Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00043106 | ||
| Relator: | HENRIQUE ANTUNES | ||
| Descritores: | REQUERIMENTO SEGUNDA PERÍCIA INDEFERIMENTO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO | ||
| Nº do Documento: | RP20091027861/06.0TBCHV.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/27/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO - LIVRO 327 - FLS 225. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Legislação Nacional: | ARTºS 508-A Nº 1 C), 690º Nº 4 E 701º Nº 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. | ||
| Sumário: | I - O dever de prevenção — que se concretiza, por exemplo, no convite ao aperfeiçoamento pelas partes dos seus articulados ou das conclusões da alegação de recurso — tem por finalidade evitar que o êxito de qualquer pretensão de qualquer das partes possa frustrar—se pelo uso inadequado do processo e, na actuação concreta, pode consistir, na sugestão de certa actuação. II - Não contendo o requerimento de realização de segunda perícia as razões da discordância dos autores relativamente aos resultados da primeira perícia, o que estava indicado, em face da deficiência do requerimento, era actuar o princípio da cooperação intersubjectiva, na vertente do dever de prevenção e, consequentemente, convidar os autores a aperfeiçoá-lo — através da indicação das razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado — e não indeferi-lo, sem mais. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 861/06 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório. B………. e cônjuge E………. propuseram, no .º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Chaves, contra D………., acção declarativa constitutiva, com processo comum, sumário pelo valor, pedindo a extinção da servidão, declarada por sentença, transitada em julgada, pelo lado poente do seu prédio, e substituição dessa passagem por outra do lado nascente, e a condenação da ré a reconhecer e a respeitar aquela substituição, de modo que apenas a passagem do lado nascente passe a existir e a ser utilizada. A ré defendeu-se alegando, designadamente, que o seu prédio confina, ao longo de toda a confrontação nascente com um outro prédio, que não o dos autores, pertencente a E………. . Os autores responderam que a ré mente descaradamente e de má fé quando diz que o seu prédio não confronta a nascente como o dos autores. Dispensou-se a selecção da matéria de facto e procedeu-se, sob requerimento dos autores, à perícia, por único perito, do local em que mostra judicialmente constituída a servidão e daquele para onde os autores pretendem mudá-la. Os autores, notificados do relatório da perícia, requereram se procedesse à realização de segunda peritagem, com três técnicos, por entenderem que o resultado da primeira peritagem, mau grado a competência demonstrada pelo Sr. Perito que a ela procedeu, enferma de deficiências que não poderão ser satisfatoriamente supridas com um mero pedido de esclarecimento. Na peritagem são incompletas e deficientes as respostas às questões postas pelos autores nos quesitos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9. A resposta ao quesito 9, posto pela ré, é também manifestamente dúbia e insuficiente. A ré opôs-se, alegando que não foram explicitadas as discordâncias em relação à perícia realizada nem apresentadas as razões pelos quais os autores entendem que o resultado da mesma seria diferente. O Sr. Juiz de Direito, depois de observar que os autores explicitam os pontos do relatório de que discordam mas não apresentam quaisquer razões para a sua discordância, limitando-se a concluir, sem fundamentar – indeferiu aquele requerimento. Os autores logo impugnaram este despacho através de recurso ordinário de agravo - admitido para subir com o primeiro que houvesse de subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo - pedindo a sua revogação e sua substituição por outro que admita a segunda perícia. Entretanto, por virtude do facto lamentável da morte primitiva ré, foi habilitada, como sua sucessora, para contra ela prosseguir a demanda, F………. . Os autores requereram a intervenção provocada principal, ao lado da ré, de E………., mas o Sr. Juiz de Direito, por despacho proferido para a acta da audiência, indeferiu o requerimento. Os autores impugnaram também este despacho por recurso ordinário de agravo. Este recurso foi admitido, por despacho notificado aos autores por carta registada no correio no dia 9 de Dezembro de 2008, mas aqueles não ofereceram a sua alegação. Decidida, sem reclamação, a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente. Apelaram, claro, os autores, pedindo que se revogue daquela sentença e se declare a acção procedente. Com o propósito de mostrar o mal fundado da decisão que lhes indeferiu o requerimento de realização de segunda perícia, os autores extraíram da sua alegação esta singela conclusão: - O douto despacho recorrido violou por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artº 589 nº 2 do C.P. Civil. Movidos pelo fito de mostrar a falta de bondade da sentença final, os autores cristalizaram a alegação do seu recurso de apelação nas conclusões seguintes: A. O presente recurso vem interposto da decisão final dos presentes autos em que se decretou a improcedência da acção e absolveu a R. dos pedidos contra si formulados, nomeadamente, o pedido de ser declarada extinta a servidão de passagem do lado poente referida no art.° 5° da petição inicial, sendo esta passagem substituída por outra do lado nascente, nos termos descritos no art.° 28° do referido articulado e condenar-se a R. a reconhecer e respeitar essa substituição de modo que apenas esta passagem do lado nascente do seu prédio passe a existir e a ser utilizada. B. O objecto do presente recurso prende-se com a interpretação e aplicação da lei à factualidade dada como provada, bem como a impugnação da matéria de facto dada como provada, nos termos do art.° 712° do CPC. C. Relativamente à matéria de facto dada como provada, os AA. pretendem ver alterada a resposta dada ao ponto 12°. D. Para tanto, os AA. fundamentam a sua pretensão nos seguintes documentos extraídos do processo …/99, que correu termos no . ° Juízo do Tribunal Judicial de Chaves: certidão da petição inicial; certidão da acta da audiência de discussão e julgamento ocorrida no dia 14/06/2005 (fIs. 114 e seguintes) e respectivo levantamento topográfico; certidão do acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, cuja junção aos presentes autos supra se requereu, a título de questão prévia, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos art.° 524° e 706° (ou caso assim não se entenda, nos termos e ao abrigo do princípio do inquisitório - art.° 265°, n.º 3 e 535, n.º 1 do CPC, todos do CPC). E. Através da análise dos documentos supra referidos poder-se-á constatar que o prédio da R. não confronta, em toda a sua extensão nascente, com um outro prédio, pertença de E………. . F. Deve, portanto, merecer resposta negativa o ponto 12° dos factos dados como provados tal resultando, por forma inarredável, do valor probatório dos documentos juntos aos autos, razão pela qual, deverá a decisão recorrida, no que tange à matéria de facto impugnada, ser alterada por esse Venerando Tribunal. G. Relativamente à subsunção de direito ao caso em concreto, entendem os Recorrentes que, uma vez alterada a resposta ao ponto da matéria de facto sobredito, ficará amplamente demonstrado que estão reunidos os pressupostos para decretar a mudança de servidão nos termos requeridos no petitório. H. Tal como resulta do exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra em que, no tocante à matéria de facto, se dê como não provado o ponto 12° da matéria de facto dada como provada e, consequentemente, após a subsunção dos factos ao direito, se julguem os pedidos formulados pelos AA totalmente procedentes. I. Normas jurídicas violadas: 1568°, n.º 1 do C.C.; 265,° n.º 3 e 535°, n.º 1, ambos do CPC. O ré respondeu ao recurso de apelação – mas não ao de agravo – concluindo pela sua improcedência. 2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto dos recursos. 2.1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso de agravo: 2.1.1. Os autores alegaram, no requerimento de realização de segunda perícia entendem que o resultado da primeira peritagem, mau grado a competência demonstrada pelo Sr. Perito que a ela procedeu, enferma de deficiências que não poderão ser satisfatoriamente supridas com um mero pedido de esclarecimento. Na peritagem são incompletas e deficientes as respostas às questões postas pelos autores nos quesitos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9. A resposta ao quesito 9, posto pela ré, é também manifestamente dúbia e insuficiente. 2.2.2. O requerimento de realização da segunda perícia foi indeferido com fundamento no facto de os autores explicitarem os pontos do relatório de que discordam mas não apresentarem quaisquer razões para a sua discordância, limitando-se a concluir, sem fundamentar. 2.2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso de apelação: 2.1.2. O tribunal de que provém o recurso julgou provada a seguinte factualidade: 1. Os autores são donos e legítimos possuidores dos seguintes prédios, um urbano e outro rústico, assim, descritos: A - Casa de habitação no ………., freguesia de ………., Chaves, composta de cave, rés-do-chão e 1 º andar com a área coberta de 252m2 e terreno de logradouro à volta composto de jardim e horta com a área de 4.413m2 e que na sua dimensão total confronta de norte com G………., do nascente com H………., do sul com I………. e do poente com o caminho público, inscrito na matriz urbana de ………. sob o artigo 630º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00239/170890, inscrito em nome dos autores, com o valor patrimonial de 12.217,75 €. B - Terra de olival no ………. com a área de 1.150m2 que confronta de norte com J………., do sul com K………., do poente com L………. e do nascente com a Rua ………., matrizado sob o artigo 991º da matriz rústica de ………. e inscrito no Registo Predial de Chaves em nome dos autores e descrito sob o nº 29/200585, com o valor patrimonial de 235,2º €. 2 - A ré é dona de um prédio rústico com a seguinte descrição matricial: C- Olival e terra de centeio no sítio ………. com a área de 450 m2 a confrontar do norte e nascente com M………. do sul com N………. e do poente com O………., inscrito na matriz rústica de ………. sob o art. 988º e não descrito na Conservatória do Registo Predial e com o valor patrimonial de 88,42 €. 3. Este prédio pertencente à ré é constituído por um olival. 4. Por sentença proferida na acção sumária nº …/99 que correu termos pelo .º Juízo, foi declarado e decretado "que sobre o prédio dos réus (aqui referido no artº 1 ª -A dos aqui autores) identificado nos autos e a favor do referido prédio da autora (o prédio C da aqui ré), existe uma servidão legal de passagem nos termos alegados nos artigos 6 a 7 da petição inicial" ou seja uma passagem "junto à estrema norte do prédio dos réus (aqui autores), no seu alinhamento a qual tem o seu início no caminho público situado a poente, prolonga-se no sentido poente/nascente até atingir o prédio da autora (aqui ré) com a largura de 3 metros e a extensão de 45 metros". 5. No terreno não se vê vestígio de passagem. 6. Foi sobre o prédio A, através do terreno de logradouro dessa habitação que foi declarada pela sentença acima aludida a existência de uma servidão de passagem a favor do prédio C, servidão essa com 45 metros de extensão e 3 metros de largura. 7 - O prédio da ré é de dimensão inferior a qualquer dos prédios dos autores. 8. A passagem proposta tem acesso a uma rua. 9. A rua do ………. para onde desemboca é pavimentada. 10. A passagem agora proposta está construída, utilizável a qualquer hora do dia ou da noite para e desde a via pública, com um espaço transitável de cerca de 4 metros de largura e cerca de 42 metros de comprimento. 11. Pelo lugar onde foi sentenciada, além dos muros e árvores, existe uma cabine eléctrica. 12. O prédio da ré confina ao longo de toda a sua confrontação nascente com um outro prédio que não o dos autores, pertencente a E………., o qual se acha inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ………. sob o artigo 989º. 13. A passagem junto à estrema norte do prédio dos autores fica a aproximadamente a 27 metros da moradia dos autores. 14 - A passagem ocupa terra apta para cultivo. 15. A distância em relação à casa da ré seria alongada em 60 metros. 16. O percurso da entrada da servidão à estrada nacional pela rua ………. é plano ao passo que da entrada da passagem proposta à estrada nacional são percorridos por um caminho com várias curvas e num trajecto com subidas e descidas. 17. A passagem reconhecida é plana, sendo a proposta desnivelada, e a sua parte final, que deita para um terreno que não pertence à ré, ainda se faz sentir o declive de forma mais acentuada. 2.1.3. O decisor da 1ª instância motivou o julgamento referido em 2.1.2. nestes exactos termos: Os factos alegados no art. 1 ° da p.i., estão admitidos por acordo, com a ressalva do que vem alegado no art. 1 ° da contestação, pelo que levou-se em conta o que consta nos respectivos documentos juntos à p.i. Também a resposta ao art. 2° resulta do que está descrito na certidão matricial respectiva (doc., 5 junto à p.i.). O grosso da prova produzida andou à volta da questão de saber se entre os dois prédios da autora e para além do prédio da ré, se intrometia ou não outro prédio (o art. 989°), do irmão da ré, pela forma que aparece no esboço de apresentado junto à contestação (fls. 33). A prova documental (em regra muito mais fidedigna do que a testemunhal) é inequívoca de que esse prédio existe. Veja-se a certidão matricial respectiva a fls. 81 que menciona como data de inscrição na matriz o já longínquo ano de 1957. E, também, a cópia de escritura pública de compra e venda pela qual a primitiva ré, então viúva, comprou os prédios descritos na matriz sobre os artigos 988° (o prédio dominante relativamente ao prédio servi ente dos autores) e 990° De onde se infere que são diversos do 989°. O que explica a circunstância do 989° fazer parte do acervo hereditário do pré-falecido marido desta, P………., e assim ter sido objecto, com os demais bens, de partilha da sua herança, onde não se incluía nem o 988° nem o 990°, como é demonstrado pela cópia da escritura de partilha junta a fls., 103 (verba nº 7). Desde 1994 que o 989° é pertença de E………. por força dessa partilha. É certo que no local não se vê demarcação entre o 988° e o 989°, como menciona o relatório pericial. Nem das confrontações (cuja fidedignidade, se sabe, é reduzida) referidas nas certidões matriciais e prediais é possível reconstituir a posição dos prédios entre si. Mas a numeração sequencial dos artigos matriciais inculca a ideia de que são seguidos. E, mais importante, da prova testemunhal produzida, embora não directamente, é possível retirar que o posicionamento dos prédios é o descrito pela ré. Na verdade, a maioria das testemunhas identificou os artigos 988° e 989° como um só prédio, dada a sua semelhante morfologia (veja-se novamente o relatório pericial) e também porque o pai da actual ré granjeou todo o terreno (o 9880 e o 989°). Facto inquestionado, mas que poderia, como foi aventado, fazer a título diverso, o que se afigura verdadeiro pela circunstância de só após a sua morte, a sua viúva, a primitiva ré, o ter adquirido, como já se viu. Contudo, o mais relevante prende-se com a circunstância da maioria das testemunhas, embora não distinga a existência de mais que um prédio (também não conheciam os documentos pertinentes), identificar junto à estrema do prédio onde os autores têm a casa uma faixa de terreno diversa do restante: "a carreira de oliveiras das ………." - neste sentido os depoimentos de Q………., S………., T………., U………., V………. . As testemunhas ou não conseguiam explicar porque se distinguia num prédio pretensamente único uma carreira de oliveiras de outra pessoa ou explicaram com rumores de que essa carreira pertenceria ao prédio onde agora os autores têm a casa, mas o pai da ré, por meios ínvios, conseguiu dele se apoderar. Face aos documentos juntos, especialmente perante a escritura pública de compra e venda acima referida, onde surge como vendedora W………. (fls. 95-vº) e compradora a primitiva ré, o julgador convenceu-se da veracidade da versão da ré. Aquela "carreira de oliveiras das ……….” corresponde ao art. 988°, o da ré, a poente do qual está o prédio do irmão da ré, o artigo 989° e só depois o outro prédio dos autores (artigo 991°. Aliás, isso mesmo foi explicado claramente pelo irmão da ré E………., dono do 989°. Relativamente às características dos terrenos em causa, áreas, distâncias e acessos, levou-se em conta o já citado relatório pericial. Repare-se que algumas das conclusões do relatório partem da premissa de que o caminho aberto no prédio dos autores designado por B desemboca no prédio da ré, quando, como se viu, termina antes no prédio do seu irmão. Daí que algumas das suas conclusões fossem consideradas nesta perspectiva. Finalmente, relativamente ao que foi decidido e alegado na acção sumária nº …/99, apenas foi considerado o que as partes admitiram por acordo. Não foi junta qualquer certidão desse processo que permitisse ir mais além. 3. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos. 2.1. Delimitação objectiva do âmbito dos recursos. Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC). Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1]. Além do recurso de apelação, interposto da sentença final e do recurso de agravo interposto do despacho de indeferimento da realização da segunda perícia, os autores interpuseram um outro recurso ordinário de agravo: aquele com o qual pretendiam impugnar a decisão que lhes indeferiu o requerimento de intervenção principal provocada passiva. Todavia, o processo não documenta que, no prazo de 15 dias, contado da notificação do despacho que o admitiu, os autores tenham cumprido o ónus de apresentar a sua alegação (artºs 690 nº 1 e 743 nº 1). Tal recurso deve, por isso, considerar-se deserto (artºs 291 nº 2 e 690 nº 3 do CPC). A deserção deve, porém, ser julgada, no tribunal em que se verificou, no caso, o tribunal de 1ª instância (artº 291 nº 4 do CPC). Nestas condições, a competência decisória deste Tribunal restringe-se, no caso, aqueles dois primeiros recursos. No tocante ao recurso de agravo, a questão concreta controversa que importa resolver é a de saber se decisão impugnada deve ser revogada e substituída por outra que ordene a realização da segunda perícia; já relativamente ao recurso de apelação, o thema decidendum consiste em saber se a sentença apelada deve ser revogada e substituída por acórdão que julgue a acção procedente. Tendo em conta o conteúdo das decisões recorridas e das alegações do recorrente e da apelada, a resolução da questão objecto da controvérsia exige, no tocante ao recurso de agravo, o exame dos requisitos que o requerimento de realização de segunda perícia deve preencher e a ponderação do princípio da cooperação intersubjectiva, e, relativamente ao recurso de apelação, a análise dos pressupostos da admissibilidade da junção, com a as alegações, de documentos, da modificação, pela Relação, da decisão da matéria de facto, e, finalmente, da mudança de servidão. Conjuntamente com a apelação, está pendente agravo que com ela subiu: estes recursos devem, por isso, ser julgados pela ordem da sua interposição (artºs 735 nº 1 e 710, nº 1, 1ª parte). Todavia, o agravo só será provido caso se deva concluir que a infracção cometida influiu no exame ou decisão da causa (artº 710 nº 2 do CPC). 2.2. Recurso de agravo. 2.2.1. Requisitos do requerimento de realização de segunda perícia. A prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos enunciados de facto produzidos pelas partes (artº 341 do Código Civil). Aquilo que a singulariza é o seu peculiar objecto: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388 do Código Civil) O resultado da perícia é expresso num relatório, no qual o perito – se a perícia for singular - ou peritos – se a perícia for colegial – se pronunciam, fundamentadamente, sobre o respectivo objecto (artº 586 nº 1 do CPC). A sua apresentação do relatório da perícia é notificada às partes, que podem reclamar, se entenderem que há nele qualquer deficiência, obscuridade ou contradição ou que as conclusões não se mostrarem devidamente fundamentadas (artº 587 nºs 1 e 2 do CPC). A reclamação consiste em apontar a deficiência e pedir que a resposta seja completada, ou em denunciar a obscuridade e solicitar que o ponto obscuro seja esclarecido, ou em notar a contradição e exprimir o desejo de que ela seja desfeita, ou em acusar a falta de fundamentação das conclusões e pedir que sejam motivadas. Qualquer das partes pode, também, requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento do resultado da primeira (artº 589 nº 1 do CPC). Até à Reforma do processo civil – instrumentalizada através dos DL nºs 329-A/95, de 12 de Dezembro e 180/96, de 25 de Setembro – o requerente de realização da segunda perícia não precisava de justificar o pedido; não carecia de apontar defeitos ou vícios ocorridos na primeira perícia; não tinha de apontar as razões por que julgava pouco satisfatório ou pouco convincente o resultado da primeira perícia. Numa palavra: qualquer das partes podia requerer segunda perícia sem que tivesse que dizer as razões por que a requeria, regime de que decorria esta consequência lógica: o juiz não podia indeferir o requerimento com o fundamento de considerar impertinente ou dilatória a diligência (artº 578 nº 1 do CPC). Aquela Reforma, porém, orientou-se em sentido nitidamente diverso, passando a exigir, como condição primeira do deferimento do requerimento de realização de segunda perícia, a sua fundamentação, através, naturalmente, da alegação, pelo requerente, das razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado (artº 589 nº 1 do CPC). A razão da alteração é evidente: permitir ao juiz o indeferimento do requerimento, com fundamento no carácter impertinente ou dilatório da segunda perícia[2]. No caso, os agravantes, notificados do relatório da perícia singular, requereram a realização de segunda perícia colegial. O requerimento, porém, foi indeferido com o argumento de que os requerentes, apesar haverem explicitado os pontos do relatório da perícia de que discordam – não tinham apresentado quaisquer razões para a sua discordância. O fundamento adiantado pelo decisor da 1ª instância para justificar o indeferimento do requerimento é inteiramente exacto: aquele requerimento ajusta-se melhor à reclamação contra o relatório da primeira perícia – do que ao pedido de realização de uma segunda. Todavia, há boas razões para considerar que o fundamento indicado de rejeição do requerimento de realização da segunda perícia não justificava logo o indeferimento imediato, irrefragável, desse requerimento. Essas razões prendem-se com o princípio da cooperação intersubjectiva e é para o seu detalhe que se dirigem as considerações subsequentes. 2.2.2. O princípio da cooperação intersubjectiva. Um dos princípios instrumentais do processo civil actual, i.e., dos princípios que procuram optimizar os resultados do processo, é o da cooperação intersubjectiva. A este princípio – que se destina a transformar o processo civil numa comunidade de trabalho[3], bem pode imprimir-se esta formulação: as partes e o tribunal devem cooperar entre si na resolução do conflito de interesses subjacente à acção (artº 266 nº 1 do CPC)[4]. Este princípio vincula reciprocamente o tribunal e as partes e desdobra-se, no tocante ao primeiro, nos deveres de esclarecimento, de auxílio e de prevenção. O dever de prevenção – que se concretiza, por exemplo, no convite ao aperfeiçoamento pelas partes dos seus articulados ou das conclusões da alegação de recurso – tem por finalidade evitar que o êxito de qualquer pretensão de qualquer das partes possa frustrar-se pelo uso inadequado do processo e, na actuação concreta, pode consistir, como inculcam os exemplos dados, na sugestão de certa actuação (artºs 508-A nº 1 c), 690 nº 4 e 701 nº 1 do CPC). Como se fez notar, o requerimento de realização de segunda perícia foi indeferido por não conter as razões da discordância dos autores relativamente aos resultados da primeira perícia. Todavia, o que estava indicado, em face da deficiência do requerimento, era actuar o princípio da cooperação intersubjectiva, na vertente do dever de prevenção e, consequentemente, convidar os autores a aperfeiçoá-lo – através da indicação das razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado – e não indeferir, sem mais, o requerimento[5]. O agravo é fundado: houve, realmente, ofensa de lei. E a violação cometida é relevante, porque influiu no exame e na decisão da causa. E influiu no exame e decisão da causa dado que vulnerou o direito dos autores à prova, uma vez que, no fundo, os impediu de exercer uma actividade destinada a formação da convicção do tribunal sobre os factos controvertidos – designadamente sobre aquele enunciado de facto que, no recurso apelação, reputam de erroneamente julgado - de cumprir o ónus de prova que os vincula e, eventualmente, de obter uma decisão favorável (artºs 341, 342 e 346, 2º parte, do Código Civil e 519 do CPC). Cumpre, portanto, revogar a decisão impugnada através do recurso ordinário de gravo e ordenar a sua substituição por outra que convide os autores, no prazo que tenha por razoável, a aperfeiçoar, nos termos apontados, o requerimento da realização de segunda perícia. 2.3. Recurso de apelação. Como logo se vê pela ordem de conhecimento dos recursos, a questão posta no agravo, constituía, por assim dizer, uma questão prévia que era prejudicial em relação ao objecto da apelação. A interposição do recurso de agravo limitou-se a produzir um efeito extraprocessual devolutivo e, portanto, não obstou à exequibilidade da decisão que, através dele, foi impugnada. A execução dessa decisão importou o julgamento da causa sem a realização da segunda perícia e, portanto, com desconsideração da prova que eventualmente disponibilizaria. O provimento do recurso de agravo importa, naturalmente, a inutilização dos actos processuais praticados depois do proferimento da decisão revogada, em que se incluem, naturalmente, a decisão da matéria de facto e a sentença final. Importa, por isso, julgar prejudicado o conhecimento do recurso de apelação (artº 660 nº 2 do CPC). A agravada não alegou. Contudo, como se opôs ao deferimento do requerimento de realização da segunda perícia com um fundamento que a decisão recorrida acolheu, não goza de isenção do pagamento de custas do recurso de agravo (artº 2 nº 1 g), a contrario, do CC Judiciais)[6]. A recorrida, deverá, por essa razão e porque sucumbe naquele recurso, satisfazer as custas dele (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC). 4. Decisão. Pelos fundamentos expostos: a) Concede-se provimento ao recurso de agravo e, consequentemente, determina-se a substituição da decisão de indeferimento do requerimento de realização de segunda perícia, por outra que convide os recorrentes, B………. e cônjuge, C………., a, prazo que for julgado razoável, aperfeiçoar aquele requerimento através da indicação das razões da sua discordância relativamente ao relatório da primeira perícia; b) Declara-se prejudicado o conhecimento do recurso de apelação. Custas do recurso de agravo, pela recorrida. Porto, 09.10.27 Henrique Ataíde Rosa Antunes Ana Lucinda Mendes Cabral Maria do Carmo Domingues _________________________ [1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.03.96, CJ, 96, II, pág.24. [2] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, Coimbra, 2001, págs. 520 e 521 e Acs. da RP de 23.11.06, de 07.10.08 e de 20.04.09, da RE de 13.09.07 e da RL de 28.09.06, www.dgsi.pt. [3] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 62. [4] Miguel Teixeira de Sousa, Introdução do Processo Civil, Lisboa, Lex, 2000, pág. 56. [5] Neste sentido, Carlos Gil, Da Prova Pericial em Processo Civil, Centro de Estudos Judiciários, 2000, págs. 24 a 26 e o Ac. desta Relação de 13.10.09, proferido no recurso de agravo 512-A.2001.P1 em que o relator deste acórdão interveio como 1º Juiz-Adjunto. [6] Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais, Anotado e Comentado, 6ª edição, Coimbra, 2004, pág. 81. |