Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0722282
Nº Convencional: JTRP00040699
Relator: ANTAS DE BARROS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CULPA PRESUMIDA DO CONDUTOR
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
Nº do Documento: RP200710150722282
Data do Acordão: 10/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 254 - FLS. 98.
Área Temática: .
Sumário: I- A culpa pode ser presumida ou demonstrada; se baseada em presunção natural derivada da violação da lei ou regulamento é uma culpa demonstrada. Só a culpa que a lei faz presumir cabe no conceito de culpa presumida.
II- No âmbito de aplicação do art, 494º do Cód. Civ. não há que distinguir entre culpa presumida e culpa demonstrada.
III- Na indemnização pela perda de capacidade de ganho deve ter-se em conta o tempo provável de vida do lesado (não apenas de vida activa).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Relação do Porto


B……………………… e C………………, residentes na Rua ………….., nº…., em ………., na comarca de Ovar, instauraram contra a D………………., SA, com sede no …………, nº…., em Lisboa, acção de processo comum, na forma ordinária, pedindo a condenação desta a pagar ao B..................... a quantia de 124.585,38 €, à C..................... 78.744,92 € e a ambos, em conjunto, 15.483,33 €, como indemnização por danos que sofreram por via de um acidente de viação ocorrido no dia 20 de Janeiro de 2000, pelas 9,45 hs, em ………, na referida freguesia de ……….., provocado, com culpa exclusiva, por um segurado da ré, quantias essas acrescidas de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até pagamento.
Alegam para o efeito, em resumo, que na referida ocasião e lugar, o autor B..................... seguia tripulando o seu ciclomotor nº OVR-..-.., pela estrada municipal Pardilhó-Ovar, neste sentido, levando como passageira a autora C....................., sua mulher.
Que na mesma altura seguia pela aludida estrada o veículo automóvel ligeiro de passageiros nº ..-.. -JB, pertencente a E…………….. e por este conduzido, que celebrou com a ré um contrato de seguro transferindo para esta a responsabilidade civil resultante da respectiva utilização.
Alegam ainda que o JB seguia no sentido Pardilhó-Ovar quando, ao passar numa zona em que havia obras nessa via, o respectivo condutor iniciou a ultrapassagem a veículos que estavam parados, passando a circular na metade da faixa de rodagem à sua esquerda, sem atentar no restante trânsito, pelo que foi embater no OVR, que seguia junto à berma do lado direito, considerando o sentido que este levava, do que resultou a projecção dos autores ao solo, assim provocando a estes lesões corporais que, por sua vez, causaram a estes incapacidade para o trabalho e outros danos patrimoniais, bem como padecimentos vários.
Concretamente, pedem a condenação da ré no pagamento
Ao autor B…………….. das seguintes quantias:
a) Danos na motorizada € 380,57
b) Taxas moderadoras € 66,39
c) Consultas médicas € 44,89
d) Exames médicos € 17,45
e) Medicamentos € 146,75
f) Perda dos óculos € 229,45
g) Perda de capacidade aquisitiva e 3.ª pessoa € 36.412,25
h) Danos não patrimoniais € 87.289,643
— Total € 124.575,38
À autora C…………….., das seguintes quantias:
a) Perda de retribuições [não indicado]
b) Taxas moderadoras € 20,99
c) Medicamentos € 196,04
d) Perda de capacidade aquisitiva € 27.433,88
e) Danos não patrimoniais € 48,879,70
Total € 78.744,92
Reclamam ainda o pagamento, em conjunto, das quantias de € 483,33 pelo facto de, aquando do período em que estiveram incapacitados de realizar quaisquer tarefas terem sido obrigados a recorrer ao apoio da sua filha F…………….. e a quantia de € 15.000,00 por terem deixado de trabalhar no quintal e exploração de coelhos e galinhas, sendo obrigados a pagar a uma jornaleira a quantia de € 2,99 / hora, numa média de 10 horas por semana.
A ré contestou, aceitando a ocorrência do sinistro, mas impugnando a forma como ocorreu bem como as lesões e danos invocados, defendendo a improcedência parcial da acção.
O Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro deduziu a fls. 91 ss., pedido de reembolso contra a ré, no valor de € 3.418,96, relativo ao valor de baixa médica pago pelo mesmo à autora C......................
No saneador considerou-se a instância válida e regular.
Seleccionados os factos já assentes e os controversos tidos por relevantes para a decisão da causa, procedeu-se a julgamento, constando de fls. 481 a 487 a decisão sobre os últimos, após o que foi proferida a sentença em que se condenou a ré a pagar ao B..................... a quantia de 38.383,50 €, à C..................... 13.327,38 € e aos dois autores, em conjunto, 483,33 €, tudo com juros de mora, nos termos pedidos, absolvendo-a do mais. Foi dessa decisão que os autores recorreram.
Nas suas alegações, formulam as seguintes conclusões:
1. O condutor do veículo JB violou na sua conduta estradal o disposto nos arts. 13°, 35° e 38° do Código de Estrada então em vigor, sendo o único culpado na produção do acidente.
2. Na verdade, o referido condutor realizou a manobra de ultrapassagem de três veículos parados, para o efeito invadindo a meia faixa de rodagem contrária por onde circulava o motociclo tripulado pelo autor B……………., sem antes se certificar se a sua manobra punha em risco o trânsito que circulava em sentido contrário e assim procedendo apesar de ter avistado o motociclo do autor e de serem visíveis as obras na via e o funcionário camarário que, orientando o trânsito, mandava o autor avançar.
3. Dada a negligência grosseira do condutor do veículo JB, não haverá que considerar os factores de atenuação da indemnização previstos no art. 494º do Código Civil.
4. As lesões causadas no autor B…………… pelo acidente dos autos foram muito, graves e obrigaram a uma prolongada e dolorosa convalescença.
5. As sequelas dessas lesões afectaram gravemente a imagem física do autor B....................., diminuíram a sua capacidade de ganho, tornaram-no incapaz absolutamente para a sua profissão habitual e para as demais da mesma área sócio-profissional, deixaram-no incapaz de praticar muitos actos correntes da vida quotidiana como sejam os de se vestir, lavar, comer, limitaram-lhe a capacidade para executar muitos outros actos como sejam caminhar, ajoelhar-se, pôr-se de cócoras e manter-se de pé ou sentado, causaram-lhe a perda da sua autonomia, obrigando-o a auxilio quotidiano de uma terceira pessoa, diminuíram-lhe a capacidade de realização sexual, provocando-lhe dores intensas e tornaram-no num homem triste e amargurado.
6. A autora C..................... sofreu intensas dores durante a convalescença das lesões do acidente.
7. As sequelas das lesões sofridas no acidente pela autora C..................... causam-lhe dores, limitando-a fisicamente, provocando-lhe inchaço na parte de dentro da perna direita, causando-lhe falta de força quando faz esforços e seguramente se agravarão no futuro as actuais disfunções do artelho.
8. A autora tornou-se uma pessoa triste e amargurada, vivendo sob o sofrimento das sequelas das lesões do acidente da sua segura incapacidade futura para prestar auxilio ao marido e da certeza actual que deste não pode esperar o amparo de que precisa e precisará cada vez mais em resultado das limitações de que ficou a padecer.
9. O autor B..................... e a autora C..................... não sofriam de quaisquer limitações físicas ou de realização sexual à data do acidente e eram pessoas alegres, felizes e motivadas.
10. A indemnização por danos não patrimoniais deverá atender à importância dos valores de personalidade física e moral lesados e deverá exprimir no seu "quantum» essa importância e o grau da sua lesão, tudo à luz do disposto no art. 496° do Código Civil.11. Na fixação da indemnização pelo dano patrimonial da perda da capacidade de ganho haverá que tomar como referência, não a idade normal da reforma dos 65 anos, mas a expectativa de vida activa, que quanto aos homens portugueses se situa nos 73 anos e quanto às mulheres nos 80 anos.
12. Haverá ainda que ponderar o dano futuro e neste caso o facto do autor B..................... ter ficado incapaz absolutamente para o exercício da sua profissão habitual ou qualquer outra da mesma área sócio-profissional.
13. A ponderação da referida incapacidade absoluta deverá fazer-se com o recurso analógico ao critério fixado no art. 17°, no. 1, aI. b) da lei 100/97 de 13/9 para os acidentes de trabalho.
14. A fixação de indemnização por danos patrimoniais deverá ter em conta o disposto nos arts. 483°, 496°, 562° e 566° do Código Civil.
15. As indemnizações arbitradas na douta sentença recorrida pecam por defeito.
16. A indemnização por danos não patrimoniais a favor do autor B..................... deverá ser fixada em valor não inferior a 50.000,00 € e a favor da autora C..................... em valor não inferior a 25.000,00 €.
17. A indemnização pela perda de capacidade de ganho e pelos danos futuros deverá ser fixada em montante não inferior a 70.000,00€ a favor do autor B..................... e a 9.000,00€ a favor da autora C......................
18. As indemnizações globais deverão ser fixadas no montante de 120.883,50€ para o A. B..................... e de 34.217,03€ para a A. C......................
19. A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 483°, 496°, 562°, 566° do Código Civil pelo que deverá ser revogada quer quanto à determinação da culpa do condutor do veículo JB quer quanto à fixação dos montantes indemnizatórios a pagar pela ré aos autores B..................... e C....................., tal como nestas alegações e nas suas conclusões se explicitou.
A apelada contra-alegou, defendendo que se mantenha o decidido.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos, cumpre conhecer do recurso.
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Vêm provados os seguintes factos:
1 . No dia 20 de Janeiro de 2000, pelas 09h45, ocorreu um sinistro no lugar de ……….., freguesia de ………….., concelho de Ovar, na estrada municipal Ovar/Avanca e Pardilhó, no qual intervieram o veículo ligeiro de passageiros de matricula ..-.. -JB (adiante designado de forma abreviada por "JB"), propriedade de E……………. e por ele conduzido, e o ciclomotor de matrícula 2-0VR-..-.. (adiante designado por "ciclomotor"), propriedade do A. B..................... e por ele conduzido (al. A| Factos Assentes).
2 . A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação em que interviesse o veículo JB encontrava-se transferida para a Ré, por força do contrato de seguro titulado pela apólice n° 6.379.976 (al. Z| Factos Assentes).
3 . No local a estrada forma uma recta com cerca de 300 metros de comprimento e a faixa de rodagem tem 7 metros de largura (al. B| Factos Assentes).
4 . O piso da via era betuminoso e estava seco (al. C| Factos Assentes).
5 . Alguns funcionários da Câmara Municipal de Ovar encontravam-se na ocasião a realizar trabalhos na via (al. D| Factos Assentes).
6 . O veículo JB circulava no sentido Norte/Sul, isto é, Ovar/Válega, e o ciclomotor circulava no sentido inverso (al. E| Factos Assentes).
7 . O veículo JB e o ciclomotor circulavam pelas respectivas hemi-faixas direitas de rodagem (al. F| Factos Assentes).
8 . O condutor do JB apercebeu-se que o ciclomotor circulava em sentido contrário (al. G| Factos Assentes).
9 . Na hemi-faixa de rodagem por onde circulava o veículo JB encontrava-se estacionado um tractor com reboque da Câmara Municipal de Ovar, que servia de apoio aos trabalhos que se estavam a realizar na via e que estava estacionado em frente ao local onde esses trabalhos tinham lugar e sobre a meia faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha do JB (al. H| Factos Assentes).
10 . Nessa mesma hemi-faixa de rodagem encontravam-se parados dois automóveis pesados de mercadorias (al. I| Factos Assentes).
11 . Quer os trabalhos, quer os veículos estacionados na via eram visíveis para quem aí circulava (al. J| Factos Assentes).
12 . O ciclomotor circulava a não mais de 50 centímetros da berma direita, considerando o seu sentido de marcha (Resp. 1.º Base Instrutória).
13 . Face à aproximação do ciclomotor, os funcionários aludidos em 05) retiraram para a berma e mandaram o A. avançar (Resp. 3.º Base Instrutória).
14 . O que este fez nos exactos termos referidos em 12) (Resp. 4.º Base Instrutória).
15 . Os dois automóveis pesados de mercadorias referidos em 10) estavam estacionados atrás do tractor com reboque mencionado em 09) e aguardavam a oportunidade de o ultrapassarem e prosseguirem a marcha no sentido Norte/Sul (Resp. 5.º Base Instrutória).
16 . Os trabalhos na via e os veículos estacionados situavam-se sensivelmente a meio da recta (Resp. 6.º Base Instrutória).
17 . O condutor do veículo JB apercebeu-se que se encontravam na sua meia faixa de rodagem os três veículos referidos em 15), e não obstante isso e do facto aludido em 08) decidiu ultrapassar os três referidos veículos (Resp. 7.º Base Instrutória).
18 . Para esse efeito, flectiu o seu veículo para a esquerda e ocupou totalmente a meia faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha, passando a circular por ela (Resp. 8.º Base Instrutória).
19 . Tendo-o feito exactamente quando o ciclomotor circulava na zona em que os três referidos veículos se encontravam na situação descrita em 15) (Resp. 9.º Base Instrutória).
20 . O condutor do veiculo JB iniciou e realizou a mencionada manobra sem antes verificar se esta poria em risco o trânsito que se processava em sentido contrário (Resp. 10.º BI).
21 . Tendo assim ido embater com a frente esquerda do seu veículo no ciclomotor (Resp. 11 BI).
22 . Projectando a A. C..................... sobre o JB, após o que caiu no pinhal que então existia, imediatamente a seguir à berma direita, considerando o sentido do ciclomotor (Resp. 12 BI).
23 . E projectando o A. B..................... para o solo, também já dentro do referido pinhal (Resp. 13.º BI).
24 . O embate ocorreu junto à berma direita, considerando o sentido de marcha do ciclomotor, no enfiamento dos três veículos automóveis acima referidos e já quando o ciclomotor ultrapassara a zona de trabalhos que ocorriam na via (Resp. 14.º BI).
25 . Após o embate, o veículo JB ficou imobilizado enviesado para a esquerda, com a frente sobre a berma esquerda, considerado o seu sentido de marcha, e o resto do seu "corpo" sobre a meia faixa de rodagem esquerda, considerando o mesmo sentido (al. K| Factos Assentes).
26 . O A. B..................... nasceu no dia 23 de Dezembro de 1937 e a A. C..................... nasceu no dia 14 de Julho de 1940 (al. L| Factos Assentes).
27 . A A. C..................... é beneficiária da Segurança Social com o n° 0519141130 (al. M| Factos Assentes).
28 . Em consequência das lesões sofridas com o acidente retratado nos autos a A. C..................... esteve com baixa médica subsidiada de 20 de Janeiro a 31 de Julho de 2000 (al. N| Factos Assentes).
29 . Por tal facto, o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro pagou à A. a título de subsídio de doença a quantia de 3.418,96 € (al. O| Factos Assentes).
30 . O A. B..................... foi empregado de escritório das oficinas da C.P. em Ovar até 31 de Dezembro de 1992, passando em Janeiro de 1993, devido ao encerramento dessas oficinas, à situação de pré-reforma, nessa situação se encontrando à data do sinistro e ainda hoje se encontra (al. P|, Q| e R| Factos Assentes).
31 . O autor B..................... auferia da sua ex-entidade patronal (Rede Ferroviária Nacional, E.P.), à data do sinistro, a prestação mensal de pré-reforma de 110.234$00 (€ 549,00), em catorze meses por ano (al. S| Factos Assentes).
32 . Prestação essa que foi aumentada para o valor ilíquido de 118.083$00 em Fevereiro de 2001, recebendo, porém, o A. B..................... o valor líquido mensal de 96.503$00 - € 481,35 (al. T| Factos Assentes).
33 . À data do sinistro a A. C..................... auferia as seguintes parcelas retributivas ilíquidas: 79.581$00 (396,95 €) a título de salário, 18.635$00 (92,95 €) a título de diuturnidades e 5.150$00 (25,69 €) a título de subsídio de turno (al. U| Factos Assentes).
34 . O A. B..................... teve alta clínica dada pelo corpo clínico da Ré em 07 de Setembro de 2000 (al. V| Factos Assentes).
35 . Para prestar assistência aos AA., F……………. esteve de licença sem vencimento de 21.03.2000 a 24.04.2000 (al. W| Factos Assentes).
36 . À data, a referida F…………….. prestava serviço como funcionária da G…………… do concelho de Oliveira do Bairro e no período referido em 22), a mencionada F………….. nada recebeu da sua entidade patronal (al. X| e Y| Factos Assentes).
37 . Como consequência directa e necessária do sinistro, o Autor B..................... sofreu traumatismo grave da coluna cervical (Resp. 15.º BI).
38 . E a A. C..................... sofreu fractura do tornozelo direito, fractura de costela, ferimento do joelho esquerdo e lesão da safena interna direita com trombose secundária (Resp. 16.º BI).
39 . O A. B..................... foi sucessivamente socorrido nos hospitais de Ovar e de Santa Maria da Feira (Resp. 17.º BI).
40 . Tendo desenvolvido, como resultado directo e necessário das lesões sofridas no acidente, um síndroma de Brown-Séquard (Resp. 18.º BI).
41 . Após a alta clínica aludida em 34) o A B.....................continuou, por disso ter necessidade, a fazer fisioterapia (Resp. 19.º BI).
42 . O A. B..................... teve alta clínica definitiva em 27 de Dezembro de 2000 (Resp. 20.º BI).
43 . Tendo estado na situação de incapacidade temporária total para o trabalho desde a data do acidente até essa data (Resp. 21.º BI).
44 . Como consequência directa e necessária das lesões sofridas no acidente, o A. B..................... ficou a padecer do síndroma Brown-Séquard à direita, com tradução clínica nos membros superior e inferior, e disfunção eréctil residual (Resp. 22.º BI).
45 . Estas perturbações são crónicas e tendem a agravar-se com o decurso do tempo (Resp. 23.º BI).
46 . Estando o A. B..................... afectado de uma incapacidade parcial permanente de 65%, com incapacidade total e absoluta para o exercício da sua profissão habitual como empregado de escritório (Resp. 24.º BI).
47 . Ainda como consequência directa e necessária das lesões sofridas pelo A. no acidente e das respectivas sequelas, o seu olho esquerdo ficou mais pequeno (Resp. 25.º BI).
48 . E as pálpebras e toda a região esquerda da face que vai da boca ao olho esquerdo treme e repuxa, sendo visível um abrir e fechar contínuo e repetido das pálpebras do olho esquerdo (Resp. 26.º BI)
49 . Também como consequência das lesões e sequelas referidas, o A. diariamente e várias vezes ao dia, sente a vista esquerda enublada, perdendo a visão (Resp. 27.º BI).
50 . O "quantum doloris" do A. B....................., tendo em conta as dores físicas que sofreu durante o período de incapacidade temporária, o tipo de lesão e o período prolongado de recuperação das complexas distrofias pós-traumáticas, é quantificável no grau 6, tomando como referência a escala em seguida aludida [1 – muito ligeiro; 2 - ligeiro; 3 - moderado; 4 - médio; 5 - considerável; 6 - importante; . 7-muito importante] (Resp. 28.º BI).
51 . Atendendo à forma como as lesões atingiram o A. B....................., a sua coluna cervical passou a possuir uma menor resistência a eventuais traumatismos (Resp. 29.º BI).
52 . O A. era e é dextro (Resp. 30.º BI).
53 . Devido às sequelas do acidente, o A. não consegue mover e controlar o braço e a mão direitos de modo a executar muitos dos gestos habituais e necessários do quotidiano, como sejam os de abotoar o botão da camisa do lado esquerdo, partir a carne, a broa e outra comida que exija mais força e precisão para ser cortada e levada à boca, bem como vestir a roupa e tomar banho (Resp. 31.º BI).
54 . Precisando, para executar tais actos, da ajuda de outra pessoa, tentando, quanto ao levar a comida à boca, fazê-lo com a mão e o braço esquerdos (Resp. 32.º BI).
55 . O que contudo faz com muita dificuldade e muito lentamente, pois não tem conseguido adaptar-se ao uso da mão e do braço esquerdos em substituição dos do lado direito (Resp. 33.º BI).
56 . A mão direita do A. treme-lhe e nela não tem força, tentando, sem sucesso, controlar com a mão esquerda a tremura e a falta de força da mão direita (Resp. 34.º BI).
57 . O Autor só consegue caminhar com o apoio de uma bengala, e mesmo com esse apoio claudica ao caminhar, dando o aspecto, perceptível por qualquer pessoa, de que manca (Resp. 35.º BI).
58 . E só consegue baixar e levantar-se, e baixar-se e pôr-se de cócoras e levantar-se dessa posição apoiando-se em alguma coisa ou noutra pessoa e, mesmo assim, com muito esforço e dificuldade (Resp. 36.º BI).
59 . E não consegue ajoelhar-se (Resp. 37.º BI).
60 . E sente dores permanentes na perna, na mão e no braço direitas e no pescoço, e os seus movimentos "presos” (Resp. 39.º BI).
61 . O Autor B..................... não consegue estar por períodos de mais de uma hora, em média, na posição de sentado ou na posição de pé, sendo obrigado a mudar de uma posição para outra sucessivamente (Resp. 40.º BI).
62 . Como resultado directo e necessário das lesões do acidente, o A. B..................... não consegue com frequência a erecção do seu pénis e, quando consegue, ela não é prolongada e desaparece muitas vezes de modo repentino (Resp. 41.º BI).
63 . Perturbação que leva o A. a recear o relacionamento sexual com a co-autora C..................... e a muitas vezes desistir de o tentar (Resp. 42.º BI).
64 . A A. C..................... foi sucessivamente socorrida nos hospitais de Ovar e de Santa Maria da Feira (Resp. 43.º BI).
65 . Fez tratamento conservador da fractura bimaleolar (Resp. 44.º BI).
66 . Tendo andado engessada 55 dias, período este seguido de fisioterapia até Julho de 2000 (Resp. 45.º BI).
67 . Desenvolveu hematoma da coxa direita que exigiu intervenção cerca de três semanas depois do acidente (Resp. 46.º BI).
68 . Teve alta clínica em 22 de Novembro de 2000 (Resp. 47.º BI).
69 . Como sequelas permanentes das lesões sofridas no acidente a A. C..................... ficou com artelho doloroso crónico à direita (Resp. 48.º BI).
70 . Insuficiência vascular crónica do membro inferior direito (Resp. 49.º BI).
71 . E cicatrizes na coxa direita, localizada no terço médio da face interna da coxa, com 7 cm de comprimento, e no joelho esquerdo, localizada na face interior do joelho, com 13 cm de comprimento (Resp. 50.º BI).
72 . O tornozelo da A. C..................... mostra marcada osteopenia de desuso e estreitamento da interlinha tíbio-astragalina por artrose pós-traumática (Resp. 51.º BI).
73 . A A. C..................... esteve na situação de incapacidade temporária total durante os primeiros 60 dias subsequentes ao acidente e na de incapacidade temporária parcial de 60% desde 22 de Março a 22 de Novembro de 2000 (Resp. 52.º BI).
74 . A Autora ficou, em resultado das sequelas das lesões do sinistro afectada com uma IPP geral de 5%, acrescida de 5% de dano futuro (Resp. 53.º BI).
75 . As sequelas que deram lugar à I.P.P. referida EM 74) exigem esforços acrescidos à A. no exercício da sua profissão habitual de guarda da C.P., porém, o contrato de trabalho com a CP cessou em 1 de Agosto de 2000, tendo a Autora estado de baixa por doença desde Janeiro de 2000 até à data da cessação do contrato de trabalho (Resp. 54.º BI).
76 . O quantum doloris é do grau 4 (Resp. 55.º BI).
77 . O estreitamento da tíbio-astragalina já referida irá alterar a estática e a dinâmica do tornozelo e determinará, forçosamente, o aumento da solicitação das outras articulações társicas, o que agravará as actuais disfunções articulares do artelho da A. C..................... (Resp. 56.º BI).
78 . À noite incha a parte de dentro da perna direita da A. C..................... (Resp. 57.º BI).
79 . Quando faz esforço sente falta de força (Resp. 58.º BI).
80 . Tudo isto sucedendo por causa das sequelas das lesões sofridas no acidente (Resp. 62.º BI).
81 . O único meio próprio de transporte dos AA. era e é o veículo sinistrado, para cuja condução tinha licença (Resp. 63.º BI).
82 . A A. C..................... não sabe conduzir qualquer veículo e o A. B..................... só sabe conduzir veículos do tipo do sinistrado (Resp. 64.º BI).
83 . Por causa das sequelas do acidente o A. B..................... não poderá conduzir mais qualquer ciclomotor ou motociclo (Resp. 65.º BI).
84 . Não dispondo, nem podendo vir a dispor os AA. de meio próprio de transporte, tendo de socorrer-se, para se deslocarem, de boleia ou de transporte público (Resp. 66.º BI).
85 . Os AA. sentem-se tristes e amargurados com as sequelas das lesões do acidente de que padecem (Resp. 67.º BI).
86 . Sentindo-se inseguros quanto ao futuro, pois já hoje o A. B..................... precisa do auxílio de outra pessoa em muitos actos do seu quotidiano, e esse auxílio é-lhe prestado pela co-autora C..................... (Resp. 68 BI).
87 . Porém, devido às sequelas das suas próprias lesões a co-A. C..................... presta auxílio ao co-A. B..................... com muita dificuldade e ambos têm consciência de que em muito poucos anos, ela não poderá prestar o apoio que hoje presta (Resp. 69.º BI).
88 . A progressão do agravamento das sequelas das lesões do A. B..................... só poderá ser diminuída no seu ritmo se for sujeito regularmente a tratamentos de fisioterapia (Resp. 70.º BI).
89 . Os AA. eram, antes do acidente, pessoas alegres e confiantes e que encaravam o futuro com optimismo (Resp. 71.º BI).
90 . Hoje, e por causa das sequelas do acidente, os AA. raramente tentam manter relações sexuais e, quando o tentam, na maior parte das vezes não conseguem concretizá-las devido à disfunção eréctil do A. B..................... (Resp. 73.º BI).
91 . Tentativas que, ademais, são realizadas sob grande insegurança e receio, pois o A. B..................... teme fracassar e a A. C..................... sofre e fica ansiosa com o temor e a tensão do marido (Resp. 74.º BI).
92 . Antes do acidente, o A. B..................... gozava de boa saúde e tinha força física (Resp. 75.º BI).
93 . Hoje, e por causa das sequelas das lesões do acidente, o A. B..................... é uma pessoa nervosa, amargurada e pessimista (Resp. 76.º BI).
94 . Além das quantias referidas em 33), a A. C..................... auferia ainda as quantias de € 92,95 de diuturnidades, € 25,95 de subsídio de turnos, bem como férias, subsídio de férias e de Natal iguais, cada um e em cada ano, às retribuições de um mês (Resp. 77.º BI).
95 . A A. C..................... encontra-se desempregada desde 01 de Agosto de 2000 (Resp. 78.º BI).
96 . No período que decorreu da data do sinistro (20.01.2000) até 31 de Julho de 2000, a Autora não auferiu os componentes da retribuição referidos em 94) (Resp. 79.º BI).
97 . A A. C..................... era antes do acidente uma mulher com saúde e força física, não sofrendo de qualquer limitação (Resp. 80.º BI).
98 . Hoje é, pelo acidente havido e suas sequelas, uma mulher triste, amarga, pessimista e com uma visão negativa do seu futuro e do seu marido (Resp. 81.º BI).
99 . Os AA., além das suas referidas actividades profissionais, também se dedicavam à actividade agrícola nas horas vagas (Resp. 82.º BI).
100 . Os AA. têm junto à sua casa de habitação um quintal com 1400 m2 de área, com árvores de fruto e ramadas e onde semeavam, plantavam e colhiam milho, batatas, feijão, alhos, tomates, pimentos e outros produtos e onde tinham também uma pequena exploração de coelhos e galinhas (Resp. 83.º BI).
101 . Eram os AA. que, com o seu exclusivo trabalho, plantavam, semeavam, colhiam, vindimavam, tratavam dos animais e faziam tudo o mais que necessário fosse para os referidos efeitos (Resp. 84.º BI).
102 . No período que decorreu de 21 de Março até 24 de Abril de 2000, os AA., já então no seu domicílio, estiveram totalmente incapacitados para realizarem tarefas básicas como cozinhar as refeições, comer, lavar, pôr, retirar, despejar e lavar a arrastadeira, lavar e passar a ferro a roupa e proceder às limpezas da casa (Resp. 86.º BI).
103 . Tendo sido obrigados a socorrer-se do apoio da sua filha F……………. (Resp. 87.º BI).
104 . Foi a filha Ana Maria que durante F…................ esse período tratou dos AA. e deles tomou conta, designadamente cozinhando, dando-lhes de comer, lavando-os, pondo-lhes e retirando-lhes a arrastadeira, lavando e passando a roupa, limpando a casa e acorrendo a todos os pedidos que os AA. faziam (Resp. 88.º BI).
105 . Por causa das lesões do acidente e do seu tratamento o A. B..................... pagou as verbas em seguida descritas: - taxas moderadoras de consultas e exames: 64,39 €; exames: 17,45 €; medicamentos: 146,75 €; consultas; 44,89 € (Resp. 90.º BI).
106 . Por causa das lesões do acidente e do seu tratamento a A. C..................... pagou as verbas em seguida descritas - taxas moderadoras: 20,99€; - medicamentos: 196,04 (Resp. 91.º BI).
107 . O A. B..................... usava à data do acidente, óculos para correcção de deficiência visual, que ainda hoje é obrigado a usar (Resp. 92.º BI).
108 . Quer a armação, quer as lentes dos óculos que trazia aquando do sinistro ficaram totalmente partidas e irrecuperáveis (Resp. 93.º BI).
109 . Teve por isso o A. de comprar uns óculos novos, que lhe custaram 229,45 € (Resp. 94.º BI).
110 . O ciclomotor, por causa do acidente, ficou com as seguintes peças partidas, amolgadas e irrecuperáveis: jante da frente, painel do conta-quilómetros, berço do quadro, guarda-lamas da frente, escape, bainhas, guarda-lamas de trás, farol, haste do guiador, punhos, selim, câmara da roda da frente, cabos do acelerador e da embraiagem (Resp. 95.º BI).
111 . A sua reparação custará, em materiais e mão-de-obra, 380,57 € (Resp. 96.º BI).
112 . Ao sair da rotunda que antecede o local do acidente o condutor do JB deixou à sua esquerda cerca de 5 metros de faixa de rodagem livre, espaço bastante para se cruzar, sem perigo, com o ciclomotor conduzido pelo A. (Resp. 98.º e 99.º BI).
113 . Durante uma parte da movimentação do ciclomotor este flectiu para a esquerda (Resp. 100.º BI).
114 . Ao desviar-se de um cantoneiro que trabalhava na berma da estrada, o ciclomotor flectiu para a esquerda (Resp. 101.º BI).
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Como resulta das conclusões da alegação dos recorrentes, estes centram em três pontos as censuras que dirigem à sentença recorrida, um respeitante à culpa do condutor do JB em relação com o disposto no artº 494º do C. Civil, outro à indemnização a atribuir a cada um dos autores por danos não patrimoniais e, o terceiro, relativo à indemnização, também a cada um dos autores, pela perda da capacidade de ganho e, para a C....................., ainda do dano resultante do agravamento futuro das lesões corporais sofridas.
Passando a apreciar as referidas questões, verifica-se que a concernente à culpa do condutor do JB foi levantada pelos recorrentes devido a constar da fundamentação da sentença a referência «aos critérios oferecidos pelo artº 494º do C. Civil» e, reportada à culpa do condutor do referido automóvel, a expressão «culpa fundada apenas em presunção».
Com efeito, o citado artº 494º admite a indemnização por valor inferior ao dos danos se, em caso de mera culpa, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
Sobre este assunto, há que tecer considerações de duas ordens.
Uma, tendente a ponderar se no caso aqui em apreciação, a culpa do condutor do JB é presumida ou demonstrada.
Outra, se ser a culpa presumida, ou demonstrada, interfere com a aplicabilidade dessa norma.
Sobre a primeira, como se referiu atrás, o Sr. Juiz alude a «culpa fundada apenas em presunção», reportando-se ao condutor do JB.
Certamente, funda-se nos considerandos que fez sobre dever presumir-se a culpa no caso de embate de veículos que seguiam em sentido oposto por um deles ter invadido a faixa de rodagem contrária salvo se o condutor deste provar que essa invasão se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior.
Esta constatação baseia-se na orientação, mais vasta, segundo a qual, havendo violação de leis ou regulamentos se presume a culpa do agente, como se verifica se determinado condutor invade a faixa de rodagem à sua esquerda e em muitas outras situações em que se violam normas de natureza idêntica.
No fim de contas, radica na ampla previsão de culpa, aí no âmbito penal, mas ainda assim elucidativa, constante, no direito português, do artº 368º do C. Penal de 1852, que o C. Penal de 1886 retomou também no seu artº 368º, segundo o qual se punia o homicídio involuntário que alguém cometesse ou de que fosse causa «por sua imperícia, inconsideração, negligência, falta de destreza ou falta de observância de algum regulamento».
A violação de lei ou regulamento implica a inobservância do dever do respectivo acatamento com correspondente ofensa do interesse que protege, pelo que configura uma conduta censurável, a menos que o agente demonstre que tal foi provocado por caso fortuito ou de força maior. Daí que tal violação faça presumir a culpa.
Contudo, essa presunção é natural e não estabelecida na lei, pelo que se trata de culpa demonstrada.
Só a culpa que a lei faz presumir, como acontece na prevista no artº 503º nº 3 do C. Civil, cabe no conceito de culpa presumida.
Tendo em mente as circunstâncias do acidente, nomeadamente ter-se verificado numa recta, em que a faixa de rodagem era visível ainda para além do local do embate em mais de 100 metros, a culpa do condutor do JB é de se considerar acentuada.
Quanto à segunda, como bem esclarecem os Profs. P. de Lima e A. Varela,- C. Civil Anotº, I, 339 e 340,- o artº 494º do C.Civil é aplicável em caso de mera culpa, quer a culpa seja presumida quer seja demonstrada.
Efectivamente, o que a referida norma legal visa distinguir é a fixação da indemnização por dolo, por um lado, da indemnização por mera ou simples culpa, por outro.
Assim, no âmbito de tal norma, não há que distinguir entre culpa presumida e culpa demonstrada.
Em qualquer caso, sempre se refere que no cálculo do montante da indemnização não há que ter em conta a situação económica do responsável, tratando-se de seguradoras, como aqui sucede. v. ac. desta Relação de 15.2.74, BMJ, 235º- 356.
Por isso, na parte que se vem apreciando, o recurso é bem fundado.
Passando a apreciar o segundo ponto em causa, que é o respeitante à indemnização a atribuir aos autores por danos não patrimoniais, recorda-se que na sentença recorrida se fixou a mesma em 17.500 € para o autor e em 10.000 € para a autora.
Estes defendem que a indemnização por tais danos não deve ser inferior a 50.000 € e 25.000 €, respectivamente.
É desnecessário referir aqui a dificuldade em determinar o montante adequado a compensar os danos dessa natureza.
Contudo, no tocante ao autor B.....................os factos provados revelam ter sofrido padecimentos e incómodos de acentuada gravidade, bem como dores, situando-se a intensidade destas no grau 6 de uma escala de 1 a 7.
Para além disso continuará a ter dores e sofrimentos, e ficará sempre afectado pelo desgosto de se saber muito diminuído fisicamente, a depender do auxílio de outra pessoa, designadamente para tomar banho e se vestir, mancando, a ponto de ter de usar bengala, tremendo-lhe a face e o olho esquerdos e a mão direita.
Por sua vez, a autora C..................... teve também incómodos e sofrimentos graves, tendo sofrido dores que, na escala mencionada atrás, foram do grau 4.
Sentirá ainda dores para o futuro, designadamente devido à lesão crónica no artelho direito, tendo ficado com cicatrizes na coxa e no joelho do mesmo lado.
Por via do referido acidente e das respectivas consequências, tornou-se triste e amarga.
Quer num caso quer noutro, trata-se de danos graves, sendo certo que essa gravidade é muito mais elevada quanto ao autor B……………..
Tendo em conta, para além do mais, a necessidade de salvaguardar o equilíbrio com situações da mesma natureza, bem como a flutuação do valor da moeda, não se consideram tais danos suficientemente compensados com os montantes encontrados na decisão recorrida, antes se tendo como adequado fixar a indemnização a esse título em 26.000 € e em 12.000 €, quanto ao autor B.....................e à autora C....................., respectivamente.
Finalmente, no que concerne à indemnização pela perda da capacidade de ganho dos autores, os recorrentes sustentam que o critério adoptado na sentença recorrida, de considerar a vida activa ou a idade da reforma do lesado, 65 anos, não é o correcto, antes devendo ter-se em conta o tempo de vida provável, que é de 73 anos para os homens e de 80 anos para as mulheres.
Apreciando a questão, assinala-se que o que releva é a exigência de proporcionar aos autores meios económicos equivalentes aos de que tenham sido privados devido ao acidente, de modo tal que se reconstitua a situação que existiria se o mesmo não tivesse ocorrido, nos termos do artº 562º do C.Civil.
Têm sido adoptados vários critérios tendo em vista aquele objectivo, mas as contingências de alguns dos factores considerados comprometem essa finalidade.
Alguns desses factores são próprios do lesado, como a eventual progressão na carreira e mesmo a duração da sua vida, mas outros são-lhe exteriores, como a inflação e semelhante e é em razão desta incerteza que se valoriza mais um ou outro aspecto, que favorece a adopção de um critério face aos demais.
O mais corrente é o seguido na decisão aqui recorrida, mas é verdade que não leva em conta o tempo de vida que o lesado tenha para além do fim da actividade profissional.
Por outro lado, o propugnado pelos recorrentes pode levar a que o lesado obtenha meios que não conseguiria se a sua capacidade de ganho se tivesse mantido intacta, pois, na verdade, para além do tempo da reforma já não obteria rendimentos do trabalho.
Contudo, o montante dos ganhos profissionais, quer dizer, do salário, influencia a pensão de reforma em proporção tendencialmente directa, porquanto esta é mais ou menos elevada conforme seja maior ou menor o rendimento do trabalho sobre que incidem os descontos para o sistema de segurança social de que o lesado beneficie.
A essa luz, em algumas decisões desta secção entendeu-se que o critério a utilizar para determinar a indemnização pelos danos resultantes da perda ou redução da capacidade de ganho deve ter em conta o tempo provável de vida do lesado na medida em que a diminuição do salário se repercuta no montante da pensão de reforma, que é paga até ao termo da vida.
Nesta acção, quanto ao autor B.....................tal situação não se verifica, pois, ao que vem provado, aquando do acidente encontrava-se já em pré-reforma, auferindo a esse título a correspondente pensão.
Assim, verifica-se que, face ao encerramento das oficinas dos Caminhos de Ferro em que trabalhava não regressou ao mercado de trabalho por razões estranhas às lesões e consequente incapacidade advindas do acidente.
Como tal, a referida incapacidade já não afectou a pensão de reforma do autor, que se manterá como se o acidente que se vem referindo não tivesse ocorrido.
Deste modo, o presente recurso não pode proceder nessa parte.
No que diz respeito à autora C..................... vem assente que nasceu no dia 14 de Julho de 1940 pelo que, aquando do referido desastre tinha 59 anos de idade.
Trabalhava como guarda de passagem de nível da CP, tendo o contrato de trabalho respectivo cessado em data posterior ao acidente, por razão estranha a este.
Porém, não estando em situação de pré-reforma ou reforma e estando ainda em idade activa, a incapacidade parcial permanente para o trabalho de que está afectada consiste em perda da capacidade de ganho pois, se vier a conseguir trabalho remunerado, o salário correspondente será afectado por tal incapacidade e, por essa via, ao menos tendencialmente, será também afectada a pensão de reforma em certa proporção.
Tendo em conta o exposto, no cálculo da indemnização a este título deverá considerar-se o tempo provável de vida, 80 anos, e a incapacidade permanente de 5%, porém sem influência da prevista para o futuro, de 5%, que não interfere com a aludida pensão, até pela incerteza sobre a altura em que a agravação gradual das lesões provocará essa diminuição da capacidade.
Consequentemente, face à remuneração que auferia ao tempo do acidente, 488,59 € e demais factores constantes do cálculo feito na sentença recorrida, excepto quanto ao tempo em que a prestação previsivelmente se manterá, que em razão do exposto são 21 anos, a indemnização a pagar a este título ascende a 6.000 €.
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que atribui aos autores B.....................e C..................... indemnização pelos danos não patrimoniais e à autora C..................... indemnização pela incapacidade parcial permanente para o trabalho, indemnizações que se fixam em 26.000 €, 12.000 € e 6.000 €, respectivamente, mantendo-a em tudo o mais.
Custas pelos apelantes e pela apelada, na proporção em que decaíram.

Porto, 15 de Outubro de 2007
António Luís Caldas Antas de Barros
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Augusto José B. Marques de Castilho