Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3389/08.0TJVNF-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LUÍS LAMEIRAS
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
SENTENÇA CONDENATÓRIA
INTERPRETAÇÃO
ACTOS ENUNCIATIVOS
JUROS CIVIS
JUROS COMERCIAIS
Nº do Documento: RP201304153389/08.0TJVNF-B.P1
Data do Acordão: 04/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 236º, 238º, CÓDIGO CIVIL
ARTº 102º DO CÓDIGO COMERCIAL
Sumário: I – Instaurada execução, tendo por base uma sentença condenatória, a dúvida sobre saber se a condenação nela contida é a do pagamento em taxa de juro civil ou em taxa de juro comercial tem de ser resolvida em sede de interpretação do sentido da mesma;
II – A discussão de fundo sobre se, com respeito a certo crédito, as normas jurídicas de direito substantivo concedem ao credor uma ou outra de tais taxas, não tem lugar próprio na acção executiva; e nem sequer na respectiva oposição, cuja vocação funcional é também outra;
III – Na busca do sentido dos actos enunciativos, como é o caso das decisões judiciais, devem ter-se como orientação as regras estabelecidas para a interpretação das declarações negociais, completadas ainda por aquelas que são previstas para a interpretação das leis (artigos 236º, nº 1, 238º, nº 1 e 9º, nºs 2 e 3, do Código Civil);
IV – A mera referência, na sentença condenatória, a juros de mora à taxa legal, tem correntemente o sentido de alusão à taxa civil (artigo 559º, nº 1, do Código Civil); e deve por isso, em princípio, ser interpretada com aquele significado; principalmente quando na acção declarativa o credor nunca expressamente evidenciou aí visar peticionar a taxa de juros comerciais (artigo 102º, § 3º, do Código Comercial).
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Recurso de Apelação
Processo nº 3389/08.0TJVNF-B.P1
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. Apelante
- B.......,SA, com sede na Rua …, em …, Vila Nova de Famalicão;
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. Apelada
- C....... SA, com sede na Rua …. nº …, em Lisboa.
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SUMÁRIO:
I – Instaurada execução, tendo por base uma sentença condenatória, a dúvida sobre saber se a condenação nela contida é a do pagamento em taxa de juro civil ou em taxa de juro comercial tem de ser resolvida em sede de interpretação do sentido da mesma;
II – A discussão de fundo sobre se, com respeito a certo crédito, as normas jurídicas de direito substantivo concedem ao credor uma ou outra de tais taxas, não tem lugar próprio na acção executiva; e nem sequer na respectiva oposição, cuja vocação funcional é também outra;
III – Na busca do sentido dos actos enunciativos, como é o caso das decisões judiciais, devem ter-se como orientação as regras estabelecidas para a interpretação das declarações negociais, completadas ainda por aquelas que são previstas para a interpretação das leis (artigos 236º, nº 1, 238º, nº 1 e 9º, nºs 2 e 3, do Código Civil);
IV – A mera referência, na sentença condenatória, a juros de mora à taxa legal, tem correntemente o sentido de alusão à taxa civil (artigo 559º, nº 1, do Código Civil); e deve por isso, em princípio, ser interpretada com aquele significado; principalmente quando na acção declarativa o credor nunca expressamente evidenciou aí visar peticionar a taxa de juros comerciais (artigo 102º, § 3º, do Código Comercial);
V – A sanção pecuniária compulsória, concedida pelo artigo 829º-A, nº 4, do Código Civil, tem uma função coactiva, de impelir ao cumprimento; apenas é devida a partir da data do trânsito em julgado da sentença de condenação; e é de constituição automática, ex lege, logo que apurados os respectivos pressupostos (não carecendo, por isso, de ser pedida na acção declarativa; mas, apenas, de ser requerida a sua liquidação no processo de execução).

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

1. A instância executiva.
B........, SA suscitou, no dia 20 de Março de 2012, acção executiva para pagamento de quantia certa, contra C…. SA.
No requerimento inicial expôs, além do mais, a exequente o seguinte:

« 1 – Por douta sentença de 4/5/2011, já transitada em julgado, proferida nos autos de acção declarativa com processo ordinário que correu termos … sob nº 3389/08.0TJVNF,
2 – foi a executada condenada a pagar à exequente

“a quantia de € 95.166,50 euros, acrescida dos juros vencidos desde a data do sinistro e vincendos até integral pagamento.”

3 – Sucede que a executada nada pagou à exequente, …
4 – pelo que está em dívida a quantia de 95.166,50 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal comercial desde a data do sinistro – que ocorreu em 26/11/2007 – até efectivo e integral pagamento,
5 – computados, nesta data, em 37.034,70 €,
6 – e acrescidos de 5% desde a data da douta sentença exequenda a título da sanção pecuniária compulsória prevista no nº 4 do artigo 829-A CCivil, liquidados em 4.236,86 €. »
(v fls. 103 a 104 e 107).

A sentença condenatória que sustenta a execução, proferida pelo tribunal de Vila Nova de Famalicão, no dia 4 de Maio de 2011, menciona que a exequente, então autora na acção declarativa, pedira que, além do mais, a executada, então ré naquela acção, fosse condenada no pagamento “do montante de € 113.166,50, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do acidente – 26/11/2007 – até efectivo e integral pagamento, computados na data da entrada da petição em juízo em € 11.639,47”; terminando a decidir condenar a executada (aí ré) a pagar à exequente (aí autora) “a quantia de € 93.436,2, acrescida dos juros vencidos desde a data do sinistro e vincendos até integral pagamento” e absolvendo-a no restante (v fls. 108 a 113).

O acórdão da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 2012, tirado no recurso de apelação que se interpusera daquela sentença, menciona que o pedido é “no pagamento da quantia de € 113.166,50, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar de 26-11-2007”; e termina (apenas) a “julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão proferida” (v fls. 120 a 135). O acórdão transitou em julgado no dia 28 de Março de 2012 (v fls. 119).

A exequente, então autora, interpusera a acção declarativa, em 16 de Outubro de 2008, mediante petição inicial onde, além do mais, alegara serem devidos “juros de mora à taxa legal, desde a data do acidente – 26/11/2007 – até efectivo e integral pagamento” (artigo 40º petiç inic); e, por final, concluíra a pedir a condenação “no pagamento à autora do montante de 113.166,50 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do acidente – 26/11/2007 – até efectivo e integral pagamento, computadas, nesta data, em 11.639,47 €” (v fls. 119 e 135v.º a 137v.º).

2. A oposição à execução.
2.1. A executada opôs-se à execução.
Disse, em síntese, não haver fundamento para o pedido de juros de natureza comercial, já que o contrato de seguro na base da indemnização devida não tem relação com o exercício do comércio praticado pela executada; por outro lado, que desde 19 Mar 2012 colocou à disposição da exequente a quantia que lhe é devida, de indemnização e de juros civis, respectivamente 93.436,20 € e 16.280,94 €. Por fim, ainda, não haver lugar a sanção pecuniária compulsória, na qual, aliás, nem a sentença exequenda condenou a executada. Em suma, ao que mais importa, que a executada deve ser absolvida em tudo o que exceda a quantia global de 109.717,14 €, atempadamente oferecida à exequente.

2.2. A exequente contestou.
E para dizer, em síntese, que o contrato de seguro é comercial, como sociedades comerciais são exequente e executada; donde serem devidos os juros comerciais, cujo cômputo por si efectuado na acção principal, aliás, nunca a executada pôs em causa. Por outro lado, que não pôde receber a importância que a executada lhe quis entregar por isso significar uma quitação absoluta. E, por fim, que é realmente devida a sanção pecuniária compulsória.

2.3. Após algumas vicissitudes foi proferida sentença.
E nesta entendido que “a exequente somente terá direito a ser ressarcida da quantia indemnizatória fixada na sentença, acrescida dos juros civis, bem como não tem direito a uma sanção pecuniária compulsória, pois a exequente se prontificou a pagar a quantia indemnizatória, acrescida dos juros, a partir de Março de 2012”; por conseguinte, a concluir ser procedente a oposição à execução e absolvendo “a opoente do montante reclamado em tudo o que exceda a quantia de € 109.717, 14”.

3. A instância da apelação.
3.1. A exequente inconformou-se; e interpôs recurso de apelação.

1.ª Os pontos a discutir no presente recurso são dois:
● se a recorrente tem direito à sanção pecuniária compulsória prevista no nº 4 do artigo 829-A CCivil;
● se os juros de mora aplicáveis ao valor da condenação do processo principal são comerciais ou civis;
2.ª É devida a sanção pecuniária compulsória, uma vez que a execução foi interposta antes do envio e da recepção das cartas contendo os cheques enviados pela executada à exequente;
3.ª A execução foi apresentada às 9h48 do dia 20/3/2012, antes do envio e recepção dos cheques em causa, pelo que não se pode falar de cumprimento voluntário, tanto mais que, conforme resulta do actual regime legal dos recursos, já não era admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente ao Acórdão da Relação do Porto que confirmou a sentença de primeira instância, pelo que, face a tal dupla conforme, a decisão transitou em 13/3/2012, sendo o valor a pagar pela executada à exequente imediatamente exigível, o que obrigou a exequente a interpôr a execução;
4.ª Não pode, nem tendo base legal, dar-se cobertura à actuação da executada de não respeitar os prazos de pagamento, e de não sancionar a mora efectiva e evidente no pagamento com a aplicação da sanção pecuniária compulsória aludida;
5.ª Há vasta jurisprudência, quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer da Relação do Porto, a sustentar a posição da recorrente;
6.ª O tribunal recorrido tentou justificar a decisão recorrida da seguinte forma:
«No caso em apreço, verificou-se que no contrato de seguro celebrado entre as partes não foi fixada, por escrito, qualquer taxa de juro comercial; por outro lado, sempre se dirá que a circunstância que deu origem à indemnização prevista no contrato de seguro não radica num acto de comércio, mas sim em algo externo à sua actividade comercial»;
7.ª Todavia, o contrato de seguro é um contrato comercial, que está regulamentado, desde há muito tempo, no Código Comercial, conforme, de resto, é jurisprudência unânime e vasta na matéria;
8.ª No caso vertente, exequente e executadas são sociedades comerciais;
9.ª Ora, a perfilhar a tese do tribunal recorrido, nunca seriam devidos juros comerciais, porque nunca o seguro teria relação directa com a actividade da segurada, mas tão somente da actividade da seguradora;
10.ª E mesmo num acto unilateralmente comercial, a taxa de juro aplicável em caso de mora é a dos juros comerciais;
11.ª A aplicação dos juros moratórios comerciais tem a sua razão de ser no custo mais elevado (ainda mais, na actual conjuntura) do financiamento para as sociedades comerciais;
12.ª Nunca o DL 32/2003, tão invocado pelo tribunal recorrido, inviabilizou que fosse aplicado a situações como a dos autos a taxa de juros de mora comerciais, conforme se pode comprovar da leitura do preâmbulo, devendo concluir-se que o facto de se sujeitar todas as transacções comerciais ao regime da taxa de juro comercial, não significa que este não seja aplicável às situações não abrangidas por este diploma; que não seja aplicável a outros actos comerciais aos quais não se aplica o DL 32/2003;
13.ª Aliás, há inúmeros e incontáveis exemplos jurisprudenciais que condenam seguradoras no pagamento de juros comerciais;
14.ª A recorrida nunca pôs em causa o cômputo de juros (comerciais) efectuado pela recorrente na acção principal, como decorre da petição inicial da aqui exequente e da contestação da executada apresentadas na dita acção, pelo que a sentença recorrida consubstancia ofensa do caso julgado;
15.ª Conforme resulta da jurisprudência, o incumprimento de um contrato comercial (como é o contrato de seguro) celebrado entre duas entidades comerciais não pode deixar de gerar responsabilidade de natureza comercial e, em consequência, de ver aplicada ao montante indemnizatório a taxa de juros de mora comerciais.

3.2. A executada contra-alegou; ao que agora mais importa, para pugnar pela manutenção integral da sentença recorrida.

4. Delimitação do objecto do recurso.

4.1. A parte dispositiva da sentença, no segmento desfavorável ao recorrente, delimita o âmbito do recurso; depois, como é consensual entendimento, são as conclusões da alegação que circunscrevem os temas ou assuntos postos em reapreciação (artigos 684º, nº 2, final, e nº 3, e 660º, nº 2, do Cód Proc Civil).

4.2. Intui-se importante rememorar, na hipótese, que se está em espécie de oposição à execução; muito em particular, em tema de acção executiva fundada em sentença condenatória, por conseguinte, a ter de harmonizar com algum dos quadros normativos enumerados pelo artigo 814º, nº 1, do código de processo, e em vista de uma extinção executiva (artigo 817º, nº 4).
Que queremos com isto evidenciar?
Exactamente que toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam o seu fim e os limites (artigo 45º, nº 1, do código); e que, na hipótese, precisamente, se trata de sentença condenatória (artigo 46º, nº 1, alínea a), do código), cujos contornos é que vão permitir circunscrever aqueles exactos limites, a consistência exacta da obrigação exequenda.
Ou ainda, por outras palavras, que nesta fase executiva já devem ter-se por excluídos da discussão os assuntos que podiam (e deviam) ter feito parte de tema no processo de declaração onde o título se produziu; estando agora, pela natureza das coisas, comprimido aquele tema de discussão, restringido ao escrutínio do alcance que emana do título e se há-de reflectir na justeza (ou inadequação) dos contornos da que é obrigação (concretamente) exequenda.

4.3. Isto dito; são portanto assuntos decidendos, primordialmente, o de saber, por um lado, se a obrigação de juros, em que a sentença dada à execução condena, tem em vista os juros comuns, civis, ou os juros comerciais, previstos na lei mercantil; por outro lado, se a mesma obrigação contempla ainda o acréscimo da sanção pecuniária compulsória, que a lei civil prevê. Parece-nos em suma, e mais do que tudo, uma tarefa interpretativa do título executivo.


II – Fundamentos

1. A sentença recorrida enunciou os seguintes factos provados.

i. A sentença do 5º juízo cível do tribunal judicial de Vila Nova de Fa-malicão, no processo principal, condenou a aqui executada nos seguintes termos:
« a) Condeno a C....... Portugal, S.A. a pagar à autora a quantia de € 95.166,50, acrescida dos juros vencidos desde a data do sinistro e vincendos até integral pagamento.
b) absolvo esta ré, do restante pedido contra si deduzido. ».
ii. A opoente enviou à exequente uma missiva, a qual continha um cheque no valor de € 109.717,14, o qual se encontrava datado para o dia 19-03-2012, correspondente à indemnização fixada no processo principal e respectivos juros de mora civis, o qual foi recepcionado pela exequente até 27-03-2012 (doc fls. 31).
iii. A opoente enviou à exequente um cheque no valor de € 2.072,55, datado de 20-03-2012, referente a custas de parte, o qual foi recepcionado pela exequente até 27-03-2012.
iv. A exequente não apresentou os cheques a pagamento, porque a quantia constante do cheque indemnizatório não contemplava o cálculo dos juros à taxa comercial e porque a opoente ao descontar tal cheque nada mais teria a exigir da executada.

2. O mérito do recurso.

2.1. Juros civis ou juros comerciais?

Em bom rigor a discussão sobre o tipo de juros que complementam o crédito de capital da exequente não se comporta nos limites próprios da acção executiva. A execução visa realizar o direito já acertado; a implementação das providências adequadas à efectivação do direito violado (artigo 4º, nº 3, cód proc civ). Como antes dissemos, os contornos desse direito hão-de estar precedentemente circunscritos mediante o documento que se designa de título executivo; e é isso que se pretende evidenciar quando se diz que o título determina os limites da execução. A discussão tem, portanto, de ser redireccionada.

E em tal quadro a questão verdadeiramente central é esta: afinal a que tipologia de juros (moratórios) é que a sentença exequenda condena?

Quais os juros que o vínculo sentencial menciona e tem em vista?

A temática sobre a respectiva constituição, o seu florescimento na esfera jurídica do credor, gerado a partir de factos jurídicos ancorados em previsões de normas atributivas, e conducente às ilações contidas no dispositivo condenatório da sentença, há-de ter sido escrutinado na própria acção declaratória – o momento certo vocacionado para essa tarefa –; e com efeito preclusivo de caso julgado sobre o assunto. Ademais, se essa discussão não houve, o que aconteceu foi que se perdeu a oportunidade. O tempo a ela destinado passou. E sem ser passível de retoma, um tal assunto.
Ao tempo executivo corresponde agora uma outra vocação.

Agora há a sentença condenatória; que certifica o direito exequendo.
E cuja circunscrição debitória se acha nela assim expressa:

« Condeno a C....... Portugal SA a pagar à autora a quantia de € 93.436,2, acrescida dos juros vencidos desde a data do sinistro e vincendos até integral pagamento »

Que significa isto?
Este título comporta o juro comercial como pretende a exequente?

Vejamos então. Em tema de juros moratórios, as normas atributivas de direito material balançam entre as (primordialmente) contidas nos artigos 806º, nº 1 e nº 2, e 559º, nº 1, do Código Civil, reportando ao juro civil, e as contidas no artigo 102º, início, e § 3º, do Código Comercial, reportando ao juro comercial. Note-se, ao que aqui importa, que em qualquer dos casos estará em causa uma taxa supletiva de juro legal (fixada pela lei); no caso civil, de 4% ao ano (portaria nº 291/2003, de 8 de Abril), no caso comercial, sucessivamente, de 11,07% de 26 Nov 07 a 31 Dez 07, de 11,20% de 1 Jan 08 a 30 Jun 08, de 11,07% de 1 Jul 08 a 31 Dez 08, de 9,50% de 1 Jan 09 a 30 Jun 09, de 8% de 1 Jul 09 a 30 Jun 11, de 8,25% de 1 Jul 11 a 31 Dez 11 e de 8% de 1 Jan 12 a 19 Mar 12 (portaria nº 597/2005, de 19 de Julho; e avisos da direcção-geral do tesouro nºs 13665/07 de 30 Jul 07, 2152/08 de 29 Jan 08, 19995/08 de 14 Jul 08, 1261/09 de 14 Jan 09, 12184/09 de 10 Jul 09, 597/10 de 4 Jan 10, 13746/10 de 12 Jul 10, 2284/11 de 21 Jan 11, 14190/11 de 14 Jul 11 e 692/12 de 17 Jan 12).

Em tema de interpretação de declarações enunciativas, como é o caso das decisões judiciais, a ordem jurídica fornece apoio em dois universos; potencialmente aproveitáveis. De um lado, regras de interpretação das leis, principalmente contidas no artigo 9º do Código Civil; de outro, regras de interpretação das declarações negociais, obteníveis principalmente dos artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do mesmo código. Em termos de razoabilidade, diríamos isto; colhendo de um tal panorama as orientações que se nos prefiguram mais aceitáveis. O suporte escrito das decisões judiciais exige que se não possa considerar um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto, ainda que imperfeitamente expresso (artigos 9º, nº 2, e 238º, nº 1). No mais, dir-se-á que o sentido da declaração enunciativa será o razoavelmente (o sensatamente) impressivo, aquele que o destinatário normal possa inferir do texto (artigo 236º, nº 1). Ponderando ainda a presunção de que o juiz, ao exprimir o seu pensamento, terá fixado a decisão mais adequada e mais acertada (artigo 9º, nº 3).

Aplicando à hipótese estes critérios, que decisão se infere (por ser a mais expectável) à impressão de um destinatário normal?

A resposta não é intuitiva. Cremos, porém, aceder-lhe desta maneira.

O direito comercial é especial do direito civil. As regras comerciais têm a especificidade típica das situações particulares a que se aplicam. O direito civil, de seu turno, é o ramo geral de direito privado; aplicáveis igualmente às situações jurídicas privatísticas. Mas a relação de especialidade não é imperativa. As situações jurídicas são, via de regra, disponíveis; as partes têm liberdade para poder compor, com autonomia, os respectivos interesses. Transpondo estas ideias (que cremos acertadas) para o panorama da obrigação de juros fica a ideia de que o credor, mesmo sendo empresa comercial, pode optar, em dada situação particular, pela exigência de uma taxa moratória comercial, se a norma atributiva especial lho conceder, ou apenas pela taxa moratória civil, que é a geral. E se a situação for duvidosa, isto é, se não for evidente, inequívoco, que a norma atributiva especial (comercial) concede essa (acrescida) taxa de juros, então mais se impõe uma conduta clara, que permita inferir, para lá de toda a dúvida, que o que se quer fazer valer é o crédito especial do juro comercial, não apenas do civil.
Convocam-se outras vez as regras interpretativas, desta feita estritamente relativas às declarações negociais. O credor há-de evidenciar que pretende o juro comercial, e não o civil (artigos 236º, nº 1, 237º e 238º, nº 1, cód civ).

A situação em causa, na hipótese controversa em litígio, era exactamente duvidosa nesse particular; quer dizer, em problemática de saber se o crédito de capital, que se constituíra e era inequívoco, emergente de uma obrigação indemnizatória a cargo de uma entidade seguradora gerada a partir de um contra-to de seguro e por via da concretização do risco por ela assumido, comportava ou não, sendo a lesada uma empresa comercial, a taxa comercial, ou meramente a civil. E essa dúvida decorre abundantemente ilustrada dos articulados [1] das partes onde, sobre tal assunto, desenvolvem os respectivos pontos de vista; a exequente propugnando que à indemnização de seguradora acresce o juro comercial; a executada afirmando que o crédito acessório é tão-só o civil.
Mas, como dissemos, desajustadamente ocorre a discussão em sede de execução; quando deveria ter acontecido, aí sim, em tempo de acção declarativa.

Ora, que ocorrera nesta?
Na acção declarativa este assunto específico esteve ofuscado. Ele não foi aí contraditoriamente discutido; como a nosso ver se impunha. E a razão porque o não foi, do nosso ponto de vista, terá tido que ver com a forma como a autora, agora exequente, terá configurado o litígio na respectiva petição inicial.
Vejamos. A respeito da obrigação de juros a petição apenas menciona que eles são devidos, “à taxa legal” (artigo 40º pet inic; v fls. 136v.º); terminando a concluir, no pedido, com fórmula semelhante (v fls. 137v.º). Porém, a estrita referência à taxa legal é equívoca, não permite, com concludência e grau bastante de certeza, inferir que se está desde logo a reportar à taxa moratória comercial apenas a partir da circunstância de o credor ser uma empresa comercial. E esta equivocidade acentua-se se se ponderar que aquela forma de expressão está correntemente aliada, exactamente, ao juro civil; isto é, habitualmente na praxe judicial um pedido reportado ao juro de mora à taxa legal refere-se ao juro civil, supletivo, emergente do código civil; ao passo que, visando-se a específica e acrescida taxa comercial, é corrente explicitar-se essa intencional opção.
Ora, quer-nos parecer, em face até da discordância que a executada evidencia na instância declaratória da oposição, que tivesse a exequente melhor explicitado querer efectivamente fazer valer a taxa de juro comercial na acção declarativa, com toda a certeza, aí viabilizaria o escrutínio (contraditório) do tema e, no final, como questão decidenda posta à apreciação do juiz, por este decidida num dos sentidos propostos. Só que a equívoca referência não viabilizou a discussão; e nem a decisão.
E já tão-só em sede de requerimento executivo é que a exequente desencadeia a pretensão, agora já explícita, quando aí, agora sim, expressa estarem em dívida, além do mais, “juros de mora à taxa legal comercial” (v fls. 103).

Deste equívoco declaratório fazem eco as decisões jurisdicionais; afinal a base delimitadora dos créditos exequendos. A sentença da 1.ª instância não vai além de referências a juros de mora à taxa legal (expressão, como dissemos habitualmente aliada aos juros civis), que aliás não liquida, limitando-se a condenar nos vencidos desde a data do sinistro e vincendos até integral pagamento; e o acórdão da Relação não supera e nem melhor esclarece.

Vislumbramos um único indício capaz de favorecer a óptica da exequente. Diz ela que, na petição declaratória, com a qual interpôs a acção no dia 16 Out 2008, computou juros comerciais, que a executada, então ré, não pôs em causa. E é verdade que, na petição, formulou pedido de crédito de capital, de 113.166,50 €, e juros, “à taxa legal … computados, nesta data, em 11.639,47 €” (v fls. 137v.º). Afigura-se-nos, contudo, que a formulação, assim constituída, não comporta a virtualidade bastante, a clareza, a concludência, de permitir inferir a certeza de se visar o juro comercial. Trata-se, aí tão-só, de uma mera contabilidade aritmética, do interesse que se tem por já vencido, mas cuja constituição, pese o respectivo volume, enquanto desacompanhada de mais algum apoio, de outra maior evidência, não é só por si suficiente para permitir inferir que se está perante a pretensão – aliás, sempre discutível em situações deste tipo [2] – de se querer fazer valer a taxa de juro concedida pelo código comercial. Seria sempre, do nosso ponto de vista, uma equivocidade (de pedido) susceptível de comprometer o ajustado exercício do contraditório, já que passível (no mínimo) de dúvida. E com reflexo, aliás, nas decisões exequendas das instâncias; omissas do tema.

Em suma; afigurando-se-nos persistir a incerteza da formulação. E por conseguinte, em face da situação, sem conseguir aceder, num patamar razoável de certeza, à ilação de que a sentença condenatória exequenda circunscreve o crédito de juros, situando-o no especial e acrescido comercial.
Só em sede executiva o assunto é explicitado pela exequente.
Só aqui (substantivamente) foi discutido.

A equivocidade, a incerteza e as dúvidas só permitem interpretar o dispositivo sentencial, dado à execução, como referido ao juro civil.

2.2. Sanção pecuniária compulsória?

À credora também não é devida quantia a título de sanção pecuniária compulsória. Vejamos. O requerimento executivo contém o pedido do acréscimo ao capital de 5% desde a data da douta sentença exequenda” (v fls. 103). Em sede de recurso diz a credora que a decisão exequenda transitou em julgado no dia 13 Mar 2012. Mas ambas as locuções comportam incorrecção.

A sanção pecuniária compulsória, para a hipótese em causa, mostra-se concedida pelo artigo 829º-A, nº 4, do Código Civil; cuja redacção é esta:

« Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar. »

A letra da lei é inequívoca sobre o termo a quo desde quando a sanção é devida – o trânsito em julgado da sentença de condenação. Por outro lado, o crédito sancionatório é automático – com o sentido de que nem precisa de ser pedido na acção declarativa, geradora do título exequendo; bastando que seja requerida a sua liquidação no processo executivo já que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, opera ex lege (imediatamente) a sua concessão.

Percebe-se o porquê deste seu regime. O carisma da sanção pecuniária não é indemnizatório, mas compulsivo; trata-se de compelir o devedor, de o forçar a cumprir “vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indferença ou negligência”.[3] O devedor do crédito pecuniário é estimulado e coagido a realizar a prestação debitória que o vincula, e em tempo, já que se o não fizer fica devedor deste sancionamento que é compulsório.

Na hipótese, o trânsito em julgado da condenação operou no dia 28 de Março de 2012 (v fls. 119). O crédito do capital circunscrito é o de 93.436,20 € e juros desde 26 Nov 2007 (v fls. 113).[4] Está provado [5] que a devedora enviou um cheque à credora, no valor de 109.717,14 €, reflectindo a “indemnização fixada no processo principal e respectivos juros de mora civis”, o qual foi recepcionado pela credora até 27 de Março de 2012 (v II – 1. ii.); ainda que a credora não apresentou esse cheque a pagamento porque a quantia dele constante “não contemplava o cálculo dos juros à taxa comercial” e atento ainda que, descontado o cheque, a credora “nada mais teria a exigir da executada” (v II – 1. iv.).

Julgamos que a óptica da devedora foi a acertada. O título executivo não permitia inferir que fosse juro comercial que a vinculasse; apenas o civil. O cheque foi recebido em data anterior à do trânsito da condenação. Incluía capital e juros civis. Não se vislumbra motivo razoável que viabilizasse ao credor poder licitamente recusar a prestação que assim lhe era oferecida. Em suma; a satisfação do seu interesse (nos termos em que lhe era devida) apenas pela sua conduta reticente deixou de ser realizada (artigos 813º e 814º cód civ).

Não há base que sustente o crédito do sancionamento compulsório.

2.3. Ilações finais.

É portanto procedente a oposição à execução, no segmento impugnado (o que supera a quantia de 109.717,14 € atempadamente oferecida); como assim mesmo reconheceu a sentença recorrida. E por arrastamento improcedente o recurso de apelação interposto (enquanto àquela quis aditar o acréscimo de uma taxa de juro comercial e, ainda, uma sanção pecuniária compulsória).

E é o que não pode deixar de se concluir neste tribunal superior.

3. As custas devidas pelo recurso são encargo da parte que nele sucumba (artigo 446º, nº 1 e nº 2, cód proc civ); na hipótese, a empresa apelante.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso de apelação improcedente e em confirmar a sentença recorrida.

As custas são encargo da apelante.

Porto, 15 de Abril de 2013
Luís Filipe Brites Lameiras
Carlos Manuel Marques Querido
José da Fonte Ramos
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[1] Na instância declaratória, mas da oposição à execução.
[2] Veja-se o que impressivamente se dispõe no diploma que, exactamente, interveio no preceito comercial concedente de juro à taxa acrescida (o artigo 102º cód comerc), o Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, no seu artigo 2º, nº 2, alínea c). O preceito que alterou a regra dos juros comerciais contém-se no seu artigo 6º.
[3] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, 3ª edição, página 107.
[4] Uma nota de estranheza para expressar, relativamente ao crédito de capital, a divergência de números que os autos reflectem, com uns instrumentos a expressar o de 93.436,20 € e outros o de 95.166,50 €; divergência cuja explicação se não consegue alcançar. Seja como for é uma particular perplexidade cujo desvendar aqui se não mostra em discussão (…).
[5] E, sublinhe-se, esta prova foi fixada pelo acordo das partes (v fls. 52 a 53).