Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | FERREIRA DA COSTA | ||
| Descritores: | VIATURA DE SERVIÇO ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CONTRATO CÁLCULO | ||
| Nº do Documento: | RP20120917749/10.0TTPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 09/17/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – A utilização, pelo trabalhador, de um veículo automóvel do empregador, com todos os custos a cargo deste, tanto pode configurar um mero instrumento de trabalho, porque é usado durante e por causa da prestação laboral, como pode configurar uma parcela da retribuição do trabalhador, quando o empregador autoriza o trabalhador a usar o veículo irrestritamente, para além do horário normal de trabalho, maxime, em fins de semana, feriados e férias, como nos dias úteis, fora do horário de trabalho. II – Mostrando-se provado que o veículo foi atribuído para uso total, profissional e pessoal e que tal uso constituiu um elemento essencial do contrato de trabalho, sem o qual o trabalhador não teria acordado, este tem direito a que o empregador lhe (re)atribua a viatura, caso a tenha retirado. III – No cálculo da retribuição correspondente ao valor da utilização pessoal do veiculo deve ter-se em conta a utilização efetuada para além do horário normal de trabalho, isto é, tanto nos fins de semana, feriados e férias, como nos dias úteis, fora do horário de trabalho. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Reg. N.º 912 Proc. N.º 749/10.0TTPRT.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B... instaurou em 2010-04-25 ação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C..., A.C.E., pedindo que a R. seja condenada a: a) Reconhecer que na remuneração base do A. se compreende a atribuição de uma viatura automóvel para uso pessoal, constituindo tal atribuição remuneração em espécie, no montante equivalente em dinheiro, no valor de € 1.188,68 líquidos mensais; b) Repor o montante da remuneração mensal do A., correspondente à utilização de viatura para uso pessoal e profissional, entregando-lhe uma viatura nova (0 Km.s) de categoria e valor correspondente à que lhe foi retirada ou, em alternativa, a repor o montante de remuneração mensal do A., aumentando o seu salário mensal, no montante de € 1.188,68 líquidos mensais, valor esse correspondente ao valor mensal antes referido; c) Pagar ao A. o valor correspondente à falta de utilização de viatura, durante o tempo em que esteve e esteja privado do seu uso, calculado desde o dia imediato ao da entrega do veículo anterior – 2010-01-29 - até entrega de novo veículo ou início de integração do montante peticionado no salário do A., no montante de € 1.188,68 líquidos mensais; d) Pagar ao A., a título de indemnização, por danos não patrimoniais, a quantia de € 3.500,00. Alegou o A. que foi admitido ao serviço do C1..., S.A. em 1998-11-18, tendo sido acordado que a retribuição do A. era integrada pela atribuição de uma viatura para uso pessoal, sendo certo que em 2003-03-02, entre o A., a R. e o C1... foi celebrado um acordo de cedência de posição contratual, mediante o qual o A., sem qualquer perda de direitos ou garantias, foi cedido por tempo indeterminado à R. Mais alegou que desde o início lhe foi atribuída uma viatura para uso total, profissional e pessoal e que em janeiro de 2010 a R. ordenou ao A. que entregasse a mesma viatura, não lhe atribuindo outra em sua substituição, apesar de o A. lho ter pedido. Mais alegou o A. que teve que adquirir uma viatura em substituição da que lhe foi retirada, sendo que esse facto não estava nos planos e orçamento do seu agregado familiar e que, entre o momento da entrega à R. da viatura que esta lhe havia atribuído e a aquisição da viatura usada que comprou, teve que reorganizar os seus tempos de lazer, na medida em que deixou de ter a disponibilidade da viatura para passear com a família aos fins de semana e férias. Por último, alegou que após a devolução da viatura que a R. lhe atribuíra, o seu agregado familiar ficou sem qualquer viatura para se deslocar, tendo abdicado das suas atividades de lazer, dando primazia ao acompanhamento da filha do casal. A R. contestou, alegando que foi por mera tolerância que atribuiu uma viatura ao A., a qual podia ser retirada a qualquer momento, pelo que ela não integra a sua retribuição em espécie. O A. respondeu à contestação. Foi proferido despacho saneador tabelar. Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal produzida, tendo-se assentado a matéria de facto pela forma constante do despacho de fls. 148 a 157, sem reclamações conhecidas. Proferida sentença, o Tribunal a quo: “I - Condenou a R. a pagar ao A. o montante de € 8.274,24 (oito mil, duzentos e setenta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos), a título de equivalente monetário à parte da retribuição em espécie (automóvel de serviço também para uso pessoal) que a R. pagou ao A. até 29.JAN.10, desde essa data até 31.MAI.ll. II - Condenou a R. a pagar ao A. mensalmente - a partir de 01.JUN.11 - o valor de € 517,14 (quinhentos e dezassete euros e catorze cêntimos), correspondente a essa parte da retribuição que lhe é devida. III - Relegou para liquidação a parte dessa retribuição correspondente à utilização pessoal em portagens. IV - Absolveu a R. dos outros pedidos deduzidos pelo A.”. Inconformado com o assim decidido, o A. interpôs recurso de apelação, invocando a nulidade da sentença e pedindo que se a revogue, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1ª A Douta sentença recorrida em crise está viciada de nulidade nos termos dos artigos 7º e 18º da CRP, 201º do CPC e 1º do CPT; 73º do CPT e 668º, nº 1, al. d) do CPC. Existindo nítida violação da lei por omissão de pronúncia - 73° e 77° do CPT, 660º nº 2 e 668º nº 1 aI. d) do CPC. 2ª Isto porque tendo o autor feito um pedido em valores certos e líquidos, a sentença é omissa quanto a tal qualidade de liquidez. 3ª Ainda, com tal omissão a sentença não dá cumprimento ao estatuído no artigo 75º do CPT, que estatui que a sentença deve ser orientada por forma a fixar a quantia certa da importância devida. 4ª Dando origem a interpretações dúbias em sede de cumprimento da mesma, pois descurando o dever acima prescrito, condena a Ré numa quantia certa, omitindo a sua liquidez. 5ª Pelo que, face à procedência da nulidade invocada deverá ser a sentença alterada com o aditamento de que a condenação da Ré é em montantes líquidos. 6ª A sentença de que se recorre, faz uma incorreta aplicação do direito face aos factos dados como provados, quando não reconhece que o autor, tendo em conta o provado em 2., 3., 4., 6., 9., 10. e 22., a entrega de uma viatura era a única forma legal de repor a retribuição do autor. 7ª Na medida em que provando que a utilização total de uma viatura automóvel fazia parte da retribuição do autor, porque consabida no conceito do art. 249º do CT e contratualizada entre as partes; 8ª Conclui que só a parte de utilização profissional fazia parte de tal. 9ª Ao decidir assim, viola o princípio da irredutibilidade da retribuição, na medida em que retira da sua composição a sua parte em espécie, alterando a estrutura salarial do autor. 10ª Devendo, em consequência e em obediência à boa aplicação do direito, ser a Ré condenada a entregar uma viatura automóvel ao autor de acordo e nas condições em sede de pedido. 11ª Ainda, ao ignorar o pedido alternativo, legitimamente feito pelo autor a sentença viola o disposto nos art. 543º do CC, 468º e 661º do CPC, volta a haver uma incorreta aplicação do direito. 12ª Pois tendo o autor formulado o pedido em alternativa real - ou a entrega de uma viatura ou a respetiva equivalência em dinheiro -, a condenação que consta da sentença consubstancia condenação em objeto diverso do pedido. 13ª Assim, a sentença em análise padece de erro na aplicação do direito, por violação dos acima citados artigos, bem como dos artigos 549º e 661º do CPC. 14ª Bem como dos artigos 129º e 258º do CT, uma vez que, ao arrepio do conceito de retribuição e de liberdade contratual, não considera a atribuição da viatura em termos totais como forma de retribuição em espécie; 15ª Pelo que, corrigindo tal erro, deverá a sentença ser substituída por outra que considere que a atribuição de uma viatura em espécie para uso total, faça parte da retribuição do autor. 16ª E, em consequência condene a Ré, alternativamente, a entregar uma viatura ao autor ou, em alternativa e em prazo a fixar, repor o montante mensal correspondente em dinheiro. 17ª Nunca o tribunal a quo poderia ter, dando como provado que a viatura entregue ao autor fazia parte da retribuição, estabelecendo que o custo/vantagem da mesma atribuição tinha o valor de 1.090,00 euros; 18ª Para depois restringir o montante em dinheiro correspondente a essa atribuição somente à vertente pessoal de utilização. 19ª A disponibilização da viatura foi-o contratual e de forma total, não tendo a Ré alegado ou provado a ligação do uso da viatura à atividade profissional do autor. 20ª O proveito próprio que o autor fazia da viatura era sem qualquer dependência do exercício da sua atividade profissional e de forma total como ficou provado. 21ª Logo, face ao atrás concluído, ao direito aplicável, sem conceder, caso a sentença não determinasse a entrega da viatura ao autor, deveria, no seguimento de toda a argumentação nela expendida; 22ª Deveria ter condenado a Ré a aumentar a retribuição do Autor, em substituição à entrega do carro, no montante do valor fixado em 5.2., de 1.090,00 euros. 23ª Ainda, sem conceder, o Meritíssimo Juiz a quo, chegando a um conceito de uso pessoal da viatura para calcular o valor da retribuição em espécie, considera que a vida pessoal do autor se reduz a fins de semana e férias. 24ª Tendo elaborado um juízo conclusivo não apoiado em quaisquer factos diretamente relacionáveis e imputados à Ré ou ao Autor. 25ª Salvo melhor e mais douta opinião, afigura-se-nos que tal juízo se expressou numa conclusão sobre matéria de facto, sem se alicerçar em factos concretos que o revelem e que a parte haveria de alegar, por se tratar de factos essenciais à procedência da sua pretensão, em desobediência ao disposto no artº 264º do C.P.Civil. 26ª Sequer as regras do bom senso nos levariam a tal conclusão, quer as regras da experiência quer a jurisprudência citada na sentença nos dizem que a vida pessoal se estende para fora do horário de trabalho, durante a semana. O raciocínio deveria ter sido efetuado por exclusão, desconsiderando o uso profissional durante 37 horas semanais, na medida em que todas as outras horas são pessoais! 27ª O mesmo resulta da prova gravada, que confirmam tal tese, nomeadamente dos depoimentos transcritos das testemunhas D... e E.... 28ª Cometendo, assim a sentença, erro de julgamento, quer face à matéria dada como provada, quer perante os depoimentos acima transcritos, violando os artigos 659°, n.º 3, in fine; 712°, n.º 1, als. a) e b), e art. 490°, n.º 1, todos do CPC. 29ª Devendo, em consequéncia ser a sentença, na parte em que efetuou o cálculo da parte pessoal da retribuição em substituição da viatura ser alterada por forma a incluir a parte de uso fora do horário de trabalho de segunda a sexta-feira. 30ª Ainda, andou mal a sentença em crise ao não condenar a Ré ao pagamento dos danos não patrimoniais peticionados. 31ª Impugna-se a decisão sobre a matéria de facto, na medida em que deveria ter o tribunal dado como provado que o autor, com a retirada da sua viatura para uso total se sentiu abalado a sua estabilidade psíquica obrigando-o a reorganizar a sua vida pessoal; 32ª Causando-lhe um profundo abalo psicológico. 33ª Para além dos factos dado como provados em 24., 25. e 26., que comprovam o abalo psíquico que o autor sofreu com a súbita e ilegítima retirada da viatura, danos merecedores da tutela a título de danos não patrimoniais; 34ª Os depoimentos das testemunhas F..., D... e E... também impunham uma decisão diversa. 35ª Pelo que só poderemos concluir que a matéria de facto não foi corretamente avaliada, sendo necessária uma reapreciação da matéria de facto, dada como provada. 36ª Que, face aos factos dados como provados, e à prova aqui transcrita, considere que o A. alegou e provou a existência de danos não patrimoniais, condenando em consequência na indemnização a esse titulo peticionada. 37ª Pois, ao decidir como decidiu, violou a sentença apelada os normativos insertos nos artigos 659°, n.º 3 e 712º, n.º 1, al. a) do C.P.C., devendo o Tribunal de recurso alterar a decisão da matéria de facto, dando como provados tais factos da fundamentação da sentença em crise. A R. apresentou contra-alegação, na qual pede a improcedência do recurso e a confirmação da sentença. O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, manifestando o seu entendimento no sentido de que a apelação merece parcial provimento. As partes não se pronunciaram acerca do teor de tal parecer. Recebido o recurso, elaborado o projeto de acórdão e entregues as respetivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo: 1. A ré (R., de ora em diante) é um agrupamento complementar de empresas, do qual fazem parte as empresas financeiras do grupo C1…, S.A., que tem por objeto a prestação de serviços administrativos, de aprovisionamento, operacionais e informáticos, entre outros, aos membros do agrupamento. 2. Anteriormente à constituição da R., o autor (A., de ora em diante) celebrou, a 16.0UT.98, um contrato promessa de trabalho com o C1…, S.A., com vista à sua contratação para a C2… a constituir no seio do grupo C1…. 3. Essa proposta foi precedida de um convite formal do Diretor do C1…, S.A. e que seria o futuro Presidente do Conselho de Administração da sociedade financeira do grupo. 4. De acordo com as negociações havidas, o A. seria contratado para exercer as funções de Diretor de Informática, com a retribuição mensal de € 2.643,63, subsídio de alimentação, crédito à habitação ao abrigo do ACT para o setor bancário e viatura para uso profissional e pessoal, até ao montante de € 27.433,88. 5. No dia 18.NOV.98, ainda com o C1…, S.A., mas sempre com vista à integração do autor na sociedade financeira já em processo de constituição, foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado com o A. 6. Foi pelas partes elaborado um aditamento a esse contrato, celebrado na mesma data, pelo qual foi estabelecido que "...além da remuneração estabelecida no referido contrato terá direito [a] ...viatura para uso pessoal até ao montante de 5.500 contos.". 7. Na data da assinatura desse contrato de trabalho, o A. iniciou o exercício das suas funções - ainda sob a égide do C1…, mas já na preparação e inserido na constituição da R. nas suas instalações na cidade do Porto, sitas na …, n.ºs …/…, tendo sido integrado nos quadros da C2…, S.A. em março de 1999, sendo que em 2000, com a transferência de instalações da sua entidade empregadora para o …, .º piso, no Porto, ai passou o A. a exercer as suas funções, local onde continua. 8. A 02.MAR.03, entre a referida identificada sociedade financeira, o A. e a aqui R., foi celebrado um Acordo de Cedência de Posição Contratual, através do qual o A., sem qualquer perda de direitos ou garantias, foi cedido por tempo indeterminado à R., continuando a exercer as suas funções de Diretor de Informática nas referidas instalações, .° piso do … no Porto. 9. De acordo com o contratualizado, no início do exercício das suas funções, em novembro de 1998, foi atribuída ao A. uma viatura nova, marca Volkswagen, modelo …, cujo valor comercial se situava, há data, em € 28.000,00 e também para seu uso pessoal e que, dadas as suas caraterísticas, era o modelo mais alto da gama uma vez que dispunha de teto de abrir, jantes em liga leve de 16 pol., estofos em pele e rádio c/ caixa para 10 CD´s. 10. A R. autorizou que o A. usufruísse a referida viatura durante 365 dias por ano, incluído período pós laboral, fins de semana, períodos de doença e férias. 11. A R. responsabilizou-se sempre pela totalidade dos custos de manutenção, combustível, seguro obrigatório, impostos e transposição de sistema de Via Verde da referida viatura. 12. A referida viatura foi substituída, no início de 2003, por outra de gama/extras aproximada, marca Opel, modelo …, matrícula ..-..-UT, e a última viatura automóvel atribuída ao A. foi, em março de 2006, um veículo marca Opel, modelo …, matrícula ..- BG-... 13. Igualmente a ré autorizou que o A. utilizasse tais viaturas para uso total, profissional e pessoal do A., suportando a R. todas as despesas inerentes à sua utilização, onde se incluía a manutenção periódica, impostos, seguro obrigatório, Via Verde e combustível, este último através da atribuição ao A. de um cartão Galp Frota, com um limite de 300 litros mês. 14. A Ré despendia mensalmente a quantia de € 702,68 no aluguer da viatura atribuída ao A., bem como todos os gastos mensais de combustível até ao montante de € 383,70. 15. A R. pagava ainda anualmente o valor de € 16,40 de imposto de circulação e € 27,17 de taxa de inspeção periódica. 16. No dia 18.JAN.10, através de uma comunicação via e-mail, o A. foi informado que, dado que o contrato de ALD da viatura que lhe tinha sido atribuída estava a terminar, tinha que entregar a mesma no dia seguinte, 19.JAN.10. 17. Como, por indicação da R., as viaturas tinham que ser entregues após reparação a expensas do A., este, como a garagem onde tinha posto a reparar a ..-BG-.. só lha entregava no dia 28 de janeiro, solicitou uma dilação de entrega até tal data, o que lhe foi concedido. 18. Questionando o A. a disponibilização de uma viatura para substituição da que iria entregar, foi-lhe dito que "de acordo com indicações superiores não existirá viatura de substituição" . 19. No dia 29.JAN.10, o A. entregou a viatura automóvel acima identificada. 20. Desde a data acima referida até ao inicio de março de 2010 o A. solicitou à R. que lhe fosse atribuída outra viatura, mas sem sucesso, o mesmo tendo acontecido após o envio, pela mandatária judicial do autor, de comunicação escrita à ré a solicitar a atribuição de outra viatura. 21. A R. não efetuou ao A. qualquer compensação económica equivalente ao veiculo que ordenou que aquele devolvesse. 22. A atribuição pela R. de uma viatura para uso total pelo A. foi determinante para que o A. aceitasse ser contratado pela ré. 23. Por lhe ter sido atribuída uma viatura também para seu uso pessoal durante todo o ano, o A. não precisou de despender o valor correspondente de aquisição/prestação mensal de uma viatura equivalente, do montante mensal de combustível, bem como o valor anual de imposto de circulação e de taxa de inspeção periódica. 24. Em virtude de a R. ter ordenado ao A. a entrega da viatura que lhe atribuíra, não a substituindo por outra, aquele viu-se forçado a adquirir uma viatura usada, quer para as deslocações diárias de e para o trabalho, como para os fins de semana e férias. 25. Tal circunstância não estava nos planos e orçamento do seu agregado familiar. 26. Entre o momento da entrega à ré da viatura que esta lhe havia atribuído e a aquisição da viatura usada que comprou, o A. teve que reorganizar os seus tempos de lazer, na medida em que deixou de ter a disponibilidade da viatura para passear com a família aos fins de semana e férias. Fundamentação. Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota(1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho[3], salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, são seis as questões a decidir nesta apelação, a saber: I – Nulidade da sentença II – Alteração da matéria de facto III – Entrega de viatura IV – Valor de utilização total da viatura V – Valor de utilização pessoal da viatura e VI – Danos não patrimoniais. Nulidade da sentença A 1.ª questão. Trata-se de saber se a sentença é nula. Na verdade, o A. invocou a nulidade da sentença no requerimento de interposição de recurso, dirigido ao Tribunal a quo, onde a fundamenta, bem como na alegação e nas conclusões 1 a 5 do recurso, referindo que a sentença é nula porque não especificou se as quantias da condenação são líquidas ou ilíquidas, apesar de ter formulado os pedidos em quantias líquidas, como consta da petição inicial, o que a seu ver traduz violação do disposto no Art.º 668.º, n.º 1, alíneas d) do Cód. Proc. Civil. Vejamos. As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença. Aquelas, constituindo anomalia do processado, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, pode este ser impugnado através de recurso de agravo. Porém, as nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo Juiz, podem ser invocadas no requerimento de interposição do recurso [dirigido ao Juiz do Tribunal a quo, para que este tenha a possibilidade de sobre elas se pronunciar, indeferindo-as ou suprindo-as] e não na alegação [dirigida aos Juízes do Tribunal ad quem], como dispõe o Art.º 77.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, sob pena de delas não se poder conhecer, por extemporaneidade[4]. No entanto, recentemente, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.º 304/2005, de 2005-06-08, proferido no Proc. n.º 413/04 decidiu, nomeadamente, o seguinte: Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3), com referência aos n.ºs. 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro [que corresponde, com alterações, ao Art.º 72.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 1981], na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior[5]. In casu, o A., ora apelante, invocou a nulidade da sentença no requerimento de interposição do recurso, pelo que dela devemos tomar conhecimento. Vejamos o que, adrede, dispõe o Cód. Proc. Civil, no seu Art.º 668.º: 1. É nula a sentença: d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Ora, como acima se referiu, o A., ora apelante, afirma que a sentença é nula porque, tendo condenado a R. a pagar ao A. certas quantias, não indicou se eram líquidas ou ilíquidas, apesar de ele ter formulado o pedido com base em quantias líquidas. Ora, compulsando os autos e verificando o pedido e a sentença, constatamos que o alegado pelo apelante corresponde á realidade. Tal traduz omissão de pronúncia, atento o disposto no Art.º 668.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do Cód. Proc. Civil, uma vez que o Tribunal a quo deveria ter indicado na sentença se as quantias da condenação eram líquidas ou ilíquidas, tanto mais que o A. tinha pedido a condenação em quantias líquidas. Tal omissão de pronúncia determina a nulidade da sentença. No entanto, nem por isso ficará a questão por decidir, atento o disposto no Art.º 715.º do Cód. Proc. Civil, pelo que o tema será retomado oportunamente. Assim, apesar de se verificar a omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo, a questão da liquidez será decidida oportunamente. Matéria de facto. A 2.ª questão. Trata-se de saber se deve ser alterada a matéria de facto. Na verdade, o A., ora apelante, afirma discordar da decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente, da relativa às questões respeitantes ao valor de utilização pessoal da viatura e aos danos não patrimoniais. Vejamos, pois. Dispõe o Art.º 685.º-B[6], n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, o seguinte: 1 — Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.[7] Por sua vez, estabelece o n.º 2 do Art.º 522.º-C do mesmo diploma, o seguinte: Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos.[8] Por último e ainda do mesmo diploma, dispõe o Art.º 712.º, n.º 1: 1 — A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. In casu, o A., ora apelante, não indicou quais os concretos pontos de facto de que discorda, nem o sentido da alteração pretendida. Na verdade, reporta-se à matéria do valor de utilização pessoal da viatura e dos danos não patrimoniais, mas não indica os concretos pontos de facto de que discorda, com referência aos concretos pontos constantes da lista dos factos provados ou dos factos não provados, ou até dos factos alegados nos articulados. É certo que o apelante indicou os depoimentos de certas e determinadas testemunhas, pequenos excertos dos seus depoimentos e o momento temporal em que tiveram lugar. No entanto, não precisando qualquer facto de que discorde expressamente e limitando-se, quanto à matéria dos danos não patrimoniais a referir que, por causa de lhe ser retirada a viatura, viu afetada a sua “estabilidade psíquica” e que ficou com um “profundo abalo psicológico”, mas omitindo os factos donde se pudessem extrair tais conclusões e sem mencionar onde se encontram alegados na petição inicial, é manifesto que o recorrente não cumpriu o ónus de indicar os “concretos pontos de facto de que discorda”, bem como o sentido da decisão pretendida. Ora, não tendo o apelante indicado qualquer concreto ponto de facto de que discorda, maxime, com referência à lista constante da sentença e/ou aos factos constantes dos articulados, não relacionando assim os meios de prova, o recurso deve ser rejeitado, nesta parte, razão pela qual dele não se pode tomar conhecimento. Improcedem, assim, as pertinentes – 27, 28, 31, 32, 34, 35 e 37 – conclusões do recurso. O Direito. A 3.ª questão. Trata-se de saber se o A. tem direito a que a R. lhe entregue uma viatura nova, para uso total, como aquele refere nas conclusões 6 a 16 do recurso. Vejamos. Como se mencionou no antecedente relatório, o A. formulou na petição inicial o seguinte pedido: “b) Repor o montante da remuneração mensal do A., correspondente à utilização de viatura para uso pessoal e profissional, entregando-lhe uma viatura nova (0 Km.s) de categoria e valor correspondente à que lhe foi retirada ou, em alternativa, a repor o montante de remuneração mensal do A., aumentando o seu salário mensal, no montante de € 1.188,68 líquidos mensais, valor esse correspondente ao valor mensal antes referido;”. De tais pedidos foi a R. absolvida na sentença, com fundamento em que o direito à retribuição corresponde apenas à parte do uso pessoal da viatura, pois o valor correspondente ao uso profissional da mesma integra apenas uma ferramenta que o empregador entrega ao trabalhador para que este possa exercer as respetivas funções profissionais, o que tem por consequência que o A. também não teria direito à entrega de uma viatura nova, como pede. Ora, como é sabido, sendo a retribuição a contrapartida da atividade prestada pelo trabalhador em sede de contrato individual de trabalho, ela é paga normalmente em numerário. Tal não impede que uma parte da retribuição, pelo menos, não possa ser paga em espécie, como sucede com a atribuição de alimentos, refeições, ou o uso de viaturas. Porém, a utilização de um veículo automóvel da empresa, com todos os custos a cargo desta, tanto pode configurar um mero instrumento de trabalho, porque é usada durante e por causa da prestação laboral, como pode configurar uma parcela da retribuição do trabalhador, quando o empregador autoriza o trabalhador a usar o veículo irrestritamente, para além do horário normal de trabalho, maxime, em fins de semana, feriados e férias. Nesta situação, evitando o trabalhador de adquirir viatura própria para se deslocar de e para o trabalho e em toda a sua vida pessoal e familiar, o empregador confere-lhe uma vantagem patrimonial, suscetível de avaliação em numerário, que integra a designada retribuição em espécie, como se tem entendido.[9] In casu mostram-se provados os seguintes factos, pertinentes: “6. Foi pelas partes elaborado um aditamento a esse contrato, celebrado na mesma data, pelo qual foi estabelecido que "...além da remuneração estabelecida no referido contrato terá direito [a] ...viatura para uso pessoal até ao montante de 5.500 contos.". 9. De acordo com o contratualizado, no início do exercício das suas funções, em novembro de 1998, foi atribuída ao A. uma viatura nova, marca Volkswagen, modelo …, cujo valor comercial se situava, há data, em € 28.000,00 e também para seu uso pessoal e que, dadas as suas caraterísticas, era o modelo mais alto da gama uma vez que dispunha de teto de abrir, jantes em liga leve de 16 pol., estofos em pele e rádio c/ caixa para 10 CD´s. 10. A R. autorizou que o A. usufruísse a referida viatura durante 365 dias por ano, incluído período pós laboral, fins de semana, períodos de doença e férias. 11. A R. responsabilizou-se sempre pela totalidade dos custos de manutenção, combustível, seguro obrigatório, impostos e transposição de sistema de Via Verde da referida viatura. 13. Igualmente a ré autorizou que o A. utilizasse tais viaturas para uso total, profissional e pessoal do A., suportando a R. todas as despesas inerentes à sua utilização, onde se incluía a manutenção periódica, impostos, seguro obrigatório, Via Verde e combustível, este último através da atribuição ao A. de um cartão Galp Frota, com um limite de 300 litros mês. 14. A Ré despendia mensalmente a quantia de € 702,68 no aluguer da viatura atribuída ao A., bem como todos os gastos mensais de combustível até ao montante de € 383,70. 15. A R. pagava ainda anualmente o valor de € 16,40 de imposto de circulação e € 27,17 de taxa de inspeção periódica. 22. A atribuição pela R. de uma viatura para uso total pelo A. foi determinante para que o A. aceitasse ser contratado pela ré.”. Vindo provado que a R. atribuiu a viatura ao A. para seu uso total, profissional e pessoal, pagando todas as despesas inerentes e tendo o seu uso total sido determinante para que o A. se deixasse contratar pela R., cremos que este caso apresenta uma configuração diferente daqueles que comummente nos aparecem no foro. Na verdade, o uso da viatura surge aqui tanto na sua vertente pessoal, correspondente a uma parcela da retribuição, em espécie, como na sua vertente profissional, em que o veículo constitui apenas uma ferramenta para o exercício da atividade profissional, como uma caneta ou um computador, por exemplo. Mas o que sobretudo distingue este caso reside na circunstância de o uso total da viatura ter constituído um elemento esencial da contratação, sem o qual o A. não se teria deixado contratar pela R., certamente por ele ser um quadro técnico de grande [mais]valia: Diretor de Informática. Ora, assim sendo, ao A. assiste o direito à retribuição em espécie, correspondente ao uso pessoal da viatura, como hoje é por todos aceite nas circunstâncias de facto dos autos, pois existiu uma atribuição específica efetuada pela R. ao A. No entanto, dados os factos provados, nomeadamente sob os pontos 13 e 22, parece claro que a R. também atribuiu ao A. o direito ao uso profissional da viatura, tanto mais que ele constituiu, de igual modo, um elemento essencial da contratação do A. Assim, embora o uso profissional não se traduza numa retribuição em espécie, tal como sucede com o uso pessoal da viatura, nada impede que as partes tenham criado o direito ao uso profissional da mesma, atento o princípio da autonomia da vontade, atento o disposto no Art.º 405.º, n.º 1 do Cód. Civil. Assim e face aos factos dados como provados, entendemos que o A. demonstrou que a atribuição da viatura configura um direito, pelo que o seu uso profissional não pode ser entendido como mera liberalidade, apesar de tal atribuição não integrar a retribuição em espécie do trabalhador. Daí que, a nosso ver, o A. tenha direito a pedir a [re]atribuição da viatura acordada entre as partes. Termos em que a sentença deve ser revogada, nesta parte, assim procedendo as conclusões 6 a 16 da apelação. A 4.ª questão. Trata-se de saber se o A. tem direito à retribuição correspondente ao valor da utilização total da viatura, como o apelante pretende nas conclusões 17 a 22 do recurso Vejamos. Em síntese, como o A. entende na conclusão 22 do recursdo, deveria o Tribunal a quo ter condenado a R. a aumentar a sua retribuição, em substituição da entrega do carro, no montante do valor fixado de € 1.090,00. Ora, como já tivemos oportunidade de referir, correspondendo o uso profissional da viatura à utilização de uma ferramenta entregue pelo empregador ao trabalhador para que este possa executar as suas tarefas profissionais, não correspondendo a retribuição, nomeadamente em espécie, mas a meras despesas de funcionamento da empresa, ao A. não assiste o direito a um acréscimo retributico correspondente ao valor de uso total - pessoal e profissional - da viatura atribuída pela R. Assim, tal pedido não deve ser atendido, assim confirmando parcialmente a sentença. Improcede, destarte, as conclusões 6 a 16 da apelação. A 5.ª questão. Trata-se de saber se o A. tem direito à retribuição correspondente ao valor da utilização pessoal da viatura, em montante que inclua também a parte de uso fora do horário de trabalho, de segunda a sexta-feira. Vejamos. Excluindo portagens, cuja determinação do valor foi relegado para oportuno incidente de liquidação, a sentença fixou o valor da utilização pessoal da viatura em € 517,14 mensais, tendo em conta uma médica de 4 fins de semana por mês e um mês de férias por ano. Recorre o A., nesta sede, com fundamento em que a sentença não levou em conta a utilização pessoal da viatura, nos dias úteis, para além do horário de trabalho. Tal omissão corresponde à realidade, pelo que em futuro cálculo, sendo caso disso, deverá ser levada em conta a utilização pessoal da viatura, nos dias úteis, para além do horário de trabalho. Entende o Sr. Procurador-Geral Adjunto, em seu douto parecer, que o cálculo global do valor da utilização pessoal da viatura deve ser relegado para ulterior liquidação, à falta de elementos de facto, atento o disposto nos Art.ºs 661.º, n.º 2 e 378.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil. Na verdade, assim nos parece que deve ser, uma vez que a sentença atendeu aos critérios que entendeu aplicar, na tentativa de por fim ao litígio mais rapidamente, mas sendo patente que há que proceder ao respetivo incidente de liquidação, dada a falta de factos necessários e suficientes para o efeito. Assim, embora reconhecendo o direito do A. à retribuição em espécie correspondente à utilização pessoal da viatura, relega-se a determinação do seu montante para oportuno incidente de liquidação, atento o disposto nos Art.ºs 661.º, n.º 2 e 378.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, sendo certo que se trata de pedido subsidiário relativamente ao pedido de atribuição da viatura, dado que o A. inicia a conclusão 23 com a expressão “Sem conceder”. Procedem, por isso, parcial e subsidiariamente, as conclusões 23 a 26 e 29 da apelação. A 6.ª questão. Trata-se de saber se são líquidas as quantias em que a R. foi condenada a pagar ao A. na sentença, como este pretende nas conclusões 1 a 5 do recurso. Vejamos, como se referiu na 1.ª questão, atento o disposto no Art.º 715.º do Cód. Proc. Civil. Relembrando, proferida sentença, o Tribunal a quo: “I - Condenou a R. a pagar ao A. o montante de € 8.274,24 (oito mil, duzentos e setenta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos), a título de equivalente monetário à parte da retribuição em espécie (automóvel de serviço também para uso pessoal) que a R. pagou ao A. até 29.JAN.10, desde essa data até 31.MAI.ll. II - Condenou a R. a pagar ao A. mensalmente - a partir de 01.JUN.11 - o valor de € 517,14 (quinhentos e dezassete euros e catorze cêntimos), correspondente a essa parte da retribuição que lhe é devida. A quantia de € 517,14 foi posta em causa neste recurso, pelo que a determinação do seu montante, sendo caso disso, só será efetuada no respetivo incidente de liquidação. Por seu turno, a quantia de € 8.274,24 está dependente da determinação da quantia anterior, pois é seu - mero - múltiplo. Assim, estando todas as quantias dependentes da decisão a empreender no referido incidente, está prejudicada esta questão de saber se as quantias são líquidas ou ilíquidas, tanto mais que o Tribunal a quo vai ter nova oportunidade de se pronunciar sobre a matéria. Fica, assim, prejudicado o conhecimento desta 6.ª questão. A 7.ª questão. Refere-se aos danos não patrimoniais que o A. terá sofrido em consequência de lhe ter sido retirada a viatura, pedindo a propósito uma compensação no montante de € 3.500,00, como se vê das conclusões 30, 33 e 36 do recurso. Vejamos. As partes divergem acerca da existência, in casu, de danos morais sofridos pelo A., em consequência da referida retirada da viatura pela R., sendo certo que o Tribunal a quo entendeu que não é devida indemnização, a tal título. Dispõe o Art.º 496.º do Cód. Civil, na parte que aqui interessa considerar, o seguinte: 1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º…” Por seu turno, estabelece o Art.º 494.º do mesmo diploma: Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem. Ora, tem-se entendido que o dano não patrimonial, expressão mais correta do que dano moral, uma vez que aquela expressão tem um âmbito mais lato, podendo nela abarcar o chamado dano patrimonial indireto, se analisa num prejuízo causado na pessoa do lesado, podendo ser físico ou psíquico, por exemplo, dores de qualquer destes dois foros, sofrimentos morais, prejuízos na vida de relação, analisando-os outros autores em três grupos, a saber: dano moral subjetivo, dano biológico e dano existencial, este mais ligado à vida de relação, nomeadamente, familiar. Tal dano, para ser juridicamente relevante e, portanto, ressarcível, deve ser grave, correspondente a uma situação cujo grau seja acima da média, por contraposição aos meros e anódinos incómodos da vida corrente, de forma que fosse exigível ao lesante comportamento diverso do empreendido. Tal valoração impõe a adopção de um critério objetivo, comum à generalidade das pessoas, que sirva de padrão para apreciar o grau de gravidade do dano, desprendido de sensibilidades exageradas ou requintadas, embora reportado ao dano concreto. Tal apreciação exige, assim, o recurso a um método de valoração em que quem aprecie o prejuízo se distancie o suficiente do caso de forma que no resultado final não entre a subjetividade do lesado. Acresce que o dano não patrimonial, no caso de despedimento ilícito, deve resultar do comportamento do empregador, como sua consequência direta e necessária, isto é, entre o dano e o despedimento ilícito deve existir um nexo de causalidade. Daí que não sejam ressarcíveis os danos não patrimoniais ocorridos ocasionalmente ou coevos do despedimento, mas sem qualquer relação causal com ele. Por outro lado, dada a natureza do dano não patrimonial, enquanto tal, a sua reparação não pode ser levada a cabo através da reconstituição natural da situação que existiria se o despedimento não tivesse sido decretado, pois uma dor sofrida não pode ser retirada, por exemplo. Mas, mesmo a reconstituição por equivalente, mediante o pagamento de determinada quantia, não é compagiável com o dano sofrido, pois estamos perante valores de natureza diferente: a perda de “profissionalidade” derivada da não ocupação efetiva consequente a um despedimento ilícito, não é avaliável, pelo menos diretamente, em dinheiro. Assim, a ressarcibilidade do dano desta espécie efectua-se através de, mais do que de uma indemnização, de uma compensação, tendente a, na medida do humanamente possível, que o lesado se restabeleça da contrariedade, derivada do dano não patrimonial, com alguma satisfação que a quantia entregue pelo lesante possa proporcionar na aquisição de bens, por exemplo. Noutra vertente, dever-se-á recorrer a juízos de equidade, fundados na justa ponderação, equilíbrio, bom senso e experiência de vida, nomeadamente, sendo de atender à gravidade do dano e suas consequências, à culpa do lesante, bem como à situação económica de ambas as partes, sem esquecer as demais circunstâncias do caso, o que bem revela que a indemnização por danos não patrimoniais tem natureza mista, por um lado, de compensação pois visa mais satisfazer o lesado do que reconstituir o statu quo ante e, por outro, de pena privada, uma vez que o montante deve ser fixado em função da culpa do agente. Deve referir-se, por último, que é ao trabalhador despedido ilicitamente que compete alegar e provar os factos correspondentes ao dano não patrimonial, sua extensão e nexo de causalidade entre ele e o despedimento ilícito, como decorre das regras gerais, atento o disposto no Art.º 342.º, n.º 1 do Cód. Civil[10]. In casu, mostra-se provado: 24. Em virtude de a R. ter ordenado ao A. a entrega da viatura que lhe atribuíra, não a substituindo por outra, aquele viu-se forçado a adquirir uma viatura usada, quer para as deslocações diárias de e para o trabalho, como para os fins de semana e férias. 25. Tal circunstância não estava nos planos e orçamento do seu agregado familiar. 26. Entre o momento da entrega à ré da viatura que esta lhe havia atribuído e a aquisição da viatura usada que comprou, o A. teve que reorganizar os seus tempos de lazer, na medida em que deixou de ter a disponibilidade da viatura para passear com a família aos fins de semana e férias. No entanto, deles não resulta que o A. tenha sofrido dores físicas ou psíquicas, que tenha tido sofrimentos morais, que tenha sofrido prejuízos na sua vida de relação, nomeadamente, familiar ou, de qualquer modo, tenha sofrido qualquer dano qualificável como dano moral subjetivo, dano biológico ou dano existencial. Muito menos resulta que o trabalhador tenha sofrido qualquer lesão física ou psíquica a que se possa atribuir um grau de gravidade que se situe acima dos meros incómodos ou contrariedades da vida em sociedade e que entre o dano não patrimonial e a retirada da viatura exista um nexo de causalidade. Na verdade, a circunstância de o A. se ter obrigado a reorganizar a sua vida familiar por causa da mudança da viatura da R. para uma viatura própria, desacompanhada de quaisquer outros factos, não permite aquilatar da existência, da extensão e da gravidade dos invocados danos não patrimoniais, pressuposto absolutamente essencial para depois se verificar se existe nexo causal entre o dano e a retirada da viatura e, subsequentemente, obrigação de indemnizar e determinar, por último, a sua quantificação. Tal significa que o A. não cumpriu o ónus da prova que lhe competia, atento o disposto no Art.º 342.º, n.º 1 do Cód. Civil, pelo que concluimos no sentido de que ele não demonstrou ter sofrido qualquer dano não patrimonial em consequência da retirada da viatura. Por isso, deve a sentença ser confirmada na parte em que não condenou a R. a pagar ao A. qualquer quantia a título de compensação por danos náo patrimoniais. Improcedem, destarte, as conclusões 30, 33 e 36 do recurso. Decisão. Termos em que se acorda em conceder parcial provimento à apelação, assim: I – Deferindo a nulidade da sentença e II – Revogando a douta sentença impugnada, que se substitui pelo presente acórdão, em que se condena a R. a entregar ao A. a viatura, conforme pedido e, subsidiariamente, a pagar ao A. uma indemnização correspondente ao valor de uso pessoal da viatura, levantando também em conta a utilização efetuada nos dias úteis, fora do horário de trabalho, conforme pedido e a liquidar oportunamente em incidente próprio, onde se determinará se são líquidas as quantias apuradas. Custas do recurso por A. e R., na proporção de 3/5 e 2/5, respetivamente. Porto, 20120917 Manuel Joaquim Ferreira da Costa Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho António José da Ascensão Ramos _______________ [1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma. [2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532. [3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro. [4] Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-12-13, 1991-01-31, 1991-04-09, 1994-03-09 e 1995-05-30, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 402, págs. 518-522, n.º 403, págs. 382-392, n.º 416, págs. 558-565, n.º 435, págs. 697-709 e n.º 447, págs. 324-329. [5] In www.tribunalconstitucional.pt. [6] Nova numeração do artigo – anterior 690.º-A – introduzida pelo diploma referido na nota (1) e aplicável in casu. [7] Era a seguinte a anterior redacção: 1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C. [8] Era a seguinte a anterior redacção: 2 - Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento. [9] Cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, págs. 775 a 777, Bernardo da Gama Lobo Xavier, com a colaboração de P. Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, in Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pág. 550 e Maria do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2006, págs. 551 e 552, nota 657. Na jurisprudência, cfr. in www.dgsi.pt:os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de: - 2006-02-09, Processo 05B4187; - 2006-03-22, Processo 05S3729; - 2008-06-18, Processo 07S4480; - 2009-11-04, Processo 4/08.5TTAVR.C1.S1 e - 2011-01-12, Processo 1104/08.7TTSTB.E1.S1. [10] Cfr. António Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, 1991, págs. 845 e 846, João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 2.ª edição, volume I, 1973, págs. 481 a 489, Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, in Código Civil Anotado, volume I, 3.ª edição, 1982, págs. 473 a 475, Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, págs. 1035 a 1037 e Acção de impugnação de despedimento. Reforma. Indemnização de antiguidade, Questões Laborais, 2002, n.º 19, págs. 96 e segs., em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2001-05-16, João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 2009, págs. 398 a 400, Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 2005, págs. 973 a 975, Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 1999, pág. 159, Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2006, págs. 856 e 857 e Maria João M. Pinto de Matos, in Indemnização por Danos “Morais” na Responsabilidade Contratual Laboral, Prontuário da Legislação do Trabalho, Actualização n.º 41, de 16.09.92 a 31.12.92, págs. 19 a 20 verso. Cfr., na jurisprudência, para além dos citados nos AA. supra, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1998-12-02, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 482, págs. 123 a 128, de 2007-05-24, Processo 07A1187, de 2007-07-05, Processo 07S043, de 2009-03-04, Processo 08S3699, de 2009-03-12, Processo 08B2972, de 2009-04-23, Processo 292/04.6TBVNC.S1 e de 2009-05-19, Processo 298/06.0TBSJM.S1, estes in www.dgsi.pt. ________________ S U M Á R I O I – A utilização, pelo trabalhador, de um veículo automóvel do empregador, com todos os custos a cargo deste, tanto pode configurar um mero instrumento de trabalho, porque é usado durante e por causa da prestação laboral, como pode configurar uma parcela da retribuição do trabalhador, quando o empregador autoriza o trabalhador a usar o veículo irrestritamente, para além do horário normal de trabalho, maxime, em fins de semana, feriados e férias, como nos dias úteis, fora do horário de trabalho. II – Mostrando-se provado que o veículo foi atribuído para uso total, profissional e pessoal e que tal uso - total do veículo - constituíu um elemento esencial da contratação, sem o qual o trabalhador não se teria deixado contratar pelo empregador, aquele tem direito a que este lho (re)atribua, caso lho tenha retirado. III – No cálculo da retribuição correspondente ao valor da utilização pessoal do veiculo deve ter-se em conta a utilização efetuada para além do horário normal de trabalho, isto é, tanto nos fins de semana, feriados e férias, como nos dias úteis, fora do horário de trabalho. Manuel Joaquim Ferreira da Costa |