Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0643232
Nº Convencional: JTRP00039685
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
Nº do Documento: RP200611080643232
Data do Acordão: 11/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 232 - FLS 55.
Área Temática: .
Sumário: Comete o crime do artº 3º, nº 1, do DL nº 2/98 quem, estando habilitado com licença de condução de velocípede com motor, não trocou esse título por licença de condução de ciclomotor nos termos do art 47º do DL nº 209/98, e conduziu na via pública um ciclomotor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

Inconformado com o despacho do senhor juiz do Tribunal Judicial da Maia que decidiu não receber uma acusação por si deduzida contra um arguido por factos que considerou integraram a prática de um crime p.p. nos termos do n.º1 do art. 3.º do D/L n.º2/98, de 3 de Janeiro, com o fundamento de que os mesmos não integram a prática do crime que nela lhe é imputado, mas a prática de uma contra-ordenação, dele recorreu o M.º P.º, tendo concluído a motivação nos termos seguintes:
1 – O arguido vinha acusado de ter cometido um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art.º 3.º, n.º1, do D.L 2/98, de 3/1, por no dia 06/02/05 ter sido interceptado a conduzir um ciclomotor, tendo para o efeito apresentado uma licença de condução de velocípedes com motor emitida em 14/12/94, pela C. M. da Maia.
2 – Tal licença caducara em 20/07/99 nos termos do art.º 47.º, n.ºs 1 e 2, do D.L 209/98, de 15/07.
3 – A categoria de licença de condução de velocípedes com motor terminou com a citada norma de 98, bem como o Cód. da Estrada aprovado pelo D.L 265/A/01 de 28/09 - cfr. art.º 122.º, n.º2, e 124.º, n.º1, al. a).
4 – Ora, no art.º 49.º, n.º3, estabelece-se uma coima como sanção, para os casos dos que têm licença válida para conduzir determinada categoria de veículo, e são apanhados a conduzir qualquer outra categoria.
5 – Exemplificando: quem tiver carta de condução para ligeiros e conduzir motociclo ou ciclomotor, é punido com uma coima.
6 – Já não é compreensível que o legislador quisesse aplicar o mesmo regime a alguém, cuja licença de condução fizera caducar.
7 – Portanto – a única conclusão possível é que o arguido, na situação fáctica apresentada nos autos, estava a fazer uma condução sem qualquer documento que o habilitasse a conduzir um qualquer veículo, pelo que incorre no crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º1, do D.L 2/98, de 3/1.
8 – Foram violadas as normas dos artigos 3.º, n.º1, do D. L 2/98, de 3/1, art.º 47.º, n.ºs 1 e 2, 49.º, n.º3, do D.L 209/98, de 15/07, e art.º 311.º, n.º3, al. d), do C. P. P..
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Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que designe dia para a audiência de julgamento.
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Na 1.ª instância respondeu o arguido pronunciando-se pelo não provimento do recurso, sendo no mesmo sentido o parecer do Ex.mº Procurador-Geral Adjunto neste tribunal.
Cumprido o disposto no n.º2 do art. 417.º do C. P. Penal, não houve resposta.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, temos que a única questão a decidir consiste em saber se os factos imputados ao arguido integram a prática do crime que o M.º P.º lhe imputou, como este defende, ou se apenas integram a prática de uma contra-ordenação, tal como foi decidido no despacho recorrido.
Dos autos, com interesse para a decisão, constam os seguintes elementos:
Na acusação o M.º P.º imputou ao arguido os seguintes factos materiais:
O arguido, no dia 06/02/2005, pelas 01,20 horas, conduzia o ciclomotor, de matrícula .MAI..-.., na Rua ………., da freguesia de ………., deste concelho e comarca da Maia, tendo sido interveniente num acidente de viação.
Tendo-lhe sido pedida a carta de condução pelos agentes da autoridade, o mesmo apresentou uma licença de condução de velocípedes, cuja validade expirara em 30/06/2000, nos termos referidos a fls. 5, cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido.
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Segundo a acusação, integram tais factos a prática de um crime p.p. pelo art. 3.º, n.º1, do D/L n.º2/98, de 03/01.
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Considerando que os factos imputados ao arguido integram a prática de uma contra-ordenação e não do crime que lhe foi imputado, ao abrigo do disposto no art. 311.º, n.º3, al. d), do C. P. Penal, o senhor juiz do tribunal recorrido não recebeu a acusação, ordenando o arquivamento dos autos e bem assim a extracção de certidão a enviar à DGV para averiguação da contra-ordenação.
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O arguido foi encontrado a conduzir um ciclomotor sem estar habilitado com a respectiva licença, tendo apresentado uma licença de condução de velocípedes com motor.
Estabelece o n.º1 do art. 47.º do D/L n.º209/98, de 15 de Julho (que aprovou o Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir), que durante o prazo de um ano a contar da entrada em vigor daquele diploma, os titulares de licença de condução de velocípedes com motor estão habilitados a conduzir ciclomotores.
Por sua vez o n.º2 do mesmo diploma legal estabelece que durante o prazo referido no número anterior, podem os titulares de licença de condução de velocípedes com motor requerer, na câmara municipal da área da sua residência, a troca daquele título por licença de condução de ciclomotor.
Resulta destas disposições legais que a pessoa que estivesse habilitada com licença de condução de velocípedes com motor, a partir da entrada em vigor daquele diploma legal estava também habilitada a conduzir ciclomotores: durante um ano a partir daquela entrada em vigor com a simples licença de condução de velocípedes com motor e, após um ano, se tivesse requerido a troca do título junto da câmara municipal da área da sua residência.
O arguido esteve habilitado a conduzir velocípedes com motor. Não tendo, porém, requerido a troca do respectivo título pelo de condução de ciclomotores no prazo estabelecido no n.º2 do art. 47.º do D/L n.º209/98, entretanto alargado, ficou sem habilitação legal para conduzir ciclomotores. Na verdade, este diploma legal extinguiu a licença de condução de velocípedes com motor e o arguido não requereu a sua substituição no prazo nele estabelecido. Ficou numa situação em tudo equiparável à de uma pessoa que tem título que a habilita a conduzir veículos automóveis mas que entretanto caduca: fica sem habilitação legal para conduzir veículos automóveis, pelo que, se o fizer, comete o crime p.p. nos termos do n.º2 do art. 3.º do D/L n.º2/98, de 3 de Janeiro. No caso, o crime seria o previsto no n.º1 daquela disposição legal. Acontece que o n.º3 do art. 49.º do D/L n.º209/98 estabelece que a condução de ciclomotor ou motociclo de cilindrada não superior a 50 c c., por pessoa que não se encontrar habilitada nos termos dos números anteriores, é punível com a coima prevista no n.º8 do art. 124.º do Código da Estada, sendo entendimento do senhor juiz que proferiu o despacho recorrido que a situação do arguido se enquadra na previsão desta disposição legal, punível com coima, não integrando, portanto, a prática do crime por que foi acusado, defendendo o M.º P.º que tal disposição legal só tem aplicação a quem tiver licença para conduzir determinada categoria de veículos e for encontrado a conduzir um ciclomotor.
Tem razão o M.º P.º.
Vejamos.
O art. 49.º do D/L n.º209/98, sob a epígrafe “Condução de ciclomotores e de motociclos de cilindrada não superior a 50 c.c”, tem a seguinte redacção:
1 – Os titulares de carta de condução válida para a categoria B, cuja habilitação tenha sido obtida até 30 de Março de 1998, consideram-se habilitados para a condução de ciclomotores.
2 – Os titulares de licença de condução de ciclomotores, cuja habilitação tenha sido obtida até 30 de Março de 1998, consideram-se habilitados para a condução de motociclos de cilindrada não superior a 50 c.c.
3 – Quem, sendo titular de carta de condução que não habilite a conduzir veículos da categoria A ou não se encontrando habilitado nos termos dos números anteriores, conduzir ciclomotor ou motociclo de cilindrada não superior a 50 c.c. é sancionado com a coima prevista no n.º8 do artigo 124.º do Código da Estada.
A redacção desta disposição legal, nomeadamente do seu número 3, não foi muito feliz, prestando-se a equívocos no que diz respeito à sua interpretação. Apesar disso, entendemos que quer abranger as pessoas que conduzam ciclomotores sem que para tal possuam habilitação legal, mas que tenham habilitação para conduzir outra categoria de veículos a motor. Daí a razão da sua punição com uma simples coima. É que a pessoa que for encontrada em tal situação possui habilitações para conduzir outro tipo de veículos que não o ciclomotor, sendo, portanto, conhecedora, pelo menos, das regras do Código da Estrada.
É certo que o arguido foi portador de licença de condução de velocípedes com motor, presumindo-se que também teria conhecimento das regras do Código da Estrada, mas também é certo que, ao não requerer a troca do respectivo título, ficou equiparado a uma pessoa que não é portadora de qualquer título que o habilite a conduzir veículos com motor.
Esta interpretação é consentida, além do mais, pelo facto de o n.1.º do art. 3.º do D/L n.º2/98, de 03/01, conter uma norma de carácter geral no que diz respeito à condução de veículos com motor por pessoa que para tal não estiver legalmente habilitada e de o n.º2 excepcionar os casos de condução de veículos automóveis e de motociclos, punindo de forma mais severa a sua condução por quem não estiver legalmente habilitado. O D/L n.º 209/98, de 15 de Julho, que aprovou o regulamento da habilitação legal para conduzir, foi publicado cerca de meio ano depois, não parecendo que tenha sido intenção do legislador estabelecer uma outra excepção à norma de carácter geral do n.º1 do art. 3.º do D/L n.º 2/98, abrangendo os ciclomotores. O que pretendeu foi estabelecer os casos em que o portador de habilitação legal para condução de um determinado veículo possa conduzir outra categoria de veículos e, no caso dos ciclomotores, integrar no regime das contra-ordenação as situações dos condutores que, embora não possuindo licença para conduzir ciclomotores e forem encontrados a conduzi-los, possuam, todavia, habilitação legal para conduzir outras categorias de veículos.
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Deste modo, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que receba a acusação.
Sem tributação.
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Porto, 8 de Novembro de 2006
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira
António Gama Ferreira Gomes