Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA AMÁLIA SANTOS | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA SINAL RESOLUÇÃO DO CONTRATO INDEMNIZAÇÃO PELA UTILIZAÇÃO DA COISA PROMETIDA VENDER | ||
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Nº do Documento: | RP2014012827/13.2TBVPA.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/28/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Apenas se considera como sinal, no contrato promessa, a entrega de determinada quantia em dinheiro; quando o sinal é constituído por cheque, o valor titulado no título apenas se pode considerar como tal, depois de descontado e convertido em numerário. II – A tradição da coisa no contrato promessa mais não é do que a antecipação, acordada pelas partes, de um dos efeitos jurídicos do contrato prometido. III – No caso de resolução do contrato promessa, o promitente vendedor apenas tem direito à restituição da coisa entregue, segundo as regras da resolução do contrato, e não também a uma indemnização pela utilização da mesma, se nada for estipulado nesse sentido. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 27/13.2TBVPA.P1– Apelação 2ª Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar Relatora: Maria Amália Santos 1º Adjunto: Desembargador José Igreja Matos 2º Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues * Acordam no Tribunal da Relação do Porto:* B… veio intentar a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra C…, com domicilio profissional na …, …– …, …, Vila Real, peticionando que seja a acção julgada procedente, e por via disso seja o R. condenado a pagar-lhe a quantia de € 20.024,96 e respectivos juros à taxa legal.* Citado, o Réu não deduziu oposição.* Foi proferida Decisão a julgar a acção improcedente, e, em consequência, a absolver o Réu do pedido.* Não se conformando com a decisão proferida veio o A. dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:1. Em 1 de Janeiro de 2012 assinaram um acordo escrito em que o Autor, na qualidade de primeiro outorgante, declarou ser proprietário das máquinas referidas em 1) e que «pelo presente contrato e pelo preço de 150.000 € (cento e cinquenta mil euros) promete vender à segunda, livres de ónus e encargos, e esta aceita comprar, os bens móveis acima referidos, ajustando da seguinte forma o pagamento: a) na assinatura do presente contrato, a título de sinal e início de pagamento, a quantia de 10.000 € (dez mil euros); bem como cheque com data de 1 de Março de 2012, como reforço de sinal, com a quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros); c) De 1 de Janeiro a 1 de Dezembro de 2012, inclusive, e com vencimento no primeiro dia de cada mês, a quantia mensal de 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros); 2. O R entregou ao A, que os recebeu e fez seus, três cheques: um com o montante de 2.250,00 € que foi logo cobrado e recebido; outros dois, um com o montante inscrito de 4.750,00 € com o nº ………. e outro com o montante de 3.000,00 € com o nº ………., todos da conta em nome da sua sogra D… sobre o E…, para completar o valor inicial do sinal no montante de dez mil euros; 3. Aquando da assinatura do acordo referido em 3), o R. passou a usar as máquinas referidas em 1) em proveito próprio na transformação de granito que comercializou, o que fez nas instalações daquele lote nº . onde laborava, anteriormente, a firma F…, Lda; 4. Os cheques referidos em 8) foram devolvidos na compensação em 27/07/2012, com a menção “extravio”. 5. O R utilizou as máquinas em seu proveito exclusivo desde o início do mês de Janeiro de 2012 e até ao final do mês de Julho de 2012; 6. O R não procedeu à entrega de qualquer quantia mensal nos meses de Janeiro a Julho de 2012. 7. As partes quiseram celebrar um contrato-promessa de compra e venda mais abrangente por procederem ao acordo de pagamento mensal pela utilização das máquinas. 8. Há incumprimento definitivo do contrato tendo o não faltoso, o aqui recorrente, direito a receber as prestações não pagas - art. 410º, n.º1, 441º, 442º, n.º2, 799º, n.º1, 801º, n.º2, 808º, n.º1 do Cód. Civil. 9. Resulta inequivocamente da matéria alegada que as partes quiseram formalizar, além de um contrato promessa de compra e venda que culminaria a final com a entrega efectiva das mesmas e respectiva facturação, um contrato de utilização dessas mesmas máquinas na vigência do acordo. 10. Tal resulta expressamente das cláusulas seguintes ínsitas no contrato: “3. Em 1 de Janeiro de 2012 assinaram um acordo escrito em que o Autor, na qualidade de primeiro outorgante, declarou ser proprietário das máquinas referidas em 1) e que «pelo presente contrato e pelo preço de 150.000 € (cento e cinquenta mil euros) promete vender à segunda, livres de ónus e encargos, e esta aceita comprar, os bens móveis acima referidos, ajustando da seguinte forma o pagamento: a) na assinatura do presente contrato, a título de sinal e início de pagamento, a quantia de 10.000 € (dez mil euros); bem como cheque com data de 1 de Março de 2012, como reforço de sinal, com a quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros); b) … c) De 1 de Janeiro a 1 de Dezembro de 2012, inclusive, e com vencimento no primeiro dia de cada mês, a quantia mensal de 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros); d) De 1 de Janeiro de 2013 a 1 de Dezembro de 2016, inclusive, a quantia mensal de 2.000,00 € (dois mil euros)»; 4. Com o intuito de cumprir o estipulado, o R entregou ao A, que os recebeu e fez seus, três cheques: um com o montante de 2.250,00 € que foi logo cobrado e recebido; outros dois, um com o montante inscrito de 4.750,00 € com o nº ………. e outro com o montante de 3.000,00 € com o nº ………., todos da conta em nome da sua sogra D… sobre o E…, para completar o valor inicial do sinal no montante de dez mil euros; 5. … 6. Aquando da assinatura do acordo referido em 3), o R. passou a usar as máquinas referidas em 1) em proveito próprio na transformação de granito que comercializou, o que fez nas instalações daquele lote nº 9 onde laborava, anteriormente, a firma F…, Lda; …9. Os cheques referidos em 8) foram devolvidos na compensação em 27/07/2012, com a menção “extravio”; 13. O R utilizou as máquinas em seu proveito exclusivo desde o início do mês de Janeiro de 2012 e até ao final do mês de Julho de 2012; 15. E o R. entregou ao A. as máquinas referidas em 1); 16. O R não procedeu à entrega de qualquer quantia mensal nos meses de Janeiro a Julho de 2012, 11. Os outorgantes quiseram que o sinal inicial desse contrato promessa fosse efectivamente de 10.000,00 € (dez mil euros) e para isso foram entregues três cheques, todos na data da assinatura do contrato, que somados completavam a totalidade do sinal. 12. E foi sob essa condição, do pagamento da totalidade do sinal, que o A. autorizou que passassem a ser utilizadas as máquinas – que a final transitariam de proprietário – acrescendo, a título de compensação pela sua utilização, o pagamento de uma quantia mensal de 1.750,00 €, tratando-se de uma renda de utilização, apesar de constar como pagamento parcial de preço a levar em consideração a final. 13. E é também do conhecimento do A. que, estando as suas máquinas instaladas no pavilhão de uma outra firma, foi efectuado em simultâneo um contrato de arrendamento dessas instalações por forma a que pudessem ser colocadas em laboração tais máquinas em proveito exclusivo do Réu, o que aconteceu pelo menos nos meses de Janeiro a Julho de 2012. 14. Foi invocada razão cuja falsidade é objectivamente apreciável já que tais cheques ao serem entregues na data da assinatura do contrato promessa de compra e venda jamais poderiam conter no seu verso aposta a menção de que foram extraviados “9. Os cheques referidos em 8) foram devolvidos na compensação em 27/07/2012, com a menção “extravio”. 15. Não é referido em parte alguma que esses cheques, os do sinal, tivessem sido devolvidos por falta de provisão, como consta da fundamentação da sentença pelo que, salvo o devido respeito, há contradição entre a matéria provada e a decisão a este respeito. 16. O sinal entregue correspondia não apenas ao valor do cheque efectivamente cobrado mas sim à totalidade mencionada na cláusula do contrato e que foi dada como matéria provada – alínea a) do nº 3. 17. De acordo com o preceituado no artº 441º do CC essa totalidade, correspondente à quantia entregue ao aqui recorrente – ainda que em títulos – pressupunham, como efectivamente querido pelas partes, que constituísse o valor global do sinal, logo em dívida ao seu credor. 18. E foi esse o motivo, aliado ao da compensação pela utilização das máquinas, pelo qual passou o R a usufruir plenamente das mesmas, ciente de que cumpriria a sua parte – pagamento dos cheques de sinal – contra o cumprido pelo A. e correspondente à entrega das máquinas. 19. O sinal é constituído por todas as quantias entregues ou, como no presente caso, por todos os cheques que titulavam a quantia global do sinal, o que efectivamente foi querido por constar do acordo e devidamente assinado: “… assinaram um acordo escrito … ajustando da seguinte forma o pagamento: a) na assinatura do presente contrato, a título de sinal e início de pagamento, a quantia de 10.000 € (dez mil euros); … e com o intuito de cumprir o estipulado, o R entregou ao A, que os recebeu e fez seus, três cheques: um com o montante de 2.250,00 € … outros dois, um com o montante inscrito de 4.750,00 € … e outro com o montante de 3.000,00 €… para completar o valor inicial do sinal no montante de dez mil euros;” 20. Entende o recorrente que foram incorrectamente julgados os pontos de facto constantes de 3. a), 3. c), 4, 6., 9. 13., da matéria dada como provada quando conjugados com a fundamentação tida em consideração e que, salvo o devido respeito, deveria conduzir a sentença com decisão diferente e que considerasse as quantias entregues na sua totalidade como sinal efectivo, bem como as não pagas mensalmente como compensação pela utilização das máquinas. 21. Foram ainda violadas as normas constantes dos artigos 410º, n.º1, 441º, 442º, n.º2, 799º, n.º1, 801º, n.º2, 808º, n.º1do Cód. Civil. Pede, a final, que seja proferida decisão que condene o R no pedido então formulado. * Não foram apresentadas contra-alegações.* Cumpre decidir sendo certo que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente, acima transcritas, no qual se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso.* Nessa linha de orientação, as questões a apreciar, suscitadas pela recorrente na presente apelação são:- A de saber se os cheques entregues pelo réu ao A. (devolvidos sem pagamento) se devem considerar como sinal; - Se as partes, no contrato promessa celebrado quiseram ainda estabelecer uma compensação mensal pela utilização das máquinas. * Factos provados na 1ª Instância (nos termos do disposto no artigo 484.º, n.º 1 do CPC):1. O A., que exercia a profissão de industrial de granitos, é dono das seguintes máquinas que se encontram instaladas num pavilhão existente no lote ., …, comarca de Vila Pouca de Aguiar: - máquina de corte de granito mod. 1300 Lima-metal; - torno para torneados acabados mod. Limata Metal; - ponte viviga marca GH 16 ton, refª …..; - ponte grua marca GH 2 ton, refª …..; - jateador de areia tipo 2452 c/ deposito 200 I, refª. ….; - empilhador Hyundai mod. HDF 25-II, refª. ………; - compressor eléctrico marca Ingersol- Rend mod 55 R-Intellissis c (deposito de 500 l, refª ………; - máquina de cortar blocos automática 2200 Limata Metal; - máquina automática de corte perpeanho 725 Limata; - máquina automática duas frezas e copiadora 725 Limata; - máquina Atlas AR -45 B refª ………; - máquina retroescavadora JCB, refª. ……..; - silo para água capacidade 10.000 litros, refª …..-… [artigo 1.º e contrato.promessa junto a fls. 23] 2. O R é industrial do ramo dos granitos; 3. Em 1 de Janeiro de 2012 assinaram um acordo escrito em que o Autor, na qualidade de primeiro outorgante, declarou ser proprietário das máquinas referidas em 1) e que «pelo presente contrato e pelo preço de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros) promete vender à segunda, livres de ónus e encargos, e esta aceita comprar, os bens móveis acima referidos, ajustando da seguinte forma o pagamento: a) na assinatura do presente contrato, a título de sinal e início de pagamento, a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros); bem como cheque com data de 1 de Março de 2012, como reforço de sinal, com a quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros); b) até 30 de Novembro de 2016 a quantia de 18.000,00 € (dezoito mil euros) cujo pagamento poderá ser antecipado e fraccionado; c) De 1 de Janeiro a 1 de Dezembro de 2012, inclusive, e com vencimento no primeiro dia de cada mês, a quantia mensal de 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros); d) De 1 de Janeiro de 2013 a 1 de Dezembro de 2016, inclusive, a quantia mensal de 2.000,00 € (dois mil euros)»; 4. Com o intuito de cumprir o estipulado, o R entregou ao A, que os recebeu e fez seus, três cheques: um com o montante de 2.250,00 € que foi logo cobrado e recebido; outros dois, um com o montante inscrito de 4.750,00 € com o nº ………. e outro com o montante de 3.000,00 € com o nº ………., todos da conta em nome da sua sogra D… sobre o E…, para completar o valor inicial do sinal no montante de dez mil euros; 5. O R não chegou a entregar o quarto cheque de cinco mil euros; 6. Aquando da assinatura do acordo referido em 3), o R. passou a usar as máquinas referidas em 1) em proveito próprio na transformação de granito que comercializou, o que fez nas instalações daquele lote nº . onde laborava, anteriormente, a firma F…, Lda; 7. Em Março de 2012, o R. continuou sem entregar o cheque referido em 5), pelo que o A. informou que iria apresentar a pagamento os cheques que tinha em seu poder; 8. O A. apresentou os cheques referidos em 2.º e 3.º lugar no artigo 4), a pagamento, em 25/07/2012; 9. Os cheques referidos em 8) foram devolvidos na compensação em 27/07/2012, com a menção “extravio”; 10. Consta da cláusula terceira do acordo referido em 3) que “O não pagamento de qualquer das quantias referidas nas alíneas a), b), c) e d) da cláusula segunda até às datas ali indicadas, ou no prazo que vier a ser concedido, por escrito, implica a perda a favor do primeiro outorgante das quantias que houver recebido ficando este contraente com a faculdade de fazer seus os bens constantes da cláusula primeira”; 11. O A. pagou as despesas de devolução dos cheques, no montante de 24,96 €; 12. Consta da cláusula quarta do acordo referido em 3) que «O pagamento das prestações acordadas (alíneas a) a d) da cláusula segunda) será efectuado em dinheiro, cheque ou por transferência bancária para a conta de depósitos à ordem a indicar até ao dia 8 do mês a que disser respeito»; 13. O R utilizou as máquinas em seu proveito exclusivo desde o início do mês de Janeiro de 2012 e até ao final do mês de Julho de 2012; 14. No final do mês de Julho de 2012 o A. comunicou ao Réu que, devido à falta de pagamento atrás mencionada, rescindia o contrato-promessa celebrado; 15. E o R. entregou ao A. as máquinas referidas em 1); 16. O R não procedeu à entrega de qualquer quantia mensal nos meses de Janeiro a Julho de 2012. * Do contrato celebrado pelas partes:No que respeita à relação contratual estabelecida entre as partes, da matéria de facto apurada resulta que as partes quiseram celebrar entre si um contrato promessa de compra e venda das máquinas indicadas, pertencentes ao A., pelo preço acordado de € 150.000,00. Estamos perante uma convenção pela qual as partes se obrigaram a celebrar certo contrato (art.º 410º, n.º1 do Cód. Civil); no caso, um contrato de compra e venda através do qual ao dever do A. transmitir ao R. a propriedade das aludidas máquinas, correspondia o dever do R de lhe pagar o preço das mesmas (art.º 874º do Cód. Civil). Impõe-se, pois, concluir que as partes celebraram entre si um contrato-promessa bilateral, de natureza formal, e cujo clausulado se encontra plasmado no doc. de fls. 12 e ss. dos autos. * Da questão do sinal entregue:Acresce que também decorre da factualidade assente que as partes celebraram entre si um contrato-promessa com entrega de sinal, presumindo-se como tal, segundo o artº 441º do Código Civil, "toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço". O art. 442º, n.º 2 do mesmo diploma legal estabelece, por sua vez, que “ se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue.” Constituindo o contrato-promessa um contrato de natureza obrigacional é aplicável ao mesmo o regime geral do cumprimento contratual, em tudo o que não se mostre afastado pelas normas que regem tal tipo de contrato, assim como as estabelecidas para o tipo de contrato prometido – cfr. art. 410º, n.º1, do Cód. Civil. Em sede de incumprimento contratual, presume-se que o incumprimento é imputável ao devedor, cabendo a este alegar e demonstrar factualidade que afaste tal presunção – cfr. art. 799º, n.º1, do Cód. Civil. Verificado o incumprimento definitivo do contrato, ao credor assiste o direito de resolver o contrato, ao abrigo do art. 801º, n.º2, do Cód. Civil. Em situação de incumprimento definitivo imputável ao devedor (culposo, portanto), é aplicável o disposto no art. 442º, n.º2, do Cód. Civil. Assim, se o devedor constituiu o sinal, tem o credor a faculdade de fazer sua a coisa entregue por aquele a esse título; caso tenha sido o devedor a receber o sinal, o credor tem a faculdade de exigir a restituição do sinal em dobro. Se o incumprimento não é imputável a nenhuma das partes, havendo sinal passado, é o mesmo restituído. Se é imputável a ambas (art. 570º), se as culpas são iguais, há lugar à restituição do sinal; sendo diferentes, a restituição será feita de acordo com o grau da culpa. Não havendo sinal passado, a indemnização a pagar ao contraente inocente apura-se de harmonia com as regras gerais da responsabilidade civil e tende a cobrir os danos efectivos. * Reportando-nos ao caso dos autos, decorre da matéria assente que as partes acordaram que a título de sinal e início de pagamento, seria entregue pelo R. ao A. a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) bem como cheque com data de 1 de Março de 2012, como reforço de sinal, com a quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros);Mais resulta da matéria de facto provada que com o intuito de cumprir o estipulado, o R entregou ao A, que os recebeu e fez seus, três cheques: um com o montante de 2.250,00 € que foi logo cobrado e recebido; outros dois, um com o montante inscrito de 4.750,00 € e outro com o montante de 3.000,00 € para completar o valor inicial do sinal no montante de dez mil euros; Acontece que o A. apresentou os cheques referidos em 2.º e 3.º lugar a pagamento, em 25/07/2012 tendo os mesmos sido devolvidos na compensação em 27/07/2012, com a menção “extravio”. Ora, consta da cláusula terceira do acordo referido em 3) que “O não pagamento de qualquer das quantias referidas nas alíneas a), b), c) e d) da cláusula segunda até às datas ali indicadas, ou no prazo que vier a ser concedido, por escrito, implica a perda a favor do primeiro outorgante das quantias que houver recebido, ficando este contraente com a faculdade de fazer seus os bens constantes da cláusula primeira”. E consta da cláusula quarta do mesmo acordo que «O pagamento das prestações acordadas (alíneas a) a d) da cláusula segunda) será efectuado em dinheiro, cheque ou por transferência bancária para a conta de depósitos à ordem a indicar até ao dia 8 do mês a que disser respeito». No final do mês de Julho de 2012 o A. comunicou ao Réu que, devido à falta de pagamento atrás mencionada, rescindia o contrato-promessa celebrado. Ora, o A demanda o réu nesta acção, alegando incumprimento do contrato por parte daquele no que respeita ao não pagamento, desde logo, do valor acordado, a título de sinal. Peticiona assim o A. nesta acção o pagamento da quantia em falta a título de sinal (€ 7.750,00, correspondente ao valor dos dois cheques que lhe foram entregues, na data da assinatura do contrato, mas que foram devolvidos pelo banco, alegadamente extraviados), assim como a quantia de € 24.96, a título de despesas de devolução dos cheques. * Como acima ficou dito, face ao disposto no art. 442º, n.º2, do Cód. Civil, assim como ao constante da cláusula terceira do acordo referido em 3), ao A. assiste o direito de fazer sua a quantia entregue a título de sinal.Considera o recorrente que, tendo sido estipulado que o sinal era constituído por dez mil euros, o R. seja condenado a entregar-lhe os 7.500,00 € correspondentes aos cheques entregues e que não obtiveram pagamento. Mas sem razão, cremos. Como se escreveu no Acórdão desta Relação, de 12-2-2008 (disponível em www.dgsi.pt) “O sinal pago através de cheque só se constitui como tal com a entrega do dinheiro, existindo, até essa altura, uma mera expectativa de que seja constituído. Não constituído o cheque o sinal - por o cheque ter sido devolvido por falta de provisão -, não assiste ao autor o direito a pedir o seu pagamento se, entretanto, resolveu o contrato-promessa”. Efectivamente, “o cheque”, nos termos do art. 1º, n.º 2 da Lei Uniforme relativa aos cheques, contém, como requisito, “o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada”. Trata-se de um título cambiário, que enuncia uma ordem de pagamento, dirigida a um banqueiro, no estabelecimento do qual o emitente tem fundos disponíveis. É, assim, um meio de pagamento e, por isso, só após recebido o valor que titula, se concretiza esse pagamento. A dívida não se extingue pela entrega do cheque, que não se sabe se será ou não pago. Como ensina Vaz Serra (RLJ, ano 109º, pág. 220), “... a emissão e entrega de um cheque não extinguem, em princípio, a obrigação causal, significando apenas uma datio pro solvendo (Cód. Civil, art. 840º )”, em vista do que “o crédito para cuja segurança foi entregue o cheque só se extingue com a cobrança dele e na respectiva medida”. O cheque não é, deste modo, uma datio pro solutum e a sua entrega ao promitente vendedor num contrato-promessa não é a entrega de uma coisa, representativa em si mesma de um sinal, mas sim de um meio de obter uma coisa, a quantia em dinheiro que no cheque está indicada e que, esta sim, é susceptível de ser restituída em dobro, se o faltoso é o que recebeu o cheque ou de ser perdida, se o contraente faltoso é o promitente comprador. A utilização do cheque e de outros títulos de crédito destina-se a facilitar o tráfego jurídico, comercial e financeiro e visa colocar o credor em posição de, mais facilmente, poder obter a prestação devida pelo credor. O cheque não traduz, pois, um pagamento, em si mesmo, mas um meio de pagamento (neste sentido cfr., entre outros, os Acs. da RC de 26.03.1985, in CJ, Tomo II, pág. 50, de 12.12.1989, in CJ, Tomo V, pág. 60 e da RP de 25.09.90, CJ, Tomo IV, pág. 218). Assim sendo, o sinal, pago através de cheque, só se constitui como tal com a entrega do dinheiro, existindo, até essa altura, uma mera expectativa de que seja constituído. Aliás, a lei exige, de forma expressa, a entrega de uma “quantia”, isto é, de um montante em dinheiro. O sinal só é prestado quando o cheque, através do desconto, se converte em dinheiro, e não, como o recorrente defende, com a entrega do cheque. Neste sentido se pronunciaram também os Acs. da RP de 13.10.1987, in CJ, Tomo IV, pág. 233, e do STJ de 12.06.91 e de 13.01.04 e da RL de 6.04.06, todos disponíveis em www. dgsi.pt.). In casu, o sinal não se constituiu através da entrega ao A. da totalidade da quantia em dinheiro, uma vez que dois dos cheques entregues para o efeito não foram pagos por alegado “extravio”. Sendo assim, à luz das considerações expendidas, não assiste ao A. o direito de peticionar tal pagamento (em falta), face à resolução do contrato. Ou seja, baseando-se o A., exclusivamente, no contrato promessa celebrado e no incumprimento do mesmo por parte do réu, apenas tem direito a fazer sua a quantia de € 2.250,00, efectivamente entregue a título de sinal, face ao disposto no mencionado art.º 442º, n.ºs 2 e 4. Os cheques emitidos não têm o valor de pagamento; eles encontram-se no domínio das relações imediatas, permitindo apenas a oposição da resolução do contrato pelo autor ao réu. Assim, e como a entrega do cheque sem provisão não constitui entrega de qualquer quantia em dinheiro, tem de se considerar que nenhuma quantia foi entregue ao réu para além do dito montante, pelo que só à manutenção dessa quantia tem o A. direito (ac. STJ, 13 de Janeiro de 2004, acima citado). Assim, a quantia de € 7.750,00 (assim como a relacionada com a devolução dos cheques) não é devida. * Da compensação pela utilização das máquinas, de Janeiro a Junho de 2012:Alega também o recorrente que resulta inequivocamente da matéria alegada que as partes quiseram formalizar, além de um contrato promessa de compra e venda que culminaria a final com a entrega efectiva das máquinas e respectiva facturação, um contrato de utilização dessas mesmas máquinas na vigência do acordo. Que tal resulta, expressamente, das cláusulas ínsitas no contrato. No entanto, analisada a p.i., em momento algum o A. ali refere que foi com esse desiderato que foi celebrado (também) o contrato. E tal intenção não resulta também do documento que titula o contrato promessa celebrado. Daquele contrato o que consta é que o pagamento mensal de € 1.750,00, de Janeiro a Dezembro de 2012, seria a título de pagamento parcial do preço das máquinas, a levar em consideração a final, ou seja, como antecipação do pagamento do preço que se ia fraccionando no tempo. Pretende o recorrente retirar do facto, alegado e provado -, de que “Aquando da assinatura do acordo referido em 3), o R. passou a usar as máquinas referidas em 1) em proveito próprio na transformação de granito que comercializou, o que fez nas instalações daquele lote nº 9 onde laborava, anteriormente, a firma F…, Lda”- a conclusão de que a entrega das máquinas ao réu lhe confere o direito de ser indemnizado pela sua utilização. Mas não é assim. De acordo com a cláusula contratual supra citada, a quantia de € 1.750,00 peticionada, a título de entrega mensal, constituiu a forma de pagamento acordada, pelo que, tendo sido resolvido o contrato, não é devido o pagamento. De facto, não resulta da matéria provada (nem da alegada) que as partes tivessem convencionado a entrega mensal referida como uma compensação pela utilização das máquinas. O que as partes fizeram foi antecipar os efeitos jurídicos do contrato definitivo, tendo o A. entregue as máquinas ao réu, que começou desde logo a laborar com elas, assim como acertaram quanto ao preço um plano de pagamento de modo que o R. iria efectuando o pagamento do preço acordado antes mesmo de ter sido celebrado o contrato definitivo. Na verdade, bem pode suceder – e sucede com frequência – que as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art.º 405) antecipem na promessa alguns, ou muitos, dos efeitos do contrato prometido. Porque o contrato – promessa não é mais do que o compromisso obrigacional das partes em celebrarem outro contrato, o normal é que eles próprios antecipem logo alguns efeitos do contrato que se comprometeram a outorgar. Nos casos de contrato promessa de compra e venda, isso é, aliás, uma realidade muito frequente; a tal ponto que o próprio legislador já entra com isso em linha de conta para fixar o regime - quadro geral diferenciado do contrato promessa em função da produção antecipada ou não de efeitos do prometido. Basta pensar em contratos promessa de fracções habitacionais com tradição da coisa; a antecipação de efeitos da venda definitiva – aqui traduzida na entrega típica da coisa prometida como se infere do art.º 879 – vai influenciar de seguida o regime do direito de retenção do promitente comprador (art.º 442). O mesmo se passa com o sinal, visto nas promessas de compra e venda como algo que advêm de um pagamento antecipado ainda que parcial (art.º 441). Vale isto por dizer que não é pelo facto de o contrato promessa prever efeitos antecipados do contrato prometido que deixa de ser um contrato promessa sujeito às normas legais para ele previstas. Ora, como acima se disse, são aplicáveis ao contrato promessa as normas relativas aos demais contratos. No tocante aos efeitos da resolução, vêm eles consagrados nos art.ºs 433º e 434º do Cód. Civil: tem ela, em princípio, efeito retroactivo, sendo, na falta de disposição especial, equiparada à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (art.º 289º do Cód. Civil), devendo, em primeira linha ser restituído tudo quanto tiver sido prestado. Ou seja, deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou o seu valor se a restituição em espécie não for possível, não havendo lugar, pelo não cumprimento do contrato (na falta de estipulação em contrário), a qualquer outra indemnização, nem obrigação de pagamento, uma vez que, extinto o contrato, extintas ficaram as obrigações que dele resultavam. No caso, ao A. assistia apenas a restituição das máquinas, sem qualquer outra indemnização. Improcedem, assim, na totalidade, as conclusões das alegações do recorrente. * Sumário do Acórdão (artº 713º nº 7 do CPC):I – Apenas se considera como sinal, no contrato promessa, a entrega de determinada quantia em dinheiro; quando o sinal é constituído por cheque, o valor titulado no título apenas se pode considerar como tal, depois de descontado e convertido em numerário. II – A tradição da coisa no contrato promessa mais não é do que a antecipação, acordada pelas partes, de um dos efeitos jurídicos do contrato prometido. III – No caso de resolução do contrato promessa, o promitente vendedor apenas tem direito à restituição da coisa entregue, segundo as regras da resolução do contrato, e não também a uma indemnização pela utilização da mesma, se nada for estipulado nesse sentido. * DECISÃO:Pelo exposto: Julga-se Improcedente a Apelação e mantém-se, na íntegra, a decisão recorrida. Custas (da Apelação) pelo recorrente. Porto, 28.1.2014. Maria Amália Santos José Igreja Matos João Diogo Rodrigues |