Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2460/07.0TBPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
NRAU
RESOLUÇÃO POR NÃO USO DO LOCADO
Nº do Documento: RP201009132460/07.OTBPVZ.P1
Data do Acordão: 09/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato foi celebrado em 03 de Janeiro de 1972, portanto em data anterior à entrada em vigor do novo regime do arrendamento e do regime previsto no DL 257/95 de 30/09.
II - Cumpre aplicar o novo regime jurídico do NRAU, já que os factos desenvolvem-se também ao abrigo da nova lei, mais propriamente o efeito resolutivo vem a ocorrer já na vigência da nova lei, uma vez que apenas o não uso por mais de um acto justifica a resolução do contrato de arrendamento, sem embargo dos demais requisitos que a lei impõe. Sobre tal matéria, não existem no NRAU normas transitórias que tutelem o direito invocado.
III - A lei passou a prever o dever de uso efectivo da coisa, conforme resulta do disposto no artº 1072°/1 CC, ultrapassando desta forma as interpretações sobre o fim ou causa da resolução, que se suscitavam ao abrigo da interpretação do art. 64°/h) do RAU.
IV - O local arrendado está a ser utilizado pelo inquilino, mas não em conformidade com o fim do contrato, o que equivale a dizer que o arrendatário não procede ao uso efectivo do local arrendado, circunstância que ocorre há mais de um ano.
Verifica-se uma situação de incumprimento do contrato, por não uso efectivo do espaço, por facto imputável ao inquilino, não sendo exigível ao senhorio a manutenção do contrato, o que justifica a sua cessação, por resolução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Desp-NUsoCom-2460-07.0TBPVZ.P1-190-10TRP
Trib Jud Póvoa de Varzim – .ºJCv
Proc. 2460-07.0 TBPVZ
Proc. 190-10 -TRP
Recorrente: B………. e outros
Recorrido: C………
Relator: Ana Paula Pereira Amorim
Adjuntos: José Alfredo Vasconcelos Soares Oliveira
António Mendes Coelho
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Na presente acção que segue a forma de processo sumário em que figuram como:
- AUTORES: B……… e marido D………., residentes na Rua ………., …, .º andar, Porto;
E………. residente na ………., …, .º Esq., Póvoa de Varzim;
F………. residente na Rua ………., nº …, r/ch dtº, traseiras, Vila do Conde; e
- RÉ: C………. residente na Rua ………., nº .. – ………., ….-… Póvoa de Varzim
pedem os Autores:
- que se decrete a resolução imediata do contrato de arrendamento celebrado em 03 de Janeiro de 1972; e
- a condenação da Ré a despejar de imediato o local arrendado, entregando-o às Autoras livre e devoluto de pessoas e bens.
Alegam para o efeito e em síntese que as Autoras são donas e legítimas proprietárias em comum e sem determinação de parte ou direito de um prédio urbano, sito na Rua ………., nº .., na cidade da Póvoa de Varzim.
Por contrato de arrendamento celebrado por escritura pública em 03 de Janeiro de 1972 na secretaria notarial da Póvoa de Varzim os então proprietários do prédio cederam o uso do rés-do-chão do prédio a G………., residente na Rua ………., Póvoa de Varzim, mediante o pagamento de uma contraprestação, por parte do arrendatário, da renda anual de Esc.: 15.600$00, a pagar em prestações mensais de Esc.: 1.300,00, na residência dos senhorios e no primeiro dia do mês a que respeitasse a prestação.
Mais referem que foi convencionado entre as partes o prazo de vigência de um ano, com início em 01 de Janeiro de 1972, destinando-se o local arrendado ao comércio de ceras, papelaria, solas e cabedais.
Através de trespasse celebrado por escritura pública em 27.09.1978 a Ré passou a ocupar o local arrendado.
Por efeito de sucessivas actualizações, a renda actual ascende ao montante mensal de € 174,60.
Alegam, ainda, que a Ré não faz qualquer utilização do locado há mais de dois anos, pois o espaço encontra-se encerrado todos os dias úteis da semana, de forma consecutiva e ininterrupta, não sendo recebidos, nem atendidos clientes e não existindo artigos expostos na montra, bem como, no interior da loja
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Citada a Ré contestou defendendo-se por impugnação.
Alega, em síntese, que decorre dos termos do contrato que o local arrendado podia ser utilizado para qualquer ramo do comércio, com excepção do comércio de mercearia de vinhos e de produtos tóxicos ou explosivos ou de quaisquer outros que ponham em perigo a salubridade e segurança do prédio.
Mais refere que há mais de 10 anos e com conhecimento das Autoras que a Ré não efectua venda ao público no arrendado, tendo assim alterado a utilização dada ao mesmo, mas de acordo com o objecto do contrato de arrendamento. A Ré adquiriu uma loja na Rua ………. e desde então toda a venda a público da sua actividade comercial processa-se no estabelecimento comercial propriedade da Ré.
A partir dessa data o local arrendado passou a funcionar como local de exposição de mobiliário de bebé e de armazém de mercadorias do estabelecimento comercial da Rua ………..
Mais alega que há cerca de 4-5 anos a Ré deixou de fazer exposição do referido mobiliário no locado e desde então o local tem sido usado para guardar as mercadorias que são vendidas na Rua ………., nomeadamente as colecções e restos de colecção, artigos que não foram vendidos na estação, stocks de início de estação antes de exposição.
Refere, ainda, que a Ré mantém o uso efectivo do local para a guarda de mercadorias e em complemento da loja da Rua ………., motivo pelo qual não se verifica o fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.
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Na resposta à contestação os Autores declararam aceitar a confissão da Ré no sentido de há mais de dez anos não efectuar a venda ao público no local arrendado, tendo alterado a utilização dada ao mesmo e que adquiriu uma loja na Rua ………. onde exerce a sua actividade.
Os Autores impugnam a restante matéria alegada, porque a partir do momento em que a Ré transferiu o seu estabelecimento para outro local deixou de usar o espaço arrendado, nomeadamente para depósito de mercadoria.
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Elaborou-se o despacho saneador e dispensou-se a selecção da matéria de facto, ao abrigo do art. 787º CPC.
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Realizou-se o julgamento com gravação da prova.
O despacho que contém as respostas à matéria de facto consta de fls. 105 a 108.
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Proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré C………. do pedido formulado pelos Autores B………., D………., este representado pelos seus herdeiros habilitados nos autos, E………., F………..
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Os Autores vieram interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentaram os Autores-recorrentes formularam as seguintes conclusões:
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Concluem os Autores por pedir a revogação da sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue plenamente procedente, por provada a acção e condene a recorrida nos pedidos formulados.
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A Ré veio apresentar contra-alegações nas quais formula as seguintes conclusões:
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Por fim considera que o recurso deve improceder.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso –art. 660º/2, 684º/3, 690º/1 CPC.
As questões a decidir consistem em saber:
- do regime jurídico a aplicar, face à sucessão de leis no tempo;
- se os factos apurados permitem decretar a resolução do contrato de arrendamento, com fundamento no não uso do local arrendado.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
- a) As autoras são donas e legítimas proprietárias, em comum e sem determinação de parte ou direito, de um prédio urbano sito na Rua ………., n.º .., na Póvoa de Varzim, inscrito na matriz urbana respectiva, sob o artigo 2087 e descrito na conservatória do registo predial da Póvoa de Varzim, sob o n.º 4616, no livro B 12, onde se acha registado a seu favor, pelas inscrições G-5, G-6, G-7, G-9, nos termos que constam do documento junto a fls. 3 a 6 dos autos e que aqui se dá por reproduzido (art. 1º da petição inicial);
- b) Por escritura celebrada a 3 de Janeiro de 1972, na secretaria notarial da Póvoa de Varzim, pelos então proprietários H………. e I………., residentes na Rua ………., na Póvoa de Varzim, foi dado de arrendamento o rés do chão do prédio urbano identificado em a) a G………., casado e residente na Rua ………., na Póvoa de Varzim (art. 2º da petição inicial);
- c) No acordo aludido em b) foi convencionado o prazo de vigência de um ano, com início em 1 de Janeiro de 1972 (art. 3º da petição inicial);
- d) O local arrendado destinava-se ao comércio de ceras, papelaria, solas e cabedais (art. 4º da petição inicial);
- e) A contraprestação a pagar, por parte do arrendatário, era a renda anual de
15.600$00, a pagar em prestações mensais de 1.300$00, na residência dos senhorios, no 1.º dia do mês a que respeitasse cada prestação, nos termos que constam do documento junto a fls. 11 a 15 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (art. 5º da petição inicial);
- f) Por sucessivas transmissões do estabelecimento que o referido arrendatário originário instalou no arrendado, operadas através de trespasses do mesmo, a fruição do arrendado veio a pertencer à aqui ré, que adquiriu esse estabelecimento a J………. e K………., por escritura de 27-09-1978, celebrada no 2.º cartório da secretaria notarial de Vila do Conde, nos termos que constam do documento junto a fls. 16 a 19 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido (art. 6º da petição inicial);
- g ) A ré encontra-se desde a data referida em f), e pela via ali prevista, na qualidade de arrendatária do rés do chão do supra identificado prédio (art. 7º da petição inicial);
- h) Fruto das sucessivas actualizações ao longo do tempo, a renda actualmente paga é do montante mensal de € 174,60 (art. 8º da petição inicial);
- i) Há mais de 2 anos e durante todos os dias da semana, de forma consecutiva e ininterrupta, que no locado não são recebidos nem atendidos quaisquer clientes, nem existem quaisquer artigos expostos na montra (art. 9º, 10º, 11º, 12º da petição inicial);
- j) Durante o período referido em i), e para além do que aí consta, o locado evidenciava falta de limpeza (art. 13º da petição inicial);
- k) Durante o período referido em i) não foi exercida no locado, nomeadamente, a actividade comercial tendo por objecto ceras, material de papelaria, solas e cabedal (art. 14º da petição inicial);
- l) Para além do que consta em d), no documento aludido em e), na cláusula terceira, consta que “o arrendatário poderá explorar nas divisões indicadas o comércio de ceras, papelaria, solas e cabedais ou qualquer outro ramo de comércio, com excepção do comércio de mercearia e vinhos e de produtos tóxicos ou explosivos ou de quaisquer outros que ponham em perigo a salubridade e segurança do prédio” (art. 2º, 3º, 4º, 6º da Contestação);
- m) Há mais de 10 anos que a ré não efectua venda ao público no locado (art. 5º da contestação);
- n) Há cerca de 10 anos a ré adquiriu uma loja na Rua ………., e desde então toda a venda a público da sua actividade comercial se processa no estabelecimento comercial propriedade da ré na Rua ………. (art. 7º da contestação);
- o) Nos primeiros tempos após a cessação das vendas no locado, este passou a funcionar como local de exposição de artigos de bebé e de armazenagem de mercadorias do estabelecimento referido em n) (art. 8º da contestação);
- p) Há cerca de 4/5 anos, a ré deixou de fazer exposição dos artigos referidos em o), mantendo no locado apenas alguns caixotes de artigos que ali guarda porque não foram vendidos oportunamente na loja referida em n), nomeadamente colecções ou restos de colecção (art. 9º, 10º, 11º da contestação).
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3. O direito
A apelante não impugna a matéria de facto, pois não questiona a relação dos factos dada como assente na primeira instância.
Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não vê razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC).
Impõe-se, por isso, passar à apreciação das questões suscitadas nas conclusões da apelação.
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- Do regime jurídico –
O NRAU – Lei 06/2006 de 27/02 – entrou em vigor em 27 de Junho de 2006.
O art. 59º/1 do citado diploma, sob a epígrafe “Aplicação no Tempo”, passou a dispor:
“O novo regime do arrendamento urbano aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como ás relações contratuais constituídas que subsistam dessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.”
O nº3 do mesmo preceito prevê:
“As normas supletivas contidas no novo regime do arrendamento urbano só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável.”
O art. 60º determina, ainda:
“É revogado o Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL 321-B/90 de 15/10, com todas as alterações subsequentes, salvo nas matérias a que se referem os artigos 26º e 28º da presente lei.”
A nova lei estabeleceu um conjunto de normas transitórias considerando o facto da existência de contratos celebrados ao abrigo do RAU e celebrados antes da entrada em vigor do RAU.
Maria Olinda Garcia refere a este respeito, que para proceder à exacta delimitação do regime aplicável aos arrendamentos vigentes à data da entrada em vigor do novo regime deverá atender-se à distinção feita pelo nº2 do art. 12º do Código Civil. Refere, ainda, que: “… as normas da nova lei que dispõem sobre condições de validade substancial ou formal do arrendamento não devem ter aplicação retroactiva, continuando, portanto, essa matéria a ser disciplinada pela lei vigente à data da celebração do contrato. Pelo contrário, as normas que dispõem directamente sobre o conteúdo da relação de arrendamento abrangem as relações já constituídas, tendo, portanto, aplicação imediata.” (A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, pag. 51).
A propósito desta matéria Cunha de Sá e Leonor Coutinho referem que:
“Os arrendamentos urbanos de pretérito que subsistam à data da entrada em vigor do NRAU são por ele abrangidos, nos termos estabelecidos pelos art. 59º/1 e 26º e seguintes, epigrafados “normas transitórias”.
Uma vez que o arrendamento se traduz numa situação duradoura, o NRAU respeita o passado decorrido sob a égide da lei antiga e para o futuro abrange na sua disciplina, em termos específicos, os efeitos que se vierem a produzir após a sua entrada em vigor.”
Esses termos específicos são estabelecidos pelo NRAU tendo em atenção a espécie do contrato e a data da sua celebração.” (Arrendamento 2006- Nova Lei, pag. 61-62).
Concretizando esta posição e em anotação ao art. 59º do NRAU os citados autores referem:
“Conjugando todos os preceitos do NRAU que se relacionam com a sucessão das leis durante a vigência dos arrendamentos urbanos, para fins habitacionais e não habitacionais, que subsistam à data da entrada em vigor do NRAU, temos o seguinte quadro:
- é a lei em vigor ao tempo da conclusão do contrato que regula as condições da validade substancial e o potencial dos seus efeitos;
- quanto aos efeitos jurídicos do contrato que se traduzem em situações duradouras, respeitam-se os efeitos já produzidos sob o domínio da lei antiga e os efeitos futuros passam a reger-se:
> pelos preceitos imperativos do NRAU;
> pelos preceitos supletivos do NRAU, mas apenas quando não forem de sentido oposto ao de norma supletiva da lei vigente ao tempo da celebração do contrato, caso em que é esta a norma aplicável;
> pelos preceitos resultantes das normas transitórias do NRAU (artigos 26º a 58º, 59º/2), a saber:
(…) contratos sem duração limitada
- transmissão por morte do arrendatário – contrato para habitação: art. 26º/2, 28º e 57ºdo NRAU; (…)
- denúncia pelo senhorio – arrendamentos para habitação:
> art. 26º/4/5, art. 28º do NRAU;
> art. 1101º a 1104º do CC;
> art. 107º do RAU” .(ob. cit., pag. 111).
No caso concreto, o contrato foi celebrado em 03 de Janeiro de 1972, portanto em data anterior à entrada em vigor do novo regime do arrendamento e do regime previsto no DL 257/95 de 30/09. Contudo, os factos imputados ao inquilino, a título de incumprimento do contrato ocorrem pelo menos a partir de 2005 (em conformidade com a alegação do Autor) e desenvolvem-se também ao abrigo da nova lei.
Cumpre aplicar o novo regime jurídico, já que os factos desenvolvem-se também ao abrigo da nova lei, mais propriamente o efeito resolutivo vem a ocorrer já na vigência da nova lei, uma vez que apenas o não uso por mais de um acto justifica a resolução do contrato de arrendamento, sem embargo dos demais requisitos que lei impõe. Sobre tal matéria, não existem no NRAU normas transitórias que tutelem o direito invocado (art. 26º, 27º - da indemnização por benfeitorias, da actualização de rendas e da transmissão do arrendamento).
A respeito da aplicação no tempo da nova lei, podem ler-se entre outros:
- Ac. Rel. Lisboa 09.12.2008 (Proc. 8726/2008.6 – www.dgsi.pt)

“No caso vertente, o facto que constitui fundamento de resolução – não utilização do locado por mais de um ano – iniciou-se no âmbito do RAU, mas é já em plena vigência da lei nova que o fundamento de resolução se radica na esfera do senhorio.
Por essa razão, entendemos que não se aplica a 2ª parte do nº 1 do artigo 12º CC, invocado pela Mmª Juiz a quo.
Com efeito, este artigo estabelece que, mesmo que seja atribuída eficácia retroactiva à lei, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos, quando é certo que não há no caso dos autos efeitos produzidos a salvaguardar.
A este propósito, escreve Pinto Furtado, Manual de Arrendamento Urbano, Almedina, vol. II, 4ª edição, pg. 1014:
«No tocante aos fundamentos de resolução, mesmo quanto aos velhos arrendamentos vinculísticos, é aplicável a lei nova às relações contratuais que subsistam, sem prejuízo das normas transitórias constantes dos art.s 26 e 27 (citado art. 59-1).
Importa neste caso, distinguir os fundamentos resolutivos ocorridos e completados na vigência da lei anterior, que continuarão a ser regidos por ela, dos que, mesmo iniciados durante esse âmbito de aplicação, se prolonguem para o império da lei nova, sem que tenha o senhorio, por ex., até aí suscitado a resolução do contrato, hipótese que já terá de submeter-se ao disposto no artigo 1083 CC, apesar do facto resolutivo vir de trás.
Valerá aqui também, sem margem para dúvidas importantes, o dispositivo do artigo 12-2 CC, no passo em que determina que, quando a lei dispõe sobre os seus efeitos, “entende-se em caso de dúvida que só visa factos novos”»

- Ac Rel. Lisboa 23.06.2009 (Proc. 104/2008-7)

“Da mesma forma, atento o disposto no art. 12º, nº2, do CC, no que toca aos fundamentos de resolução, há que distinguir: os fundamentos resolutivos ocorridos e completados no domínio de vigência da lei anterior continuarão a ser regidos por ela; os fundamentos resolutivos, iniciados durante a vigência da lei anterior e que se prolonguem para o império da lei nova – sem que o senhorio tenha até então suscitado a resolução do contrato – submetem-se ao disposto no art. 1083º, do NRAU, apesar de o facto resolutivo vir de trás[2].
É precisamente nesta última hipótese que se enquadra o caso dos autos (como refere o apelante, o facto de a ré manter encerrado o locado é um facto continuado, que ainda não cessou).”

Ac. Rel. Coimbra 17.02.2009 (Proc. 2917/07.2 TBAVR.C1)

“Acontece que, perante o facto provado em 4, a escritura pública relativa ao arrendamento dos autos teve lugar em 03.04.1972. Portanto, necessariamente muitos anos antes da entrada em vigor do RAU aprovado pelo DL nº 321-B/90. Assim, ao contrato sub judice não é directamente aplicável o disposto no art.º 26 do NRAU – doravante assim designado o Regime decorrente da Lei nº 6/2006 de 27/02. Nem sequer o disposto nos art.ºs 27 e seguintes deste mesmo NRAU, uma vez que o capítulo que aí aparece regulamentado diz exclusivamente respeito a aspectos parcelares devidamente discriminados (da indemnização por benfeitorias, da actualização de rendas e da transmissão do arrendamento).
A norma final que aqui deve intervir, isto é, aquela que regula as relações constituídas ou praticadas no domínio de leis anteriores, que se prolongam e subsistem com a vigência do NRAU, é a do respectivo art.º 59, 1, cujo teor dispositivo é o seguinte:
“O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias".
O novo regime afastou expressamente a regra de que a lei nova não regula as novas causas de resolução eventualmente verificadas na respectiva vigência Como adverte Batista Machado, in Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, 1968, p. 117, "É ainda à lei do contrato que compete determinar as causas de resolução do mesmo. Não é de aceitar o ponto de vista de LASSALLE, segundo o qual as novas causas de resolução introduzidas pela LN se podem aplicar aos contratos preexistentes, desde que a causa de resolução seja um facto ocorrido depois da entrada em vigor da LN que podia ser evitado, ou ocorreu até, por vontade daquele contra quem a resolução pode ser pedida"..
Por força do seu art.º 65, nº 2, o NRAU entrou em vigor – salvo quanto aos art.ºs 63 e 64 – 120 dias após a respectiva publicação, ou seja, em 29/06/2006.
Entretanto, a factualidade hipoteticamente integradora dos fundamentos resolutivos invocados na vertente acção percorre os anos de 2006, 2007 e 2008, o que significa que é transversal ao anterior RAU do DL 321-B/90 e ao actual NRAU.
Importa que se note que, no que concerne às causas de resolução agora em apreço, o DL 321-B/90 não divergiu substancialmente dos requisitos previsto no Código Civil. Com efeito, as redacções das alíneas b) e h) do art.º 64 daquele identificavam-se com as das alíneas b) e h) do art.º 1093 deste Código No que toca à alínea h) do art.º 64 do RAU foi eliminado o advérbio consecutivamente apenas para pôr termo a dúvidas sobre o preceito anterior..
Com o art.º 3º do NRAU foram repostos os art.ºs 1064 a 1113 do C.Civil, com nova redacção, aí se incluindo o novo art.º 1083, que visou disciplinar os fundamentos de resolução do contrato de locação.
Nos termos do nº 2 deste artigo "É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio:
(...)
c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina;
d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.° 2 do artigo 1072.°" (...).
No nº 1 do art.º 64 do RAU prescrevia-se:
"O senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário:
(...)
b) Usar ou consentir que outrem use o prédio arrendado para fim ou ramo de negócio diverso laqueie ou daqueles a que se destina;
h) Conservar encerrado, por mais de um ano, o prédio arrendado para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, salvo caso de força maior ou ausência forcada do arrendatário, que não se prolongue por mais de dois anos; (...).
Apesar das diferenças de redacção das alíneas em questão, afigura-se-nos que as exigências estabelecidas em ambos os regimes – o actual e o que o precedeu – coincidem essencialmente, com ressalva do requisito geral do nº 2 do novo art.º 1083, sobre o incumprimento que pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento. Todavia, esta suposta novidade vem a revelar-se mais aparente do que real, uma vez que os casos de resolução descritos nas alíneas a) a e), pela gravidade ou consequências que sempre lhes estarão associadas, não deixarão de, por si sós, tornar inexigível para o senhorio a manutenção do arrendamento A originalidade da norma reside antes na introdução de uma causa geral de resolução, com os pressupostos definidos pelo nº 2, sendo as situações tipificadas nas diversas alíneas deste número mera exemplificação (v. o advérbio designadamente)..”

A resolução do contrato rege-se, assim, no caso concreto pelo regime previsto no art. 1083º CC, na redacção da Lei 6/2006 de 26/02.
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- Da resolução do contrato, com fundamento no não uso do local arrendado-
Em sede de recurso não se questiona a qualificação do contrato em análise, como contrato de arrendamento comercial e face aos elementos que constam dos autos e matéria apurada, não se justifica a reapreciação, nesta parte, da sentença recorrida, que não merece censura.
Considerando, assim, que entre as partes foi celebrado um contrato de arrendamento comercial, cumpre apurar se estão reunidos os requisitos para decretar a resolução do contrato, com fundamento no “ não uso do locado, por mais de um ano, salvo nos casos previstos no nº2 do art. 1072º CC “, ao abrigo do art. 1083º/1/2 d) CC, na redacção da Lei 6/2006 de 26/02.
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Na sentença recorrida argumentou-se que pelo facto de não se exercer no local arrendado o comércio de ceras, papelaria, solas e cabedais, previsto como objecto do contrato, mas utilizar o arrendatário o local para depósito de restos de colecção de artigos do estabelecimento comercial sito na Rua ………., não justifica a resolução do contrato com fundamento no “não uso”, na medida em que se continua a utilizar o arrendado, com carácter acessório da actividade desenvolvida na outra loja, para fim contemplado no contrato – qualquer “outro ramo do comércio”.
Os recorrentes entendem que a interpretação seguida na sentença não está conforme com o fim e espírito da lei, pois nomeadamente no local arrendado não existe desde há 4 – 5 anos qualquer vestígio da prática de actos de comércio pela ré.
A ré-recorrida defende que a actividade exercida no local arrendado sendo complementar da actividade exercida na loja sita na Rua ………. integra o exercício do comércio, sendo uma actividade prevista e consentida pelas partes aquando da celebração do contrato de arrendamento.
Refere, ainda, que a guarda de mercadorias para venda na loja da Rua ………. porque intimamente ligada com a actividade comercial da recorrida é uma actividade comercial, sendo comercial o arrendamento e a utilização do estabelecimento.
Analisando.
Ao abrigo do anterior regime do arrendamento, a respeito do fundamento de resolução previsto no art. 64º/2 h) do DL 321-B/90 de 15/10, defendia-se que para se concluir pelo encerramento seria de atender a todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente a natureza do local arrendado, o fim do arrendamento, o grau de redução da actividade, as causas e mesmo o seu carácter temporário ou definitivo.
Não seria de falar em encerramento do prédio no caso de simples diminuição, mesmo acentuada, das operações próprias do arrendamento e nele anteriormente exercidas, em particular quando isso estiver justificado, a não ser que essa redução seja de tal ordem que se deva, razoavelmente, equiparar a efectiva paralisação. A utilização esporádica já caracterizava a situação de encerramento do estabelecimento. (Aragão Seia “Arrendamento Urbano”, ed. 1995, pag.294).
A este propósito Pinto Furtado referia, ainda, que: “Deve (...) considerar-se encerrado o prédio arrendado cujas portas se mantêm fechadas (encerradas) aos clientes, continuada ou permanentemente, e que, por conseguinte, não só não é aplicado à actividade contratada, como o não é a qualquer outra (...), mantendo-se inactivo, isto é, fechado a qualquer actividade .”
“Fechado continuamente a qualquer actividade “ou” desactivado “constituía a essência do conceito de encerramento” (“Manual do Arrendamento Urbano”, ed. 1996, pag. 672).
Desta forma, não relevavam meras utilizações ou aberturas esporádicas, que não descaracterizam o estado de inactividade em que o prédio é mantido, o que justificou a eliminação do preceito do advérbio “consecutivamente”, que figurou nas formulações anteriores.
A previsão da alínea – art. 64º /h) do RAU - tinha por fim evitar a desvalorização do arrendado, pela consequente degradação motivada pelo encerramento do local, e lançar no mercado locativo todos os espaços susceptíveis de ocupação por terceiros (Aragão Seia, ob. cit., pag. 294 e Pais de Sousa “Regime do Arrendamento Urbano”, ed. 2001, pag. 214).
Defendia-se de igual forma, que o fundamento da resolução previsto nesta alínea não caracteriza a violação de um dever decorrente do contrato de arrendamento pois o arrendatário não se obriga a ter o prédio aberto.
Contudo, Aragão Seia, salientava ainda que: “a análise da questão não pode prescindir da consideração de o locatário ser titular de um direito de gozo da coisa locada que não consubstancia, na sua caracterização, um dever de uso. Isto não significa que o caso dos “arrendamentos vinculísticos” não mereça ou não deva ter um tratamento “a se” sempre que o arrendatário não usa a coisa locada. Mas a verdade é que esse tratamento já existe: ele resulta da al. h), que fixa uma justa causa de resolução que funciona independentemente de o encerramento do prédio ser imputável ou não ao arrendatário.” (ob. cit., pag. 296-297).
Fazendo aplicação deste entendimento decidiu-se:
- Ac. Rel. Porto 17.12.2008 (Proc. 0825759)

- “1) O fundamento de resolução do contrato de arrendamento para fins comerciais previsto na al. h) do n.º 1 do art. 64.º do RAU tem em vista alcançar três finalidades:
- A primeira é a de sancionar o locatário por não utilizar o arrendado, o que pressupõe que não precisa dele mas, querendo aproveitar da vantagem de pagar renda muito baixa, insiste em mantê-lo na sua disponibilidade.
- A segunda é a de proteger o interesse do locador, enquanto proprietário do prédio, o qual, com o encerramento prolongado do locado, não só continua onerado com a baixa renda praticada e impedido de fazer a sua actualização para os valores normais do mercado, como ainda sofre o prejuízo acrescido da desvalorização do imóvel decorrente da degradação causada pelo encerramento.
- A terceira é a de promover o interesse da comunidade em geral, no que toca ao correcto funcionamento das regras da livre concorrência no mercado de arrendamento para fins comerciais e ao correcto aproveitamento económico dos espaços destinados ao funcionamento do comércio.
2) Neste contexto, ocorre fundamento para a resolução do contrato de arrendamento para fins comerciais nos termos da al. h) do n.º 1 do art. 64.º do RAU se o estabelecimento instalado no locado mantém as suas portas fechadas, ou só esporadicamente abertas mas sem qualquer actividade, consecutivamente durante mais de um ano.”
Ac. Rel. Porto 23.09.2008 (Proc. 0823625)

“Ao suprimir a expressão “consecutivamente” o legislador enfatizou o entendimento que nos contratos de arrendamento é obrigação essencial do locatário a utilização do locado.
Não bastando que ele o utilize esporádica ou intermitentemente, ou, inclusive, com uma diminuição de tal modo intensiva ou extensiva, que não justifique, em termos económicos e numa perspectiva de consideração do locado como factor de produção, a manutenção do contrato de arrendamento, o qual, assim, se transformaria num travão ao desenvolvimento do tráfego jurídico comercial, quando, na realidade, com tal negócio jurídico, se pretende o efeito contrário.
Por outras palavras, o presente fundamento de despejo tem em vista a reprovação da atitude do inquilino que quer o direito ao arrendamento, mas não utiliza o prédio e, além disso, tutelar o interesse do próprio senhorio em evitar a desvalorização comercial do locado e proteger o interesse geral de aproveitamento das utilidades dos bens no mercado comercial.”

O actual regime - art. 1083º/1 do CC, na redacção da Lei 6/2006 de 27/02 -, a respeito da resolução do contrato de arrendamento determina que:

“1. Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte. “

Contudo, conforme resulta da disciplina consagrada no 2º d) do aludido preceito, o incumprimento do contrato apenas constitui fundamento de resolução:

“… o incumprimento que pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento designadamente, quanto à resolução pelo senhorio…”

Na interpretação do preceito Fernando de Gravato Morais salienta que: “não se mostra suficiente o incumprimento de não escassa importância, previsto no art. 801º CC”, como de igual forma, em analogia com o contrato de agência “a especial importância do incumprimento, quer pela sua gravidade (em função da própria natureza da infracção, das circunstâncias de que se rodeia ou da perda de confiança que justificadamente cria na contraparte), quer pelas suas consequências, sendo essencial que, por via disso, não seja de exigir à outra parte a subsistência do vínculo contratual” (“Novo Regime do Arrendamento Comercial”, 209)

Contempla, o art. 1083º/2 CC as várias causas de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio, entre as quais:

“d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no nº2 do art. 1072º CC”.

A resolução do contrato de arrendamento com fundamento no art. 1083º/1/2/ d) CC pressupõe a verificação das seguintes circunstâncias:
- que o prédio tenha sido arrendado;
- que o incumprimento imputável ao arrendatário, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento;
- que esteja encerrado por mais de um ano;
- que o encerramento não seja devido a caso de força maior ou doença, ausência forçada do arrendatário e, se o for, que estas se prolonguem por mais de dois anos, ou se a utilização for mantida por quem, tendo direito a usar o locado, o fizesse há mais de um ano.

Ao abrigo do actual regime como refere Maria Olinda Garcia, " merece particular atenção o alcance da cláusula geral constante do nº2 do art. 1083º (…) Assim se por um lado, qualquer tipo de incumprimento (não expressamente referido nas suas alíneas) pode fundamentar a resolução, desde que pela sua gravidade ou consequências torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento; por outro lado, todos os fundamentos tipificados nessas alíneas terão de preencher essa clausula, ou seja, terão de atingir um nível de gravidade e gerar consequências tais que não seja razoavelmente exigível àquele senhorio (de um ponto de vista objectivo) a manutenção do contrato com aquele arrendatário)." (A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, 2ª ed., pag. 25)

Na jurisprudência pronunciaram-se, no mesmo sentido e considerando o citado fundamento de resolução:
- Ac. Rel. Lisboa de 09.12.2008 (Proc. 8726/2008.6), no qual se decidiu:

“Aparentemente, o legislador pretendeu eregir estes factos típicos em verdadeiros fundamentos de resolução, tanto mais que as situações elencadas revestem normalmente particular gravidade em termos de violação contratual (neste sentido, Pinto Furtado, op. cit., pgs. 1001-2).
No entanto, existindo uma cláusula geral, afigura-se mais curial entender estas situações como meras presunções ilidíveis, sempre sujeitas ao juízo valorativo da inexigibilidade, sob pena de o legislador ter consagrado uma solução híbrida.
Fosse essa a sua intenção, e melhor seria ter dito que as situações elencadas no nº 2 do artigo 1083º CC constituem fundamento de resolução (numa formulação semelhante à do artigo 64º RAU), e acrescentar que constitui ainda fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do contrato de arrendamento.
No sentido de que os elementos assinalados nas alíneas do nº 2 do artigo 1083º CC devem ser complementados com o conceito indeterminado de inexigibilidade, se pronunciou Gravato de Morais, Novo Regime do Arrendamento Comercial, Almedina, 2ª edição, pg. 209.
Assim, existirá fundamento de resolução do contrato de arrendamento, nos termos do artigo 1038º, nº 2, alínea d), CC, se o arrendatário não usar o locado por mais de um ano, desde esse incumprimento, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento.”

A lei passou a prever o dever de uso efectivo da coisa, conforme resulta do art. 1072º/1 CC, ultrapassando desta forma as interpretações sobre o fim ou causa da resolução, que se suscitavam ao abrigo da interpretação do art. 64º/h) do RAU.
Com efeito, determina o art. 1072º/1 CC que:

“O arrendatário deve usar efectivamente a coisa para o fim contratado, não deixando de a utilizar por mais de um ano.”

A norma regula assim a “utilização efectiva do prédio”, de acordo com os específicos termos definidos no contrato quanto ao seu fim.
A respeito da interpretação do preceito Gravato Morais refere que: “este dever assume particular saliência para o arrendatário mercantil por duas razões. Tendo em conta que se encontra instalado no locado um estabelecimento comercial, pretende-se que seja dada uma utilização efectiva ao mesmo. Acresce que como o contrato normalmente prevê uma específica destinação – e não apenas uma genérica finalidade – o dever em causa torna-se mais estreito.” (ob. cit., pag. 172)
A não utilização do imóvel implica desvalorização do mesmo, pelo que é compreensível que a lei imponha a obrigação de o utilizar.
No sentido de interpretar e integrar o conceito normativo de “não uso para o fim previsto no contrato”, a jurisprudência tem desenvolvido alguns critérios complementares, mostrando-se significativas entre outras as seguintes decisões:
- Ac Rel. Lisboa 09.12.2008 (Proc. 8726/2008.6)

“O conceito de não uso é um conceito normativo, e não meramente naturalístico, pelo que para apurar o seu alcance importa ter em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente a natureza do local arrendado, o fim do próprio arrendamento, o grau de redução de actividade, a respectiva origem e inerente justificação, bem como o seu carácter temporário ou definitivo, como refere o acórdão da Relação de Lisboa supra citado.”

- Ac. Rel Lisboa 12.11.2009 (Proc. 49/08.5TBOER.L1-8):

“2. O arrendatário comercial pode desenvolver no locado as actividades que normal e logicamente se prendem com a actividade principal pela qual contratou, desde que elas não venham a implicar um verdadeiro desvio do objecto contratual.
3. Assim, tem vindo a ser entendido que não há fundamento para a resolução desde que as circunstâncias permitam inferir, à luz da razoabilidade e da boa fé, que o locador, autorizando expressamente a exploração no prédio arrendado de um determinado ramo de negócio, podia e devia contar com o exercício adicional de uma outra actividade, devendo, por isso, entender-se que a autorizou também, embora de modo implícito.
4. O arrendamento para determinado ramo compreende as actividades acessórias, porventura complementares, desse ramo, não havendo, neste caso, aplicação do prédio "a ramo de comércio ou indústria diverso do convencionado" - nesse caso estarão incluídas quer as actividades ligadas por uma relação de instrumentalidade necessária (ou quase necessária) – pelo que será lícita a prática de uma actividade que se mostre indispensável ou de todo o ponto conveniente" ao exercício de negócio literalmente permitido – quer as actividades que, segundo os usos comuns, acompanham a exploração de dada modalidade de comércio ou de indústria.
5. Porém, quando o novo negócio aberto no locado extravasar os limites do primeiro, não sendo acessório, conexo ou subsidiário deste, há lugar ao fundamento do despejo.
6. Quando ao fim ou ramo de negócio estipulado o arrendatário aditar outro, embora sem abandonar aquele, e não sendo o acrescido, sequer, acessório ou subsidiário do especificamente previsto no contrato, maxime por conexão ou complementaridade, ocorre o fundamento para resolução do contrato.”

- Ac. Rel. Lisboa 19.11.2009 (Proc. 7565/07.4TMSNT.L1.8):

- “Em conformidade com o disposto no art. 1083º, nº2, do C.Civil (redacção da Lei 6/2006, de 27/2, aqui aplicável), constituem, designadamente, fundamento de resolução do arrendamento pelo senhorio o não uso, por mais de um ano, do local arrendado e o seu uso para fim diverso daquele a que se destina.
Como já se entendia - a propósito de análogas disposições - no domínio do anterior regime legal, “a finalidade e, consequentemente, razão de ser (ratio) da previsão da al. h) do nº1 do art. 64º RAU é evitar a desvalorização do local arrendado que, com prejuízo do senhorio, necessariamente resulta da sua inactividade, quanto mais não seja em vista da degradação que o seu encerramento fomenta ou propicia, e promover o interesse geral de lançar no mercado do arrendamento todos os espaços susceptíveis de ocupação por terceiros” (ac. STJ, de 8/6/2006, in www.dgsi.pt - SJ200606080011037).
Por outro lado, "além de ser fundamental que, no arrendado, se continue a exercer a actividade prevista no contrato, será necessário, para que não exista fundamento de resolução do contrato pelo senhorio, que a actividade adicional reúna determinados requisitos ou características e respeite certos parâmetros e critérios.
É essencial que a actividade adicional não cause ao prédio maior desgaste do que o previsto com o uso que representa a realização do arrendamento; que não diminua a segurança dos utentes do prédio e das suas estruturas; que não desvalorize o valor locativo do imóvel em maior grau do que o expressamente consentido.
É ainda necessário que seja de presumir, à luz da razoabilidade, da boa-fé ou dos usos comuns, que o locador podia e devia contar com o exercício adicional da outra actividade.
Em todo o caso, perante o exercício, no locado, de actividades secundárias em que exista conexão relevante com a actividade principal, em conformidade com os critérios e requisitos acima mencionados - instrumentalidade necessária ou quase necessária ou acompanhamento como prática constante ou quase constante, de acordo com os usos comuns - deve concluir-se no sentido da existência de fundamento para a resolução do contrato pelo senhorio" (ac. STJ, de 16/12/99 - JSTJ00039460).”
-
No caso concreto estamos perante um contrato de arrendamento comercial celebrado em 1972 que se destinava ao exercício no local arrendado do comércio de ceras, papelaria, solas e cabedais ou qualquer outro ramo de comércio, com excepção do comércio de mercearia e vinhos e de produtos tóxicos ou explosivos ou de quaisquer outros que ponham em perigo a salubridade e segurança do prédio.
Constata-se que ao longo do tempo a utilização do local arrendado sofreu algumas vicissitudes, sendo certo que a utilização que o arrendatário faz do mesmo desde há 4-5 anos não é compatível com o fim do contrato – exercício de actividade comercial.
A mera alteração da actividade a exercer no local arrendado, não é susceptível de ser enquadrada no conceito de “ encerramento “, sobretudo quando se afecta o local arrendado a actividade acessória ou complementar da principal, sendo significativo como súmula da posição jurisprudencial a respeito desta questão o Ac. Rel. Porto 21.12.2004 (Proc.0426863), onde se refere:

“Para se concluir pelo encerramento há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente a natureza do local arrendado, o fim do arrendamento, o grau de redução da actividade, as suas causas e mesmo o seu carácter temporário ou definitivo. Assim, e em geral, não será de falar em encerramento do prédio no caso de simples diminuição, mesmo acentuada, das operações próprias do arrendamento e nele anteriormente exercidas, em particular quando isso estiver justificado, a não ser que essa redução seja de tal ordem que se deva, razoavelmente, equiparar a efectiva paralisação. Mas a utilização esporádica já caracteriza a situação de encerramento do estabelecimento” [Aragão Seia, ob. cit., 302, 303.].
O encerramento de um estabelecimento comercial ou industrial caracteriza-se não pela circunstância das suas portas só esporadicamente se abrirem, mas sim pelo facto de nele não se exercer a actividade para que fora arrendado [Vide Ac. da R. de Évora de 12/06/86, B.M.J. n.º 360.º, 673].
Não há encerramento se, destinando-se o prédio a actividade industrial, passa a ser usado como armazém de matérias primas e produtos acabados, directamente relacionados com aquela actividade [Vide Ac. da R. de Évora de 16/01/86, C.J., 1986, 1.º, 222]; o facto de o arrendado ter deixado de ser o local principal do estabelecimento e passado a ser um simples armazém de mercadorias, não integra o conceito de encerramento do estabelecimento, para o efeito de resolução do contrato [Vide Ac. desta Relação de 20/05/80, C.J., 1980, 3.º, 78].
O encerramento do locado só fundamenta a resolução do contrato se, para o arrendatário, nada ali existe de relevante. Não se verifica o encerramento se, destinado o arrendado a escritório de navegação, ali funciona um “arquivo morto” que o arrendatário sempre terá de conservar e que pode consultar com normalidade [Vide Ac. desta Relação de 17/03/93, B.M.J. n.º 425.º, 618]. (www.dgsi.pt)

De igual forma merece relevo o Ac. Rel. Coimbra de 17.02.2009 (Proc. 2917/07.2 TBAVR.C1), com aplicação do novo regime do arrendamento, quando analisa a seguinte situação de facto:

“Caracterizando-se o encerramento referido na al.ª h) do nº 1 do art.º 64 do revogado RAU, aprovado pelo DL 321-B/90 de 15/10, por uma actuação do arrendatário sobre o locado que provoca a supressão do contacto com o público e com a clientela e o acesso destes às instalações respectivas, ainda que não imediatamente para a efectivação de negócios, a mera redução ou sectorização da actividade - no âmbito da estratégia delineada pelo comerciante - não é idónea para consubstanciar encerramento do locado (sendo exacto, não obstante, que se não deve confundir este encerramento com o do próprio estabelecimento). Ora o contrato de arrendamento celebrado pela escritura pública de Abril de 1972 não impôs à arrendatária que esta tivesse que afectar o locado apenas à realização imediata e efectiva da venda dos produtos do objecto da Ré, devendo conceder-se ao exercício do comércio ali previsto e convencionado a amplitude correspondente a qualquer actividade necessária à respectiva concretização mediante o contacto público com a clientela.
Acresce que na materialidade provada ficou também consignado, de resto sem impugnação (v. o facto provado em 14), que Ré faz vendas no arrendado, que tem permanentemente apetrechado com material novo. Este facto, é verdade, tem de ser interpretado em conjugação com os anteriores factos nºs 12 e 13 – estes atinentes à circunstância de a Ré ter o locado aberto ao público durante parte do tempo normal. Mas o que com ele se quer transmitir é o reconhecimento de que, além da expor os seus produtos no arrendado, a Ré ainda efectuava vendas, embora em períodos limitados. O que reforça a ideia de que, apesar de tudo (apesar de não ser a única e, porventura, a principal loja da Ré) o locado continuou a desempenhar um papel relevante na dinâmica comercial da apelada.”
Aliás, este aspecto da questão foi apreciada de forma fundamentada na decisão proferida pelo Juíz do Tribunal “a quo”.
Contudo, no caso presente, a questão que se coloca consiste em saber se o uso que é dado ao local arrendado é compatível com o fim do contrato, uma vez que a lei impõe ao arrendatário “o uso do local arrendado para o fim contratado” (art. 1072º/1 CC).
Em termos de análise comparativa de situações de facto merecem relevo os seguintes arestos:

- Ac STJ 19.09.2002 (Proc. 02B2303)

“As instâncias julgaram a acção procedente ao abrigo do art. 64 n. 1 h) do RAU.
É pois este o único fundamento da acção agora em causa.
O senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário:
(Art. 64 n. 1 h) do RAU) - "Conservar encerrado, por mais de um ano, o prédio arrendado para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, salvo se caso de força maior ou ausência forçada do arrendatário, que não se prolongue por mais de dois anos".
Importa antes de mais atentar no objecto do contrato celebrado.
Esclarece-se o art. 2º (fl. 15):
"O aqui arrendado destina-se ao comércio de modas, malhas e miudezas".
Depreende-se da prova produzida que o local foi arrendado com a ideia das partes de se destinar a estar aberto ao público.
E assim aconteceu até que a R. abriu nova loja, agora no n. 105, da mesma rua.
A partir de então o local arrendado passou a funcionar apenas como armazém, estando a porta permanentemente encerrada.
A norma em causa visa acautelar "o interesse do senhorio em não ter o prédio deteriorado com o seu encerramento por um período longo e em não sofrer a desvalorização comercial do local resultante da cessação de actividade do estabelecimento" (1).
Neste caso, mais que a deterioração do imóvel, está em risco o interesse do senhorio em manter o valor comercial do local.
Não é indiferente para a manutenção desse valor o facto de o local deixar de estar aberto ao público e passar a estar permanentemente encerrado, funcionando como armazém.
Deve entender-se por isso que o estabelecimento permanece encerrado há muito mais de um ano (normativo citado).” (www.dgsi.pt)

Ac. Rel. Coimbra 27.01.2004 (Proc. 3583/03)

Dos factos assentes transparece que o local em questão nos autos foi arrendado em 1968 à Ré, quando esta tinha necessidade do mesmo para a sua actividade de comércio de automóveis da marca “VOLVO”, de que é representante na zona de Castelo Branco .
Porém, posteriormente a Ré construiu amplas e modernas instalações para o comércio de veículos, com um stand adequado aos tempos actuais, instalações essas sitas na chamada Zona Industrial de Castelo Branco, onde efectua a exposição dos ligeiros que também aí comercializa, pelo que deixou de ter necessidade do espaço arrendado para os citados fins.
Donde que já em Março de 1997 tenha feito uma cessão de exploração desse espaço (estabelecimento) a uma outra sociedade, o que vigorou até Abril de 1999, data a partir da qual esse espaço ficou fechado ao público, isto é, deixou de ter as portas franqueadas a quem por aí passasse e deixou de nele ter qualquer pessoa a atender eventuais interessados na aquisição de viaturas comercializadas pela Ré.
E em Maio de 2000 a Ré aprontou-se a efectuar nova cessão de exploração desse espaço a favor de Francisco Romãozinho, pessoa que aí pretende instalar um negócio próprio, para o que até se iniciaram obras de remodelação do espaço ...
Toda esta situação revela muito claramente o total desinteresse comercial da Ré pelo espaço em causa, pelo menos desde 1997, o qual apenas mantém arrendado por razões que não se descortinam mas claramente prejudiciais para a colectividade e para o mercado de arrendamento em geral.
Se a Ré pretende apenas obter lucros com essas cessões de exploração, não entregando o local ao senhorio nem trespassando o seu estabelecimento, está a violar claramente a finalidade do contrato de arrendamento existente e a prosseguir um objectivo ilícito, nos termos da citada al. h) do nº 1, do artº 64º do RAU
É que o senhorio e eventuais outros interessados nesse espaço podem melhor dispor desse espaço, sem necessidade da intermediação abusiva e contratualmente desadequada da Ré.
E os factos demonstrados de a Ré, desde Abril de 1999, ter vindo a utilizar o local arrendado com a exposição pontual de algumas viaturas usadas, mas mantendo o local sempre encerrado ao público, apenas revela o propósito anti-contratual antes exposto, pois não se pode considerar essa mera exposição de algumas viaturas usadas em local fechado, apenas funcionando como “montra”, como um estabelecimento de comércio, que não o é muito claramente e a que foi destinado no contrato acordado
(…) se tem de considerar que a Ré vem mantendo o citado espaço arrendado encerrado por mais de um ano, concretamente desde Abril de 1999, a tal não obstando a prática dos actos isolados e pontuais de mera exposição ao público de viaturas usadas, sem que alguém esteja no local para aí atender o público, o qual não tem qualquer acesso a esse espaço.”

Ac Rel Coimbra 18.09.2007 (Proc. 324/2001.C1)

“Da matéria factual dada, a tal propósito, como assente, resulta, desde logo, como provado que o réu não só exerce a actividade esporadicamente, sem empregados, como só esporadicamente se desloca ao locado (cfr. nºs 12 e 13).
Como é sabido, o vocábulo “esporádico” tem o sentido corrente de algo que é “raro”, “fortuito” ou “ocasional” (vidé Ac. da RP acima citado de 26/4/1994).
Ora, logo deve interpretar-se tais factos não como importando uma redução ou diminuição da actividade comercial/industrial que antes o réu exercia no locado, mas antes que só ali passou a exercer tal actividade de forma rara, fortuita ou ocasional, e que também só nessas condições ali se desloca, sendo certo ainda que nada se apurou dos factos assentes que justifique sequer tal (e nomeadamente que isso se tenha ficado a dever a algum motivo de força maior).
E se a isso ainda juntarmos, que há mais de um ano, contado (para trás) de 30 de Maio de 2001, que o locado se encontra de portas encerradas durante as horas de expediente; que o locado apresenta um aspecto desleixado; que o réu não arranca nem manda arrancar as ervas daninhas que se encontram junto ao portão central (cfr. nºs 8, 10 e 11), ter-se-á, a nosso ver, de concluir, sem tibiezas, que locado/estabelecimento em causa deve ser caracterizado como se encontrando, há mais de um ano, na situação de encerrado.
E sendo assim, mostra-se também preenchido o outro 2º requisito, de que acima falámos, como facto constitutivo do direito dos autores à resolução do contrato de arrendamento que celebraram com o réu, com base no encerramento do locado, sendo certo que o último não fez prova (o que, diga-se, nem sequer havia alegado) de nenhuma situação de excepção (impeditiva do reconhecimento de tal direito) prevista na parte final do normativo legal acima citado (artº. 64, nº 1 al. h), do RAU).

Ac Rel. Lisboa 19.11.2009 (Proc. 7565/07.4 TMSNT.L1.8)

No caso concreto, resulta da matéria factual assente que, sendo objecto do contrato a exploração de comércio de óptica e seus similares, a R., ora apelante, passou, a partir de 1991 a exercer a sua actividade noutro local e, desde pelo menos o ano de 1992, deixou de utilizar a loja dos AA., ora apelados, como estabelecimento comercial aberto ao público, utilizando-a, desde então, como armazém.
Sendo que a loja se encontra com a montra suja e no painel outrora luminoso, aposto por cima da frente respectiva, no qual consta a designação da firma da apelante e marcas por ela aí dantes comercializadas, florescem plantas e ervas daninhas.
Afigura-se manifesta, à luz do regime aplicável, na interpretação acima dada, a integração da descrita factualidade - pela não utilização do locado, ou pelo seu uso para fim diverso do acordado - na previsão legal justificativa da resolução contratual em causa.
Tanto mais quanto nem sequer se demonstrou estivesse a sua actual utilização como armazém, de alguma forma, conexionada com a actividade a que se achava afecto o local arrendado.
Afastada que se mostra a alegada caducidade do direito à resolução, por parte dos apelados, carece, por seu turno, de qualquer relevância jurídica o suposto reconhecimento tácito da situação do arrendado, decorrente da circunstância de a mesma ser, desde há anos, daqueles conhecida.
Tal como decidido, impor-se-ia, assim, concluir pela existência do invocado fundamento de extinção do arrendamento - improcedendo as atinentes alegações da apelante.” (www.dgsi.pt)

No caso presente as partes destinaram o contrato ao exercício do comércio de ceras, papelaria, solas e cabedais (resposta ao art. 4º da petição)
Consignaram ainda, na cláusula terceira que: “o arrendatário poderá explorar nas divisões indicadas o comércio de ceras, papelaria, solas e cabedais ou qualquer outro ramo do comércio, com excepção do comércio de mercearia e vinhos e de produtos tóxicos ou explosivos ou de quaisquer outros que ponham em perigo a salubridade e segurança do prédio. (resposta aos art. 2, 3, 4, 6, da contestação)”
O local encontra-se votado ao abandono, o que se revela pelo facto de desde há mais de dois anos evidenciar falta de limpeza e ser usado apenas para depósito de restos de colecção (resposta ao art. 13º da petição e art. 9, 10, 11 da contestação).
Com efeito, quanto a esta matéria a Ré não logrou provar (apesar de alegar), que utiliza o local arrendado para guardar as mercadorias que são vendidas na Rua ………. ou stocks de inicio de estação antes da exposição, bem como, que o local está cheio de mercadoria.
Apurou-se ainda, que há mais de dois anos e durante todos os dias da semana, de forma consecutiva e ininterrupta, que no locado não são recebidos nem atendidos quaisquer clientes, nem existem quaisquer artigos expostos na montra, para além do que não foi exercida no locado a actividade comercial tendo por objecto ceras, material de papelaria, solas e cabedal (resposta aos art. 9, 10, 11, 12, 14 da petição).
Acresce que, há mais de 10 anos que a Ré não efectua venda ao público no locado (resposta ao art. 5º da contestação).
Também resulta provado que há cerca de 10 anos, a Ré adquiriu uma loja na Rua ………. e desde então toda a venda a público da sua actividade comercial se processa no estabelecimento comercial propriedade da ré na Rua ………. (resposta ao art. 7º da contestação).
Apesar de nos primeiros tempos após a cessação das vendas no locado, este passou a funcionar como local de exposição de artigos de bebé e de armazenagem de mercadorias do estabelecimento sito na Rua ………., desde há cerca de 4-5 anos a ré deixou de fazer exposição dos artigos referidos, mantendo no local artigos que ali guarda porque não foram vendidos na loja, nomeadamente colecções ou restos de colecção (resposta à matéria dos art. 8, 9, 10, 11 contestação)
O exercício de uma actividade comercial traduz-se no exercício de uma actividade de mediação nas trocas. (Pereira Coelho “Arrendamento”, pag. 41)
A utilização do espaço para depósito de restos de colecção, desde há 4-5 anos, não se mostra compatível com o uso para o exercício da actividade comercial. Com efeito, os artigos ali depositados não são utilizados no comércio desenvolvido pela Ré, na loja sita na Rua ………., pois de outro modo não seriam ali colocados. Acresce que a falta de limpeza do local, o que se evidencia há mais de dois anos, dentro de um juízo de normalidade não permite manter os produtos ali depositados em bom estado, ou em estado de poderem ser comercializados.
Daqui pode concluir-se que o local arrendado não apresenta qualquer papel relevante na dinâmica comercial da ré e não reveste um carácter acessório ou complementar da sua actividade comercial.
Por outro lado, verifica-se uma actuação da arrendatária sobre o locado que provoca a suspensão do contacto com o público e com a clientela e o acesso destes ás instalações respectivas, sendo certo que não resulta dos termos do contrato que as partes previram tal hipótese, quanto à utilização do local arrendado.
A utilização do local arrendado nos termos consignados importa a desvalorização do locado, pois para além de se degradar por se manter fechado, importa redução do seu valor comercial no mercado do arrendamento, face ao estado que evidencia de falta de limpeza e abandono.
Decorre do exposto que o local arrendado está a ser utilizado pelo inquilino, mas não em conformidade com o fim do contrato, o que equivale a dizer que o arrendatário não procede ao uso efectivo do local arrendado, circunstância que ocorre há mais de um ano.
Conclui-se, assim, pela conjugação destes factos, as alterações introduzidas na utilização do espaço arrendado desde há cerca de 10 anos, a sua utilização desde há 4-5 anos para depósito de restos de colecção, o fim do contrato, que se verifica uma situação de incumprimento do contrato, por não uso efectivo do espaço, por facto imputável ao inquilino, não sendo exigível ao senhorio a manutenção do contrato, o que justifica a sua cessação, por resolução.
Julgam-se, assim, procedentes as conclusões de recurso dos recorrentes e nessa conformidade, mostra-se justifica a resolução do contrato de arrendamento e a entrega do local arrendado aos Autores.
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Nos termos do art. 446º CPC as custas são suportadas pela recorrida.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença e nessa conformidade:
- decreta-se a resolução do contrato de arrendamento celebrado em 03 de Janeiro de 1972; e
- condena-se a Ré a despejar de imediato o local arrendado, entregando-o aos Autores livre e devoluto de pessoas e bens.
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Custas a cargo da Ré.
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Porto, 13 de Setembro de 2010
(processei e revi – art. 138º/5 CPC)
Ana Paula Pereira de Amorim
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
António Manuel Mendes Coelho