Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
266/14.9TBPRD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOARES DE OLIVEIRA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CONTRATO DE PERMUTA DE IMÓVEIS
COMPETÊNCIA MATERIAL
INCUMPRIMENTO
CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
Nº do Documento: RP20150427266/14.9TBPRD-A.P1
Data do Acordão: 04/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A apreciação de um contrato de permuta celebrado entre um município e um particular não é da competência do foro administrativo.
II - Ao acordar que o incumprimento do prazo previsto de entrega dos lotes até 30-9-2013, emissão do respetivo alvará de loteamento e conclusão das obras de urbanização, por parte do Município, confere ao outro outorgante o direito de exigir do mesmo Município, em substituição dos referidos lotes, uma indemnização bastando que para tal remeta comunicação nesse sentido, por carta registada ao outro outorgante, constitui acordo de dispensa de interpelação admonitória.
III - A cláusula penal é redutível com base na equidade ao acordar que o incumprimento do prazo previsto no parágrafo anterior (entrega dos lotes até 30-9-2013, emissão do respetivo alvará de loteamento e conclusão das obras de urbanização), por parte do Município …, confere ao primeiro outorgante (D…, Ldª), o direito de exigir do mesmo Município, em substituição dos referidos lotes, uma indemnização no valor de € 150.000,00 valor atribuído aos três lotes de terreno, bastando que para tal remeta comunicação nesse sentido, por carta registada ao segundo outorgante (Município …).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc 266/14.9TBPRD-A.P1
Apelação 139/15
TRP – 5ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I RELATÓRIO
1 -
Por apenso à execução que B…, LDA., lhes moveu, veio o executado MUNICÍPIO …, com os sinais nos autos, deduzir a presente Oposição á Execução, pedindo que a mesma seja julgada procedente e, em consequência, deverá ser extinta a execução, com reconhecimento da exceção de incompetência em razão da matéria deste Tribunal, a exceção de inexistência e inexigibilidade do titulo executivo e, subsidiariamente, invocou o pagamento parcial e pediu a redução da cláusula penal.
2 -
A Exequente contestou, concluindo pela improcedência da Oposição.
3 –
No processo, em fase do Saneador foram julgadas improcedentes as exceções alegadas pelos Opoente e proferida, ainda, a seguinte Decisão:
Pelo exposto, julgo totalmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos de executado, em consequência do que determino o prosseguimento da execução de que estes autos constituem um apenso.
4 –
O Opoente apelou desta Decisão, tendo formulado as CONCLUSÕES que se transcrevem de seguida:
1. O presente recurso é interposto, pelo Município …, da douta sentença, proferida em 9 de Outubro de 2014, constante de fls. ... e ss. dos autos, que julgou os Embargos de Executado acima identificados totalmente improcedente, por não provados, e, em consequência determinou o prosseguimento da execução de que os embargos são apenso.
2. O recurso merece – com o devido respeito – inteiro provimento, como se irá tentar demonstrar, pois que, a decisão do Mmo. Juiz a quo, aqui posta em crise, não foi, na perspectiva do Apelante, e com o devido respeito, a mais acertada, no que respeita à apreciação e à decisão proferida relativamente às questões de direito que se encontravam suscitadas nos autos.
3. A aqui Apelada intentou contra o aqui Apelante Município … a execução de que estes Embargos de Executado são apenso peticionando o pagamento de 150.000,00 €.
4. Para o efeito invocou o incumprimento da escritura de “Permuta de Bens Presentes Por Bens Futuros” junta com a execução, pretendendo cobrar o dito valor de € 150.000,00, estipulado no contrato a título de cláusula penal, pelo seu incumprimento.
5. Em sede de Embargos de Executado o Município …, para além de ter impugnado parte dos factos alegados pela Autora-Apelada e o valor excessivo da cláusula penal que sustenta o valor peticionado, defendeu-se por excepção, alegando a incompetência em razão da matéria, dos juízos de Execução e a falta ou inexigibilidade o título executivo.
6. No que respeita à excepção de incompetência absoluta em razão da matéria invocada pelo Embargante-Apelante considerou o Tribunal a quo que, no caso, o Apelante interveio no contrato dado à execução actuando como entidade particular destituída de jus imperium e submetendo-se a uma relação jurídica privada geradora de obrigações de direito civil, pelo que julgou improcedente a excepção de incompetência absoluta deste tribunal, em razão da matéria.
7. No que concerne à excepção de falta e inexigibilidade de título executivo, também considerou o Mmo. Tribunal a quo negar provimento ao alegado pelo Embargante-Apelante, entendeu o Tribunal a quo quanto a este ponto, que o direito da então Executada exigir o pagamento dos 150.000,00 € decorre de uma cláusula penal que pela forma como a mesma está estatuída não obrigava à interpelação e/ou à resolução definitiva do contrato, pois as partes tiveram a preocupação de no contrato antever essa situação de incumprimento com a fixação de um prazo peremptório.
8. Por último, considerou o Mmo. Tribunal a quo ser o valor da cláusula penal ajustado, tendo em conta as regras da experiência e considerando as áreas dos lotes a constituir, o então Exequente, aqui Apelado invocou o incumprimento da escritura de “Permuta de Bens Presentes Por Bens Futuros”, pretendendo cobrar o valor de € 150.000,00, estipulado no contrato a título de cláusula penal, pelo seu incumprimento.
9. Da leitura da própria escritura, constata-se que a mesma tem por objecto uma permuta que permita ao aqui Apelante a prossecução dos fins de interesse público que lhe incumbem, no caso “executar a obra de construção do C… de …, respectivos acessos e uma operação de loteamento”.
10. Os bens futuros a permutar são, precisamente, 3 lotes que no loteamento que o Município se compromete a realizar em parte do terreno que lhe foi cedido.
11. A operação de loteamento que refere a escritura destina-se, precisamente, a compensar o particular pela cedência de terreno ao Município com vista à construção por este de um equipamento público.
12. Temos, portanto, por um lado, que o objecto do contrato em causa, na medida em que poderia ser alcançado por via expropriativa, é um objecto passível de acto administrativo, mais precisamente de interesse público, regula o aproveitamento urbanístico (loteamento) a dar à parcela sobrante, sendo que tal aproveitamento se regula, especificamente, por normas substantivas de direito público, mais precisamente pelo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (DL 555/99) e ainda pelos Planos (e respectivos regulamentos) em vigor.
14. Tratando-se na execução de questões relativas à interpretação, validade e execução de contrato de objecto passível de acto administrativo e ainda de contrato especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo, nos termos do disposto no art. 4º, n.º 1, al. f) do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) e art. 37º, n.º 2, al. e) e h) do CPTA, teremos que se trata de matéria da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
15. A actuação do Município …, ou de um qualquer outro Município, visa sempre a prossecução dos fins de interesse público que lhe incumbem, independentemente da roupagem jurídica dada aos contratos que celebra, interesse público que no caso é evidente “executar a obra de construção do C… de …, respectivos acessos e uma operação de loteamento”.
16. É pois, com o devido respeito, redutor considerar que o Apelante interveio no contrato dado à execução actuando como entidade particular destituída de jus imperium e submetendo-se a uma relação jurídica privada geradora de obrigações de direito civil.
17. “O incumprimento pelo Município … do prazo estabelecido contratualmente, conferia à D… o direito de exigir do mesmo Município, em substituição dos referidos Lotes, uma indemnização no valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), valor atribuído aos 3 lotes de terreno, bastando que para tal remeta comunicação nesse sentido, por carta registada ao Município ….”
18. Tal como se percebe da escritura dada à execução, a obrigação futura do ora Opoente tinha prazo certo: 30 de Setembro de 2013.
19. O facto de se tratar de uma obrigação com prazo certo significa apenas que o devedor, o ora Opoente, fica constituído em mora independentemente de interpelação para cumprir (cfr. art. 805º do CC).
20. A falta de cumprimento da obrigação no prazo previsto não significa, automaticamente, o seu incumprimento definitivo.
21. Para que haja incumprimento definitivo terá de haver perda de interesse, objectiva, do credor na prestação (cfr. art. 808º do CC).
22. Tal como se percebe da leitura dos supra mencionados artigos do Código Civil, o incumprimento definitivo da obrigação apenas pode decorrer da superveniência de um facto que o torne impossível (incumprimento naturalístico), ou resultar da conversão da mora em incumprimento, nos termos do art.º 808 do CC (incumprimento normativo), através da perda do interesse do credor ou do facto de o devedor não cumprir após interpelação admonitória em que o credor lhe fixou um prazo razoável para o cumprimento.
23. Mais não basta para justificar a perda de interesse no cumprimento da obrigação que o credor afirme, ainda que peremptoriamente, que a prestação já não lhe interessa, havendo a necessidade de confirmar, em face das circunstâncias, concretas e objectivas, se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas (art.º 808, n.º 2).”
24. Em face do exposto facilmente se constata que, em momento algum, foi o ora Apelante interpelado para cumprir, em momento algum foi interpelado em termos admonitórios e dando-lhe um prazo razoável para cumprir, sob pena de perda de interesse por parte do ora Apelado.
25. Tal como se percebe do requerimento executivo, o Exequente-Apelado limitou-se a informar o ora Apelante, sem mais, que não tendo cumprido com a sua obrigação no estipulado prazo, exercia o seu direito contratual de, a título de indemnização, optar pelo pagamento de €150.000,00 em substituição da entrega dos lotes (cfr. doc. 2 e 8 do requerimento executivo).
26. Com o devido respeito, tal notificação não constitui interpelação adequada para converter a mora existente em perda de interesse, nem interpelação admonitória para realizar a prestação dentro de um prazo razoável.
27. Em face do exposto e dos factos constantes dos autos, ter-se-á de concluir que, nos termos do disposto no art. 808º do CC, não existe ainda incumprimento definitivo do ora Apelante, na medida em que não foi justificada a perda do interesse do credor, ou mesmo feita qualquer interpelação admonitória ao Apelante fixando-lhe um prazo razoável para o cumprimento.
28. Não havendo incumprimento definitivo, não existe o dever de indemnizar a esse título e, naturalmente, não existe título executivo ou, existindo, o mesmo é ainda inexigível.
29. Não havendo ainda incumprimento definitivo, não havendo ou juntando o Exequente qualquer documento que torne devida e exigível a obrigação de indemnização prevista na escritura dada à execução, a mesma, por si só, não constitui título executivo válido.
30. A escritura dada à execução prevê uma indemnização, mas para o caso de incumprimento definitivo, havendo portanto a necessidade de o Exequente juntar a necessária documentação que a torne exigível, algo que não sucede no caso: o Exequente não invoca e muito menos justifica a sua perda de interesse, assim como não junta qualquer interpelação admonitória válida dando prazo para cumprir sob pena de considerar o contrato definitivamente incumprido.
31. Em face do exposto, s.m.o., ter-se-á de concluir pela inexistência ou inexequibilidade do título dado à execução (art. 729º do CPC), o que constitui excepção peremptória, que com devido respeito deveria ter conduzido à absolvição total do pedido, nos termos do disposto no art. 576º do CPC.
32. Em face do exposto e dos factos constantes dos autos, ter-se-á de concluir que, nos termos do disposto no art. 808º do CC, não existe ainda incumprimento definitivo do ora Opoente, na medida em que não foi justificada a perda do interesse do credor ou mesmo feita qualquer interpelação admonitória ao Opoente em que o credor lhe tenha fixado um prazo razoável para o cumprimento.
33. Tenha-se presente que, tal como refere o Acórdão citado “a interpelação admonitória consiste numa intimação formal, do credor ao devedor moroso, para que cumpra a obrigação dentro de prazo determinado, com a expressa advertência de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida.
34. Ainda que existisse incumprimento definitivo, o que por mera hipótese académica se concebe, mas não se aceita, sempre teríamos que a cláusula penal de € 150.000,00 estipulada e que é o triplo do valor dos bens permutados, é manifestamente excessiva, quer objectivamente, quer em face das circunstâncias e enquadramento do contrato em causa, devendo como tal ser equitativamente reduzida (art. 812º, n.º 1 do CC).
35. Com efeito, tendo as partes acordado no valor da parcela cedida e dos lotes a constituir, é manifestamente excessivo uma cláusula penal para atraso da prestação ou para incumprimento cujo valor é o triplo do bem cedido e dos lotes a permutar e isto independentemente de qual seja o atraso na prestação ou de que esse atraso não seja imputável ao aqui Apelante.
36. Admitindo por mero exercício de raciocínio que o então Exequente havia interpelado o aqui Apelante dando um prazo admonitório razoável para cumprimento (o que já se referiu não sucedeu) e sabendo nós que o prazo para cumprimento terminava a 30 de Setembro de 2013, teríamos que um ligeiro atraso de dias na prestação daria imediatamente lugar a uma indemnização ao Exequente igual ao triplo do valor do bem por ele cedido e da contrapartida estipulada, o que é um evidente e manifesto exagero.
37. Trata-se de uma cláusula penal que não tem em conta, pois, qual o atraso na prestação, não sendo, portanto, gradativa, crescente em função dos dias de atraso ou da gravidade do incumprimento, o que significa além do mais que está prevista apenas para uma situação de incumprimento definitivo.
38. Mais, trata-se de uma cláusula penal que não contempla, sequer, a eventual culpa ou grau de culpa do ora Apelante nesse eventual atraso, aproximando a posição do Apelante a uma espécie de responsabilidade pelo risco.
39. Assim e em face do exposto, deveria o Mmo. Tribunal a quo ter reduzido de forma equitativa a cláusula penal com fundamento no seu manifesto excesso (art. 812º, n.º 1 do CC).
40. À luz do que precede, qualquer que fosse a solução jurídica adoptada pelo Mmo. Juíz a quo, os Embargos de Executado sempre teria, na perspectiva do Apelante, e com o devido respeito, que ter sido julgada totalmente procedente por provados e, consequentemente ter sido o Apelante absolvido dos pedidos contra si formulados.
41. Considerando tudo o exposto, e o mais que, doutamente, será suprido, a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente o disposto nos artigos 4 número 1 alínea f) ETAF, 37 número 2 da Alínea e) e h) do CPTA e os artigos 805, 808 e 812 todos do Código Civil, pelo que, na procedência deste recurso, deverá, pois, ser revogada e substituída por douto acórdão que absolva o Apelante dos pedidos formulados na Execução.
5 –
A Apelada contra-alegou, tendo formulado, por seu turno, as CONCLUSÕES que seguem transcritas:
A) – DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL:
1. Não é aplicável a norma do Artº 4º, al. f) do ETAF, porquanto o contrato celebrado entre as partes não é abrangido ou regulado por normas de direito público – administrativo -, mas antes de direito privado – civil -, estando pois fora da alçada dos TAF, pelas seguintes razões:
a) – o objecto do contrato não é passível de acto administrativo;
b) – Pois que, para se considerar se o objecto do contrato em causa poderia, ou não, ser alcançado por via expropriativa é discutível – a expropriação teria que ser claramente fundamentada como sendo de utilidade pública, aprovada nos termos do C. Expropriações e com publicação no D.R. - mas não foi – o embargante não promoveu essa expropriação -, pelo que, no caso concreto, não foi celebrado um contrato de objecto passível de acto administrativo;
c) - O recorrente interveio no contrato como entidade particular, destituído de jus imperium, submetendo-se a obrigações de carácter civil;
d) - O contrato em causa não é o loteamento, mas uma permuta entre duas partes, não existindo normas de direito público que regulem aspectos do seu regime substantivo.
2. Improcede assim a alegada incompetência absoluta invocada, pois não é aplicável a previsão do Artº 4º, al f) do ETAF.
ACRESCE QUE,
3. A decisão recorrida apreciou a questão suscitada de incompetência absoluta do Tribunal, que seria a infracção das regras em razão de matéria, o que, não se verificou – Artº 96º, al. a) do CPC.
4. O recurso de apelação referente a esta parte da decisão deveria ter sido proposto no prazo de 15 dias após a notificação às partes – que ocorreu na audiência de09.10.2014.
5. Tendo o presente recurso sido interposto a 10.11.2014, o prazo de 15 dias para apelar desta decisão já tinha precludido, impedido assim que o TR Porto aprecia esta questão, caducidade que expressamente se invoca, tudo por força dos Artº 638º, nº 1 e 644º, nº 2, al b) do CPC.
B) - DA FALTA OU INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO EXECUTIVO:
6. O contrato firmado entre recorrente e recorrida, pela escritura de 28.01.2013 é claro:
PERMUTA DE BENS PRESENTES POR BENS FUTUROS.
7. Decorria ainda do mesmo contrato / negócio jurídico um conjunto de obrigações para o recorrente, a saber:
a) - O Município … assegurava a execução das obras de urbanização inerentes ao loteamento urbano;
b) - O Município … teria a obrigação de entregar à D… os 3 lotes até ao dia 30 de Setembro de 2013, devendo, também, dentro daquele prazo emitir o respectivo alvará de loteamento e concluir as obras de urbanização dos 3 lotes;
c) - O incumprimento pelo Município … do prazo referido na alínea anterior, conferia à D… o direito de exigir do mesmo Município, em substituição dos referidos Lotes, uma indemnização no valor de 150.000,00 (CENTO E CINQUENTA MIL EUROS), valor atribuído aos 3 lotes de terreno, bastando que para tal remeta comunicação nesse sentido, por carta registada ao Município de Paredes.
8. Assim, as partes estipularam contratualmente, que a falta de cumprimento pelo executado das obrigações referidas na alínea b) do número anterior, no prazo aí referido, conferia um direito à D…:
o direito de exigir do mesmo Município, em substituição dos referidos Lotes, uma indemnização no valor de 150.000,00 (CENTO E CINQUENTA MIL EUROS), valor atribuído aos 3 lotes de terreno, bastando que para tal remeta comunicação nesse sentido, por carta registada ao Município ….
9. A consequência dessa mora, contratualmente estabelecido, era a possibilidade da D… exigir, em substituição da prestação inicialmente acordada – os 3 lotes, com o respectivo alvará de loteamento e obras de urbanização concluídas - uma outra prestação – a indemnização de 150.000,00 €, valor este atribuído aos 3 lotes.
10. Na douta sentença o Mrtmº Juiz classificou a indemnização fixada de 150.000,00 € como sendo uma cláusula penal compulsória, e a exequente vem declarar que concorda com essa classificação, bem como com a configuração jurídica e todo o raciocínio que, nesta parte, são expostos naquela decisão, pelo que, por economia processual se dá aqui como reproduzida e integrada.
11. De tudo resulta que:
a) - a cláusula penal compulsória foi fixada livremente entre as partes, dentro do princípio de autonomia das suas vontades;
b) - para gerar a obrigação da recorrente em pagar aquela quantia à recorrida bastava que aquela não cumprisse as suas obrigações até 30.09.2013, nascendo assim para a exequente o direito a exigir os 150.000,00 €, já não podendo exigir a entrega dos 3 lotes;
c) – Não era pois necessária qualquer interpelação admonitória à parte em mora, nem a verificação de incumprimento definitivo, nem resolução do contrato – que não ocorreu -, pois as partes fixaram um prazo peremptório, prevendo uma situação de eventual incumprimento, e estipularam uma cláusula penal para esse efeito;
d) - para que a obrigação fosse exigível, bastava que a exequente/recorrida, assim o comunicasse conforme o clausulado, o que fez com a sua carta de 11.10.2013, referida no ponto 6. da Matéria Assente.
12. Existe assim um título que serve de base à execução – a escritura - e com força executiva, nos termos conjugados do Artº 703, nº 1, al. b) do CPC, e do Artº 3º, nº 1, al. b) do C. Notariado.
13. Quanto à exequibilidade da prestação exigida ao executado, dispõe o Artº 707º do CPC que: “Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base a execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes“
14. No caso concreto, o documento passado em conformidade com as cláusulas constantes da escritura, pelo qual a se constituía uma obrigação futura na sequência da previsão das partes, é a comunicação da D… ao executado que pretendia exercer o direito a receber a obrigação alternativa – a indemnização -, ou seja, a carta datada de 11.10.2013.
15. O título dado à execução, além de existir, é pois exequível.
16. Finalmente, com aquela interpelação / comunicação da D… de 10.11.2013, venceu-se imediatamente a obrigação do recorrente em pagar os referidos 150.000,00 €, pois a exequente D… exigiu-lhe o cumprimento da obrigação.
17. Obrigação essa que teve vencimento imediato, quer por força do contratualmente estabelecido – a interpelação a exigir o cumprimento -, quer por força da norma supletiva do Artº 777, nº 1 do CC - obrigação exequenda que é assim exigível.
C) – EXCESSO DE CLÁUSULA PENAL:
18. A exequente adere, neste ponto aos fundamentos da sentença, que por economia processual se reproduz, ao que acrescem os seguintes argumentos:
19. Na escritura as partes não avaliaram o terreno cedido pela D… em 51.000,00 €, nem avaliaram os 3 lotes a receber num valor global de 51.000,00 €.
20. Nessa escritura, as partes atribuíram para efeitos de permuta, o valor de 51.000,00 €, ao terreno cedido pela D…, e de 17.000,00 € a cada lote, no valor atribuído global de 51.000,00 €, ou seja, prestação e contraprestação de igual valor.
21. Mas já no contrato de cedência referido no ponto 7. da Matéria Assente, a recorrente assumiu a obrigação de, pagando 150.000,00 € à exequente, faria a escritura de compra do terreno rústico da D…, ou seja, como correspectividade do valor dos lotes.
22. Pelo que, correspondendo os 150.000,00 €:
– ao valor da indemnização, que corresponde ao valor concreto e real atribuído pelas partes aos 3 lotes;
– ao valor, sensivelmente, de mercado de cada um desses lotes, após conclusão, considerando a sua área e localização;
- O valor, mínimo, projectado pela D… para os vender a terceiros se lhos tivessem sido entregues; e
– Incorporando ainda esse valor o lucro que esta esperava alcançar com essa venda;
23. Não existe fundamento para redução equitativa desse valor, já esse valor não corresponde, nem nunca correspondeu, ao triplo do valor dos bens permutados, mas sim ao valor real dos 3 lotes a receber pela D….
24. Não há pois qualquer excesso nesse valor – existe sim a expressão da realidade e da vontade das partes, o que deve ser respeitado.
25. Redução que assim deve improceder.
II FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

No que concerne aos Factos considerados como adquiridos para os autos, consta da Decisão em apreço:
Com relevo para as excepções e matéria a apreciar podemos dar por assente os seguintes factos:
1. No dia 28.01.2013, no Notário Privativo da Câmara Municipal …, foi celebrada uma escritura denominada "PERMUTA DE BENS PRESENTES POR BENS FUTUROS", tendo sido outorgada por: a) – E…, como primeiro outorgante, que a outorgou como sócio gerente e em representação da sociedade comercial por quotas D…, Lda, NIPC ………, com sede na …, Fracção C, …. r/c, freguesia …, concelho de Lousada; e Pelo executado, o Município …, NIPC ………, representado pelo seu Presidente da Câmara Municipal, F…, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente por reproduzido.
2. Nessa escritura ficou consignado que:
a) - A sociedade D… era dona e legítima proprietária de um prédio rústico, denominado G…, sito no …, freguesia …, concelho de Paredes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob a descrição 1437-…, e inscrito na respectiva matriz sob o Artº 20;
b) - Que no referido prédio rústico da D…, o Município … pretendia executar a obra de construção do C… de …, respectivos acessos e uma operação de loteamento.
3. E entre o primeiro e segundo outorgante, nas invocadas qualidades, foi por essa escritura celebrado um contrato de permuta, pelo qual a D… cedia ao Município … o prédio rústico atrás identificado, recebendo em troca do Município …, como bens futuros, três lotes de terreno no referido imóvel, denominados por Lotes 1, 2 e 3, cujo projecto de construção ainda não se encontrava aprovado.
4. Na mesma escritura, foi declarado pelo executado o seguinte:
a) - Que o Município … assegurava a execução das obras de urbanização inerentes ao loteamento urbano;
b) - Que o Município … teria a obrigação de entregar à D… os 3 lotes até ao dia 30 de Setembro de 2013, devendo, também, dentro daquele prazo emitir o respectivo alvará de loteamento e concluir as obras de urbanização dos 3 lotes;
c) - O incumprimento pelo Município … do prazo referido na alínea anterior, conferia à D… do direito de exigir do mesmo Município, em substituição dos referidos Lotes, uma indemnização no valor de 150.000,00 (CENTO E CINQUENTA MIL EUROS), valor atribuído aos 3 lotes de terreno, bastando que para tal remeta comunicação nesse sentido, por carta registada ao Município ….
5. O executado não entregou à D… os 3 lotes até ao dia 30 de Setembro de 2013, nem, até essa data, emitiu o respectivo alvará de loteamento, nem, finalmente, até essa data, concluiu as obras de urbanização dos 3 lotes.
6. A D… enviou no dia 11.10.2013 uma carta registada com aviso de recepção (A.R.) ao executado, na qual:
a) - Invocava o contrato de permuta celebrado a 28.01.2013, suas cláusulas e consequências do incumprimento do mesmo;
b) - Invocava o incumprimento por parte do Município … das várias obrigações contratuais a que o executado estava obrigado a cumprir até ao dia 30 de Setembro de 2013
c) - Por força desse incumprimento, e no exercício do direito contratualmente estipulado, veio a D… exigir ao Município … o pagamento da indemnização devida de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros), solicitando o envio do respectivo cheque para a sua sede no prazo de 15 dias.
7. O exequente e a executada celebraram o contrato de cedência de parcela de terreno em 09.02.2010 a fls. 43 a 48 que aqui se dá por integralmente por reproduzido.
Com interesse para a decisão da causa, nomeadamente a questão da legitimidade processual e mesmo substantiva, além da exigibilidade da prestação, e encontrando-se provados documentalmente (fls. 156-161), além de constarem da escritura (fls. 140-142) e não transcritos, acrescentamos à Decisão de Facto os seguintes Factos:
8. Por contrato celebrado entre D…, Ldª, e B…, Ldª, a 13-1-2014, aquela cedeu a esta o crédito no montante de € 150.000,00 sobre o Município … e resultante, segundo declararam, do contrato de permuta a que se reportam estes autos.
9. Por carta registada com ar, datada de 13-1-2014, a B…, Ldª, comunicou essa cedência ao Município …, que a recebeu a 14-1-2014.
10. Esta cedência estava prevista e autorizada pelo Município … na citada escritura.
11. Da escritura em causa consta, ainda, que os outorgantes declararam que o prédio cedido ao Município tem o valor atribuído de € 51.000,00 e que aos três lotes a entregar à D… e a permutar com aquele é atribuido o valor de € 51.000,00 (€ 17.000,00 a cada lote).
12. Da mesma escritura consta, também declarado por ambos os outorgantes, que o referido terreno passa a partir da data dessa escritura a integrar o domínio privado municipal.
13. Consta, ainda, que os outorgantes declararam que a composição dos referidos lotes, como bens futuros, objeto da permuta, será melhor identificada em posterior escritura de determinação de prestação, a qual se realizará até 31-7-2013.
14. Da escritura em causa consta, ainda como declarado por ambos os outorgantes:
“Que a composição dos referidos lotes, como bens futuros, objecto desta permuta, será melhor identificada em posterior escritura de determinação da prestação, a qual se realizará até ao dia 31 de Julho de 2013”.

DE DIREITO

São três as questões essenciais a apreciar e decidir: a da competência material dos tribunais comuns; a consequência do incumprimento dentro do prazo acordado; obrigação de redução da cláusula penal acordada.

A – COMPETÊNCIA MATERIAL

No caso em apreço o Apelante não interveio no contrato dos autos, que tem por finalidade (objeto) uma permuta e não um loteamento, munido de ius imperii, mas dele destituído, em plano de igualdade com a outra parte, contrato esse de caráter privado e do qual resultaram obrigações e direitos regulados pelo direito civil, não pelo direito público.
E, relativamente ao contrato de permuta não existem normas de direito público a regular o seu regime, tudo conforme se encontra bem esclarecido na Sentença recorrida, nem pode ser objeto de qualquer ato administrativo, nomeadamente de expropriação. Não é passível de ato administrativo a permuta e é este o objeto do contrato e não a mera aquisição.
Por outro lado, não estão em causa a interpretação e aplicação de normas do RJUE e dos Planos e respetivos regulamentos em vigor, ou melhor, não está em causa qualquer relação de natureza administrativa ou fiscal para que seja questionável a competência dos tribunais comuns e declarada a sua incompetência material – ver Ac. da Relação do Porto, de 28-3-2012, CJ, XXXVII, II, p. 306.
Como sabemos, a Administração Pública pode contratar segundo o direito privado ou segundo o direito público … existem contratos emanados pela Administração aos quais não se aplicam as regras do CCP … como os contratos de compra e venda, de doação, de permuta, de arrendamento … temos contratos que são contratos da administração, mas que não são públicos - NUNO ALBUQUERQUE SOUSA, Noções de Direito Administrativo, Coimbra Editora, 2011, p. 396.
No ac. da Relação de Coimbra, de 26-1-2010, em www.dgsi.pt., a confirmar o acima exposto, lê-se:
No acórdão do Tribunal de Conflitos de 05.11.1981[7] considerou-se que a solução do problema da qualificação como de gestão pública ou de gestão privada, dos actos praticados pelos titulares de órgãos ou agentes de uma pessoa colectiva pública, reside em apurar: se tais actos se compreendem numa actividade da pessoa colectiva em que esta, despida do poder público, se encontra e actua numa posição de paridade com os particulares a que os actos respeitam, e, portanto, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com submissão às normas de direito privado, ou se, contrariamente, esses actos se compreendem no exercício de um poder público, na realização de uma função pública, independentemente de envolverem ou não o exercício de meios de coerção e independentemente, ainda, das regras, técnicas ou de outra natureza, que na prática dos actos devem ser observadas.
É de notar que ao falar-se de actos que se compreendem na realização de uma função pública pretende-se focar apenas os actos que integram, eles mesmos, essa realização, não abrangendo os actos que apenas se destinam a permiti-la, isto é, actos instrumentais à realização de actos de gestão pública.
Do exposto, resulta existir consenso quanto ao essencial, isto é, são actos de gestão pública, os praticado pelos órgão ou agentes da Administração no exercício de um poder público, ou seja, no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público, ainda que não envolvam ou representem o exercício de meios coercivos; actos de gestão privada, os praticados pelos órgão ou agentes da Administração em que esta aparece despida do poder público, e, portanto, numa posição de paridade com os particulares a que os actos respeitam, e, daí, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com inteira submissão às normas de direito privado e às mesmas jurisdições [8].
Assim, não é da competência dos Tribunais Administrativos a apreciação e interpretação do contrato em causa, nomeadamente se ocorreu o seu incumprimento e, no caso afirmativo, qual a consequência ou sanção daí resultante para a parte incumpridora, pois que não ocorre nenhuma das hipóteses previstas no artigo 4º do ETAF, pelo que pertence à jurisdição comum a apreciação desta questão.
Na verdade, esse artigo 4º determina:
1 – Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:
a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração;
c) Fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos, praticados por quaisquer
órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que não pertençam à Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos;
e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público;
f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público;
g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos;
i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público;
j) Relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir;
l) Promover a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas, e desde que não constituam ilícito penal ou contra-ordenacional;
m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas colectivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;
n) Execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa e fiscal.
2 – Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de:
a) Actos praticados no exercício da função política e legislativa;
b) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal;
c) Actos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da acção penal e à execução das respectivas decisões.
3 – Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
a) A apreciação das acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, bem como das correspondentes acções de regresso;
b) A fiscalização dos actos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça;
c) A fiscalização dos actos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e pelo seu Presidente;
d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.B – INCUMPRIMENTO E SUA CONSEQUÊNCIA
Está assente, além do mais
… b) - Que o Município de Paredes terá a obrigação de entregar à D… os 3 lotes até ao dia 30 de Setembro de 2013, devendo, também, dentro daquele prazo emitir o respectivo alvará de loteamento e concluir as obras de urbanização dos 3 lotes;
c) - O incumprimento pelo Município … do prazo referido na alínea anterior, confere à D… do direito de exigir do mesmo Município, em substituição dos referidos Lotes, uma indemnização no valor de 150.000,00 (CENTO E CINQUENTA MIL EUROS), valor atribuído aos 3 lotes de terreno, bastando que para tal remeta comunicação nesse sentido, por carta registada ao Município …. …
Relembremos que o devedor tem de realizar a prestação a que está adstrito com o respeito pelos três princípios que informam o cumprimento das obrigações – a prestação deve ser pontualmente cumprida – artigo 406º, 1, e 762º, 1, do CC, o solvens deve agir nos termos impostos pela boa-fé – artigo 762º, 2, do CC e a prestação deve ser efetuada integralmente – artigo 763º do CC(1).
São três as formas de não cumprimento: incumprimento definitivo, mora e cumprimento defeituoso(2).
A mora do devedor consiste no atraso culposo no cumprimento da obrigação(3). Estamos, aqui, perante um não cumprimento temporário.
O incumprimento definitivo consiste em se ter tornado impossibilidade a realização da prestação ou por ter perdido o interesse para o credor(4); o devedor não realiza a obrigação no tempo devido por facto que lhe é imputável, mas já não lhe é permitida a sua realização posterior(5).
O incumprimento definitivo surge: a) quando, no momento da prestação, esta não seja acatada pelo devedor, impossibilitando-se de seguida; b) quando, por força da sua não realização ou do atraso na prestação, o credor perca o interesse objetivo na sua efetivação; c) quando, havendo mora do devedor, este não cumpra no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor; d) quando o devedor manifeste que não quer cumprir ou que não cumprirá, podendo esta manifestação resultar de declaração expressa ou de catos concludentes(6).
O cumprimento defeituoso consiste na prestação realizada pelo devedor que não cumpre as condições de integridade e identidade do cumprimento; abrange também os vícios e defeitos que pode ter o objeto da prestação; ou que não foi oferecida às pessoas que a deviam receber ou em circunstâncias de lugar e tempo de cumprimento acordadas(7).
Nos artigos 798º e 799º do CC está admitida a figura do incumprimento em sentido amplo, no qual se inclui o cumprimento defeituoso(8).
Contudo, o CC, apesar da referência que faz ao cumprimento defeituoso no artigo 799º, 1, não o regula especialmente(9).
E dispõe o artigo 799º, 1, do CC: “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.
O momento temporal do cumprimento tem importância …, sobretudo, para fixar um eventual incumprimento do devedor ou do credor(10).
O contrato vertente, pela própria natureza da prestação por parte do Município, implicava o estabelecimento de um prazo(11), que o foi originariamente, pois que constante do próprio contrato(12).
Torna-se fundamental saber a função atribuída pelas partes ao prazo que acordaram(13).
Na verdade, ou estamos perante um prazo/termo essencial (subjetivo ou objetivo) ou relativo, o que vai determinar a sua influência sobre os efeitos do contrato(14).
Se é absoluto, o contrato considera-se definitivamente incumprido, com imediata perda de interesse, sem necessidade de interpelação(15). “Se a fixação do prazo significa que a prestação tem de ser efectuada dentro dele, sob pena de o negócio caducar, por a prestação já não ter interesse para o credor, há o que os autores chamam um negócio fixo absoluto, um prazo absolutamente fixo, ou, como lhe chama BAPTISTA MACHADO, uma prestação temporalizada. Se a fixação do prazo não envolve a necessária caducidade do negócio, mas apenas a faculdade de o credor, vencido o prazo sem que a obrigação seja cumprida, resolver o negócio ou exigir indemnização pelo dano moratório, há um negócio fixo relativo ou simples”(16).
Estamos perante um prazo essencial objetivo quando tal resulta do fim ou da natureza da obrigação e subjetivo quando tal resulta da determinação das partes(17).
Temos, antes de mais, de determinar o sentido juridicamente relevante do contrato em referência(18), ou seja proceder à sua interpretação.
E a interpretação, para não ser arbitrária, tem de obedecer a regras(19). Estas provêm de ciências não reguladas pelo Direito, mas ligadas à linguística e, no nosso caso pelo disposto nos artigos 236º a 238º do CC, que fixam os critérios jurídicos a que deve obedecer a interpretação.
A primeira das regras jurídicas a ter em consideração é a do artigo 236º, 1, do CC – A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
E a outra regra jurídica a ter em consideração é a do artigo 238º, 1, do CC, pois que estamos a interpretar declarações contidas, além do mais, numa escritura pública – Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Há, pois, que interpretar este contrato no sentido de saber qual foi a vontade das partes contratantes.
Relembremos que acordaram que o incumprimento do prazo previsto no parágrafo anterior (entrega dos lotes até 30-9-2013, emissão do respetivo alvará de loteamento e conclusão das obras de urbanização), por parte do Município …, confere ao primeiro outorgante (D…, Ldª), o direito de exigir do mesmo Município, em substituição dos referidos lotes, uma indemnização no valor de € 150.000,00 valor atribuído aos três lotes de terreno, bastando que para tal remeta comunicação nesse sentido, por carta registada ao segundo outorgante (Município …).
Para os outorgantes, como resulta da palavra “bastando”, o prazo era essencial, ficando dispensada, necessariamente, qualquer interpelação admonitória. Foi acordada uma data até à qual o Município devia cumprir várias obrigações para com o outro outorgante e que, se as não cumprisse, era suficiente para ser devida a indemnização a respetiva interpelação de pagamento.
Isto é, acordaram em dispensar qualquer interpelação admonitória.
Aliás, esta era a interpretação que o Município dava a essa cláusula quanto ao prazo, pois que, em resposta à interpelação do pagamento não impugnou a legitimidade, a oportunidade e a possibilidade da exigência da indemnização, mas limitou-se a propor a prorrogação do prazo para entrega dos lotes, por um período de 12 meses.
Esta é uma declaração tácita, mas concludente dessa interpretação acima feita – ver artigo 217º, 1, do CC.
Sendo certo que, face aos factos adquiridos para os autos, é unicamente imputável ao próprio Município a falta de determinação, de identificação dos 3 lotes a entregar.
Desta forma somos levados a concluir que existe título executivo e é exigível o cumprimento da obrigação de pagamento da cláusula penal, porém com a ressalva infra.
C – CLÁUSULA PENAL
O Apelante alega que o valor acordado para cláusula penal é excessivo por corresponder ao triplo do valor do bem cedido e dos lotes a permutar, independentemente de qual seja o atraso na prestação ou de que esse atraso não seja imputável ao Município.
Assim, deverá ser reduzida, pelo menos em € 7.837,00, montante já recebido pela Apelada no âmbito de contrato-promessa que está na base do contrato em causa.
Esta cláusula é uma cláusula penal, estipulada para o incumprimento definitivo do devedor(20).
Tal tipo de cláusula está previsto no artigo 810º, 1, do C. Civil.
Do contrato em causa resulta expressamente que o montante da cláusula penal corresponde à indemnização a obter em substituição da entrega dos lotes pelo Município.
Como resulta do contrato, o Município adquire o direito de propriedade sobre o prédio em consequência do contrato e foi conferido, nesse mesmo contrato, à outra parte o direito de, no caso de incumprimento na entrega de três lotes pelo Município até à data estipulada, em substituição desta entrega, o direito a receber a indemnização de € 150.000,00.
Podemos, assim, dizer que, apesar de a cláusula penal, ter, habitualmente, a dupla finalidade de fixação de indemnização e de forçar ao cumprimento tempestivo das obrigações assumidas pelas partes, já que entendemos ser de seguir a orientação da dupla finalidade (que são as suas características próprias), embora a principal seja a de evitar dúvidas futuras e litígios entre as partes quanto à determinação do montante da indemnização, quando nada tenha sido expressamente referido relativamente a essa finalidade.
Mas, tendo em atenção que a finalidade da cláusula penal foi a de estipular o montante da indemnização e que esta corresponde a quase três vezes o valor que ambos os outorgantes haviam atribuído aos 3 lotes (€ 17.000,00 a cada um), temos de considerar esse montante manifestamente exagerado, criando um desequilíbrio enorme entre as duas prestações, em nada justificável.
Tendo em atenção as condições atuais do mercado imobiliário, praticamente estagnado, nada permite prever que a Apelada obteria semelhante lucro na venda dos lotes ou em qualquer outro destino que lhes viesse a dar.
Entendemos equitativo, à falta de outros elementos, reduzir aquela cláusula para € 100.000,00, no que se inclui a totalidade da indemnização, nela se incluindo o sinal, redução que é feita ao abrigo do disposto no artigo 812º, 1, do CC.
III DECISÃO

Por tudo o que exposto fica acordamos em julgar parcialmente procedente a Apelação, reduzindo para cem mil euros o montante a pagar pelo Apelante à Apelada, a título de cláusula penal (capital em dívida) e, no mais, em julgar improcedente a mesma Apelação.
Custas, nesta e na 1ª instância por Apelante e Apelada na proporção do respetivo decaimento.

Porto, 2015-04-27
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
Correia Pinto
_________
(1) MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 918 e segs.; PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento ..., Almedina, Coimbra, p. 129. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 138, 141-142, acrescenta o princípio da concretização.
(2) FRANCISCO MANUEL PEREIRA COELHO, Obrigações, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, Coimbra, pp. 218 e 219; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, vol. II, 7ª ed., reimpressão, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 62 e 118 e segs.. Ver o AC. do S. T. J., de 26-11-2009, www.dgsi.pt, que vem confirmar que o cumprimento defeituoso integra um tipo de não cumprimento.
(3) ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 109; a prestação, ainda possível, não foi realizada no tempo devido, por facto imputável ao devedor - MENEZES LEITÃO, ob. e vol. cits., p. 227 - artigo 804º, 2, do CC.
(4) ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., pp. 61 e 62.
(5) MENEZES LEITÃO, ob. e II vol. cits., p. 243.
(6) Ver PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações (Parte Especial), Contratos, Almedina, Coimbra, 2000, p. 434, e Cumprimento..., p. 135; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, vol. 2º, AAFDL, 1994, p. 457; ANTUNES VARELA, ob. e vol. II cits., pp. 91-92; AC. DO S.T.J., de 3-10-1995, CJSTJ, III, III, 42 - artigos 801º a 803º e 808º do CC.
(7) GIMENA DIEZ-PICAZO GIMENEZ, Mora y la Responsabilidad Contratual, Civitas, Madrid, 1996, p. 392.
(8) VAZ SERRA, R.L.J., 108º, p. 147.
(9) VAZ SERRA, ob. e ano cits., p. 144; PESSOA JORGE, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 1968, p. 26.
(10) JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, Coimbra Editora, 2011, p. 76; ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 41.
(11) Ver ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 42.
(12) ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 43.
(13) JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, ob. e loc. cit.
(14) JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, citando BAPTISTA MACHADO, ob. cit., pp. 78 e 79.
(15) JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, ob. cit., p. 79.
(16) ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 45.
(17) ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., pp. 45 e 46.
(18) ANTÓNIO DE MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, T. I, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, p. 741.
(19) ANTÓNIO DE MENEZES CORDEIRO, ob. e t. cits., p. 741. No sumário do ac. do STJ, de 27-1-2015, www.dgsi.pt, está escrito A fixação do sentido do contrato não pode ser procurada meramente no plano linguístico, devendo apelar-se a uma perspectiva integrada da autonomia privada através de uma articulação com outros princípios do direito dos contratos, como o da justiça (ou equilíbrio do contrato), o da protecção da confiança ou o da conduta segundo a boa fé.
(20) Sobre a noção de cláusula penal e sua finalidade ver: ANA PRATA, Dicionário Jurídico, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1989, p. 113 e seg., e Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, Almedina, Coimbra, 1985, p. 103 e seg.; JOÃO CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 2ª ed. (reimpressão), separata do vol. XXX do suplemento ao Boletim da F. D. U. C., 1995, p. 247 e seg.; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, vol. II, A.A.F.D.L., 1994 (reimpressão), p. 426; ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, p. 5 e 6; PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. II cits., p. 73 e 74; ANTUNES VARELA, Das Obrigações ..., vol. II, cits., p. 139; INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7ª ed., Coimbra Editora, 1997, p. 395, nota 2; PESSOA JORGE, ob. cit., p. 419; MARIA ÂNGELA BENTO SOARES e RUI MANUEL MOURA RAMOS, Contratos Internacionais, Compra e Venda, Cláusulas Penais e Arbitragem, Almedina, Coimbra, 1986, p. 288; JOSÉ MARQUES ESTACA, A Cláusula Penal e a Responsabilidade Civil, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, IV, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 297 e 298; ENNECCERUS-LEHMANN, ob. cit., vol. 1º, p. 187; JEAN CARBONNIER, Droit Civil, 4, 7ª ed., P. U. F., Paris, 1972, p. 266; PHILIPPE LE TOURNEAU E LOIC CADIET, Droit de la Responsabilité, Dalloz, Paris, 1996, p. 567; SOPHIE LE GAC-PECH, La Proportionnalité en Droit Privé des Contrats, L.G.D.J., Paris, 2000, p. 215-240; ACS. DO S. T. J., de 17-2-1998, CJSTJ, VI, I, p. 71, e de 12-1-1994, Bol. 439º, p. 559; AC. DA RELAÇÃO DO PORTO, de 20-5-1996, CJ, XXI, III, p. 203; e AC. DA RELAÇÃO DE COIMBRA, de 19-10-1999, CJ, XXIV, V, p. 9 (este aresto, que revogou a sentença da 1ª instância, por entender não ser de reduzir a cláusula penal, veio a ser revogado e confirmada aquela sentença da 1ª instância, por Ac. do S.T.J., de 16-5-2000 – Recurso de Revista n.º 302/2000, sendo Relator: Conselheiro Fernandes Magalhães).