Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9520685
Nº Convencional: JTRP00015465
Relator: EMERICO SOARES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DECISÃO ARBITRAL
RECURSO
AVALIAÇÃO
PREPARO PARA DESPESAS
FALTA DE PREPARO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: RP199509269520685
Data do Acordão: 09/26/1995
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J MATOSINHOS 4J
Processo no Tribunal Recorrido: 147/94
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR ADM ECON - EXPRO UTIL PUBL.
DIR TRIB - DIR CUSTAS JUD.
Legislação Nacional: CEXP91 ART59 N2 N3.
CCJUD61 ART106 ART112 N1 N2.
CPC67 ART292 N1.
Sumário: I - Em processo de expropriação por utilidade pública, interposto recurso da decisão arbitral, a falta de pagamento, pelo recorrente, do preparo para despesas com a avaliação não tem como consequência a deserção desse recurso mas apenas a suspensão da instância até ao pagamento do referido preparo e correspondente sanção pecuniária, sem prejuízo de aquela deserção poder resultar da perduração da suspensão da instância por mais de um ano.
II - Pode, porém, o recorrido efectuar aquele preparo de modo a provocar o prosseguimento do recurso da decisão arbitral.
III - Trata-se de um caso omisso a que deve ser aplicado, por analogia, o disposto no artigo 112, n.2, do Código das Custas Judiciais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordamos Juizes da Secção Cível na Relação do Porto:
No Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos a Digna Delegada do Procurador da República, em representação da Expropriante, Junta Autónoma das Estradas, recorreu do despacho do Mmº Juiz, de fls 73, que julgou deserto o recurso que precedentemente havia interposto da decisão arbitral, por falta do pagamento pela Recorrente do preparo para despesas com a avaliação a realizar obrigatoriamente.
O Recurso interposto foi recebido como de agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, espécie, regime de subida e efeito que viriam a ser confirmados nesta Relação.
Alegando, apresentou a Agravante as seguintes conclusões:
1ª - O art. 292º, nº 1, do Cod. Proc. Civ. estipula que os recursos são julgados desertos pela falta de preparos ou de pagamento de custas nos termos legais;
2ª - Ora, o Código das Expropriações não estabelece essa sanção;
3ª - Nem o Código das Custas Judiciais que, no seu art. 112º, nº 1, al b), apenas impõe uma sanção pecuniária;
4ª - Pelo que o despacho recorrido deverá ser substituído por outro que mande aguardar os autos, até que o preparo para despesas seja efectuado, sem prejuízo de o recurso ser declarado deserto, se o mesmo ficar parado por mais de um ano.
O Expropriado contra-alegou defendendo o improvimento do agravo e a confirmação do despacho recorrido.
O Mmº Juiz manteve o seu despacho.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Sendo, como são, as conclusões da alegação do recorrente que, em princípio, delimitam o objecto do recurso - arts. 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, do Cod. Proc. Civ. - verifica-se, a partir das conclusões atrás transcritas, que a única questão que se levanta e que nos cumpre aqui resolver
é a que respeita a saber se a falta do pagamento pela Recorrente do preparo para despesas com a avaliação no processo de expropriação por utilidade pública determina a deserção do recurso ou, simplesmente, a suspensão da instância, à espera de que se faça o pagamento do preparo e da correspondente sanção pecuniária.
Colhem-se dos autos os seguintes factos que interessam à decisão:
- Em processo de expropriação por utilidade pública em que é expropriante a Junta Autónoma das Estradas e é expropriado José ....., incidindo a expropriação sobre uma parcela de terreno denominada Bouça de ......, de 6.800 metros quadrados, sita no lugar ......, freguesia de Custóias, Matosinhos, foi proferida decisão arbitral que fixou o valor da indemnização a pagar ao Expropriado em 30.600.000$00.
- Adjudicada à Expropriante a propriedade e a posse dessa parcela, veio a Expropriante interpôr recurso daquele acórdão arbitral, sustentando que a indemnização a atribuir ao Expropriado não deve ultrapassar os 6.800.000$00;
- O Expropriado, pelo contrário, defende dever ser negado provimento ao recurso e arbitrar-se-lhe a indemnização fixada pelos árbitros.
- Procedeu-se à nomeação de peritos, designando-se dia para a realização da avaliação e procedendo-se à notificação das partes nos termos do art. 61º, nº 1, do Cod. das Expropriações ( Dec. Lei nº 438/91, de 9 de Novembro ), e da Expropriante, ainda, para, até à data fixada para a realização da avaliação ( 10/03/95 ), depositar o preparo para despesas com a mesma.
- Esse preparo para despesas não o depositou a Recorrente pelo que, em 10/03/95, o Mmº Juiz proferiu, no « Auto de Início de Diligência da avaliação" ( fls. 71 ), o seguinte despacho : " Dado o não pagamento do preparo para despesas a cargo da recorrente, Junta Autónoma das Estradas, fica a presente diligência adiada " sine-die " :.
- Por requerimento de fls. 72, o Expropriado, alegando que não tendo a Expropriante efectuado o preparo para as despesas com a avaliação esta não podia ser realizada, veio requerer fossem realizadas as demais diligências instrutórias que fossem entendidas úteis e fosse ordenada a notificação prescrita no art. 63º do Cod. das Expropriações;
- Então, o Mmº Juiz, pelo seu despacho de fls. 73, fundamentando-se em que a avaliação é uma diligência instrutória a realizar obrigatoriamente, estando o pedido dessa realização implícito no requerimento de interposição do recurso, e em que o não pagamento do preparo para as respectivas despesas impossibilitava a realização dessa avaliação, julgou deserto o recurso ao abrigo do preceituado no art. 292º, nº 1 do Cod. Proc. Civ..
- É desse despacho que recorre a Expropriante.
Nos termos do art. 59º do Cod. das Expropriações vigente ( Dec. Lei nº 438/91, de 9 de Novembro ), findo o prazo para a apresentação da resposta, seguem-se, imediatamente as diligências instrutórias que o Juiz entenda úteis à boa decisão da causa. Mas dispõe o nº 2 do mesmo artigo que, entre as diligências instrutórias a realizar, tem obrigatoriamente lugar a avaliação, a que o juiz presidirá, preceituando o nº 3 ainda do mesmo artigo que " incumbe ao recorrente, e só a este, ainda que se trate de entidade isenta de custas, o encargo de efectuar o preparo para despesas com a avaliação e a inspecção judicial, se a esta houver lugar ".
A aqui Expropriante recorreu da decisão arbitral.
Mas, notificada, oportunamente, para efectuar os preparos calculados para as despesas com a avaliação, não levantou as respectivas guias emitidas e não pagou, assim, aqueles preparos.
Que consequências jurídicas atribuir a esse comportamento omissivo da Recorrente ? Eis a questão que nos cumpre aqui resolver.
O preparo em falta é, sem margem para dúvidas, um preparo para despesas. Nos termos do art. 106º do Cod. Cust. Jud., o preparo para despesas é efectuado a seguir ao despacho que designe data para a diligência ou acto a que respeita, imediatamente, ou no prazo de sete dias a contar da notificação do despacho. Ora, a Recorrente foi notificada em 24/02/95 do despacho que designou dia para a avaliação e para depositar esse preparo até ao dia 10/03/95 o que, como se disse, não fez.
Diz o nº 1 do art. 112º do Cod. das Cust. Jud. que a falta de preparos para despesas tem as seguintes consequências; a) Não se efectuar a diligência, se foi requerida, ou a reunião do tribunal colectivo, sem prejuízo da possibilidade de a parte contrária efectuar o pagamento para que a diligência ou a reunião se realizem; b) Não ser lícito à parte que não pagou oportunamente o preparo para despesas, efectuar o preparo para julgamento sem o pagamento de imposto de justiça igual ao dobro do preparo que não efectuou e nunca inferior ao dobro do preparo para o julgamento.
E dispõe o nº 2 do mesmo artigo: Se for obrigatória a intervenção do tribunal colectivo e este não puder reunir por falta do preparo, suspende-se a instância até que qualquer das partes faça o pagamento, sem prejuízo do disposto na lei processual quanto à deserção; no caso de ser facultativa a intervenção, a falta do preparo terá como efeito a realização do julgamento pelo juiz singular.
Constata-se, portanto, que a sanção legal para a falta de pagamento do preparo para despesas é a não realização da diligência respectiva ou então a sua realização mediante uma sanção pecuniária traduzida no pagamento do dobro da importância do preparo devido e nunca inferior ao dobro do preparo para o julgamento. Não prevê a lei que, por falta de pagamento desse preparo e por efeito directo dessa falta, o recurso deva ser julgado deserto.
É certo que o art. 292º, nº 1, do Cod. Proc. Civ. dispõe que os recursos são julgados desertos pela falta de preparo ou do pagamento de custas nos termos legais. Porém, o preparo a que esse normativo alude é o preparo pela interposição do recurso o qual não se identifica com um preparo para despesas mas antes com o preparo inicial, pois, como resulta do disposto no nº 1 do art. 97º do Cod. Cust. Jud., preparos iniciais são os que se verificam no início de qualquer processo ou parte do processo sujeita a tributação especial. Ora, o recurso é parte de um processo sujeita a tributação especial - vide art. 3º do Dec. Lei nº 49.213 que substituiu o art. 35º do Cod. Cust. Jud..
Mas dir-se-á: se, no recurso da decisão arbitral em processo de expropriação, a falta de pagamento do preparo para as despesas com a avaliação apenas tem por consequência uma sanção pecuniária, então fica inteiramente na dependência da vontade do Recorrente o dar ou não seguimento ao recurso, podendo protelar indefinidamente o conhecimento daquele recurso. Isto porque a avaliação é uma diligência obrigatória e o preparo é da responsabilidade do recorrente.
Pensamos, porém, que não terá de ser assim. O nº 2 do art. 112º do Cod. Cust. Jud. contém a solução para um caso perfeitamente análogo. Sendo obrigatória a intervenção do tribunal colectivo, se este não se puder reunir por falta do preparo, suspende-se a instância até que qualquer das partes faça o pagamento, sem prejuízo do disposto na lei processual quanto à deserção, ou seja, sem prejuízo da deserção do recurso, caso a suspensão, por esse motivo, venha a perdurar por mais de um ano.
Nada dizendo a lei quanto às consequências do não pagamento do preparo para despesas com a avaliação obrigatória, em processo de expropriação por utilidade pública, impõe-se o recurso a essa norma do nº 2 do art. 112º do Cod. Cust. Jud., por força do disposto no art.10º do Cod. Civil, cujo campo de aplicação se estende a todos os ramos de direito - Vide Man. de Proc. Civil, de A. Varela, J. M. Bezerra e S. e Nora, Pag. 44.
A falta de pagamento do referido preparo tem, assim, por consequência, a decretação da suspensão da instância.
Com isso, deparam-se-nos as seguintes possibilidades:
- ou o Recorrido tem urgência no prosseguimento do recurso da decisão arbitral e, então - mau grado incumbir ao Recorrente, e só a este, o encargo de efectuar o preparo ( art. 59º nº3 do Cod. das Expropriações ) - paga ele o preparo devido pela Recorrente, para impulsionar o prosseguimento dos termos do Recurso.
- Ou o Recorrido não tem essa urgência e, então, terá que aguardar o decurso do prazo de um ano para que o recurso possa ser julgado deserto nos termos do art. 292º nº 1 do Cod. Proc. Civ..
Assim sendo, como se nos afigura que deve ser, mal andou o Mmº Juiz " a quo " em julgar deserto o recurso, pois, salvo sempre o devido respeito por melhor opinião, o nº 1 do art. 292º do Cod. Proc. Civ., ao contrário do que afirma no despacho recorrido, não confere suporte a tal decisão.
Termos em que, no provimento do agravo, revoga-se o despacho recorrido, determinando-se que o Mmº. Juiz o substitua por outro que decrete a suspensão da instância até que o preparo em dívida se mostre pago, sem prejuízo do disposto no art. 292º nº 1 do Cod. Proc. Civ. quanto à deserção.
Custas pelo Recorrido.
Porto, 26 de Setembro de 1995
Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares
Eurico Augusto Ferreira de Seabra
Albino de Lemos Jorge