Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0431268
Nº Convencional: JTRP00037194
Relator: COELHO DA ROCHA
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLECTIVAS
RECURSO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RP200410070431268
Data do Acordão: 10/07/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO COMPETÊNCIA.
Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA.
Área Temática: .
Sumário: Competente, em razão da matéria para conhecer das questões suscitadas no recurso contencioso, interposto da decisão proferida pelo Director Geral dos Registos e do Notariado, cuja causa de pedir assenta, essencialmente, de fundo em matérias de propriedade industrial (admissibilidade e certificação da inscrição, ou não, no Registo Nacional de Pessoas Colectivas de denominação social) é o Tribunal de Comércio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Em 31.10.2003, no 2º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, B.........., sediado no Porto, interpôs recurso contencioso – “ut” art. 66º, do Dec. Lei nº 129/98, de 13.5 (que estabelece o regime jurídico do Registo Nacional de Pessoas Colectivas) – do despacho do Director Geral dos Registos e do Notariado, de 19.5.2003 (fls. 55), que manteve (isto é, não alterou) a inscrição no Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC) da denominação social C.........., sediada em Albufeira (Algarve), de que foi emitido certificado de admissibilidade, em 26.12.2002, e contra cuja sociedade também ora se reporta (n º 2, do art. 66º citado).

Pretende a declaração de nulidade, anulação ou revogação – por alegada violação dos princípios da novidade e da exclusividade que norteiam o Direito Comercial, na parte relativa aos sinais identificadores do comércio, e accionamento tempestivo - do despacho impugnado, que, negando provimento ao recurso hierárquico, entrado no RNPC em 12.5.2003, tal, em consequência, manteve a referida inscrição; com a respectiva comunicação ao RNPC e à Conservatória do Registo Comercial de Albufeira.

Liminarmente, o Senhor Juiz (a fls. 73-76) proferiu despacho, em 5.11.2003, considerando o Tribunal de Comércio incompetente, em razão da matéria, para conhecer do recurso, “não o admitindo”.

Inconformado o recorrente B.......... agravou desta decisão; e, alegando, questiona, afinal, qual o Tribunal materialmente competente, para se pronunciar (apreciar e decidir) da “bondade” de tal recurso contencioso, impugnativo do teor do despacho proferido pelo Director Geral dos Registos e do Notariado; no âmbito da competência que lhe está atribuída pelos artigos 63º e ss, do citado Dec. Lei n º 129/98, de 13.5 : o Tribunal comum de competência genérica da sede do recorrente (Porto) – art. 66º, 1- deste referido Dec. Lei ; ou antes, o Tribunal Judicial dotado de competência especializada, ou seja, o Tribunal de Comércio (da área) de Vila Nova de Gaia – art. 89º-2 b), da lei n º 3/99, de 13.1 (LOFTJ).

Tais são os limites a que, ora, se circunscreve o objecto do recurso (art. 690º-1, CPrC); e para cuja decisão oferece o merecimento dos autos.

Contra-alegaram o Director Geral dos Registos e do Notariado e o interessado C...........

O Tribunal “a quo” não alterou o despacho recorrido.

Decidindo.

Em conta, o que se deixa enunciado; acrescido do facto de estar em causa uma decisão proferida pelo Director Geral dos Registos e do Notariado, no âmbito de um processo de recurso hierárquico necessário de uma decisão antes proferida pelo Senhor Conservador do Registo (Comercial) Nacional de Pessoas Colectivas – artigos 2º e 80º, do Dec. Lei n º 129/98, de 13.5 citado e art. 29º do Dec. Lei n º 87/2001, de 17.3 (que aprova a Lei Orgânica da Direcção Geral dos Registos e do Notariado).

O que significa que este recurso “necessário”, segundo os ensinamentos do Prof. Marcelo Caetano, “in” Manual do Direito Administrativo, 9ª edição, II vol. Pág. 1 265, o é, porque imprescindível à transformação do acto subalterno noutro contenciosamente recorrível.

Relendo o Dec. Lei n º 129/98, podemos constatar que não está previsto o recurso para a instância judicial das decisões dos Senhores Conservadores do RNPC.
Por isso, é que o recurso hierárquico, aqui previsto, visa alcançar a decisão final de outra autoridade, de cujos actos, caso persista a ofensa do interesse particular e a convicção da ilegalidade, seja por lei permitido recorrer contenciosamente.

Embora formalmente se recorra do despacho do Director Geral dos Registos e do Notariado, tal resulta apenas da tramitação estabelecida para os recursos, hierárquico “necessário” e contencioso, previsto no regime jurídico do RNPC;
já que o despacho final, que indefere, não altera ... firmas ou denominações sociais, é proferido elo Director Geral do RNPC, ou seja, um Conservador do Registo Comercial.
Logo, o que está em causa para apreciação contenciosa é a decisão do Senhor Conservador do RNPC, face ao objectivo e caracterização de um recurso hierárquico necessário.

Consabido é que, para que um Tribunal possa decidir sobre a (im)procedência do que se pede, ou seja, sobre o (de)mérito do pedido, é necessário que o recurso (ou a acção) seja intentado (a) perante o Tribunal que para este (a) for o competente.

Assim, a competência é um pressuposto processual, que tem de ser decidido antes de se conhecer de fundo e que se não confunde nem depende da procedência do pedido; aliado ao facto de dever haver uma relação directa entre a competência e o pedido.
Por isso, este pedido do Autor/recorrente determina a competência do Tribunal, ou seja, esta competência “afere-se pelo «quid disputatum (quid decidendum)» em antítese com aquilo que será mais tarde o «quid decisum» (Redenti, apud M. Andrade, Noções Elementares, pág. 89)”.

Assim, entre a causa e o Tribunal tem de haver um nexo jurídico: “só aquele Tribunal pode regularmente julgar tal causa e, consequentemente, a causa só pode ser julgada naquele Tribunal “ (Castro Mendes, Dir. Proc. Civil, I, 557).

Para conhecer do pressuposto da competência pois, deve o Tribunal apenas ater-se aos termos em que o recurso (acção) foi posto (a); sendo que quem formula e define o pedido e a causa de pedir é o Autor, fixando-lhe a competência no momento em que a acção se propõe.

Aqui, o agravante B.......... recorre do despacho do Director Geral dos Registos e do Notariado, em sede de recurso hierárquico (necessário), que não alterou o despacho do Senhor Conservador do Registo (Comercial) Nacional de Pessoas Colectivas, que certificou a denominação social “C..........” – art. 45º e ss. Dec. Lei n º 129/98, de 13.5.

É que o actual RNPC perdeu a natureza de pessoa colectiva, passando a integrar-se “ut et ex vi” art. 2º, deste citado diploma legal, no elenco das Conservatórias do Registo Comercial e, consequentemente, na dependência da Direcção Geral dos Registos e do Notariado.
Qualquer despacho proferido na área da competência do Conservador do RNPC não pode deixar de ser qualificado como um despacho de um Conservador do Registo Comercial, dada a integração do actual RNPC, como Conservatória do Registo Comercial de 1ª classe (referido art. 2º).
Por isso, é que, em sede de recurso hierárquico (necessário), o Director Geral dos Registos e do Notariado decide da impugnação deste despacho.
E isto sucede, porque a autoridade que praticou o acto está sujeita ao poder de superintendência do Director Geral dos Registos e do Notariado, que pode revogar ou substituir aquele despacho inicial.
Atentos o objectivo e a caracterização expostos do recurso hierárquico necessário, não pode deixar de afirmar-se que o que ora está em causa para apreciação contenciosa é a decisão do Senhor Conservador do RNPC;
cuja conclusão é complementada, se tivermos em conta que o despacho do Director Geral dos Registos e do Notariado apreciará a “bondade” do despacho do Senhor Conservador do RNPC; isto é, os seus fundamentos não ultrapassam o âmbito das matérias a este último confinadas.

Razão pela qual, ora, se entende que a Lei n º 3/99, de 13.1 (LOFTJ), e seu art. 89º, 2 b), ao inserir nas competências do Tribunal de Comércio os recursos dos Senhores Conservadores do RNPC teve em conta esta realidade; tanto mais que aqui estão, essencialmente, em causa matérias substantivas relacionadas com o Direito Comercial.

Se o Dec. Lei n º 129/98, de 13.5, no seu art. 66º se reportou aos Tribunais comuns é porque os Tribunais de Comércio foram criados posteriormente (Lei nº 3/99, de 13.1; cfr. art. 67º, CPrC).

Em reforço desta conclusão também se evidenciará que as políticas em matéria de organização judiciária – campo de visão que só agora interessa – são dinâmicas e procuram o ajustamento à realidade.
Por isso, em 1999, com a criação do Tribunal de Comércio, com atribuição de competência material específica (Lei 3/99 citada e seu art. 89º; e, no caso, seu n º 2 b), a solução encontrada pelo art. 66º, do citado Dec. Lei n º 129/98 foi ultrapassada nos termos do artigo 7º, n º 2, Código Civil.

Competente, em razão da matéria, assim, para conhecer das questões suscitadas no recurso contencioso, interposto da decisão proferida pelo Director Geral dos Registos e do Notariado, cuja causa de pedir assenta, essencialmente, de fundo em matérias de propriedade industrial (admissibilidade e certificação da inscrição, ou não, no Registo Nacional de Pessoas Colectivas de denominação social) é o Tribunal de Comércio.

Pelo exposto, não pode subsistir o despacho judicial ora impugnado.

Termos em que se decide,

-conceder provimento ao agravo; e, em consequência, se revoga o despacho recorrido;

-que, por sua vez, deverá ser substituído por outro em que o Senhor Juiz “a quo” considere o Tribunal de Comércio recorrido competente, em razão da matéria, para conhecer do recurso contencioso interposto da decisão proferida pelo Senhor Director Geral dos Registos e do Notariado, “ut” art. 89º, 2 b), do Dec. Lei 3/99, de 13.1; fazendo prosseguir os autos a sua tramitação legal.

Sem custas.

Porto, 7 de Outubro de 2004
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos