Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0712778
Nº Convencional: JTRP00040566
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TRABALHADOR POR CONTA PRÓPRIA
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
Nº do Documento: RP200709170712778
Data do Acordão: 09/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 95 - FLS. 27.
Área Temática: .
Sumário: Em caso de culpa na produção do acidente por banda do trabalhador por conta própria, em lugar de responder a entidade empregadora em primeira linha e a seguradora subsidiariamente, como sucede no regime da LAT, nestas hipóteses de acidentes em que sejam vítimas trabalhadores por conta própria, não há direito a reparação do sinistro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


B……………… deduziu contra C……………., S.A. acção declarativa, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, pedindo que se condene a R. a pagar ao A. a quantia de € 1.841,10 relativa a deslocações, consultas, exames, tratamentos, aparelhos médicos e dívidas hospitalares realizadas pelo Autor; a quantia de € 18.156,32 correspondente à retribuição pelo salário seguro desde a data do acidente até à presente data; a pensão que lhe for devida com base na IPP que lhe vier a ser reconhecida em exame por Junta Médica e uma indemnização por danos morais em montante não inferir a € 20.000,00.
Alega para tanto, e em síntese, que no dia 2004-05-24 quando, sendo trabalhador por conta própria, mediante a retribuição anual de € 9.776,48 e estando a sua responsabilidade infortunística totalmente transferida para a R., o A. sofreu um acidente quando estava a fazer uma cofragem ao nível da lage do 1.º andar, donde caiu de uma altura de cerca de 2,70, do que resultou fractura da coluna ao nível de D8 e D9, tendo ficado afectado com incapacidade para o trabalho, temporária e permanente. Mais alega que as partes não se conciliaram na tentativa de conciliação a que oportunamente se procedeu, pois a R. imputa o acidente a violação das regras de segurança por parte do A. e este entende que não ocorreu a referida violação.
Contestou a R., por excepção, alegando que o acidente se ficou a dever culpa do A., por violação das regras de segurança e, quanto ao mais, contestou por impugnação.
Foi proferido despacho saneador, assentes os factos considerados provados e elaborada a base instrutória, sem reclamações.
No apenso respectivo procedeu-se a exame por Junta Médica, tendo sido fixado ao A. os períodos e graus de incapacidade temporária e o grau de incapacidade permanente.
Realizado o julgamento sem gravação da prova pessoal, respondeu-se à base instrutória pelo despacho de fls. 231 a 235, que não suscitou qualquer reclamação.
Proferida sentença, foi a R. absolvida do pedido.
Inconformado com o assim decidido, veio o A. interpôr recurso de apelação, pedindo que se revogue a sentença e que se a substitua por decisão que condene a R. no pedido, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

1. Não existe fundamento para que sejam dados como provados os factos constantes nas supra referidas alíneas a) a f), nos termos em que o foram.
2. Deve ser dado como provado que não era possível a instalação de guarda corpos na fase em que a obra se encontrava.
3. Deve ser dado como provado que o sinistrado e um outro trabalhador antes de si caíram por um orifício cuja dimensão não excedia a largura de 50 cm.
4. Deve ser dado como provado que não é possível instalar um andaime em "X" num espaço de 50 cm de largura.
5. Deve ser dado como provado que não existiam meios de protecção susceptíveis de evitar a ocorrência do acidente que vitimou o sinistrado.
6. Deve ser dado como provado que à data do acidente se encontravam instalados andaimes em "X" no interior da obra em questão, na zona onde ocorreu o acidente.
7. Deve ser dado como provado que a conduta do sinistrado não é susceptível de descaracterizar o acidente.
8. Não deve ser dado como provado que o sinistrado escorregou.
9. Em consequência dos factos supra referidos, tal implica que deve ser revogada a sentença proferida, condenando-se a Companhia seguradora nos termos peticionados em Petição Inicial.
A R. apresentou a sua alegação de resposta que concluiu pela confirmação da sentença.
A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação não merece provimento.
Admitido o recurso, foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.
São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:
A) - O Autor dedica-se à actividade de construção civil, encontrando-se colectado como empreiteiro em nome individual.
B) - No dia 24 de Maio de 2004, encontrava-se a edificar uma moradia que lhe tinha sido cometida em………., Paredes.
C) - No decurso dos trabalhos e enquanto realizava uma cofragem ao nível da primeira laje do rés-do-chão dessa moradia, para preparar a feitura dos beirais, desequilibrou-se e caiu desamparadamente ao solo de uma altura não inferior a 2,70 m.
D) - Mercê dessa queda sofreu fracturas ao nível da coluna dorsal, nomeadamente de D8 e D9, tendo sido nessa mesma data internado de urgência no Hospital Padre Américo, em Penafiel.
E) - No dia 31 de Maio de 2004 foi transferido, por indicação da Ré, do Hospital Padre Américo em Penafiel para o Hospital de Santa Maria, onde ficou internado cerca de quatro semanas em repouso absoluto, iniciando posteriormente levante com colete.
F) - Quando se preparava para receber alta hospitalar e iniciar as sessões de fisioterapia na clínica de ……………., Paredes, a Ré no dia imediatamente anterior ao seu início, comunicou-lhe que declinava toda a responsabilidade no acidente.
G) - O Autor nasceu no dia 17 de Janeiro de 1960.
H) - Aquando do acidente, o Autor tinha transferido para a Ré “C…………….., S.A.”, a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho através da apólice nº 10-50317041, relativa à retribuição anual de € 9.776,48.
I) - Na altura do acidente, não existiam quaisquer guarda corpos destinado a evitar o risco de quedas em altura.
J) - A Ré, por carta datada de 23 de Agosto de 2004 dirigida ao Autor, declinou o sinistro, tendo então cessado a assistência clínica que lhe vinha sendo por ela prestada.
L) - Aquando do acidente, o Autor realizava uma cofragem ao nível da primeira laje do rés-do-chão, com o propósito de preparar a feitura dos beirais.
M) - Não existia qualquer deficiência nem escoramento no local onde o Autor se encontrava a trabalhar, no momento da queda.
N) - Mercê das lesões sofridas, o Autor gastou dinheiro em transportes para se deslocar aos tratamentos.
O) - Também teve de gastar € 150,00 na compra de um colete cervical, € 122 na realização de dois RX e € 277,38 em consultas médicas e tratamentos de fisioterapia.
P) - Com o impacto daquela queda perdeu de imediato a consciência, só tendo acordado nas urgências do Hospital Padre Américo, em Penafiel.
Q) - Em consequência desse acidente ficou angustiado e receoso quanto ao seu estado de saúde.
R) - Aquando da queda, o Autor encontrava-se a trabalhar a cerca de 3 metros do solo
S) - O D………………. encontrava-se a trabalhar nessa obra para o Autor e caiu pouco tempo antes da queda dada pelo Autor.
T) - Após a queda sofrida pelo D …………….., o Autor chegou entretanto ao local da obra.
U) - E uma vez que o D........................... fora conduzido ao Hospital por uma filha do Autor, este prosseguiu os trabalhos que o D...........................antes se encontrava a executar.
V) - O Autor escorregou e caiu do mesmo local, onde antes tinha caído o D…………….
X) - O único equipamento de segurança existente e que era utilizado quer pelo Autor, quer pelo D........................... era o capacete de segurança.
Z) - A superfície onde o Autor e o seu trabalhador, D..........................., trabalhavam, era de madeira e estava escorregadia, por ter chovido recentemente.
AA) - Não existia qualquer dificuldade na montagem de um simples andaime de mesa em “X” em volta da construção, para evitar as quedas em altura naquele local.
AB) - Mercê desse acidente o sinistrado ficou numa situação de incapacidade temporária absoluta (I.T.A.) desde a data do acidente e durante um período de 180 dias, passando então a uma situação de incapacidade temporária parcial ( I.T.P.) de 20 % pelo período de 30 dias, passando então a uma situação de incapacidade temporária parcial (I.T.P.) de 10 % até ao dia 31 de Maio de 2005.
AC) - Encontra-se agora clinicamente curado, ficando afectado com um grau de Incapacidade Permanente Parcial (I.P.P.) de 7,5 % desde o dia 1 de Junho de 2005.

O Direito.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto(1), como decorre das disposições conjugadas dos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, são duas as questões a decidir nesta apelação, a saber:
I - Se deve ser alterada a matéria de facto assente na sentença sob as alíneas I), L), R), V), Z) e AA).
II - Se o acidente é indemnizável, por não ter havido violação das regras de segurança por parte do A., trabalhador por conta própria.
A 1.ª questão.
Trata-se de saber se deve ser alterada a matéria de facto assente na sentença sob as alíneas I), L), R), V), Z) e AA).
Vejamos.
Dispõe o Art.º 690.º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, o seguinte:
1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C(2).

Por sua vez, estabelece o n.º 2 do Art.º 522.º-C do mesmo diploma, o seguinte:
2 - Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento(3).
In casu, o A., ora apelante, indicou [cfr. conclusões 1ª a 8ª] quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e que são as alíneas I), L), R), V), Z) e AA).
Porém, o recorrente não indicou quais os concretos meios probatórios, pessoais e documentais, que impõem decisão diversa da recorrida.
Para além do mais, não tendo sido gravados os depoimentos prestados em audiência, não estão disponíveis todos os meios de prova indispensáveis à reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto, atento o disposto no Art.º 712.º, n.º 1, alínea a), in fine, do Cód. Proc. Civil(4), razão pela qual não se pode tomar conhecimento do objecto do recurso, nesta parte.
Improcedem, destarte, as primeiras 8 conclusões da apelação.
A 2.ª questão.
Trata-se de saber se o acidente é indemnizável, por não ter havido violação das regras de segurança por parte do A., trabalhador por conta própria, como ele defende, contra a opinião da R.
Refere adrede a sentença(5) recorrida:
“A questão a decidir é a de saber se o acidente de trabalho se encontra descaracterizado pela conduta do próprio Autor. Caso contrário saber a medida da responsabilidade da seguradora para efeitos indemnizatórios.
Nos termos do disposto no artigo 1º nº 1 do D.L. 159/99 de 11 de Maio os trabalhadores independentes são obrigados a efectuar um seguro de acidentes de trabalho que garanta, as prestações definidas na Lei 100/97 de 13 de Setembro, para os trabalhadores por conta de outrem e seus familiares, sendo que nos termos do artigo 2º do mesmo Diploma Legal, e em princípio, o seguro de acidentes de trabalho dos trabalhadores independentes rege-se, com as devidas adaptações, pelas disposições da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro e diplomas complementares.
Pretendeu deste modo o legislador também aqui instruir o carácter de obrigatoriedade a este seguro, sendo que a falta do mesmo consubstancia também uma contra-ordenação, pretendendo deste modo garantir a esses trabalhadores e respectivos familiares, em caso de acidente de trabalho, indemnizações e prestações em condições idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares.
Assim, relativamente aos trabalhadores independentes, cabe-lhes a eles assegurar a sua própria protecção contra os riscos do trabalho, ainda que a lei lho imponha (6).
O Autor tinha celebrado com a ré seguradora, enquanto trabalhador independente um seguro que cobria danos próprios e que garantia as prestações reparatórias daquele, no âmbito do disposto na Lei nº 100/97 de 13 de Setembro.
A aplicabilidade aos trabalhadores independentes do regime estabelecido na Lei 100/97 está sujeita, como referi às devidas adaptações relativamente ao regime geral para os trabalhadores por conta de outrem
Deste modo, as exclusões do âmbito do direito à reparação não são forçosamente as constantes do artigo 7º da Lei 100/97 (L.A.T.).
A Apólice Uniforme para Trabalhadores Independentes, aprovada pelo REGUL/ISP 1/2000 de 7 de Janeiro, estipula no seu artigo 4º al. g) que para além dos excluídos pela legislação aplicável, não ficam abrangidos pelo contrato de seguro os acidentes que sejam consequência da falta de observância das disposições legais sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
O artº 8º do DL nº 441/91, de 14 de Novembro (Regime de Enquadramento da Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho) estabelece as medidas necessárias à prevenção de acidentes, utilizando como condicionantes a previsibilidade dos riscos, de molde a serem combatidos na sua origem.
Na aplicação das medidas de prevenção, devem ser empregues todos os meios necessários, bem como o equipamento de protecção que se torne necessário utilizar, tendo em conta, em qualquer caso, a evolução da técnica - n.º 3 desse artigo 8.º
Como bem refere Dias Coimbra no seu artigo “O princípio da menor perigosidade” (7) “há que sublinhar o papel que a técnica desempenha na prossecução da menor perigosidade que preside ao cumprimento, pelo trabalhador, da sua obrigação principal, o trabalho” adiantando ainda que não obstante as melhorias proporcionadas pela ciência e pela técnica no âmbito da prevenção continuam a subsistir riscos profissionais pelo que o princípio da menor perigosidade implica a avaliação dos riscos que não podem ser evitados, “combatendo os riscos na fonte”,
Como resulta do próprio relatório do D.L. nº 441/91 de 14 de Novembro, pretendeu-se adaptar a normativo interno a Directiva 89/391/CEE, bem como dar cumprimento às obrigações decorrentes da ratificação por Portugal da Convenção da O.I.T. nº 155 sobre Segurança, Saúde dos Trabalhadores e Ambiente de trabalho.
No desenvolvimento da regulamentação anunciada no n.º 2 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 441/91, foi publicado o Decreto-Lei n.º 348/93, de 1 de Outubro, que veio transpor para a ordem jurídica interna, a Directiva n.º 89/656/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de protecção individual.
De harmonia com esse Decreto-Lei n.º 348/93, entende-se por equipamento de protecção individual todo o equipamento, bem como qualquer complemento ou acessório, destinado a ser utilizado pelo trabalhador para se proteger dos riscos, para a sua segurança e para a sua saúde (n.º 1 do artigo 3.º), o qual deve ser utilizado quando os riscos existentes não puderem ser evitados ou suficientemente limitados por meios técnicos de protecção colectiva ou por medidas, métodos ou processos de organização do trabalho (artigo 4.º).
Segundo o artº 7.º, a descrição técnica do equipamento de protecção individual, bem como das actividades e sectores de actividade para os quais aquele pode ser necessário, é objecto de portaria do Ministro do Emprego e da Segurança Social, tendo a Portaria n.º 988/93, de 6 de Outubro, dado execução a esse preceito.
Consoante o Anexo II daquela Portaria, intitulado «Lista indicativa e não exaustiva dos equipamentos de protecção individual», são adequados à protecção contra quedas, os equipamentos ditos «antiquedas», os equipamentos com travão «absorvente de energia cinética» e os dispositivos de preensão do corpo (cintos de segurança).
Também da Portaria n.º 101/96, de 3/4, resulta que o acesso a qualquer local de trabalho que não apresente solidez ou estabilidade só pode ser autorizado desde que sejam fornecidos equipamentos ou outros meios adequados, que permitam realizar o trabalho em segurança – artº 2º.
Dispõe o artº 11º da mesma Portaria que:
“1- Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil”.
2- Quando, por razões, técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável”
Vejamos assim se dos factos dados como provados resulta ter existido uma conduta do Autor violadora de tais preceitos básicos de segurança.
Ficou provado que o Autor encontrava-se a trabalhar numa residência que estava a construir quando se desequilibrou e deu uma queda no solo a uma altura de cerca de 3 metros.
Essa obra não se encontrava dotada de qualquer sistema colectivo de segurança no local onde se deu a queda, sendo que o Autor, como sucedia com as outras pessoas que aí trabalhavam para si, como era o caso do D……………………., apenas utilizavam capacete de segurança, como sistema individual de segurança.
Ficou também provado que não existia qualquer dificuldade na montagem de um simples andaime de mesa em “X” em volta da construção, para evitar as quedas em altura naquele local.
Era assim obrigação do Autor ter dotado aquela obra, construção de uma moradia, de sistemas de segurança que evitassem a sua queda, bem como dos trabalhadores que para si trabalhavam.
E, a conduta do Autor é tanto mais grave quando também resultou provado que um seu trabalhador, o D........................... tinha dado uma queda, pouco tempo antes, precisamente no mesmo local onde o Autor também veio a cair.
Demonstrou assim o Autor com esse comportamento um elementar desrespeito pelas regras mais básicas de segurança no sector da construção civil, tanto mais que foi trabalhar para um sítio que estava escorregadio e onde momentos antes já tinha caído uma outra pessoa quando aí estava a trabalhar.
E, não se diga que não estando em causa a construção de um grande prédio ou de uma grande estrutura não seria necessário que tivessem sido tomados os grandes cuidados de segurança.
É que os acidentes por queda em altura com os resultados muitas vezes fatais que acarretam tanto se dão nas grandes obras como nas pequenas.
Considero assim mostrar-se descaracterizado o acidente em causa nos autos, não sendo assim a seguradora responsável pelo pagamento de qualquer indemnização ao Autor.
É que como bem refere Menezes Leitão (8) o acidente descaracteriza-se como de trabalho quando importe a violação sem causa justificativa das condições de segurança”.

Concordamos, em termos gerais(9), com esta fundamentação expendida na sentença importando, no entanto, tecer algumas considerações.
O Recorrente, vítima do acidente dos autos, sendo um trabalhador por conta própria, reclamou na acção a reparação correspondente à prevista na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro(10) e demais legislação aplicável, porque efectuou um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a R., atento o disposto no Art.º 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio, o qual é obrigatório.
Tal contrato de seguro rege-se pela referida LAT e diplomas complementares, com as devidas adaptações, como dispõe o Art.º 2.º do mencionado Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio.
A necessidade de um regime jurídico devidamente adaptado resulta da circunstância de o trabalhador por conta própria reunir em si a dupla qualidade de empregador e trabalhador, criando dificuldades as situações em que o acidente ocorre por culpa da entidade empregadora(11). Na verdade, estabelecendo a LAT, no seu Art.º 18.º, n.º 1 que quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão…, estabelecendo a seguir o nível da agravação nos casos de incapacidade temporária e de incapacidade permanente, importa determinar qual é o regime, devidamente adaptado, a aplicar no caso de o acidente ter tido por vítima um trabalhador por conta própria. Em realidade, a primeira dificuldade a enfrentar consiste em saber se nestes casos tem aplicação a norma constante do Art.º 37.º, n.º 2 da LAT:
Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, n.º 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei.
E a questão tem pertinência porque, estabelecendo o Art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, que O empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, logo estatui o n.º 6 do mesmo artigo que Para efeitos do disposto no presente artigo, e com as devidas adaptações, o trabalhador independente é equiparado ao empregador [sublinhados nossos].
Por outro lado, estabelece o Art.º 4.º, n.º 1, alínea g) da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes [aprovada pela Norma n.º 14/99-R, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelas Normas n.ºs 11/2000-R, de 13 de Novembro, 16/2000-R, de 21 de Dezembro e 13/2005-R, de 18 de Novembro, in Regulamento nº 1/2000, Diário da República nº 5, II Série, de 07 de Janeiro de 2000, também disponível em www.isp.pt] que Além dos acidentes excluídos pela legislação aplicável, não ficam, em caso algum, abrangidos pelo presente contrato os acidentes que sejam consequência de falta de observância das disposições legais sobre segurança, higiene e saúde no local de trabalho [sublinhados nossos].
Daqui decorre que, em caso de culpa na produção do acidente por banda do trabalhador por conta própria, em lugar de responder a entidade empregadora em primeira linha e a seguradora subsidiariamente, como sucede no regime da LAT, nestas hipóteses de acidentes em que sejam vítimas trabalhadores por conta própria, não há direito a reparação do sinistro.
Tal significa que o regime devidamente adaptado, aplicável ao caso dos trabalhadores por conta própria ou independentes, não integra a norma constante do Art.º 37.º, n.º 2 da LAT, mas já inclui a hipótese [não a estatuição] da norma constante do n.º 1 do Art.º 18.º da mesma LAT, a norma constante do Art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, bem como a norma constante do Art.º 4.º, n.º 1, alínea g) da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes; isto é, se houver culpa ou inobservância das regras de segurança por parte do trabalhador por conta de outrem, não á reparação do sinistro e, se tal não se verificar, há reparação por parte da seguradora, que responde em via principal e na medida da responsabilidade transferida, isto é, na medida da retribuição declarada para efeitos de prémio de seguro [Ao contrário do que sucede nos casos normais regulados na LAT, no caso de acidentes que tenham vitimado trabalhadores independentes não há lugar a responsabilidade subsidiária, pois a seguradora só responde em via principal, nem há lugar a pensões e indemnizações agravadas, pois não há entidade empregadora para responder por elas, nem há lugar a prestações correspondentes à totalidade da retribuição auferida pelo trabalhador, se ela não tiver sido declarada à seguradora, pois apenas esta tem a obrigação de reparar, estando reunidos os demais pressupostos].
Trata-se de regime jurídico coerente porque, por um lado, não há entidade empregadora para suportar a responsabilidade em primeira linha e mesmo que se considerasse o trabalhador por conta própria como o seu próprio empregador, o direito e a obrigação extinguir-se-iam reciprocamente por via da confusão [cfr. o disposto no Art.º 868.º do Cód. Civil] na mesma pessoa – singular – e, por outro, não faria sentido colocar a seguradora a responder subsidiariamente quando não existe obrigação principal.
In casu, como se refere na sentença, o acidente ocorreu por violação das regras de segurança por banda do A., trabalhador por conta própria.
Cremos, no entanto, que tal como sucede no domínio da LAT, para os trabalhadores por conta de outrem, também aqui é necessário demonstrar que existiu nexo causal entre a violação das regras de segurança e a produção do acidente, sendo certo que ele não se presume.
Na verdade, no domínio da aplicação do regime infortunístico anterior, a violação das regras de segurança fazia presumir – presunção juris tantum – a culpa da entidade empregadora, atento o disposto no n.º 2 da Base XVII da Lei n.º 2127, de 1965-08-03 e no Art.º 54.º [Que dispõe: Para efeito do disposto no n.º 2 da base XVII, considera-se ter resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante o acidente devido á inobservância de preceitos legais e regulamentares, assim como de directivas das entidades competentes, que se refiram á higiene e segurança no trabalho] do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, sendo ainda necessário provar [directamente] o referido nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e a produção do acidente.
No regime vigente, o Art.º 18.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, não remete para qualquer norma do seu regulamento – Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril – como sucedia anteriormente. Tal significa que hoje, mesmo no caso de violação das regras de segurança, impõe-se demonstrar a culpa da entidade empregadora – imputar-lhe a inobservância das regras de segurança, a título de culpa [dolo ou negligência] – e ainda fazer a prova do nexo de causalidade, como no regime anterior.
[Cfr. A. Veiga Rodrigues, in Acidentes de Trabalho, Anotações à Lei n.º 1:942, pág. 125, José Augusto Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 1980, pág. 213, Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, págs. 102 a 105, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1996-07-10, de 1999-09-29 e de 2004-07-06, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, respectivamente, Ano IV-1996, Tomo II, págs. 288 a 290, Ano VII-1999, Tomo III, págs. 252 a 255 e Ano XII-2004, Tomo II, págs. 289 a 292 e o Acórdão da Relação do Porto de 2005-05-16, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXX-2005, Tomo III, págs. 225 a 228].
Este entendimento da doutrina e da jurisprudência para os casos de acidentes de trabalho de que tenham sido vítimas trabalhadores por conta de outrem, é – a nosso ver – igualmente válido para as hipóteses de acidentes em que estejam envolvidos trabalhadores por conta própria. Na verdade e como se referiu acima, é a própria lei que equipara o trabalhador independente ao empregador – cfr. o citado Art.º 8.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro.
Cremos que, in casu, dos factos provados deduz-se com facilidade o nexo causal entre a inobservância das regras de segurança e o acidente, pois qualquer medida de protecção colectiva ou individual seria suficiente para evitar a queda ao solo do sinistrado, de uma altura de cerca de 3 metros.
Daí que o acidente dos autos seja imputável a culpa do sinistrado por inobservância das regras de segurança, pelo que ele não é indemnizável pela seguradora e, tratando-se de trabalhador por conta própria ou independente, não há qualquer outra entidade a quem possa ser atribuída a titularidade da obrigação de reparar as suas consequências danosas.
Deve, assim, improceder a 9.ª conclusão do recurso.

Decisão.
Termos em que se acorda em negar provimento à apelação, assim confirmando a douta sentença recorrida.
Custas pelo A.

Porto, 2007-09-17
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro
_____________
(1) Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, págs. 522 a 531
(2) Redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto.
(3) Redacção introduzida pelo diploma referido na nota anterior.
(4) Do seguinte teor:
A decisão do tribubal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida.
(5) As notas de rodapé seguintes – 6, 7 e 8 – são da autoria do Tribunal a quo, cuja apresentação se mantém em moldes idênticos, por mera comodidade de exposição.
(6) Cfr. Menezes Leitão in “A reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho” Estudos do I.D.T.” pág. 537 e ss.
(7) In “Questões Laborais” nº 19, Coimbra Editora
(8) In “Temas Laborais, Estudos e Pareceres”.
(9) Não concordamos, porém, que a verificação de culpa na produção do acidente conduza à sua descaracterização. Na verdade, com o devido respeito por todas as opiniões em contrário, para mais sabendo-se que tal qualificação é feita desde logo pela lei – cfr., a mero título de exemplo, a epígrafe do Art.º 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro – a imputação do acidente a título de culpa, tem como consequência que não surge o direito à reparação das suas consequências danosas, mas não transforma o acidente em um evento de outra natureza.
(10) De ora em diante designada apenas por LAT.
(11) Claro está que, sendo o sinistrado trabalhador por conta própria ou trabalhador independente, se numa certa vertente pode ser visto como entidade empregadora, como se analisa em texto, também pode ser visto como mero trabalhador. Na verdade, se naquela vertente contrata, organiza e planifica a obra, nesta executa o trabalho correspondente. Daí que admitamos que pode não haver lugar a reparação do acidente se, apesar de reunidas no local de trabalho todas as condições de segurança, higiene e saúde, o sinistrado adoptar na execução do trabalho condutas enquadráveis em qualquer das alíneas a) a c) do n.º 1 do Art.º 7.º da LAT. In casu, no entanto, estamos apenas perante a hipótese prevista no Art.º 18.º da LAT.