Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0716685
Nº Convencional: JTRP00040923
Relator: JOAQUIM GOMES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RP200801090716685
Data do Acordão: 01/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 509 - FLS 107.
Área Temática: .
Sumário: I - A tolerância de ponto não se integra no conceito de feriado, para o efeito de suspensão do prazo de interposição de recurso das decisões administrativas que apliquem coimas, previsto no art. 59º, 2 do DL 433/82, de 27 de Outubro. Apenas se o dia de tolerância de ponto coincidir com o último dia do prazo, se considera existir justo impedimento para que o acto possa ser praticado no dia imediato.
II - Tal prazo não tem natureza de prazo judicial e, portanto, não se lhe aplica o regime especial do art. 145º, 5 do C. P. Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.- RELATÓRIO

1.- No processo n.º …./07.5TPPRT do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, em que são:

Recorrente/Arguido: B………., Lda.

Recorrido: Ministério Público

por despacho de 2007/Set./12, de fls. 151, foi rejeitado o recurso interposto pela arguida da decisão da autoridade administrativa, por se ter considerado o mesmo extemporâneo.
2.- A arguida insurgiu-se contra esse despacho, interpondo recurso do mesmo em 2007/Out./09, a fls. 156-157, pugnando pelo arquivamento do processo de contra-ordenação ou, caso assim não se entenda, para que se considere tal recurso tempestivo, apresentando, em suma, as seguintes conclusões:
1.ª) A arguida foi notificada por carta registada com A/R em 2007/Jan./30 da decisão final proferida no processo de contra-ordenação da Inspecção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território que lhe aplicou uma coima única de € 4.750,00;
2.ª) Atento o disposto no art. 59.º e ss. do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/Out., a mesma tinha 20 dias úteis a contar de tal data para impugnar tal decisão, pelo que, descontando os outros dias, incluindo terça-feira de Carnaval, o requerimento de recurso apresentado a 28 de Fevereiro, último dia desse prazo, é tempestivo;
3.ª) A arguida recebeu a 6 ou 7 de Março uma notificação do Ministério do Ambiente na qual lhe era dito que não havia alteração à decisão proferida, havendo assim uma reavaliação da decisão tomada, pelo que beneficia de novo prazo para interposição de recurso;
4.ª) Atento o disposto no art. 62.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/Out., e não tendo sido respeitado o prazo de cinco dias aí estabelecido para envio dos autos ao Ministério Público pela autoridade administrativa, porquanto estes autos só foram distribuídos em 05/Julho, devem os mesmos ser arquivados.
3.- O Ministério Público respondeu em 2007/Nov./12, sustentando a improcedência do recurso, sustentando no essencial que:
1.º) O prazo de impugnação em causa terminou em 2007/Fev./27, já que a terça-feira de Carnaval não foi feriado, mas antes dia útil, pese embora a tradicionalmente concedida tolerância de ponto;
2.º) O prazo previsto no art. 62.º, n.º 1 do RGCC não tem natureza peremptória, sendo meramente indicativo.
4.- Nesta instância o Ministério Público teve vista dos autos, colhendo-se de seguida os vistos legais, cabendo apreciar os termos do recurso em apreço.
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II.- FUNDAMENTAÇÃO.
1.- CIRCUNSTÂNCIAS A CONSIDERAR.
1.- A decisão da autoridade administrativa é datada de 2006/Dez./12.
2.- Tal decisão foi notificada à arguida por carta registada com A/R estando este assinado em 2007/Jan./30 (fls. 31).
3.- A arguida interpôs recurso da decisão da autoridade administrativa em 2007/Fev./28.
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2.- DO DIREITO.
A questão sujeita a apreciação diz apenas respeito e como é óbvio, à decisão judicial recorrida que considerou extemporâneo o respectivo requerimento de interposição de recurso da decisão administrativa, pelo que não cabe, no objecto dessa impugnação, avaliar se os autos deviam ou não ter sido arquivados com base no disposto no art. 62.º do RGCOC.
É que os recursos, como se sabe, não se destinam a conhecer da globalidade do mérito dos autos, mas apenas das questões efectivamente apreciadas pelo tribunal recorrido que se impugnam, com vista a apurar da sua adequação e legalidade – neste sentido vejam-se os Ac. do STJ de 12-07-1989, BMJ 389-510, de 07-10-1993, Proc. n.º 43879, de 09-03-1994, Proc. n.º 43402, de 12-05-1994, Proc. n.º 45100, de 01-03-2000, Proc. n.º 43/2000, de 05-04-2000, Proc. n.º 160/2000, de 12-04-2000, Proc. n.º 182/2000, de 28-06-2001, Proc. n.º 1293/01-5, de 26-09-2001, Proc. n.º 1287/01-3, de 08-11-2001, Proc. n.º 3142/01-5, de 16-01-2002, Proc. n.º 3649/01-3, de 27-02-03, proc. n.º 255/03 e de 2.2.06, proc. n.º 4409/05-5.
Porém, sempre se dirá que o prazo estabelecido no art. 62.º, n.º 1 do RGCCC apenas tem carácter ordenador, não conduzindo a sua ultrapassagem ao arquivamento dos autos.
Aliás, a remessa dos autos ao Ministério Público marca o início da fase judicial do processo de contra-ordenação e o termo da precedente fase administrativa – neste sentido Oliveira Mendes e Santos Cabral, em “Notas ao RGCCC” (2004), p. 172/3.
Nesta conformidade, haverá apenas que apreciar se o recurso interposto da decisão administrativa, foi ou não extemporâneo, tendo sido no primeiro sentido que se decidiu.
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Estabelece o art. 59.º, do RGCOC, no seu n.º 1 que “A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial”, acrescentando o seu n.º 3 que “O recurso será é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de vinte dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões”.
Por sua vez, regula-se no antecedente art. 46.º qual a forma de comunicação das decisões tomadas pelas autoridades administrativas, referindo-se no seu n.º 2, que “Tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre a admissibilidade, prazo e forma de impugnação”.
No entanto, nem neste preceito, nem no seguinte art. 47.º, referente à notificação, se regulam outras formalidades pelas quais a mesma se deve revestir, seguindo-se por isso e, em regra, a comunicação dos actos processuais previsto nos art. a 111.º a 115.º do C. P. Penal – neste sentido Oliveira Mendes, Santos Cabral, no seu “Notas ao RGCOC” (2004), p. 124; Beça Pereira, em “RGCOC – Anotado” (2005), p. 90/1; Sérgio Passos, em “Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral” (2004), p. 46.
Segundo o art. 113.º, n.º 2 do C. P. Penal “Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação”.
No caso o ofício de notificação é datado de 2007/Jan./25, mas a data do A/R é de 30 desse mesmo mês, pelo que esta valerá como a data de notificação.
Também não se poderá considerar a comunicação posterior da autoridade administrativa como uma revalidação, mas apenas como uma mera informação, já que aquela e segundo o art. 62.º, n.º 2 do RGCOC apenas tem a possibilidade, no prazo previsto no seu n.º 1, de revogar a decisão de aplicação de coima e nada mais.
Para a contagem dos prazos de impugnação regula-se no art. 60.º, n.º 1 do RGCOC que “O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados”, acrescentando-se no seu n.º 2 que “O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o dia útil seguinte”
Ora e como é sabido a terça-feira de Carnaval não é um dia feriado, podendo no entanto e quando isso for entendido pelo Governo da República, ser concedido nesse dia tolerância de ponto, o que tradicionalmente vem sucedendo nos últimos tempos, com uma única excepção que nos lembremos.
Assim e por despacho de Despacho n.º 2367/2007 da Presidência do Conselho de Ministros, publicado no DR II, n.º 33, de 15 de Fevereiro de 2007 foi decretado que “Embora a terça-feira de Carnaval não conste da lista de feriados obrigatórios estipulados por lei, existe em Portugal uma tradição consolidada de organização de festas neste período. Ao abrigo da alínea d) do artigo 199.º da Constituição e no uso dos poderes delegados pelo n.º 4 do artigo 5.º da Lei Orgânica do XVII Governo Constitucional (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 70/2005, de 15 de Abril, e alterada pelos Decretos-Leis n.os 11/2006, de 19 de Janeiro, 16/2006, de 26 de Janeiro, 135/2006, de 26 de Julho, e 201/2006, de 27 de Outubro), determino a concessão de tolerância de ponto aos funcionários e agentes do Estado, dos institutos públicos e dos serviços desconcentrados da administração central no próximo dia 20 de Fevereiro de 2007.”
A propósito a jurisprudência tem entendido uniformemente desde o Acórdão do STJ n.º 8/96 que “A tolerância de ponto não se integra no conceito de feriado. A tolerância de ponto não reúne, pois, os pressupostos para, por integração analógica, poder ser subsumida na previsão do art.º 144.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil. Porém, se o dia de tolerância de ponto coincidir com o último dia do prazo para a prática do acto, considera-se existir justo impedimento, nos termos do art.º 146.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, para que o acto possa ser praticado no dia imediato.” (DR, I, 254, 2-11-96).
Nesta conformidade o dia 20 de Fevereiro de 2007, terça-feira de Carnaval, teria que ser contabilizado como dia útil para contagem do prazo de interposição de recurso, só assim não sucedendo se fosse o último dia desse prazo.
Por isso, considerando que a arguida foi notificada em 2007/Jan./30, começando o respectivo prazo de impugnação a contar-se no dia seguinte [279.º, al b) e 296.º do C. Civil], o seu termo ocorreu em 27 de Fevereiro de 2007.
Por outro lado e não revestindo esse prazo de natureza judicial, o mesmo não se suspende nas férias judiciais, nem se lhe aplicam as regras específicas do art. 145.º, n.º 5 do C. P. Civil ex vi art. 107.º, n.º 5 do C. P. Penal – neste sentido o Ac. R. P. de 2000/Dez./12 CJ V/239; Ac. R. C. de 1999/Fev./24 (recurso n.º 1027/98), 2001/Mar./28 (recurso n.º 518/2001); Ac. R. L. de 1998/Nov./24 BMJ 481/527; Oliveira Mendes, Santos Cabral, no seu “Notas ao RGCOC” (2004), p. 169; Beça Pereira, em “RGCOC – Anotado” (2005), p. 114; Sérgio Passos, em “Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral” (2004), p. 404.
Tal entendimento já perdurava do Acórdão do STJ n.º 2/94, de 10/Mar., que fixou jurisprudência obrigatória, no sentido de que “não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do art. 59.º, do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/Out., com a alteração introduzida pelo Dec.-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro”.
Sujeita semelhante interpretação à apreciação do Tribunal Constitucional, o mesmo, através do seu Ac. n.º 293/2006 [DR II, n.º 110, de 2006/Jun./07], não a considerou inconstitucional.
Por tudo isto, tal requerimento de impugnação da decisão autoridade administrativa é extemporâneo, nada havendo que censurar à decisão recorrida.
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III.- DECISÃO.
Nos termos e fundamentos expostos, julga-se improcedente o presente recurso interposto pelo arguido C………., confirmando-se em consequência, a decisão recorrida.

Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs. – cfr. art. 513.º, 514.º do C. P. Penal

Notifique.

Porto, 09 de Janeiro de 2008
Joaquim Arménio Correia Gomes
Manuel Jorge França Moreira