal, de hierarquia igual ou superior. Donde, à questão sobre o efeito da decisão revogatória na acção de responsabilidade a intentar contra o o Estado, atento o instituto de caso julgado, deve responder-se no sentido a consagração de um regime que preserva o caso julgado formado na instância revogatória da decisão danosa, o qual não pode ser abalado no âmbito da acção de responsabilidade posterior. A opção seguida revela confiança do legislador no sistema de recursos e de reapreciação da decisão jurisdicional para eliminar o erro cometido no exercício da função jurisdicional, pois se subsistir com o recurso ordinário, haverão ainda, para certos casos, os recursos extraordinários» O apelado estriba-se na decisão de habeas corpus, afirmando ser inequívoca a revogação da decisão danosa da privação à liberdade do apelado. Sem razão, porém. A decisão proferida no expediente de habeas corpus não procedeu a revogação de qualquer sentença, limitando-se deferir a providência e a ordenar a imediata libertação do apelado, o que, aliás, se coaduna com a natureza do habeas corpus. A providência excepcional de habeas corpus não é decididamente a decisão a que alude o artigo 13.º, n.º 2, RRCEE. Com efeito, o habeas corpus não configura um recurso, mas tão só um expediente, de carácter excepcional, destinado a pôr termo a uma situação de privação da liberdade decorrente de decisão patentemente ilegal. Como se lê no acórdão do STJ, de 2008.01.17, Simas Santos, www.dgsi.pt.jstj, proc. 08P200, «Tem entendido o STJ (cfr., por todos, o AcSTJ de 10/01/2002, proc. n.º 2/02-5, com o mesmo Relator) que o habeas corpus, tal como o configura o CPP, é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais. Por isso que a medida não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação, tendo como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) – incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) – motivação imprópria; (iii) – excesso de prazos». O expediente extraordinário de habeas corpus não se destina a sindicar decisões. Como se lê no acórdão do STJ, de 2007.02.01, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07P353, Pereira Madeira, «Como afirmou este mesmo Supremo Tribunal no seu acórdão de 16 de Dezembro de 2003, proferido no procedimento de habeas corpus n.º 4393/03-5, trata-se aqui de «um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, da prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, possível objecto de recurso ordinário e ou extraordinário. Processo excepcional de habeas corpus este, que, pelas impostas celeridade e simplicidade que o caracterizam, mais não pode almejar, pois, que a aplicação da lei a circunstâncias de facto já tornadas seguras e indiscutíveis (…)». “(…) Pelo contrário, os recursos de agravo previstos no artigo 219.º [do Código de Processo Penal] podem ter outros fundamentos, sobretudo os relacionados com a inexistência de uma necessidade cautelar que torne indispensável a aplicação da medida de coacção; com a não adequação da medida à necessidade cautelar; com a desproporcionalidade da medida face ao perigo que se visa evitar. Pense-se, a título de exemplo, em situações em que não se verifique qualquer perigo de fuga do arguido, de perturbação da ordem ou tranquilidade pública ou de continuação da actividade criminosa; em casos em que a medida aplicada não é idónea a garantir a não ocorrência do perigo que se receia; ou ainda na aplicação de uma medida demasiado gravosa tendo em conta outras que deveriam ser preferidas por menos desvaliosas e igualmente eficazes ou tendo em conta a gravidade do delito cometido e a sanção que previsivelmente lhe será aplicada”. A natureza sumária e expedita da decisão de habeas corpus, por outro lado, não permite que, quando o aspecto jurídico da questão se apresente altamente problemático, o Supremo se substitua de ânimo leve às instâncias, ou mesmo à sua própria eventual futura intervenção no caso, por via de recurso ordinário, e, sumariamente, ainda que de modo implícito, possa censurar aquelas por haverem levado a cabo alguma ilegalidade, que, como se viu, importa que seja grosseira. Até porque, permanecendo discutível e não consensual a solução jurídica a dar à questão, dificilmente se pode imputar, com adequado fundamento, à decisão impugnada, qualquer que ela seja – mas sempre emanada de uma instância judicial – numa apreciação pouco menos que perfunctória, o labéu de ilegalidade, grosseira ou não». Por outro lado, e em consonância com a sua natureza acabada de descrever, a decisão de habeas corpus não revoga a decisão que está na sua origem, mas tão-só determina a restituição do arguido à liberdade. Significa isto que, uma decisão de habeas corpus favorável não basta para legitimar uma acção de responsabilização do Estado por prisão ilegal, pois o habeas corpus não é sucedâneo do recurso. Não pode, por isso, corresponder à acção pressuposta no artigo 13.º, n.º 2, do RRCEEP. Pelo exposto, a apelação tem de proceder. A procedência da apelação prejudica o conhecimento do recurso subordinado. 4. Decisão Termos em que, julgando a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, absolvendo-se o R. do pedido, e considera-se prejudicado o conhecimento do recurso subordinado. Custas pelo apelado. Porto, 5 de Março de 2013 Márcia Portela Manuel Pinto dos Santos Francisco Matos ____________________ Sumário 1. A acção de responsabilidade civil contra o Estado por prisão ilegal deve ser fundada na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, nos termos do artigo 13.º, n.º 2, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE), anexo à Lei 67/2007, de 31 de Dezembro. 2. Significa isto que requisito da ilicitude, consubstanciado na existência de um erro de julgamento, terá de ser demonstrado, não através da acção de responsabilidade civil que se destine a efectivar o direito de indemnização pelo exercício da função jurisdicional, mas no próprio processo judicial em que foi cometido o erro e por via dos meios impugnatórios que, no caso, forem admissíveis. 3. A prévia revogação da decisão danosa constitui, pois, uma condição de procedência da acção. 4. A decisão de habeas corpus, que se limita a ordenar a restituição do preso à liberdade, não revoga a decisão alegadamente danosa. 5. O expediente extraordinário de habeas corpus não se destina a sindicar decisões judiciais. 6. Uma decisão de habeas corpus favorável não basta para legitimar uma acção de responsabilização do Estado por prisão ilegal, pois o habeas corpus não é sucedâneo do recurso. Não pode, por isso, corresponder à acção pressuposta no artigo 13.º, n.º 2, do RRCEEP. |