Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DO CARMO SILVA DIAS | ||
Descritores: | MULTA PRISÃO SUBSIDIÁRIA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP20120314106/11.0PDPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/14/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Integra a prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto no artº21º do DL 15/93, a conduta de A que, na rua, em determinado dia, acordado com B, recebia o dinheiro das doses de heroína, cocaína e haxixe que este entregava aos clientes, vindo a ser apreendidos ao B 7,882 gramas (peso liquido) de cannabis (resina) e 51 embalagens de cocaína, com o peso liquido de 3,224 gramas, produtos que A e B destinavam vender, e apreendidos ainda ao A 315,30€ e ao B 1.658,60€, valores recebidos das vendas por eles efetuadas naquele mesmo dia. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | (proc. nº 106/11.0PDPRT.P1) * Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:* I- RELATÓRIONa 4ª Vara Criminal do Porto, nos autos de processo comum (tribunal colectivo) nº 106/11.0PDPRT, foi proferido acórdão, em 15.11.2011 (fls. 321 a 358 do 2º volume), constando do dispositivo o seguinte: Pelo exposto e nos seus precisos termos os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo decidem em julgar a acusação publica procedente, por provada, e em consequência: - Condenam o arguido B… pela pratica, em concurso real, respectivamente em co-autoria e autoria material, e na forma consumada, de um crime de trafico de substancias estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do D.L. 15/93 de 22/01 e de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, al. d) da Lei nº 5/2006 de 23/02, nas penas de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão e 9 (nove) meses de prisão; - Condenam o arguido C… pela pratica em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de trafico de substancias estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do D.L. 15/93 de 22/01, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva; - Operam o cúmulo jurídico das penas parcelares, à luz do disposto no art. 77º do Código Penal, decidindo aplicar ao arguido B… a pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão necessariamente efectiva; Os arguidos pagarão, cada um deles, a título de taxa de justiça a quantia equivalente a 4 UC’s e as custas do processo. Nos termos e ao abrigo do disposto no art. 35º e 36º, ambos do D.L. 15/93 de 22/01, declaram-se perdidos a favor do Estado os seguintes bens e objectos: - os produtos estupefacientes apreendidos; - as quantias monetárias apreendidas; À luz do disposto no art. 109º do Código Penal, declara-se perdida a favor do Estado a faca borboleta descrita e examinada a fls. 174. (…) * Não se conformando com esse acórdão recorreu o arguido C… (fls. 364 a 376 do 2º volume), apresentando as seguintes conclusões:……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… Termina pedindo que o acórdão seja revogado nos termos sobreditos. * Respondeu o Ministério Público na 1ª instância (fls. 392 a 399 do 2º volume), pugnando pela improcedência do recurso.* Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 411 do 3º volume), concluindo pela improcedência total do recurso.* Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP.* Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.Cumpre, assim, apreciar e decidir. * No acórdão sob recurso foram considerados provados os seguintes factos:1 - Em data não concretamente determinada mas que se situa no inicio do mês de Fevereiro de 2011 o arguido B… decidiu proceder à venda de produtos estupefacientes, designadamente de heroína, cocaína e haxixe, a indivíduos que com tal fim os procurassem no …, nesta cidade; 2 - Para a concretização de tal desígnio o arguido B… comprava a heroína, a cocaína e o haxixe a indivíduos que se não lograram identificar, guardando-os no interior da sua residência, sita na Rua …, nº .., .º A, nesta cidade, sendo aí também que eram guardados os proventos em dinheiro que auferia com tais vendas; 3 - Assim, e diariamente, com tal desiderato, o arguido B… posicionava-se nas artérias próximas à sua residência; 4 - No dia 18 de Fevereiro de 2011, cerca das 23h00, na Rua …, nesta cidade, e com vista a desenvolver tal actividade de venda de produtos estupefacientes, o arguido B… encontrava-se acompanhado do arguido C…, cabendo-lhes, respectivamente, a entrega dos produtos estupefacientes aos “clientes” e o recebimento das quantias em dinheiros que estes pagavam pelas “doses” de heroína, cocaína e haxixe; 5 - Desse modo, nessas circunstâncias de tempo e lugar, os arguidos tinham com eles os seguintes produtos, quantias e artigos: ● o arguido B…: - cinquenta e uma embalagens contendo um produto sólido com o peso líquido de 3,242 gramas que submetido a exame laboratorial revelou ser cocaína; - um produto vegetal prensado, com o peso liquido de 7,882 gramas que submetido a exame laboratorial revelou ser canabis (resina); ● o arguido C…: - a quantia de € 315,30 (trezentos e quinze euros e trinta cêntimos) em dinheiro do Banco Central Europeu; 6 - Nesse mesmo dia o arguido B… tinha na sua residência dois cofres em metal que continham os seguintes produtos, artigos e quantias: ● um relógio de marca “…”; ● um telemóvel de marca “…”; ● quatrocentas e setenta embalagens de plástico contendo um produto sólido com o peso líquido estimado de 31,105 gramas que submetido a exame laboratorial revelou ser cocaína; ● duzentas e setenta e cinco embalagens de plástico contendo um produto em pó, com o peso líquido estimado de 28,448 gramas que submetido a exame laboratorial revelou ser heroína; ● uma embalagem de plástico contendo um produto pastoso com o peso líquido de 2,461 gramas que submetido a exame laboratorial revelou ser cocaína; ● uma embalagem de plástico contendo um produto sólido, com o peso líquido de 5,512 gramas que submetido a exame laboratorial revelou ser heroína; ● a quantia de €1.658,60 (mil seiscentos e cinquenta e oito euros e sessenta cêntimos) em dinheiro do Banco Central Europeu; ● uma arma branca, faca de borboleta, de uma lâmina articulada em aço inoxidável, de um gume, com cabo metálico dividido em duas partes articuladas com a lâmina, com fendas longitudinalmente para resguardar o gume; 7 - Os produtos estupefacientes apreendidos, que se encontravam depositados no cifrado cofre desde umas horas antes de apreendidos, eram destinados pelo arguido B… à venda a indivíduos que naquele local os procurassem com tal fim; 8 - As quantias em dinheiro apreendidas haviam pelos arguidos B… e C… sido obtidas com as vendas de estupefacientes que efectuaram naquele dia 18 de Fevereiro de 2011; 9 - A navalha apreendida era pertença do arguido B…; 10 - Os arguidos B… e C… agiram livre, consciente e voluntariamente; 11 - O arguido B… procedeu à venda de produtos que conhecia terem qualidades estupefacientes, actividade que desenvolveu no dia 18 de Fevereiro de 2011 em comunhão de esforços, de forma concertada com o arguido C…, mediante um plano que previamente traçaram de proceder à venda daqueles produtos, cujas qualidades estupefacientes ambos conheciam; 12 - O arguido B… sabia que lhe não era permitida a detenção da referida arma, sendo que a mesma possuía apetência para ser usada como instrumento letal de agressão, o que era do conhecimento do arguido; 13 - Actuaram os arguidos B… e C… cientes que a sua conduta era proibida e punida por lei; ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… Na fundamentação de direito escreveu-se: Os arguidos B… e C… foram acusados e submetidos a julgamento por lhes ser imputada a pratica dos seguintes ilícitos: - ao arguido B…, em concurso efectivo, e em co-autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, n º 1 do D.L. nº 15/93 de 22/01 bem como, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, al. d) da Lei nº 5/2006 de 23/02; - ao arguido C…, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93 de 22/01 Estatui o art. 21º, nº 1 do D.L. 15/93 de 22/01 que “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.” Vemos, assim, que qualquer das aludidas actividades, sem a autorização necessária, constitui o ilícito de tráfico de estupefacientes. Tal ilícito, pese embora as dificuldades doutrinarias para a sua qualificação (vide Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, I, Lisboa, 1992, pág. 139 e seguintes), é atenta a sua formulação um crime de perigo, que visa tutelar o bem jurídico da incolumidade publica, na consideração do seu aspecto particular concernente à saúde publica, conforme se concluiu no Acórdão do S.T.J. de 28/05/1985, publicado no B.M.J., 347, pág., 220. A propósito da sua natureza e classificação o Tribunal Constitucional, nos Acórdãos de 01/11/1991, publicado no B.M.J., nº 441, Pág. 56 a 73 e de 07/06/1994, publicado no D.R. II, 249, pág. 10892 a 10895 dissertou que “ Pode qualificar-se o trafico de estupefacientes como um crime de perigo, o legislador não exige, para a respectiva consumação, a efectiva lesão dos bens jurídicos tutelados. E trata-se de um crime de perigo abstracto porque não pressupõe nem dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal, embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral, a saúde pública. Finalmente, o crime é de perigo abstracto, porque não pressupõe nem dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das circunstancias necessárias para causar um perigo para um desses bens jurídicos” Para além de visar a protecção de tais bens jurídicos importa a consideração, cada vez mais pungente, de que tal ilícito é daqueles que maior projecção tem vindo a assumir em todos os Estados, a nível mundial, quer pelas repercussões que assume em todos os adictos, quer de natureza clínica, quer de natureza económica, quer no seu carácter e relacionamento interpessoal, quer pelas repercussões nas várias comunidades, atento o aumento exponencial da criminalidade contra o património “lato sensu”, o numero cada vez mais elevado de doenças graves, crónicas e incapacitantes associadas ao consumo de estupefacientes e o sentimento de insegurança e medo sentido, quer nas comunidades, quer nas famílias. Mas, para além disso, é também a estrutura política dos Estados que se vem ressentido e sendo, continuamente, posta em causa, essencialmente pelas superestruturas que, mundialmente, se vem estruturando, quer para implementar as transacções dos produtos estupefacientes, quer para branquear os capitais dele consequentes. Conforme salienta José Santos, em “Os Laços Económicos das Drogas”, Brotéria, 138, 1994, “o trafico de droga é, actualmente, a actividade mais importante do crime organizado, desenhando-se como um crime internacional, um crime contra a humanidade (...) afirmando-se como o segundo maior negocio do mundo, a seguir ao das armas, superando o do petróleo”, o que é demonstrativo da importância, por um lado, da repressão do trafico de estupefacientes e dos crimes de branqueamento de capitais e, por outro lado, da prevenção aos mais diversos níveis do consumo de tais substancias. De tais necessidades e fins têm sido portadoras as diversas Convenções Multilaterais que vêm sido outorgadas por grande número de Estados e que têm inspirado e servido como matriz das diversas legislações nacionais. Tal como vem referido no acórdão do S.T.J. de 09/07/2003, publicado em www.stj.pt, “é um crime hediondo, que provoca a repulsa de toda uma sociedade”, ainda ali se referindo que tal ilícito põe em causa a saúde, a integridade física e psíquica dos indivíduos e toda uma sociedade, fazendo perigar, assim, a vida e a saúde publica. No art. 86º da Lei nº 5/2006 de 23/02, sob a epigrafe de “Detenção de arma proibida” está estatuído que (…) Discorridas estas considerações passemos ao conhecimento das matérias que se prendem com a conduta dos arguidos. Em face da factualidade que se logrou apurar duvidas nenhumas apontam quanto à procedência do libelo acusatório. Pois, demonstrado ficou, e com toda a rigorosa prova que se impõe em sede criminal, que em data não concretamente determinada mas que se situa no inicio do mês de Fevereiro de 2011 o arguido B… decidiu proceder à venda de produtos estupefacientes, designadamente de heroína, cocaína e haxixe, a indivíduos que com tal fim os procurassem no …, nesta cidade, razão por que comprava a heroína, a cocaína e o haxixe a indivíduos que se não lograram identificar, guardando-os no interior da sua residência, sita na Rua …, nº .., .º A, nesta cidade, sendo aí também que eram guardados os proventos em dinheiro que auferia com tais vendas. Assim, e diariamente, com tal desiderato, o arguido B… posicionava-se nas artérias próximas à sua residência. Assente ficou, ainda, que no dia 18 de Fevereiro de 2011, cerca das 23h00, na Rua …, nesta cidade, e com vista a desenvolver tal actividade de venda de produtos estupefacientes, o arguido B… encontrava-se acompanhado do arguido C…, cabendo-lhes, respectivamente, a entrega dos produtos estupefacientes aos “clientes” e o recebimento das quantias em dinheiros que estes pagavam pelas “doses” de heroína, cocaína e haxixe. Sendo que nessas circunstancias de tempo e lugar, os arguidos tinham com eles os seguintes produtos, quantias e artigos: ● o arguido B…: - cinquenta e uma embalagens contendo um produto sólido com o peso líquido de 3,242 gramas que submetido a exame laboratorial revelou ser cocaína; - um produto vegetal prensado, com o peso liquido de 7,882 gramas que submetido a exame laboratorial revelou ser canabis (resina); ● o arguido C…: - a quantia de € 315,30 (trezentos e quinze euros e trinta cêntimos) em dinheiro do Banco Central Europeu. Para além disso ficou provado que nesse mesmo dia o arguido B… tinha na sua residência dois cofres em metal que continham os seguintes produtos, artigos e quantias: ● um relógio de marca “…”; ● um telemóvel de marca “…”; ● quatrocentas e setenta embalagens de plástico contendo um produto sólido com o peso líquido estimado de 31,105 gramas que submetido a exame laboratorial revelou ser cocaína; ● duzentas e setenta e cinco embalagens de plástico contendo um produto em pó, com o peso líquido estimado de 28,448 gramas que submetido a exame laboratorial revelou ser heroína; ● uma embalagem de plástico contendo um produto pastoso com o peso líquido de 2,461 gramas que submetido a exame laboratorial revelou ser cocaína; ● uma embalagem de plástico contendo um produto sólido, com o peso líquido de 5,512 gramas que submetido a exame laboratorial revelou ser heroína; ● a quantia de €1.658,60 (mil seiscentos e cinquenta e oito euros e sessenta cêntimos) em dinheiro do Banco Central Europeu; ● uma arma branca, faca de borboleta, de uma lâmina articulada em aço inoxidável, de um gume, com cabo metálico dividido em duas partes articuladas com a lâmina, com fendas longitudinalmente para resguardar o gume. Demonstrado ficou que os produtos estupefacientes apreendidos, que se encontravam depositados no cifrado cofre desde umas horas antes de apreendidos, eram destinados pelo arguido B… à venda a indivíduos que naquele local os procurassem com tal fim ao passo que as quantias em dinheiro apreendidas haviam pelos arguidos B… e C… sido obtidas com as vendas de estupefacientes que efectuaram naquele dia 18 de Fevereiro de 2011. Outrossim ficou demonstrado que a navalha apreendida era pertença do arguido B…. Certo é, igualmente, que os arguidos B… e C… agiram livre, consciente e voluntariamente; tendo o arguido B… procedido à venda de produtos que conhecia terem qualidades estupefacientes, actividade que desenvolveu no dia 18 de Fevereiro de 2011 em comunhão de esforços, de forma concertada com o arguido C…, mediante um plano que previamente traçaram de proceder à venda daqueles produtos, cujas qualidades estupefacientes ambos conheciam. Para além disso o arguido B… sabia que lhe não era permitida a detenção da referida arma, sendo que a mesma possuía apetência para ser usada como instrumento letal de agressão, o que era do conhecimento do arguido. Para além de que actuaram os arguidos B… e C… cientes que a sua conduta era proibida e punida por lei. Estão, nesta medida, perfectibilizados os pressupostos de punibilidade por qualquer dos apontados ilícitos. No que tange ao arguido B…, para além do dia 18 de Fevereiro de 2011, certo é que desenvolveu a actividade do trafico de estupefacientes, quer adquirindo os produtos como procedendo à sua posterior transacção, como à sua guarda no local residência, onde ainda tinham os rendimentos provenientes da mesma, sendo que para o efeito adquiriu dois cofres onde tinha guardados, num, os produtos estupefacientes que comprava, guardava e transaccionava e, noutro, os réditos provenientes da mesma. É, nestes termos, uma actividade já consolidada no tempo, com um método próprio com vista a obter o respectivo êxito e sucesso, com o resguardo próprio que este tipo de actividade ilícita demanda e pressupõe quando levada a cabo de forma premeditada e já com uma elaboração criminosa acima da media. Por outro lado, quer as quantidades de estupefacientes apreendidas, quer a diversidade das suas qualidades bem como a quantia económica encontrada, nomeadamente as encontradas nos ditos cofres, uma vez que se ali encontravam cerca de 3 a 4 horas antes da respectiva apreensão, vêm demonstrar que o nível de compra e venda de tais substancias era já avultado. Estamos, assim, de pleno em face do ilícito de tráfico de estupefacientes a que alude o art. 21º do D.L. nº 15/93 de 22/01. Entendimento este que se há-de, ainda, perfilhar relativamente ao arguido C…. Se é certo que apenas se logrou demonstrar a sua participação em todo o delito confinada ao dia 18 de Fevereiro de 2011, usando as palavras já ditas, temos de concluir pelo avultado nível de venda de substancias estupefacientes em que o mesmo participou, quer tendo em conta quais eram os produtos que daquela natureza estavam disponíveis para venda, venda que o mesmo coadjuvava, como contemplando a quantia monetária que veio a ser apreendida e que resultava do numero de vendas realizadas naquele dia. Por outro lado temos que o nível organizacional já considerado, tal como a existência da “casa de recuo”, tal como funcionava a casa do arguido B…, quer quanto aos produtos estupefacientes, quer quanto às quantias económicas, é de molde a afastar qualquer eventual privilegiamento das condutas operadas, quanto a qualquer dos envolvidos. Por outro lado, e no que tange ao ilícito de detenção de arma proibida, está igualmente verificada toda a factualidade que logra os preenchimento dos requisitos, quer objectivos, como subjectivos, do versado ilícito penal, razão por que será de proceder, igualmente, o libelo acusatório nessa parte, levando à condenação do arguido B…. Na fundamentação da espécie e medida da pena fez-se constar o seguinte: ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… * II- FUNDAMENTAÇÃOO âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (art. 412º, nº 1, do CPP). As questões que se suscitam no recurso aqui em apreço são as seguintes: 1ª – Verificar se há erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito (na perspectiva do recorrente os factos respectivos dados como provados integram a prática de um crime de tráfico de menor gravidade previsto no art. 25º, al. a), do DL nº 15/93, de 22.1 e não o previsto no artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma legal, pelo qual foi condenado); 2ª – Analisar a medida da pena aplicada ao recorrente/arguido C… (sustenta ter sido violado o disposto nos artigos 40º, 70º, 71º do CP e a pena aplicada de 4 anos e 6 meses ser excessiva, devendo ser reduzida para o máximo de 2 anos e 8 meses de prisão, caso se venha a concluir que a sua conduta integra um crime de tráfico de menor gravidade ou reduzida para 4 anos de prisão, caso se mantenha a qualificação jurídica constante da decisão sob recurso). Passemos então a apreciar cada uma das questões colocadas no recurso em apreço. 1ª Questão Começa o recorrente por invocar erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito por, na sua perspectiva, os factos respectivos dados como provados integrarem a prática de um crime de tráfico de menor gravidade previsto no art. 25º, al. a), do DL nº 15/93, de 22.1 e não o previsto no artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma legal, pelo qual foi condenado. Para tanto, argumenta que perante os respectivos factos dados como provados a ilicitude é mitigada, a culpa mostra-se diminuída e menos intensa, devendo a sua conduta ser separada da dos grandes traficantes, atenta a imagem global dos factos apurados a si respeitantes e a sua situação pessoal e condição económica e sócio-cultural (em síntese invoca que a sua actuação se circunscreveu a 18.2.2011 e às vendas de rua efectuadas nesse dia em co-autoria com o arguido B…, sem o suporte de qualquer tipo de organização, das quais resultaram a quantia de 315 euros, apoiando-se ainda no que se apurou relativamente à sua situação pessoal e baixa condição económica e sócio-cultural). Vejamos então a questão colocada, sendo certo que, aceitando o recorrente os factos dados como provados e não se verificando os vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, nem existindo qualquer nulidade de conhecimento oficioso, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto. Dispõe o nº 1 do art. 21º (tráfico e outras actividades ilícitas) do DL nº 15/93, de 22.1: 1. Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer titulo receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos. (…) Por seu turno, dispõe a alínea a) do art. 25º (tráfico de menor gravidade) do cit. DL: Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; (…). A heroína, a cocaína e a canabis estão incluídas respectivamente nas tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao referido diploma legal. Como sabido, o crime de tráfico de estupefacientes, em qualquer da suas modalidades, é um crime exaurido ou crime executido (também chamado delito de empreendimento no direito alemão) visto que fica perfeito com a comissão de um só acto gerador do resultado típico, admitindo uma aplicação unitária e unificadora da sua previsão aos diferentes actos múltiplos da mesma natureza praticados pelo agente, em virtude de tal previsão respeitar a um conceito genérico e abstracto. Relativamente a estes crimes, os diversos actos constitutivos de infracções independentes e potencialmente autónomas podem, em diversas circunstâncias, ser tratadas como se constituíssem um só crime, por forma a que aqueles actos individuais fiquem consumidos e absorvidos por uma só realidade criminal. Cada actuação do agente traduz-se na comissão do tipo criminal, mas o conjunto das múltiplas actuações do mesmo agente reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime e é tratada unificadamente pela lei e pela jurisprudência como correspondente a um só crime. O STJ tem entendido que no crime de tráfico de estupefacientes deve ter-se em atenção a quantidade global traficada no período considerado como o dessa actividade[1]. Para além disso tem defendido que, no crime de tráfico de estupefacientes, para se concluir no sentido de que a ilicitude do facto, para efeito de integração da conduta no tráfico de menor gravidade, está consideravelmente diminuída, é necessário avaliar globalmente a conduta do agente e olhar a «imagem» do arguido que resulta da ponderação do conjunto de factos que são dados como provados. Assim, tipo legal fundamental (ou tipo matricial) previsto no citado DL nº 15/93, é, entre outros, no que agora importa analisar, o crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º. E é a partir desse tipo fundamental que a lei, por um lado, edifica as circunstâncias agravantes (qualificando o tipo, nos casos indicados no artigo 24º) e, por outro lado, «privilegia» o tipo fundamental, quando concebe «o preceito do art. 25º como um mecanismo que funciona como “válvula de segurança” do sistema», com o fim de acautelar que «situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial». No que respeita ao artigo 25º do cit. DL, prevê-se uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, «por referência à ilicitude pressuposta no art. 21º, exemplificando aquela norma circunstâncias factuais com susceptibilidade de influírem no preenchimento valorativo da cláusula geral aí formulada.» Esse artigo 25º, tem na sua base “o reconhecimento de que a intensidade das circunstâncias pertinentes à ilicitude do facto não encontra na moldura penal normal do art. 21º, nº 1, pela sua gravidade diminuta, acolhimento justo, equitativo, proporcional»[2]. Também o STJ tem sustentado que, «a conduta prevista no artigo 26º [do mesmo diploma legal], embora envolvendo tráfico, refere-se, antes de tudo, à personalidade do agente e às suas motivações, o que justifica a epígrafe dirigida exactamente ao agente (traficante-consumidor) e não ao tráfico». Ora, compulsando a matéria de facto dada como provada logo se verifica que estão preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o recorrente foi condenado. A conduta do arguido C…, apesar de circunscrita ao dia 18.2.2011, geradora do resultado típico, preenche o facto típico ilícito do crime de tráfico de estupefacientes previstos no art. 21º, nº 1, do citado DL nº 15/93, sendo conhecida a elevada perigosidade desde logo da cocaína e da heroína vendidas em co-autoria com o arguido B… (e não só venda de cocaína, como alegava o recorrente, esquecendo tudo o mais que foi dado como provado, designadamente, no ponto 4). Tendo repartido tarefas, como decorre do ponto 4 dos factos provados (o arguido B… entregando os produtos estupefacientes aos clientes e o recorrente recebendo as quantias em dinheiro que estes pagavam pelas doses de heroína, cocaína e haxixe), é evidente que não se pode concluir (como o faz o recorrente) que só o arguido B… vendia estupefacientes (antes a conclusão a retirar dos factos dados como provados é que ambos vendiam naquele dia 18.2.2011 “doses” de heroína, cocaína e haxixe, conforme plano previamente traçado, tal como também resulta dos pontos 11 e 13 dados como provados). Diferente é a situação dos produtos estupefacientes apreendidos em casa do arguido B… - que eram por este destinados à venda, consoante resulta do ponto 7 dado como provado - pelos quais o recorrente não pode ser responsabilizado (nessa parte não se pode concluir que aqueles produtos estupefacientes apreendidos em casa do arguido B… fossem também destinados à venda em co-autoria com o recorrente). Olhando para os factos apurados (tendo em atenção todas as possíveis perspectivas) é manifesto que é insustentável defender que a respectiva conduta se poderia enquadrar no crime de tráfico de menor gravidade. Perante a factualidade apurada (olhando para a imagem global dos factos apurados, as circunstâncias em que cometeu o crime em questão, diferente natureza dos estupefacientes vendidos, quantidade de estupefacientes apreendidos em poder do arguido B… – 51 embalagens de produto que revelou conter cocaína, com o peso liquido de 3,242g. e um produto vegetal prensado que revelou ser canabis com o peso liquido de 7,882 g. - destinados à venda conjunta segundo o plano que previamente traçaram, quantias em dinheiro provenientes da venda efectuada naquele dia 18.2.2011 – a saber 315,30€ que se encontrava em poder do recorrente e ainda 1.658,60 € apreendida em casa do arguido B…[3] – modo de actuação, que revelou uma certa organização, com repartição de tarefas, o que lhes permitiu atingirem num só dia um elevado número de vendas de estupefacientes, ainda que a mesma tivesse sido realizada na rua, o que é evidente face às quantias em dinheiro obtidas) é manifesto que não se pode concluir que exista uma acentuada diminuição da ilicitude. Efectivamente considerada na globalidade a sua actuação dolosa que ocorreu nos moldes apurados e, também olhando a «imagem» do arguido/recorrente (que resulta igualmente da ponderação do conjunto dos factos provados), podemos concluir que nada justifica a alteração da qualificação jurídico-penal feita pela 1ª instância. Como logo se vê pela diferente qualidade e quantidades de estupefacientes vendidos por um lado e apreendidos por outro em poder do arguido B… (51 embalagens de produto que revelou conter cocaína, com o peso liquido de 3,242g. e um produto vegetal prensado que revelou ser canabis com o peso liquido de 7,882 g.), bem como pelas quantias em dinheiro (315,30€ + 1.658,60 € = 1.973,90 €) obtidas com a venda de estupefacientes (doses de heroína, cocaína e haxixe como resulta do ponto 4 dado como provado) efectuadas naquele dia 18.2.2011 pelos arguidos, nas circunstâncias apuradas, não se pode concluir que a ilicitude do facto, para efeito de integração da conduta no tráfico de menor gravidade, está consideravelmente diminuída. Por isso, o facto da actividade de venda de estupefacientes efectuada pelo recorrente C… em co-autoria com o arguido B…, se ter circunscrito a um dia e ter ocorrido na rua, perante todo o demais circunstancialismo apurado (embora, ao contrário do que alega, com uma certa organização que consistiu na dita repartição de tarefas, o que lhes permitiu vender “doses” de heroína, cocaína e haxixe, obtendo o valor total de 1.973,90 € e não apenas de 315,30€, como resulta claramente do ponto 8 dado como provado, que se refere no plural às quantias em dinheiro apreendidas) afasta a conclusão de ser consideravelmente diminuída a ilicitude da conduta do recorrente. Extrai-se nitidamente do ponto 8 dado como provado que, as quantias em dinheiro apreendidas haviam sido obtidas pelos arguidos B… e C… com as vendas de estupefacientes que efectuaram naquele dia 18.2.2011 (é, por isso, errada a conclusão que o recorrente pretende retirar quando sustenta que o montante em dinheiro que se encontrava no interior do cofre na residência do co-arguido B… era proveniente de vendas por este – arguido B… – efectuadas antes do dia 18.2.2011). Considerando a forma (acima apontada) como cometeu o crime aqui em apreço é evidente que dos factos apurados relativos à situação pessoal, condição económica e sócio-cultural do recorrente não se consegue concluir que fosse menor a ilicitude da sua conduta (como é bom de ver, apesar de ter arranjado uma companheira em Julho de 2008, ter contactos com a família de acolhimento, ser recebido na família da companheira, ter trabalhado precariamente e ter uma descendente nascida em 14.4.2009, o certo é que tudo isso não o impediu de praticar em 18.2.2011 os factos em questão integradores do crime pelo qual foi condenado, sendo indiferente que antes de conhecer a sua companheira tivesse uma vida difícil, uma vez que, como é das regras de experiência comum, muitos casos existem que tem um historial de vida semelhante ao do recorrente e nem por isso cometem crimes). Também a circunstância de ter à data dos factos menos de 21 anos de idade não releva para efeitos de alteração de qualificação jurídico-penal, tanto mais que o arguido praticou os factos em questão no período de suspensão da execução da pena de 2 anos de prisão, que já lhe fora aplicada anteriormente por crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, o que revela ter uma personalidade contrária ao direito e adequada aos factos que cometeu. Por isso, não temos dúvidas em enquadrar os factos apurados no tipo legal previsto no art. 21º, nº 1, do cit. DL nº 15/93 (o que, de qualquer modo, não significa que se considere a conduta e a situação do arguido C… como “um caso perdido”). Improcede, pois, nessa parte a argumentação do recorrente. 2ª Questão Importa, agora, analisar a medida da pena aplicada ao recorrente/arguido C… uma vez que este sustenta que é excessiva, tendo sido violado o disposto nos artigos 40º, 70º, 71º do CP (sendo certo que se mostra afastada a possibilidade de a sua conduta integrar o crime p. e p. no artigo 25º, al. a) do DL nº 15/93, de 22.1). Pois bem. Como sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40º do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade[4]. Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida[5]. Por sua vez, nos termos do artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele. Diz Figueiredo Dias[6], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.” Mais à frente[7], esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”. Acrescenta, também, o mesmo Autor[8] que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, um pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”. Uma vez determinada a pena concreta, pode ainda impor-se, consoante os casos, que o tribunal pondere se a deve substituir por outra pena, dentro do leque das respectivas penas de substituição previstas na lei. Ora, o Tribunal da 1ª instância, considerando a moldura penal abstracta (pena de prisão de 4 anos a 12 anos) do crime de tráfico de estupefacientes previsto no citado art. 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22.1, aplicou ao recorrente a pena de 4 anos e 6 meses de prisão. Analisando a decisão sob recurso no que respeita à fundamentação da referida pena aplicada ao arguido C…, verificamos que o tribunal da 1ª instância analisou, como lhe competia, se o recorrente devia ou não beneficiar do regime estabelecido no DL nº 401/82, de 23.9, atenta a sua idade (nasceu em 18.4.1991) à data dos factos (18.2.2011), mormente se deveria beneficiar da atenuação especial prevista no seu artigo 4º, concluindo, pelos motivos que indicou, negativamente e, igualmente fundamentou, de modo concreto, o quantum da pena de prisão imposta, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele (art. 71º, nº 2, do CP). No essencial, estamos de acordo com as considerações feitas pelo tribunal Colectivo, quer quanto à não aplicação do disposto no art. 4º do DL nº 401/82 (funcionando a jovem idade do arguido como atenuante geral), quer quanto às considerações que teceu relativamente à determinação da medida concreta da pena aplicada. Como sabido, o regime especial contido no DL nº 401/82, de 23.9 (cf. ainda art. 9º, do CP), visa criar um maior leque de alternativas à aplicação de penas de prisão a jovens que tiverem, à data da prática do crime (art. 1º, nº 2, do cit. DL nº 401/82), entre 16 e 21 anos de idade (sem terem ainda atingido os 21 anos), salvo se se tratar de jovens penalmente inimputáveis em virtude de anomalia psíquica (cf. nº 3 do mesmo artigo 1º). Trata-se de uma opção político-criminal que se fundamenta essencialmente no entendimento de que a delinquência juvenil (quanto a jovens imputáveis), merece um tratamento diferenciado e especial em relação ao regime penal para adultos, por envolver um ciclo de vida «correspondendo a uma “fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório”»[9]. A ponderação do regime de atenuação especial previsto no art. 4º do citado DL nº 401/82 é obrigatória, “se for aplicável pena de prisão”, constituindo um poder-dever vinculado que impõe ao juiz, oficiosamente, o dever de usar esse regime, se verificados os respectivos pressupostos. Para tanto, exige-se ao tribunal que realize um juízo de prognose, assente em factos, suficientemente densificados, no sentido de apurar se havia ou não “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” – o que, igualmente, significa, que essa apreciação é feita perante cada caso concreto, não sendo de aplicação automática[10]. E, quando se diz que não é de aplicação automática, isto significa que não basta que à data dos factos o arguido tivesse idade compreendida entre 16 e 21 anos para que de imediato e de forma obrigatória se aplicasse a atenuação especial prevista no art. 4º do citado DL nº 401/82. No juízo de prognose a efectuar, para apurar se existem ou não “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social”, impõe-se ponderar, numa avaliação global dos factos apurados, a natureza e modo de execução do crime, a personalidade do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao crime, bem como condições de vida, de forma a averiguar se a moldura da pena de prisão do crime por si cometido é ou não excessiva tendo em vista os fins de socialização do jovem condenado[11] (não esquecendo que, só havendo vantagens de reinserção mas, sem prejuízo da defesa do ordenamento jurídico, é que se justifica a referida atenuação especial). No caso dos autos, a natureza e modo de execução do crime em questão (tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21º, nº 1, do cit. DL nº 15/93), cometido nas circunstâncias dadas como provadas, são graves, como foi salientado pelo Colectivo. A circunstância do arguido ser um jovem menor de 21 anos de idade pouco relevo tem uma vez que até já tinha antecedentes criminais por crime de tráfico de menor gravidade, tendo cometido o crime ora em apreço no período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe fora aplicada naquela condenação anterior. Dos factos dados como provados, mesmo considerando os relativos às suas condições de vida (antes e depois do crime cometido) não resulta, nem pode extrair-se que, na altura em que cometeu o referido crime, estivesse a atravessar uma fase difícil da sua vida, uma vez que, então, tinha condições para levar uma vida conforme ao direito. Por outro lado, o que se apurou da personalidade do arguido/recorrente (que se pode deduzir a partir dos factos que foram dados como provados) mostra que há razões sérias para concluir que se deve afastar a atenuação especial por esta não trazer vantagens para a sua reinserção social. Considerando a imagem global dos factos dados como provados e a personalidade do arguido C…, não se pode concluir que a prática do crime em questão traduza um desvio transitório e ocasional (próprio do período de latência social propiciador da delinquência juvenil), o que mostra ser inviável formular um juízo de prognose favorável à atenuação especial, não se podendo desprezar a própria necessidade de defesa do ordenamento jurídico. Conclui-se, pois, que não se verificam os pressupostos que justifiquem a aplicação ao arguido C… da atenuação especial prevista no art. 4º do citado DL nº 401/82. De qualquer modo, como acima já se referiu a jovem idade do recorrente quer à data dos factos, quer à data da decisão da 1ª instância, é um factor atenuativo a considerar, embora em termos gerais. Tal como o fez o Colectivo, havia que considerar que o arguido/recorrente agiu com dolo (directo) e com consciência da ilicitude da sua conduta. Essa culpa e dolo são intensos, tendo presente a acção concreta em questão nos autos, por si praticada. A ilicitude dos factos apurados é medianamente elevada como diz o Colectivo, não obstante se considerar que a sua conduta foi cometida apenas em 1 dia, embora de forma intensa, não podendo esquecer-se a quantidade e qualidade (heroína, cocaína e haxixe) dos estupefacientes vendidos, face às quantias em dinheiro obtidas com essas vendas (sendo a heroína e a cocaína estupefacientes dos mais perniciosos) e igualmente as quantidades de estupefacientes apreendidos em poder do co-autor, arguido B… (excluídos os apreendidos na residência do arguido B…). O modo de actuação do recorrente em relação ao crime cometido é grave, revelando uma maior desatenção à advertência de conformação ao direito. São também elevadas as exigências de prevenção geral (necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada), tendo em atenção o bem jurídico violado (genericamente a saúde pública) no crime de tráfico de estupefacientes, que deve ser combatido com maior severidade, embora de forma proporcional à danosidade que causa e tendo em atenção as particulares circunstâncias do caso. São igualmente acentuadas as razões de prevenção especial, atendendo ao que se apurou em relação às condições de vida do recorrente, notando-se no conjunto que tem uma personalidade adequada aos factos que cometeu e avessa ao direito. Embora tendo como limite a medida da sua culpa, a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes é essencial, tanto mais que o arguido/recorrente tem antecedentes criminais por crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. O tipo de crime cometido revela bem as carências de socialização do recorrente, apesar de se ter em atenção o que se apurou em relação às suas condições pessoais e situação económica que, apesar de tudo (e, por outro lado), revelam alguma sensibilidade positiva à pena a aplicar, com reflexo favorável no juízo de prognose sobre a necessidade e a probabilidade da sua reinserção social. Igualmente se atenderá à respectiva idade (o arguido nasceu em 18.4.1991, consoante resulta da sua identificação constante do relatório do acórdão sob recurso) - quer à data do cometimento do crime, quer à data em que foi proferida a decisão da 1ª instância - ao tempo entretanto decorrido e, ao efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro (sendo expectável, atenta a sua jovem idade, que venha a mudar o seu rumo de vida). Mesmo considerando todas essas circunstâncias, não transparece que estejamos perante qualquer caso especial que justifique a atenuação especial da pena (cf. art. 72º do CP) em relação ao recorrente. Como ensina Figueiredo Dias, «as situações a que se referem as diversas alíneas do nº 2 não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionadas com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena»[12]. E, não é esse o caso dos autos (sendo de afastar qualquer atenuação especial da pena), como facilmente se alcança das considerações acima efectuadas, tendo presente os factos dados como provados, o que também revela a inadequação da aplicação de uma pena correspondente ao limite mínimo (4 anos) da moldura abstracta do crime cometido (como pretendia o recorrente). Assim, tudo ponderado, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido/recorrente, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a pena aplicada pela 1ª instância, de 4 anos e 6 meses de prisão (situada um pouco acima do limite mínimo da moldura abstracta que, como acima vimos, é de 4 anos de prisão). Na perspectiva do direito penal preventivo, a pena aplicada pela 1ª instância mostra-se adequada, equilibrada e proporcionada em relação à gravidade dos factos cometidos, satisfazendo as finalidades das penas. A pretendida redução da pena mostra-se desajustada perante as circunstâncias do caso concreto e comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade da norma incriminadora violada. Incumbe, agora, ponderar se a pena de prisão fixada deve ou não ser suspensa na sua execução face ao disposto no art. 50º do CP. Em termos abstractos, a pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada ao recorrente pode actualmente ser suspensa na sua execução com a sujeição a regime de prova (art. 53º, nº 3, do CP). Como sabido, as penas de substituição radicam “tanto histórica como teleologicamente, no (…) movimento político-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas de liberdade”[13]. Considerações relativas à culpa não podem ser ponderadas para justificar a não aplicação de uma pena de substituição[14]. E, também não se pode esquecer que a pena de prisão é encarada como a ultima ratio, sendo preocupação do legislador e, obrigação do Estado, contribuir para a própria socialização do arguido. Na suspensão da execução da pena de prisão, esta, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição. Para tanto, o tribunal deverá efectuar um juízo de prognose favorável em relação ao arguido, tendo em atenção a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste (art. 50º, nº 1, do CP). Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o julgador tem o dever (trata-se de um poder-dever vinculado) de suspender a execução da pena de prisão, suspensão essa que, como pena autónoma é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico[15], devendo ser ponderada no momento da decisão. Este juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, terá de assentar numa expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e, consequentemente, dessa forma será viável conseguir a ressocialização do arguido em liberdade, funcionando a condenação como uma advertência para evitar a prática de futuros crimes. Porém, neste caso concreto, o certo é que o arguido C… revela uma desatenção em relação ao direito que impede a aplicação de uma pena de substituição, atentas as exigências de prevenção geral e especial que neste caso se fazem sentir. Até olhando à gravidade do crime em causa e à circunstância de ter sido cometido no período de suspensão de execução de pena de prisão aplicada anteriormente por crime de tráfico de menor gravidade, revelam que não conseguiu adequar a sua personalidade ao direito. Atenta a sua idade e crime cometido, podemos afirmar que há uma adequação da sua personalidade aos factos cometidos, manifestada na indiferença que revelou pelo bem jurídico violado. Por outro lado, não se vislumbra dos factos apurados a possibilidade de formular um juízo favorável no sentido de o recorrente conseguir alcançar a sua socialização em liberdade. O facto de o arguido C… gozar de apoio familiar nos termos dados como provados em nada altera a apreciação feita pelo Colectivo, tanto mais que essa situação já existia antes de cometer o crime aqui em apreço, não tendo constituído motivo para o afastar da criminalidade. Tão pouco se extrai da matéria apurada que o recorrente tivesse interiorizado o desvalor da conduta que praticou. Dos factos apurados também não se vê que aquela pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão com regime de prova e ainda que sujeita a outros deveres e condições) seja suficiente para evitar que o arguido/recorrente reincida (dissuadir o agente da prática de novos crimes), uma vez que o mesmo apresenta uma personalidade adequada aos factos que cometeu. Compreende-se, por isso, que não seja possível formular um juízo de prognose favorável à suspensão da pena de prisão, ainda que sujeita a regime de prova (como a própria lei impõe no art. 53º, nº 3, do CP na versão actual) e a deveres e condições. Não há qualquer censura a fazer ao Tribunal Colectivo quando denegou a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão que impôs ao arguido C…, baseando-se não só na circunstância de ter antecedentes criminais, ter cometido o crime em apreço no período em que decorria a suspensão da execução de pena privativa de liberdade aplicada por crime idêntico (embora tratando-se de tráfico de estupefacientes de menor gravidade) e não ter hábitos de trabalho, o que não permite prognosticar que, face a dificuldades futuras, não voltará a delinquir. Esses motivos mantém-se aqui, razão pela qual não nos é possível formular um juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento futuro, no sentido de haver um mínimo de segurança de que o recorrente, se colocado em liberdade, seria capaz de não voltar a delinquir, caso se encontrasse de novo em dificuldades. Ou seja, não nos é possível ter uma expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Para além disso, essa medida de substituição da pena de prisão não é suportada comunitariamente uma vez que não satisfaz aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico. Improcede, pois, a pretensão do recorrente, sendo certo que não foram violadas as disposições legais por ele invocadas. * III- DISPOSITIVOEm face do exposto, acordam os Juízes desta Relação, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido C…. * Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.* (Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)* Porto, 14-3.2012Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias José Alberto Vaz Carreto ______________ [1] Ver, entre outros, Ac. de 23/1/91, BMJ 403/161 e Ac. de 13/2/91, BMJ 404/188. [2] Assim, entre outros, Ac. STJ de 12/7/2000, BMJ nº 499/117 ss. e Ac. STJ de 23/3/2006, CJ Ac. do STJ 2006, I, 219 e 220. [3] Relativamente à actuação conjunta de ambos os arguidos, naquele dia 18.2.2011 (conferir pontos 4, 10, 11 e 13 apurados), ver os produtos estupefacientes vendidos e o que foi apreendido aludidos nos pontos 4 e 5 dados como provados e quanto ao dinheiro apreendido proveniente da venda de estupefacientes, ver os pontos 5, 6 e 8 dados como provados. [4] ANABELA MIRANDA RODRIGUES, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), p. 155, refere que o art. 40 CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”. [5] Neste sentido, v.g. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p.198. [6] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 72. [7] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 214. [8] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29. [9] Assim, entre outros, Ac. do STJ de 11/6/2003, proferido no processo nº 03P1657 (relatado por Henriques Gaspar), consultado no site do ITIJ. [10] A este propósito ver, entre outros, Ac. do STJ de 7/12/2006, proferido no proc. nº 06P4077 (relatado por Pereira Madeira), de 14/6/2006, proferido no proc. nº 06P2037 (relatado por Simas Santos), de 3/3/2005, proferido no proc. nº 04P4706 (relatado por Henriques Gaspar), de 14/10/2003, proferido no proc. nº 04P218 (relatado por Pereira Madeira), todos consultados no mesmo site. [11] Neste sentido, ac. do TRL de 24/10/2006, proferido no proc. nº 7217/2006-5 (relatado por José Adriano), consultado no mesmo site do ITIJ. [12] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, p. 302. [13] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 91. [14] ANABELA MIRANDA RODRIGUES, ob. cit., p. 256. [15] Neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 27/6/1996; CJ 1996, II, 204. |