Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00009698 | ||
Relator: | RAMIRO CORREIA | ||
Descritores: | CONDUÇÃO DE MOTOCICLO CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE DE SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | RP199306099340355 | ||
Data do Acordão: | 06/09/1993 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T J GUIMARÃES 2J | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 437/92-4 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO. ANULADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | DIR CRIM. DIR PROC PENAL. | ||
Legislação Nacional: | DL 123/90 DE 1990/04/14 ART12 N1. DL 117/90 DE 1990/04/05 ART55. CPP87 ART379 A. | ||
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Sumário: | I - O artigo 12 nº 1 do Decreto-Lei nº 123/90, de 14/04, apenas revogou o penúltimo parágrafo do artigo 46 nº 1 do Código da Estrada no que se refere a automóveis ligeiros e pesados, continuando a mesma disposição em vigor no que se refere a motociclos, enquanto não entrar em vigor o Decreto- -Lei nº 117/90, de 05/04; II - Tendo a sentença dado como provados factos que integram uma contravenção mas omitindo-se, quanto a ela, decisão condenatória ou absolutória, cometeu-se a nulidade da sentença prevista no artigo 379 alínea a) do Código de Processo Penal. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação I - No Tribunal Judicial da comarca de Guimarães, mediante acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo de transgressão o arguido José Luís ......., solteiro e com os demais sinais dos autos, imputando-lhe a prática de duas contravenções previstas e punidas pelo artigo 46 nº 1 do Código da Estrada e artigo 2 alínea g) do Decreto-Lei nº 240/89 de 26/07; uma contravenção prevista e punida pelos artigos 2 alínea a), nº 25, e 6 do Regulamento do Código da Estrada; uma contravenção prevista e punida pelo artigo 2 nº 4 do Código da Estrada; uma contravenção prevista e punida pelo artigo 5 nºs 2 e 8 do Código da Estrada, sendo estas três últimas também com a actualização prevista nos artigos 2, alínea a) e 5 do citado Decreto-Lei nº 240/89. II - Feito o julgamento e proferida sentença foi o arguido condenado na multa de 7500 escudos, por cada uma das contravenções ao artigo 46 do Código da Estrada. Relativamente à contravenção prevista e punida pelo artigo 2 nº 4 do Código da Estrada, foi condenado na multa de 7500 escudos. Quanto à contravenção prevista e punida pelo artigo 5 nºs 2 e 8 do Código da Estrada, foi condenado na multa de 10000 escudos. Globalmente, foi o arguido condenado na multa de 32500 escudos. Foi ainda condenado na taxa de justiça de 5000 escudos e nas custas do processo com 2500 escudos de procuradoria e em 1000 escudos de honorários ao defensor. III - Por se não ter conformado com a decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público que, em síntese conclusiva, motivou do seguinte modo: a) Os factos apurados consubstanciam, além do mais, a autoria de duas contravenções de condução não habilitada de motociclo prevista e punida pelo penúltimo parágrafo do nº 1 do artigo 46 do Código da Estrada. b) O regime punitivo criado pelo artigo 1 do Decreto-Lei nº 123/90, de 14/04, abrange apenas a condução não habilitada de veículos automóveis ligeiros e pesados. c) A revogação do penúltimo parágrafo do nº 1 do artigo 46 do Código da Estrada, operada pelo artigo 12 do Decreto-Lei nº 123/90, de 14/04, diz apenas respeito àquela categoria de veículos, que não aos motociclos. d) A punição pela condenação não habilitada de motociclos continua a ser e até plena entrada em vigor do Decreto-Lei nº 117/90, de 05/04, a prevista no penúltimo parágrafo do nº 1 do artigo 46 do Código da Estrada. e) Ao condenar o arguido, além do mais, por duas contravenções previstas no artigo 46 do Código da Estrada, com referência ao artigo 62 do mesmo Código, na pena de 7500 escudos de multa por cada infracção, a Meritíssima Juíza violou aquela norma e o preceituado no artigo 2 alínea g) do Decreto- -Lei nº 240/89 de 26/07. f) O arguido deve ser condenado, além do mais, na pena de 120 contos de multa e em 15 dias de prisão, nada obstando a que esta seja substituída por multa, por cada uma das contravenções previstas e punidas pelo artigo 46 nº 1 penúltimo parágrafo do artigo 46 do Código da Estrada e artigo 2 alínea g) do Decreto-Lei nº 240/89 de 26/07. g) O arguido vinha também acusado da autoria da contravenção prevista e punida pelo artigo 4 nº 2 alínea a), 25 e nº 6 do Regulamento do Código da Estrada, tendo a Meritíssima Juíza dado como provados todos os factos da acusação. h) Porém, não condenou, nem absolveu o arguido da referida contravenção, havendo, assim, omissão de pronúncia, com violação do preceituado no artigo 5 do Decreto-Lei nº 240/89 de 26/07 e 410 nº 2 alínea c) do Código de Processo Penal. i) O arguido deve, pois, ser também condenado como autor da referida contravenção na multa de 10000 escudos. IV - O Meritíssimo Juiz admitiu o recurso e mandou subir os autos a esta Relação. V - Nesta instância, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso. VI - Foram os seguintes os factos que a sentença deu como provados: No dia 12/05/92, cerca das 12 e 30 horas, no lugar de .... - Lordelo - Guimarães, o arguido conduzia o motociclo, matrícula ....-...-..., marca Aprília, Tuareg - 125 ETX, sem possuir licença de condução ou outro documento emitido pela entidade competente que o habilitasse a conduzir este tipo de veículo na via pública, conforme foi presenciado pelos soldados da Guarda Nacional Republicana de Lordelo, no exercício das suas funções de fiscalização. Nesta ocasião o arguido não parou ao sinal de paragem feito por M. ....., soldado da Guarda Nacional Republicana que no local se encontrava devidamente uniformizado e prosseguiu a sua marcha pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o sentido em que seguia, sem que existisse qualquer obstáculo que o determinasse a invadir essa parte da faixa de rodagem. No decorrer desta fuga, o arguido, ao chegar ao entroncamento formado pela via onde seguia e a Estrada Nacional nº 105, local onde existe o sinal nº 53 - Stop -, não parou e, sem respeitar este sinal, entrou, repentinamente na referida Estrada Nacional nº 105, por onde circulavam veículos no sentido Santo Tirso-Guimarães, não tendo provocado acidente com os mesmos devido a circunstâncias meramente casuais. No dia 26/06/92, cerca das 8 e 50 horas, no lugar de ...... - Lordelo - Guimarães, o José Luís conduzia o mesmo motociclo sem possuir licença ou outro documento que o habilitasse a conduzir este tipo de veículo na via pública, conforme foi presenciado por M....., soldado da Guarda Nacional Republicana no exercício de funções no local. O arguido agiu de vontade livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas. Com o visto do Excelentíssimo 1º Adjunto. VII - Procedeu-se à audiência pública de recurso, observando-se todas as formalidades previstas na lei. Nos termos do artigo 344 do Código de Processo Penal, não houve produção de prova, por o arguido ter confessado de livre vontade todas as infracções que lhe eram imputadas. O recurso é, pois, restrito à matéria de direito - artigo 428 nº 2 do Código de Processo Penal. VIII - O arguido foi punido pelas duas contravenções ao disposto no artigo 46 do Código da Estrada, por recurso ao artigo 62 do mesmo diploma, por se ter entendido não existir punição expressa para ilícitos desta natureza. IX - Salvo o devido respeito, não podemos concordar com com a solução defendida na douta sentença. O artigo 27 nº 2 do Código da Estrada classifica os veículos automóveis em ligeiros, pesados e motociclos. A condução, sem a necessária habilitação, de tais veículos é punida pelo artigo 46 nº 1 penúltimo parágrafo do Código da Estrada. É certo que o Decreto-Lei nº 117/90 de 05/04 veio estabelecer um novo regime jurídico aplicável aos motociclos, ciclomotores e velocípedes, prevendo também a punição da sua condução sem a necessária habilitação. Este novo regime ainda não entrou em vigor, dado o disposto nos artigos 57 e 58 do citado Decreto-Lei. Por outro lado, o Decreto-Lei nº 123/90 de 14/04 prescreve no seu artigo 12 nº 1: " É revogado o penúltimo parágrafo do nº 1 do artigo 46 do Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei nº 39672 de 20 de Maio de 1954 ". X - Há, assim, que proceder à interpretação conveniente deste artigo. " A interpretação não deve cingir-se à letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas de tempo em que é aplicada ". E terá querido o legislador punir tais contravenções por recurso ao artigo 61 do Código da Estrada, ainda que transitoriamente? Não nos parece sustentável tal posição. Repare-se que, quando o Decreto-Lei nº 117/90 entrar em vigor, a condução, por não habilitado, de motociclos não só é classificada como crime, como também é punida, nos termos do artigo 46 do mesmo Decreto-Lei, com prisão ou multa, variando a punição de acordo com as subcategorias referidas no artigo 30 nº 1. Seria no mínimo estranho que o legislador do Decreto- -Lei nº 123/90 de 14/04 não tivesse tido em mente o Decreto-Lei nº 117/90 de 05/04 que considera crime tal infracção e que a pune com certa gravidade estabelecendo agora, ainda que transitoriamente, a sua punição, recorrendo ao disposto no artigo 62 do Código da Estrada. A melhor solução será a de que o artigo 12 nº 1 do Decreto-Lei nº 123/90 de 14/04 apenas revogou o penúltimo parágrafo do artigo 46 nº 1 do Código da Estrada, no que se refere a automóveis ligeiros e pesados, continuando a mesma disposição em vigor no que se refere a motociclos, enquanto não entrar em vigor o Decreto-Lei nº 117/90 - artigo 55. É que, na verdade, no artigo 1 do Decreto-Lei nº 123/90 apenas se estabelece a punição para quem conduzir veículos automóveis ligeiros ou pesados sem para tal estar habilitado. A interpretação restritiva do artigo 12 nº 1 do Decreto-Lei nº 123/90 parece-nos ter inteiro cabimento na hipótese dos autos por nos parecer ter sido esse o pensamento legislativo que na letra da lei tem " um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso " - nº 2 do artigo 9 do Código Civil. XI - O arguido confessou os factos; é delinquente primário, segundo declarou, e é mecânico de profissão. XII - Assim sendo e face ao disposto no artigo 84 do Código Penal de 1886, condena-se agora o arguido, por cada uma das contravenções ao disposto no artigo 46 nº 1 do Código da Estrada, na multa de 110000 escudos e em 15 dias de prisão que se lhe substituem por igual tempo de multa à taxa diária de 300 escudos, o que perfaz a multa global de 220000 escudos com a alternativa de 20 dias de prisão. XIII - Relativamente aos factos dados como provados e que integram a contravenção ao disposto no artigo 4 nº 2 alínea a), 25 e nº 6 do Regulamento ao Código da Estrada, a Meritíssima Juíza não se pronunciou; não condenou nem absolveu o arguido. Tal procedimento integra a nulidade da sentença, prevista no artigo 379 alínea a) do Código Penal e não o vício previsto no artigo 410 nº 2 alínea c) como - e salvo o devido respeito - incorrectamente se alega. A nulidade, embora incorrectamente enquadrada quanto à qualificação jurídica, foi invocada como fundamento do recurso e não pode considerar-se sanada. Tal vício implica a nulidade da sentença e do próprio julgamento, o qual terá de ser repetido nesta parte - artigos 379 alínea a); 410 nº 3, 122 nºs 1 e 2 e 328 nº 6, todos do Código de Processo Penal. Em conformidade, acordam em conceder provimento ao recurso e decidem: a) Declarar nula a sentença e determinar a repetição do julgamento na parte em que se omitiu pronúncia em relação à contravenção indicada no nº 13 deste acórdão; b) Condenar o arguido nos termos do nº 12 do mesmo acórdão; c) Manter a douta sentença no mais ali decretado. Sem custas. Honorários mínimos ao defensor. Porto, 9 de Junho de 1993 Castro Ribeiro Ramiro Correia (Relator) Judak Figueiredo |