Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0830810
Nº Convencional: JTRP00041405
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
LESADO MENOR
Nº do Documento: RP200805080830810
Data do Acordão: 05/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 757 - FLS. 227.
Área Temática: .
Sumário: I – Embora objectivamente violadora de norma do Cod. Estrada, deve considerar-se justificada e, por isso, lícita, a correspondente conduta quando tem em vista o cumprimento de um dever de auxílio, a que não foi dada sequência por virtude de sentida indisposição súbita.
II – Para a fixação da indemnização por dano decorrente de IPP e quando o lesado não tenha, ainda, atingido a maioridade ou completado a sua formação escolar, deve privilegiar-se o critério do rendimento médio nacional, em detrimento do salário mínimo nacional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B……………. instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra C……………

Pediu que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 119.515,65, acrescida de juros de mora e ainda a indemnização a liquidar em execução de sentença por força dos factos alegados nos arts. 176º a 183.

Como fundamento, alegou, em síntese, que ocorreu um acidente de viação no dia 2 de Outubro de 2000, na EN223, em que foi interveniente a Autora enquanto condutora do veículo Opel Corsa e o veículo VW Golf, que surgiu de forma repentina pelo lado esquerdo, atento o sentido de marcha e chocando violentamente contra a divisória central, capotando-se e imobilizando-se na berma direita da via. Ao avistar a violência deste embate, a Autora imobilizou a sua viatura, encostando-a na berma direita, pretendendo socorrer o condutor do aludido veículo e quando já se encontrava fora do seu veículo, surgiu o veículo ..-..-OV (segurado na Ré C…………), propriedade de D……………. e por si conduzido, que circulando com excesso de velocidade chocou de forma violenta com outro veículo (CV-..-..), que compelido pela violência do embate, foi projectado para a sua direita, embatendo noutros veículos, designadamente no FM, que por causa de tal embate colheu a Autora que se encontrava a recuperar da situação de indisposição, entalando-a contra os railles de protecção, ficando esta com os membros inferiores pressionados, invocando depois todos os danos sofridos como consequência de tal embate.

Contestou a Ré C…………., aceitando a ocorrência do sinistro, mas impugnando as concretas circunstâncias da sua verificação, imputando a culpa na sua produção ao veículo CV-..-.., que circulando fora da hemi-faixa de rodagem (na berma), passou a circular na faixa de rodagem por onde a condutora do OV seguia, provocando depois os embates alegados pela Autora.

O Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro deduziu pedido de reembolso contra a Ré C…………, no valor de € 5.174,99, correspondente a baixa médica e prestação compensatória do subsídio de Natal de 2001, pago à Autora (período de 03.10.2001 a 10.02.2002).

Na réplica, a Autora veio deduzir incidente de intervenção principal provocada de E…………. SA, que foi admitido, tendo a mesmo sido citada e deduzido contestação, alegando que o veículo seguro na interveniente (CV-..-..) circulava a velocidade não superior a 80 Km/h, mas que circulando o veículo ..-..-OV, conduzido por E………… a velocidade superior a 100 Km/hora e sem controlá-lo, implicou o embate entre as duas citadas viaturas.

Procedeu-se à realização de audiência preliminar, na qual foi requerida pela interveniente a apensação da acção ordinária nº ……/2002, do ….º Juízo Cível de S.M.Feira, em que é Autora D………….. e Ré E………….., sendo aí peticionada a condenação desta no pagamento da quantia de € 48.470,00, acrescida de juros de mora desde a citação, o que foi deferido.
Foi ainda apensada a acção nº ……/03.0TBVFR do …º Juízo Cível de S.M.Feira, em que é Autora F………… e Ré E………….., sendo peticionada a condenação desta na quantia de € 96.500,00, acrescida de juros de mora desde a citação.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou as acções parcialmente procedentes, nestes termos:

1) Condenam-se a Ré Companhia de C………….. e a Interveniente E…………., na proporção respectivamente de 40% e 60%, a pagarem à Autora B………….., da quantia de € 43.747,44 (quarenta e três mil, setecentos e quarenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros desde a citação à taxa legal até efectivo e integral pagamento e ainda da quantia que se liquidar em incidente prévio à execução de sentença, pelos bens perdidos no sinistro, despesas de transporte pagas a terceiros e danos futuros elencados nos factos provados 103) e 104).
2) Condenam-se a Ré Companhia C…………. e a Interveniente E…………., na proporção respectivamente de 40% e 60%, a pagarem ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro, da quantia de € 5.174,99 (cinco mil, cento e setenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos), acrescida de juros civis à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
3) Condena-se a Ré E……………. a pagar à Autora D……………, da quantia de € 6.736,22 (seis mil, setecentos e trinta e seis euros e vinte e dois cêntimos), acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento e ainda da quantia correspondente à proporção de 60% daquela que se liquidar em incidente prévio à execução de sentença relativamente a consultas, medicamentos e transportes suportados pela Autora.
4) Condena-se a Ré E…………… a pagar à Autora F……………, da quantia de € 19.472,61 (dezanove euros, quatrocentos e setenta e dois euros e sessenta e um cêntimos), acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento e ainda da quantia correspondente à proporção de 60% daquela que se liquidar em incidente prévio à execução de sentença relativamente a consultas, medicamentos e transportes suportados pela Autora.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a R. E…………… e, subordinadamente, as AA. D…………… e F…………., tendo apresentado as seguintes conclusões.

Conclusões da Ré

A) Não pode, a Recorrente, concordar e conformar-se com a douta sentença proferida, pelo Tribunal a quo, o qual, salvo melhor opinião, não andou bem na ponderação dos factos e na subsunção destes ao direito aplicável - quer quanto à consideração do modo de produção do acidente, quer quanto à imputação de culpa e correlativa responsabilidade, quer, ainda, quanto aos critérios indemnizatórios empregues.
B) No que concerne o modo de produção do acidente e a atribuição de responsabilidades, entendeu, o douto Tribunal a quo, haver concorrência de culpas entre o condutor seguro na Recorrente e a Recorrida D....................., na proporção de 60%-40% - o que, não obstante, resulta injustificado e incompreensível.
C) De facto, como a própria sentença recorrida considerou, ficou provado que o limite máximo de velocidade para veículos ligeiros era, no local do sinistro, de 100 km/hora e que o veículo OV, conduzido pela Recorrida D…………, circulava a uma velocidade de pelo menos 120 km/hora, tendo chocado com a parte lateral direita dianteira na parte traseira mais à esquerda e lateral traseira esquerda do veículo CV, seguro na Recorrente - o qual se dirigiria a uma velocidade não superior a 80 km/hora e imediatamente à frente do veículo OV.
O) Esta exposição fáctica corresponde, na sua essência, à versão dos acontecimentos do condutor do veículo de matrícula CV e à versão da Recorrida B…………., destoando apenas da versão da condutora e da passageira da viatura OV (ambas Recorridas).
E) E, na verdade, certo é que há uma contradição insanável de ambas as versões, pois que resulta incompreensível que, simultaneamente ao acima explicitado, tenha, o douto Tribunal recorrido, dado como provado que o sinistro dos autos se deveu, também, ao facto de o condutor do CV ter a sua viatura parada na berma e ter pretendido entrar na faixa de rodagem, guinando para a esquerda sem qualquer sinalização da intenção de retomar a marcha.
F) Ora, se é certo que a mesma viatura não poderia circular à frente do OV, a uma velocidade não superior a 80 km/hora, e estar parada na berma, é igualmente arrazoado que o seu condutor não poderia (nem deveria) sinalizar uma manobra de retoma de marcha, após paragem, que não efectuou.
G) De outro modo, tendo desrespeitado o limite máximo de velocidade no local (que era de 100 km/hora) e conduzido com velocidade excessiva (ou seja, não regulando a velocidade de maneira a que, nas condições em que a via se encontrava, afastasse o perigo que, da sua marcha, pudesse resultar para si própria e para os demais utentes da via), a Recorrida D……….. agiu culposamente.
H) Mas, mais ainda: a própria verificação de que um acidente acabara de ocorrer, no local, e o facto de circular à retaguarda do ligeiro de mercadorias CV determinariam a necessidade desta Recorrida adoptar acrescidas cautelas.
I) Não as tendo tomado, a Recorrida D……….. colocou em perigo a sua integridade física, a da passageira que transportava e a dos demais utilizadores da via, com consequências sérias que, ainda assim, não podem nem devem impedir a ponderação de que esta condutora foi a única responsável pela produção do acidente discutido nos autos.
J) Diversamente, no que diz respeito ao condutor do CV, seguro na ora Recorrente, face à prova produzida e às várias versões do sinistro em confronto, não se pode dizer que qualquer comportamento seu tenha sido facto gerador daquele evento.
K) Ainda no que atende aos comportamentos culposos em apreço, dir-se-á que a conduta da Recorrida B…………. contribuiu decisivamente para o agravamento dos danos que sofreu, porquanto violou as proibições legais de trânsito de peões, bem como de paragem ou estacionamento de veículos, nas auto-estradas.
L) Tal desrespeito pela lei, por parte da aludida Recorrida, foi relativizado pelo julgador, considerado o dever de auxílio que impende sobre a generalidade dos condutores perante um acidente de viação - o qual, entende a Recorrente, não estaria a ser cumprido, tanto mais que a Recorrida distava cerca de 50 metros do veículo que originariamente se acidentara.
M) Não obstante, foi a própria Recorrida B………… a esclarecer que se encontrava "encostada aos railles, aí permanecendo alguns momentos a descansar de uma tontura súbita que sofreu" - o que, porém, não concretiza uma circunstância excepcional à proibição determinada e nunca justificaria que esta saísse do veículo que dirigia, atenta a sua própria segurança e integridade física.
N) Assim sendo, é inequívoca a concorrência de culpa da Autora B…………. no agravamento dos danos que a própria sofreu, o que sempre deverá ser tido em conta na determinação do quantum indemnizatur a suportar por qualquer responsável civil.
O) Sem prescindir, os danos inteligidos pelo Tribunal a quo e os montantes indemnizatórios aquilatados suscitam, igualmente, divergências à Recorrente.
P) A título de lucros cessantes por incapacidade permanente geral, a sentença recorrida atribuiu, à Recorrida B……….., o montante indemnizatório de 16.754,92 € - dos quais 7.672,26 € caberiam pelas gorjetas e horas extraordinárias alegadamente auferidas, mas que não foram objecto de declaração em sede de IRS, nem de desconto para a segurança social, e que não têm carácter estável, nem fixo.
Q) A condenação da Recorrente a este montante, com base numa mera presunção de rendimento (porque não suficientemente provado), levanta sérias dúvidas e deverá ser, em atenção ao sentido de justiça que sempre pautará uma boa decisão judicial, revogada.
R) Pela mesma ordem de razões, o montante atribuído a título de incapacidade temporária absoluta, correspondente a 16 meses, deverá ser reduzido no valor correspondente à presunção de gorjetas e horas extraordinárias considerada, não sendo devida outra quantia (deduzidas as prestações recebidas do ISSS) que 3.803,61 €.
S) Quanto à Recorrida D……….., esta pretendeu lhe fosse atribuída indemnização pelos danos verificados no veículo de que era proprietária e dirigia (veículo OV), concretizando dever ser ressarcida pelo resultado da diferença entre o valor comercial da viatura e o seu salvado.
T) O valor do salvado não levanta, à Recorrente, quaisquer dúvidas, sendo de 1.496,40 €.
U) Já no que diz respeito ao valor comercial da viatura OV, entende, a Recorrente, que ele nunca poderá ser igual ao valor de aquisição da mesma, 9 meses antes do acidente em apreço (como julgou o Tribunal a quo), pois que este veículo sofrera já a desvalorização da simples saída do stand e do decurso do tempo, sendo de apenas 10.474,76 €.
V) Como tal, se alguma indemnização houvesse que determinar, pelos danos verificados no veículo OV, esta teria que conter-se no montante máximo de 8.978,36 €.
W) No que diz respeito ao dano patrimonial peticionado em virtude da incapacidade permanente parcial da Recorrida D…………, de 5%, a Recorrente entende não haver lugar a ressarcimento (cfr. Ac. do S.T.J. de 06/06/2000, in V.J. 42 - 57), tanto mais que esta não parece ter sofrido qualquer perda de capacidade aquisitiva (visto que, inclusive, terminou o curso superior que frequentava após o sinistro em que esteve envolvida).
X) Com o devido respeito por diversa opinião, arbitrar um montante indemnizatório por este inexistente dano futuro vai contra a lei, a prática corrente dos Tribunais e ofende o próprio sentido de justiça.
Y) Finalmente, com os mesmos fundamentos expostos em W) e X), resulta indiscutível que nenhum montante indemnizatório deveria ser arbitrado também à Recorrida F…………, a título de danos patrimoniais por incapacidade permanente parcial, sendo certo que não foi alegada e provada a afectação dos estudos superiores que frequentava e prossegue.
Z) Já a compensação pelo dano estético e por alterações de personalidade, (fixada, a esta Recorrida, no montante de 20.000,00 €) parece excessiva, se norteada por critérios de prudência, bom senso e justa medida, sem perder de vista as tendências condenatórias da melhor jurisprudência - critérios, estes, que determinariam uma condenação, do responsável civil, em quantia não superior a 12.500,00 €.
AA) Pelo exposto, ao determinar a responsabilização da Recorrente, com os fundamentos e na quantia em que o fez, a douta sentença recorrida interpretou erroneamente a matéria de facto e não aplicou correctamente o Direito, tendo violado os artigos 24° e 72° do Código da Estrada, e, bem assim, os arts. 487°, 496°, 564°, 566° e 570° do Código Civil.
Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso, alterando-se em conformidade a douta sentença recorrida.

Conclusões do recurso subordinado

1. A dinâmica do acidente está, de forma circunstanciada e explícita, narrada nas Respostas aos quesitos 128°, 131°, 132°, 134°, 135° e 136° da douta Base Instrutória.
2. Foi realmente por esta que o Mui Douto Julgador optou.
3. É natural e justamente o que flúi da Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto.
4. Em que, Respeitosa e Juntamente com o Mui Douto Julgador, se destacam pelo conhecimento dos factos e a objectividade da sua exposição, os depoimentos das testemunhas G………….., H………… e I……………..
5. Estas testemunhas sufragaram a tese materializada nas Respostas aos quesitos assinalados em 1..
6. Foram delas, aliás, os únicos depoimentos que mereceram do Douto Julgador os adjectivos de claras e objectivas, como o evidencia a Fundamentação à Decisão sobre a Matéria de Facto.
7. Mais se destacando o Relatório pericial (colegial) de fls. 321, subscrito por unanimidade por todos os Srs. peritos nele intervenientes.
8. Determinaram os Srs. peritos, face à consulta das fotos juntas aos autos e à consulta do manual de instruções do OV, que o impacto do CV no OV foi na parte lateral direita deste.
9. Explicaram mesmo que não houve qualquer impacto da frente do OV na traseira do CV, uma vez que os sensores dos airbags (situados na frente do OV) não dispararam e a longarina do chassis encontrava-se totalmente direita e sem deformação.
10. Tendo, por outro lado, as testemunhas J……………, K…………… e L………….., debitado uma versão em sentido oposto, ou seja, no sentido de que se verificou um embate da frente do OV na traseira do CV, não mereceram, nem merecem - pela evidenciada falta de objectividade - o crédito do Tribunal.
11. E não pode, a este propósito, deixar de assinalar-se o pequeno grande detalhe relativo ao Relatório de alta de internamento da Autora F………….. conferido pelo Hospital de S. Sebastião, em que se menciona a seguinte lesão: "fractura do osso ganchoso da mão direita" - Resposta ao quesito 165° da BI.
12. Explicando melhor: A Autora F………….. era a passageira do OV, que seguia no assento da frente do lado direito, pelo que a lesão que sofre do assinalado osso ganchoso (atenção da mão direita) somente é explicável pelo facto do impacto do CV no OV ter sido na lateral direita deste e não na sua frente, como falsamente declararam as testemunhas focadas na conclª. 10 supra.
13. Sendo o que, aliás, é respondido no quesito 18° da BI.
14. Outrossim, se tais testemunhas não relevaram para efeitos de determinação da dinâmica do acidente, por terem apresentado uma versão claramente contrária à verdade e objectividade dos factos, não podem igualmente relevar quanto à questão da velocidade a que circulava o Toyota Yaris (OV), como erradamente o fez o Douto Julgador.
15. Quem mente num aspecto essencial da verdade, não pode estar a dizer a verdade quanto ao outro.
16. E ouvindo e analisando os depoimentos de tais testemunhas ressalta inequivocamente a inconsistência do seu depoimento, também quanto à questão da velocidade.
17. Dos mesmos não pode, de modo algum, inferir-se que a Autora D…………. imprimisse ao OV velocidade superior a 100km/h e muito menos de não inferior a 120km/h.
- A testemunha J…………. não viu o embate ocorrido entre o OV e o CV, referindo genérica, vaga e insubsistentemente que o OV circulava a grande velocidade.
- A testemunha K…………… diz que do retrovisor viu um outro veículo (seria – condicional - o OV) "ao longe" a vir "em grande velocidade"; questionado sobre as razões da sua afirmação, referiu que "porque se aproximou muito depressa", mas mais pelo que depois falou com as pessoas que lá estavam".
- A testemunha L……………, para além do depoimento disparatado quanto à dinâmica do acidente (em que claramente faltou à verdade), afirmou ter assistido ao facto de o OV vir embalado, sem explicar o sentido e alcance deste termo ou vocábulo.
18. Com estes depoimentos não pode legitimamente imputar-se à circulação do OV uma velocidade de, pelo menos, 120km/h.
19. Porquanto, para além da falta de credibilidade das testemunhas em presença, os conceitos de "embalado" e "grande velocidade" enquadram-se perfeitamente no quadro de uma velocidade de 90/100km/h (sendo este o limite), já que se tratava de uma via rápida.
20. Afigura-se-nos, assim, absolutamente insubsistente a resposta dada aos quesitos 15° e 16° da douta Base Instrutória.
21. Tanto mais quanto é certo afirmar-se no último período do 1º Parágrafo de fls. 13 da Douta Decisão sobre a Matéria de facto, que "Numa zona a descer, é assim compreensível que, com os impactos sofridos, o veículo tenha parado a 60m desse ponto de embate".
22. Não se apurou efectivamente que o OV circulasse a uma velocidade concreta e muito menos que a mesma fosse de, pelo menos, 120km/h.
23. A este propósito lembramos que se o acidente tivesse ocorrido segundo a versão apresentada por essas testemunhas e à velocidade de, pelo menos, 120km/h, as autoras recorrentes não estariam hoje vivas para contar o acidente e para recorrer da douta sentença.
24. Aliás, toda esta questão da velocidade é totalmente desmistificada pelo depoimento das testemunhas a que o Tribunal conferiu crédito ou credibilidade e sobretudo pelos danos e partes embatidas dos veículos.
25. Torna-se, assim, imperioso, no nosso modesto ponto de vista, expurgar da Matéria dada como assente a que foi respondida aos quesitos 15°, 16° e 19°, tendo-se a mesma como não provada, ao abrigo do disposto nas als. a) e b) do nº 1 do art. 712º do CPC.
26. Toda essa matéria não se provou e a do respondido ao quesito 19° até é susceptível de lançar o equívoco sobre a dinâmica do acidente que é, de forma circunstanciada e explícita, narrada nas Respostas aos quesitos 128°, 131°, 132º, 134°, 135° e 136° da BI.
27. E a versão que resulta das Respostas a estes mesmos quesitos permite-nos ir mais longe e considerar que a velocidade (no caso concreto do OV) não é minimamente causal do acidente.
28. O raciocínio é linear: tendo-se apurado das Respostas à matéria dos quesitos 132° e 134° que "O condutor do CV guinou a sua viatura para a faixa de rodagem, a fim de nesta passar a circular e fê-lo no momento em que a Autora D………… se cruzava com o veículo CV".
29. E sabendo-se que uma guinada significa um desvio súbito ou brusco.
30. Tendo ela ocorrido justamente no momento em que o OV se cruzava com o CV não pode, de modo algum, a velocidade do OV seja de 90, 100 ou 120km/h, ser considerada causal do sinistro.
31. Significando tudo isto que a culpa do acidente terá de ser integralmente imputada ao condutor do CV - veículo seguro na Ré E…………. - devendo esta assumir por inteiro todas as consequências do sinistro para com as Recorrentes e a outra lesada.
32. Para além de a Ré Seguradora ter de responder pela totalidade das consequências danosas do sinistro, deverá ser condenada em montantes indemnizatórios mais consentâneos com a Justiça e a Equidade.
33. A Autora D…………, à data do acidente, era uma jovem de 27 anos; alegre, saudável, dinâmica e robusta; habilitada recentemente com um curso superior.
34. Parece-nos, salvo o muito devido respeito, que à mesma, para efeitos de cálculo indemnizatório, a título de danos patrimoniais, com apelo à equidade, deverá:
● por um lado, ser fixada uma remuneração mensal nunca inferior a 600,00€ e
● por outro lado, deverá ter-se em conta o facto de que a sua esperança de vida é de 82 anos e não se limita aos 65 anos a sua vida activa, como o considerou o Mui Douto Julgador.
35. E tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade geral e funcional de 5%, a sua indemnização deverá ser fixada em montante não inferior a 20.000,00€, que a Ré deverá pagar integralmente.
36. Na esteira do que vem sendo defendido pela Veneranda Relação do Porto, destacando-se os seguintes recentes Acórdãos de 21-04-2005, de 26-01-2006 e de 29-06-2006, publicados em www.dgsi.pt.
37. O montante que foi fixado à Autora D………….., a título de danos não patrimoniais, afigura-se-nos assaz diminuto.
38. Dada a gravidade das lesões e sequelas, justificar-se-ia um valor nunca inferior a 10.000,00€.
39. O que é, aliás, sufragado pelos Venerandos Acórdãos acabados de enunciar.
40. Seguindo os mesmos critérios de determinação ou quantificação dos danos relativamente à Autora F…………., até porque esta é irmã gémea da D…………. e tem a mesma qualificação académica, e estabelecendo a diferenciação resultante da gravidade das lesões e da incapacidade geral e funcional que para a F……….. é de 10%, a indemnização a arbitrar a esta Autora por danos patrimoniais não deverá ser inferior a 40.000,00€.
41. Já relativamente ao montante de indemnização fixado à Autora F....................., a título de danos não patrimoniais, não podemos deixar de o considerar razoável e equitativo.
42. Indemnizações que deverão ser pagas na sua integralidade, uma vez que, a culpa pela verificação do sinistro é total e exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré.
43. Por lapso e ou omissão e ou por menos correcta aplicação normativa, acha-se violado na Douta Sentença designadamente o disposto no nº 1 do art. 483°, no art. 494°, no nº 3 do art. 496°, nos nºs. 1 e 2 do art. 564°, nos nºs. 2 e 3 do art. 566°, todos do CC e o disposto no nº 2 do art. 653° do CPC.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso principal e concedendo-o ao recurso subordinado das autoras recorrentes – D……………… e F…………… e consequentemente condenando a ré seguradora a pagar-lhes integralmente as indemnizações ora modestamente sugeridas e nas que não foram objecto de recurso.

A apelante principal não contra-alegou.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

Apelação da ré E…………..:

- contradição insanável da matéria de facto relativa à dinâmica do acidente;
- culpa exclusiva da autora na produção do acidente;
- concorrência de culpa da A. B…………. para o agravamento dos danos;
- montante da indemnização atribuída à A. B……….. a título de lucro cessante por incapacidade permanente;
- montante da indemnização atribuído à A. D..................... por
- valor do veículo;
- lucro cessante por incapacidade permanente;
- montante da indemnização atribuída à A. F..................... por
- lucro cessante por incapacidade permanente;
- dano não patrimonial.

Apelação das AA.

- impugnação da decisão de facto no que respeita às respostas aos quesitos 15º, 16º e 19º;
- culpa na produção do acidente;
- montantes das indemnizações atribuídas a título de
- dano futuro decorrente da incapacidade permanente;
- dano não patrimonial.

III.

Começamos a apreciação dos recursos, naturalmente, pela impugnação da decisão sobre a matéria de facto, abordando também a contradição neste domínio invocada pela ré.

1. As Recorrentes autoras impugnam a decisão de facto, no que respeita às respostas aos quesitos 15º, 16º e 19º.

Estes quesitos eram deste teor:
15º
Instantes após, surgiu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-OV?
Resposta: provado.
16º
Circulando a uma velocidade superior a 130 km/hora?
Resposta: provado que circulava a uma velocidade pelo menos de 120 km/hora.
19º
Que circulava na via da direita, a uma velocidade não superior a 80 km/hora e imediatamente à frente do veículo OV?
Resposta: provado.

Sustentam as recorrentes que a dinâmica do acidente é a que resulta, de forma circunstanciada, das respostas aos quesitos 128º, 131º, 132º e 134º a 136º, assente nos depoimentos de G…………, H……….. e I………… e na prova pericial de fls. 321.
E que as testemunhas J…………, K…………… e L………… apresentaram uma versão diferente quanto ao modo como se produziu o embate entre os veículos OV e CV, não tendo merecido crédito do Tribunal.
Daí que estes depoimentos não devessem relevar também quanto à questão da velocidade; de qualquer modo esses depoimentos são inequivocamente inconsistentes, não podendo servir de fundamento à resposta positiva aos quesitos 15º e 16º.
Vejamos.

No que respeita ao quesito 15º, o facto nele contido parece absolutamente inócuo, reflectindo realidade objectiva amplamente confirmada nos autos e que as próprias apelantes não infirmam ou impugnam verdadeiramente.
Com efeito, as apelantes insurgem-se contra a decisão no que respeita à velocidade do veículo OV (quesito 16º) e à circulação do veículo CV nos momentos que antecederam o embate (19º), pressupondo estes próprios factos, como é evidente, a presença daquele veículo. E a resposta ao quesito 15º não diz, realmente, mais do que isso, descrevendo tão só o aparecimento do veículo OV no local.
Daí que não haja o mínimo fundamento para a alteração desta resposta.

Sobre as respostas aos quesitos 16º e 19º, importa considerar o que as testemunhas disseram de relevante a esse respeito.

A testemunha J…………. (proprietário do veículo FM depois embatido pelo CV) declarou: vem uma carrinha de caixa aberta e vem um carro chispado e manda uma bordoada no caixote da carrinha do lado esquerdo e o sujeito perde o controlo; a carrinha vinha em andamento; vinha para aí a 20; afrouxou para ver o acidente e quando afrouxou levou o estouro; o carro que bateu vinha com excesso de velocidade, andou aos "ss" e foi parar a cerca de 150 metros; não controlei a velocidade, mas vinha a andar bem; a carrinha não estava parada; vinha em movimento, lento.

A testemunha G…………. (proprietário do "Golf" que se despistou sozinho) afirmou que depois do seu despiste começaram a parar muitos carros, acrescentando: entretanto oiço um barulho e vejo dois carros encostados um ao outro; um, do lado direito, vai contra uma carrinha que estava parada e vejo uma senhora a ser prensada; o do lado esquerdo bateu nos rails do lado esquerdo e vai parar junto aos rails do lado direito; ouvi um estrondo e vi dois carros colididos; esse senhor (condutor do CV) parou e veio falar comigo a perguntar se estava tudo bem e depois pegou no carro e arrancou; quando ele arranca, dá-se o acidente; tenho a certeza de que esteve a falar comigo; parou na berma antes do acidente.

A testemunha M………….., bombeiro socorrista que se deslocou ao local, referiu: a carrinha vinha em movimento; para ser sincero não sei (se a carrinha tinha estado parada); não me recordo de ter dito que a carrinha virou para a esquerda; a carrinha levou o embate por trás; estava danificada na traseira.

A testemunha H…………., que conduzia em sentido contrário e presenciou o acidente, afirmou: ao aproximar-me vi duas pessoas a caminhar na berma e uma carrinha de caixa aberta a circular na berma e, de repente, entra na faixa de circulação e bate no Toyota Yaris; arranca da berma para a estrada; vi mesmo o impacto da carrinha no Toyota; não faço a mínima ideia (da velocidade do Toyota); o que eu vi foi a carrinha entrar na faixa de rodagem, a engatar no Yaris na parte da frente e a projectá-lo.

A testemunha I…………., marido da autora D....................., declarou: a carrinha por trás tinha cravada parte do Yaris, o guarda-lamas direito; os airbags não dispararam; foi-me explicado que os airbags disparariam se o embate fosse frontal; toda a estrutura inferior não tinha sofrido nada; só a parte superior.

A testemunha K…………, condutor da carrinha CV, afirmou: circulei sempre, veio uma senhora por trás e bateu-me; não parei nem antes nem depois do carro despistado; eu ia a 60/70 km; o carro ia bastante; vi pelo retrovisor, ia para cima dos 100 km; projectou-me contra outra carrinha que estava parada; não vi onde parou o carro. (Aqui há uma evidente hesitação, perceptível na gravação, que levou o douto advogado, que arrolou a testemunha, a auxiliá-la com esta pergunta: você leva uma pancada por trás e não fica atarantado?). Acrescentou: claro que não fui culpado; não parei em lado nenhum; circulei sempre; olhei para trás pelo retrovisor e vi que vinha um carro; aproximou-se muito depressa, pelo que disseram as testemunhas que estavam cá fora.

A testemunha N…………., que também parou no local e presenciou o acidente, referiu: pelo que me lembro bateram em andamento na estrada; não faço ideia se a carrinha tinha estado parada.

A testemunha O………….., agente da GNR, confirmou as medições que constam do croquis de fls. 42, assim como os vestígios do local do embate.

A testemunha L…………, passageiro do veículo FM, afirmou que a carrinha ia a velocidade normal; veio um carro e bateu-lhe por trás; tinha que vir com muita velocidade; projectou a carrinha contra outras do lado direito, bateu nos rails e foi parar a 100 metros ou mais; bateu a meio da traseira; o Yaris bateu com a frente toda na carrinha da parte de trás.

Na extensa e cuidada motivação da decisão de facto, o Sr. Juiz descreveu o teor de cada um dos depoimentos prestados, mas sobre os pontos de facto em impugnados não procedeu a adequada análise crítica, não nos indicando as razões que contribuíram para a sua decisão (fê-lo, sim, ao abordar os depoimentos de I………….. e L………….. e o relatório pericial de fls. 321, mas apenas no que respeita às partes embatidas dos veículos e à forma – frontal ou lateral – como ocorreu o embate).
Sobre a aparente credibilidade e isenção e outros eventuais elementos da postura das testemunhas, não perceptíveis na audição da gravação, é-nos dito apenas que a testemunha G…………… explicitou de forma clara e objectiva a dinâmica da sucessão de sinistros. Ressalvam-se também os casos já referidos de I…………, pela forma clara e concreta como depôs, e de L…………. que, quanto às partes embatidas dos veículos, prestou depoimento que contraria as fotografias juntas aos autos e o relatório pericial.
Na apreciação da impugnação das apelantes devemos, pois, cingir-nos aos elementos de que podemos dispor: depoimentos gravados (e precedentes esclarecimentos) e demais elementos que constam dos autos – fotografias, participação policial e relatório pericial.

Pois bem, analisados os depoimentos prestados, crê-se que, com base neles, não é possível afirmar que o veículo OV circulava a 130 km/hora (como se perguntava), ou a, pelo menos, 120 km/hora (como se respondeu).
A prova produzida não permite mesmo precisar a velocidade e concluir que a mesma fosse excessiva, isto é, superior a 100 km/hora (al. G) dos Factos Assentes).
Parece-nos que a extensão dos danos provocados no veículo OV não deve impressionar, na medida em que este veículo não embateu com a sua estrutura mais sólida (pára-choques), mas com uma parte menos resistente (sobretudo guarda-lamas e tejadilho).
Pensa-se também que se o embate ocorresse com o veículo OV a circular a 100/120 km/hora, as consequências seriam bem mais graves.
A distância percorrida pelo OV, após o embate, não é, por si só, significativa: numa zona a descer, como refere o Sr. Juiz, é compreensível a distância percorrida; acresce o descontrolo do veículo, como se provou (resposta ao quesito 137º).
Por outro lado, no que se refere às testemunhas, que aludiram à velocidade do OV:
O veículo vinha chispado; o carro que bateu vinha em excesso de velocidade; andou aos "ss" e foi parar a cerca de 150 metros; não controlei a velocidade, mas vinha a andar bem – J……………...
Não faço a mínima ideia (velocidade do OV) – H……………….
O carro ia bastante; vi pelo retrovisor; ia para cima de 100 km/hora; aproximou-se muito depressa pelo que disseram as testemunhas que estavam cá fora – K…………….
Tinha de vir com muita velocidade; projectou a carrinha contra outras do lado direito, bateu nos rails e foi parar a 100 metros ou mais – L…………..

Há manifesto exagero quanto à distância percorrida pelo OV após o embate – foi de 42 metros (al. J) dos Factos Assentes).
Nem se pode dizer, propriamente, que o veículo OV projectou a carrinha contra os outros veículos: com o embate os veículos ficaram presos (resposta ao quesito 138º), sendo natural e normal que, ao "libertar-se", o veículo CV (até aí preso no lado esquerdo traseiro), se desviasse para a sua direita.
Sobre a velocidade em si, parece-nos que os depoimentos não são suficientemente consistentes e concretizadores:
"Vir chispado" e a "andar bem", não são afirmações esclarecedoras, sendo compatíveis com uma velocidade elevada, mas que pode não ser superior a 80, 90 ou 100 km/hora.
As demais afirmações – "ia para cima dos 100 km/hora" (mas visto pelo retrovisor); "aproximou-se muito depressa" (pelo que disseram as testemunhas); "tinha que vir a muita velocidade, porque projectou …" – pela forma como são complementadas, não assumem, a nosso ver, qualquer relevo probatório e credibilidade.
Do que vem dito, conclui-se que a resposta ao quesito 16º deve ser alterada para não provado.

Sobre o facto do quesito 19º – o veículo CV circulava na via da direita, a uma velocidade não superior a 80 km/hora e imediatamente à frente do veículo OV – os depoimentos das testemunhas que sobre ele se pronunciaram são contraditórios; assim como esse facto, considerado provado, não se adequa, contradizendo claramente, os factos provados das respostas aos quesitos 131º, 132º e 134º.
A testemunha J………….. referiu que o CV vinha em andamento lento; afrouxou para ver o acidente e quando afrouxou levou o estouro. K……………… (condutor do CV) disse que circulou sempre e não parou. L…………. afirmou que a carrinha vinha em andamento; não esteve parado na berma.
Em sentido diferente, declarou G…………… que esse senhor parou e veio falar comigo a perguntar se estava tudo bem; depois pegou no carro e arrancou; quando ele arranca, dá-se o acidente. Também H…………… afirmou que viu a carrinha circular na berma e, de repente, entra na faixa de rodagem e bate no Toyota; arranca da berma para a estrada.

Considerando o que escreve na motivação, o Sr. Juiz atribuiu relevo ao depoimento de G…………., que considerou claro e objectivo. Pela forma como esta testemunha depôs, com à vontade, desapaixonada e descrevendo com naturalidade o que se passou, consigo e nos momentos que se seguiram, concorda-se com a referida apreciação, afigurando-se-nos que se trata de depoimento convincente; mais do que qualquer outro.
Acresce que esse depoimento foi corroborado por H…………, cujo depoimento parece ser o que mais fiel e pormenorizadamente retrata o que se passou (o pormenor de a carrinha "engatar" no Yaris foi confirmado objectivamente, uma vez que o guarda-lamas deste ficou cravado na traseira daquela).
Tendo sobretudo em conta estes depoimentos, conclui-se que a resposta ao quesito 19º deve ser alterada também para não provado

2. Alargando a nossa análise, como o permite o art. 712º nº 4 do CPC, parece-nos que as respostas aos quesitos 18º, 134º e 136º são obscuras, carecendo de ser precisadas e completadas, em atenção à forma como ocorreu o embate, tal como se considerou provado.
Assim, no que respeita ao quesito 18º e parte do quesito 136º:
Perguntava-se no primeiro se (o CV) chocou com a parte da frente, lado direito, na parte traseira esquerda do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula CV-..-...
E no segundo, se a condutora (do OV) não evitou o embate da lateral esquerda traseira do CV na parte lateral direita dianteira do veículo OV.
Resposta ao quesito 18º: provado apenas e com o esclarecimento que chocou com a parte lateral direita dianteira, na parte traseira mais à esquerda e lateral traseira esquerda do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula CV-..-...
Resposta ao quesito 136º: provado.

Em primeiro lugar, deve haver correspondência das respostas no seu âmbito comum, o que no caso não sucede.
Por outro lado, não se concebe que o veículo CV tenha sido atingido na parte traseira mais à esquerda apenas com a parte lateral direita dianteira do OV. Considerando a dinâmica e trajectória dos veículos, ambos necessariamente enviesados para a esquerda (cfr. respostas aos quesitos 132º e 135º), esse facto parece até impossível, pois implicaria que os veículos estivessem, entre si, em posição perpendicular.
Mais consentânea com a realidade e designadamente com essa dinâmica e trajectória é o embate com a frente direita do OV, mas apenas com a parte superior, uma vez que o pára-choques ficou intacto e os sensores dos airbags não foram accionados.
Assim, altera-se a resposta ao quesito 18º nestes termos:
Provado que o veículo OV chocou com a parte superior da frente, lado direito, e parte lateral direita dianteira, na parte traseira mais à esquerda e lateral traseira esquerda do veículo CV.
A resposta ao quesito 136º pode ser dada com referência à resposta ao quesito 18º, ficando provado:
Mas não evitou o embate referido na resposta ao quesito 18º.

No que respeita ao quesito 134º - fê-lo (o condutor do CV guinou a sua viatura para a faixa de rodagem) no momento em que a A. D..................... se cruzava com o veículo CV – dificilmente se pode conceber uma resposta inteiramente positiva, tendo também em conta a dinâmica, trajectória e velocidade dos veículos. Se o condutor do CV faz a manobra quando o OV está a "cruzar" com ele, cremos que não seria possível que o CV, necessariamente muito mais lento, fosse atingido na traseira. As manobras, ou melhor, a passagem do OV pelo CV e a entrada deste na faixa de rodagem não podem ser simultâneas, como resulta da resposta dada.
Esta resposta carece, portanto, de ser precisada, podendo-o ser nestes termos:
Provado que (o condutor do CV) fê-lo no momento em que a A. D..................... ia cruzar com o veículo CV.

3. Ainda no que concerne à decisão sobre a matéria de facto, aponta a Recorrente E…………. uma contradição insanável, que se traduz, no fundo, em ter-se respondido positivamente ao quesito 19º e também positivamente à matéria dos quesitos 131º e segs.
A Recorrente tem razão, como decorre, aliás, do que acima se expôs.
Alterada, porém, a resposta ao quesito 19º para não provado, pelas razões que se deixaram referidas, essa contradição já não subsiste.

IV.

Os factos provados na sentença recorrida, com as alterações introduzidas no ponto precedente, são os seguintes:

1. No dia 2 de Outubro de 2000, pelas 12h30, na estrada nacional 223, Santa Maria da Feira, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos de matrícula ..-..-0V, conduzido pela sua proprietária, D……….., CV-..-.., conduzido pelo seu proprietário K…………, ..-..-BU e ..-..-FM (al. A) Factos Assentes).
2. A autora F…………… seguia como passageira no veículo ..-..-0V, no lugar ao lado do condutor (al. B) Factos Assentes).
3. No local do acidente, a faixa de rodagem é constituída por quatro corredores de circulação, dois para cada sentido de marcha, delimitados ao centro por um separador central e ladeadas por bermas e rails (al. C) Factos Assentes).
4. A berma do lado direito, atento o sentido Santa Maria da Feira - Maceda, tinha uma largura de 2,40 metros (al. D) Factos Assentes).
5. Cada hemi-faixa englobava dois corredores de circulação, perfazendo cada uma cerca de 7 metros de largura (al. E) Factos Assentes).
6. O traçado da via era rectilíneo e ligeiramente descendente, permitindo uma visibilidade superior a 100 metros para o trânsito oriundo de Santa Maria da Feira (al. F) Factos Assentes).
7. No local do acidente, o limite máximo de velocidade para veículos ligeiros de passageiros era de 100 km/hora (al. G) Factos Assentes).
8. No momento do acidente fazia sol e o piso, em alcatrão, encontrava-se seco (al. H) Factos Assentes).
9. O veículo OV, após o embate com o veículo CV, rodopiou duas vezes sobre si mesmo, e parou, junto da berma direita, a 34,60 metros do veículo FM (al. I) Factos Assentes).
10. E a cerca de 42 metros do local do embate com o referido veículo CV (al. J) Factos Assentes).
11. Após terem ocorrido as colisões referidas, os veículos ficaram imobilizados da forma indicada no croquis da Guarda Nacional Republicana constante da Participação de Acidente de Viação de fls. 38 a 43 (al. L) Factos Assentes).
12. A autora B……….. nasceu em 05/06/1952 (al. M) Factos Assentes).
13. O veículo ligeiro de passageiros de marca Opel Corsa, conduzido pela autora B…………, circulava no sentido Santa Maria da Feira - Maceda (Resp. 1º Base Instrutória).
14. A autora B……….. foi surpreendida por um veículo de matrícula Volkswagen, modelo Golf que lhe surgiu pelo lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha (Resp. 4.° Base Instrutória).
15. Chocando contra a divisória central, capotando de seguida, imobilizando-se na berma direita da via, ocupando parcialmente a via desse mesmo lado (Resp. 5.° Base Instrutória).
16. Ao avistar o embate, e receando pelo estado físico do condutor do veículo Volkswagen, a autora imobilizou a sua viatura, encostando-a na berma direita, a cerca de 50 metros à frente do veículo referido em 14 (Resp. 6.° e 7.° da Base Instrutória).
17. Quando a Autora B……….. se encontrava já fora do seu veículo, pararam, posicionando-se na berma do lado direito e imediatamente atrás do veículo da autora, atento o sentido de direcção tomado, o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-BU, propriedade de P……….. e por si na altura conduzido e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-FM, propriedade de J………… e por si conduzido (Resp. 9º e 10º Base Instrutória).
18. O veículo FM posicionou-se atrás do veículo da autora B……….. e o condutor do FM saiu do veículo no sentido de auxiliar o condutor do veículo sinistrado (VW) (Resp. 11º e 12º da Base Instrutória).
19. A Autora B……….. encostou-se aos rails (Resp. 13º base Instrutória), aí permanecendo alguns momentos a descansar de uma tontura súbita que sofreu (Resp. 14º Base Instrutória).
20. Instantes após, surgiu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-OV, circulando a uma velocidade pelo menos de 120 Km /hora (Resp. 15º e 16º Base Instrutória). Eliminado nesta parte.
21. Tendo chocado com a parte superior da frente direita e parte lateral direita dianteira, na parte traseira mais à esquerda e lateral traseira esquerda do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula CV-..-.. (Resp. 18º Base Instrutória). Alterado.
22. Que circulava na via da direita, a uma velocidade não superior a 80 Kms/hora e imediatamente à frente do veículo OV (Resp. 19º Base Instrutória). Eliminado.
23. Em consequência de tal embate, o veículo CV foi projectado para a sua direita e embateu com a sua parte lateral na parte lateral esquerda do veículo BU (Resp. 20º Base Instrutória).
24. Após o embate com o veículo BU, o veículo CV continuou em movimento e chocou na traseira do veículo FM, que na altura se encontrava parado na berma direita da via, à frente do veículo BU (Resp. 21º Base Instrutória).
25. Em consequência de tal embate, o veículo FM deslocou-se para a direita, colhendo a autora B…………. que se encontrava a recuperar da situação de indisposição de que estava acometida (Resp. 22º Base Instrutória).
26. Entalando-a contra os rails de protecção, ficando esta com os membros inferiores pressionados pelo veículo FM e pelos rails de protecção (Resp. 23º Base Instrutória)
27. No momento do acidente e nos instantes que se seguiram a autora B…………. receou pela própria vida (Resp. 24º Base Instrutória).
28. E sentiu aflição, terror, dor e pânico (Resp. 25º Base Instrutória).
29. Ainda hoje se sente perturbada por tais momentos (Resp. 26º Base Instrutória).
30. Em consequência do embate, a autora [B…………] sofreu escoriações várias, apresentando traumatismo da coxa e anca direita e da região lombar (Resp. 27º Base Instrutória).
31. Foi transportada de ambulância para o Hospital de S. Sebastião, em Santa Maria da Feira, onde foi assistida no serviço de urgência (Resp. 28º Base Instrutória).
32. Foram-lhe ministradas várias injecções, tendo sido feita lavagem cirúrgica às feridas e escoriações (Resp. 29º Base Instrutória).
33. Foram-lhe efectuados curativos ao nível dos membros inferiores (Resp. 30º Base Instrutória).
34. No mesmo dia a autora B………… teve alta, regressando a casa, com a expressa indicação de repouso absoluto, apondo gelo nos locais traumatizados, tendo-lhe sido recomendado e medicado o uso de analgésicos e anti-inflamatórios (Resp. 31º Base Instrutória).
35. As dores sentidas impediam-na de efectuar qualquer movimento (Resp. 32º Base Instrutória).
36. Sentia dores no peito e dificuldades em respirar (Resp. 33º Base Instrutória).
37. O que a impossibilitava de exercer a sua actividade profissional e cuidar das lides domésticas (Resp. 34º Base Instrutória).
38. Em 3 de Outubro de 2000, a autora exibia equimoses em ambas as nádegas e coxas, e um hematoma na coxa direita (Resp. 35º Base Instrutória).
39. Face às dores sentidas e à falta de força que sentia, a autora manteve-se acamada durante cerca de dois meses (Resp. 36º Base Instrutória).
40. As dores sentidas impediam-lhe o sono durante a noite (Resp. 37º Base Instrutória).
41. Passado o referido período de dois meses, a autora passou a levantar-se da cama com mais regularidade (Resp. 38º Base Instrutória).
42. Mantendo-se impossibilitada de fazer esforços durante mais de um mês (Resp. 39º Base Instrutória).
43. A partir de Junho de 2000, a autora passou a fazer drenagem linfática e massagens, como tentativa de resolução da tumefacção resultante do hematoma (Resp. 40º Base Instrutória).
44. Desde Junho de 2000, a autora deslocou-se desde a sua residência à Clínica Nª Srª Saúde, em Santa Maria da Feira, para 14 sessões de tratamento (Resp. 41º Base Instrutória).
45. O transporte foi sempre efectuado através de terceira pessoa, em virtude das dores sentidas pela autora (Resp. 42º Base Instrutória).
46. Na sequência desses tratamentos, a autora apresentava fortes queixas ao nível das zonas lesionadas, sentido dores e dificuldades de movimentos (Resp. 43º Base Instrutória).
47. Tais tratamentos incluíam massagens localizadas, com auxílio de pomadas terapêuticas (Resp. 44º Base Instrutória).
48. Os tratamentos de fisioterapia não surtiam qualquer efeito no tratamento das lesões (Resp. 45º Base Instrutória).
49. E as partes lesionadas continuavam imobilizadas e sem força (Resp. 46º Base Instrutória).
50. E as dores continuavam, atingindo igualmente a zona lombar (Resp. 47º Base Instrutória).
51. A autora frequentou uma consulta de cirurgia vascular, onde lhe foi prescrito que realizasse RX e Análises (Resp. 48º Base Instrutória).
52. Nas análises foi-lhe detectada uma anemia (Resp. 49º Base Instrutória).
53. Em Dezembro de 2000, a autora iniciou um quadro depressivo provocado pela não evolução da situação clínica, mudando o seu comportamento (Resp. 50º Base Instrutória).
54. A autora apresentava-se ora apática ora agressiva, queixando-se de fortes dores de cabeça e de amnésia (Resp. 51º Base Instrutória).
55. Começou a sofrer de insónias, perturbações de comportamento e depressões que a levavam ao isolamento das demais pessoas que com ela conviviam (Resp. 52º Base Instrutória).
56. Adoptando um comportamento de alheamento total das situações da vida, mesmo daquelas que lhe davam mais prazer (Resp. 53º Base Instrutória).
57. Em Janeiro de 2001, porque continuava a queixar-se de fortes dores nas costas e zona lombar e mantinha o hematoma, efectuou ecografia da coxa que apresentava "Interrupção de fibras musculares e de gordura" (Resp. 54º Base Instrutória).
58. E RX da coluna que refere como principais alterações: - A nível cervical, rectificação deste segmento, franca alteração com redução do disco C7-Dl, esclerose subcondral das plataformas interior e superior, respectivamente de C7 e DI, alterações residuais a processo traumático (Resp. 55º Base Instrutória).
59. E a nível dorsal, escoliose médio-dorsal dextro-convexa, compensada por pequena inflexão escoliótica dorso-lombar sinistro-convexa (Resp. 56º Base Instrutória).
60. E a nível lombar revelava-se espondilose (Resp. 57º Base Instrutória).
61. Para tratamento do referido de 58) a 60) a autora fez 10 sessões de fisioterapia, na Clínica Fisiátrica de Lourosa (Resp. 58º Base Instrutória).
62. E suportou todas as deslocações, que lhe eram asseguradas por terceira pessoa (Resp. 59º Base Instrutória).
63. Deslocando-se igualmente, por prescrição médica, três vezes por semana às piscinas municipais de Santa Maria da Feira, a fim de efectuar natação cuidada e acompanhada, suportando todos os encargos com essas deslocações (Resp. 60º Base Instrutória).
64. A autora apresentava queixas contínuas de peso nas pernas e dores nos membros inferiores, onde apresentava microvaricosidades (Resp. 61º Base Instrutória).
65. A partir de Maio de 2001, a autora começou a fazer consultas de rotina e de acompanhamento da evolução clínica, drenagem linfática, massagens, como tentativa de resolução da tumefacção resultante do hematoma na Q…………, Lda., em Santa Maria da Feira (Resp. 62º Base Instrutória).
66. Desde Maio de 2001, a autora deslocou-se desde a sua residência à Q………….., Lda., tendo, nessa Clínica, a autora frequentado 15 (quinze) sessões de tratamento (Resp. 63º Base Instrutória).
67. O transporte foi maioritariamente efectuado através de terceira pessoa (Resp. 64º Base Instrutória).
68. Na sequência desses tratamentos, a autora apresentava queixas ao nível das zonas lesionadas, sentido dores e dificuldades de movimentos (Resp. 65º Base Instrutória).
69. Tais tratamentos que incluíam massagens localizadas, com auxílio de pomadas terapêuticas (Resp. 66º Base Instrutória).
70. No dia 27 de Setembro de 2001 a autora foi sujeita a uma intervenção cirúrgica, sob Anestesia Geral, para exére de hematoma organizado fibrolipomatoso, com necrose parcial do tecido gordo e da porção muscular do músculo tensor da fascia lata da coxa direita (Resp. 67º Base Instrutória).
71. Permaneceu na Ordem de São Francisco durante dois dias, tendo obtido alta no dia 28 de Setembro de 2001 (Resp. 68º Base Instrutória).
72. Perante o estado de fraqueza e de prostração sentido pela autora, a autora permaneceu retida no leito durante três semanas (Resp. 69º Base Instrutória).
73. A Autora B…………. esteve com Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho desde o dia do sinistro até 1 de Fevereiro de 2002 (Resp. 70º Base Instrutória).
74. Como sequelas das lesões sofridas, a autora apresenta cicatriz com cerca de 10 cm e queixas dolorosas na coxa direita (Resp. 71º Base Instrutória).
75. E limitação dolorosa da mobilidade dos membros inferiores (Resp. 72º Base Instrutória),
76. E mobilidade dolorosa da coluna cervical (Resp. 73º Base Instrutória).
77. E, a nível cervical, rectificação deste segmento, franca alteração com redução do disco C7-Dl, esclerose subcondral das plataformas interior e superior, respectivamente de C7 e DI e alterações residuais a processo traumático (Resp. 74º Base Instrutória).
78. E, a nível Dorsal, escoliose médio-dorsal dextro-convexa, compensada por pequena inflexão escoliótica dorso-lombar sinistro-convexa (Resp. 75º Base Instrutória).
79. E, nível lombar revelava-se espondilose, Dorso Lombalgias e Cervicalgias (Resp. 76º Base Instrutória).
80. E perturbação do sono, insónias e pesadelos (Resp. 77º Base Instrutória).
81. E apatia e ansiedade com componente depressiva (Resp. 78º Base Instrutória).
82. A Autora B……….. apresenta alterações de humor (Resp. 79º Base Instrutória).
83. E forte diminuição da força muscular e sensação de cansaço (Resp. 80º Base Instrutória).
84. E dores frequentes quanto tenta efectuar qualquer movimento (Resp. 81º Base Instrutória).
85. Por via dos tratamentos a que foi sujeita, a autora sofreu dores, que se mantêm até hoje (Resp. 82º Base Instrutória).
86. Em consequência das lesões sofridas, a autora não pode permanecer de pé muito tempo (Resp. 83º Base Instrutória).
87. E não pode fazer caminhadas prolongadas, nem colocar-se na posição de cócoras ou "vergada", nem pegar em objectos pesados (Resp. 85º a 87º Base Instrutória).
88. A autora passou a necessitar de fazer intervalos de descanso, várias vezes ao dia, para aliviar as dores, o mal-estar e o cansaço de que passou a sofrer (Resp. 88º Base Instrutória).
89. Sofreu os efeitos dos RX e dos TACs a que foi submetida (Resp. 89º Base Instrutória).
90. Antes do sinistro, a autora B………… era uma pessoa saudável (Resp. 91º Base Instrutória).
91. A Autora era uma pessoa robusta e dinâmica e com alegria de viver (Resp. 92º Base Instrutória).
92. A Autora transformou-se numa pessoa triste (Resp. 93º Base Instrutória).
93. A Autora tornou-se uma pessoa com sistema nervoso alterado, sentindo-se complexada (Resp. 94º Base Instrutória).
94. Perdendo o seu sentido de auto-estima (Resp. 95º Base Instrutória).
95. Por via da cicatriz na coxa direita, jamais a autora usou mini-saia (Resp. 96º Base Instrutória).
96. Passando a ir menos vezes à praia porque se sente complexada e triste (Resp. 97º Base Instrutória).
97. À data do acidente, a autora trabalhava para a R………….. Lda" (Resp. 98º Base Instrutória).
98. Com a categoria de cozinheira especializada, auferindo um salário base ilíquido de Esc: 100.000$00, 14 vezes por ano (Resp. 99º Base Instrutória).
99. A Autora B………….. além do salário recebia gorjetas e horas extraordinárias, que embora não tenha sido objecto de declaração em sede de IRS dos anos de 1999 e 2000, nem de desconto para a segurança social, totalizavam tais quantias cerca de Esc. 120.000$00 mensais (Resp. 100º e 101º Base Instrutória).
100. A autora efectuava toda a lide de casa, nomeadamente fazia toda a limpeza do lar e tratava da alimentação das suas duas filhas (Resp. 102º Base Instrutória).
101. Nos quatro meses a seguir ao acidente, e nos dois meses a seguir à intervenção cirúrgica, a autora viu-se absolutamente impossibilitada de exercer as suas referidas actividades de trabalhadora doméstica (Resp. 103º Base Instrutória).
102. Em consequência das lesões sofridas, adveio para a autora B……….. uma Incapacidade Permanente Parcial de 10% (Resp. 104º Base Instrutória).
103. A autora tem vindo ultimamente a sentir dores e atrofia nos movimentos que pretende efectuar e que envolvam a coluna e a perna direita (Resp. 105º Base Instrutória).
104. Vai ter que ser submetida a vários tratamentos médicos e fisiátricos (Resp. 106º Base Instrutória).
105. Sentindo angústias e frustrações em consequência dos factos referidos em 103) e 104) (Resp. 107º Base Instrutória).
106. A autora pagou a importância de Esc: 109.300$00, nas consultas e tratamentos a que foi submetida na Clínica Nª Srª Saúde, em Santa Maria da Feira (Resp. 108º Base Instrutória).
107. E despendeu a quantia de Esc: 60.500$00 nas consultas e tratamentos a que foi submetida na Q………….., Lda., em Santa Maria da Feira (Resp. 109º Base Instrutória).
108. Em medicamentos prescritos, gastou a autora a importância de Esc: 59.972$00 (Resp. 110º Base Instrutória).
109. Em consultas no Centro de Saúde de Santa Maria da Feira - para averiguar do estado de saúde da autora - concedendo-lhe ou não baixa médica - suportou a autora a importância de 4.200$00 (Resp. 111º Base Instrutória).
110. Em consultas no Consultório Tomografia Computorizada, S.A. - Dr. Campos Costa _ Exame de Angiodinografia e ecografia, pagou a autora a importância de Esc: 4.000$00 (Resp. 112º Base Instrutória).
111. Em consultas médicas e ecografias no Centro Médico da Praça, Lda. a autora suportou a importância Esc: 19.000$00 (Resp. 113º Base Instrutória).
112. Em consultas na Sociedade Cirurgia Plástica e Reconstrutiva, Lda., - Professor Doutor Horácio Monteiro da Costa, suportou a autora a importância de Esc: 5.000$00 (Resp. 114º Base Instrutória).
113. Na Venerável Ordem Terceira de São Francisco, suportou a autora a importância de Esc: 44.035$00 (Resp. 115º Base Instrutória).
114. Em consultas várias e exames complementares - nomeadamente na Sociedade ……., Lda., em Aveiro, na Organização de Manutenção de Saúde e de Medicina do Trabalho, Lda., no Porto, e na Medina Laboratorial Dr. Luís Aguiar Soares, S.A., suportou, ainda, a autora a importância de Esc: 16.646$00 (Resp. 116º Base Instrutória).
115. Ao Hospital de Santa Maria da Feira, por via do internamento e das análises efectuadas, pagou a autora a quantia de € 17,41 (Resp. 117º Base Instrutória).
116. Nas vezes que se deslocou de transporte público, a autora suportou a importância de Esc: 3.070$00 (Resp. 119º Base Instrutória).
117. Nas idas à piscina era uma das filhas da autora que fazia o transporte (Resp. 120º Base Instrutória).
118. A Autora B……….. entregou uma quantia concretamente não determinada para compensar o uso e desgaste do veículo (Resp. 121º Base Instrutória).
119. Devido ao facto da Autora se encontrar acamada e impossibilitada de fazer qualquer tipo de esforço, teve necessidade de contratar uma empregada para ser por ela acompanhada e assistida (Resp. 122º Base Instrutória).
120. Essas funções ocorreram nos cinco meses seguintes ao acidente e nos três meses seguintes à operação cirúrgica (Resp. 123º e 124º Base Instrutória)
121. A referida empregada auferia o montante de 50.000$00 mensais (Resp. 125º Base Instrutória).
122. Em consequência do acidente, a autora viu completamente danificadas e inutilizadas um par de calças, um par de sapatos, uma volta em ouro e uns óculos que se partiram (Resp. 126º Base Instrutória).
123. A autora D..................... seguia no sentido santa Maria da Feira - Maceda (Resp. 128º Base Instrutória).
124. Ao aproximar-se do local do acidente, verificou a existência de algumas viaturas estacionadas na berma da via, nas quais se incluía o veículo de matrícula CV-..-.. (Resp. 131º Base Instrutória).
125. O condutor do CV guinou a sua viatura para a faixa de rodagem, a fim de nesta passar a circular (Resp. 132º Base Instrutória).
126. Fê-lo no momento em que a autora Lucibe1 ia cruzar com o veículo CV (Resp. 134º Base Instrutória). Alterado.
127. A condutora do OV ainda se desviou para a esquerda (Resp. 135º Base Instrutória).
128. Mas não evitou o embate descrito na resposta ao quesito 18º (Resp. 136º Base Instrutória). Alterado.
129. Em consequência de tal embate, o OV descontrolou-se e foi arrastado para a hemi-faixa esquerda e de encontro aos rails de protecção aí existentes, nos termos referidos no facto provado 21), com o CV "preso" ao OV (Resp. 137º e 138º Base Instrutória).
130. No momento em que o veículo CV se libertou do OV, o OV descreveu um arco, embatendo de seguida de frente nos rails de protecção situados do lado direito da via (Resp. 139º Base Instrutória).
131. Com o impacto, o CV derivou de novo para a berma (Resp. 141º Base Instrutória).
132. E embateu na rectaguarda de um veículo que se encontrava na berma (Resp. 142º Base Instrutória).
133. O qual foi embater num outro veículo que aí se encontrava (Resp. 143º Base Instrutória).
134. Em consequência do embate, o veículo OV ficou danificado no capot, direcção, tejadilho, guarda-lamas do lado direito, cava da roda, semi-eixos e orgãos de travagem (Resp. 144º base Instrutória).
135. Os salvados do veículo valem € 1.496,40 (Resp. 145.° Base Instrutória).
136. O valor da viatura era de € 13.966,30 (Resp. 146.° Base Instrutória).
137. Em consequência do sinistro, a autora sofreu entorse e fractura cervicais (Resp. 148.° Base Instrutória).
138. Foi tratada no Hospital de S. Sebastião com imobilização das lesões por colar cervical, o qual teve de usar durante mês e meio (Resp. 149.° Base Instrutória).
139. Durante tal período, esteve totalmente impossibilitada de trabalhar (Resp. 150.° Base Instrutória).
140. Como sequelas das lesões sofridas apresenta cervicalgias (Resp. 151.° Base Instrutória).
141. E síndrome pós traumático, traduzido em cefaleias, insónia, fobias, dores de cabeça, perdas de memória, deficiências de concentração, nervosismo e irritabilidade fácil (Resp. 152.° Base Instrutória).
142. Tais sequelas acarretam-lhe uma IPP de 5% (Resp. 153.° Base Instrutória).
143. À data do acidente era uma pessoa saudável, alegre, forte e dinâmica (Resp. 154.° Base Instrutória).
144. Estagiava na empresa "S………..", tendo concluído o curso de Engenharia Industrial em Dezembro de 2001 (Resp. 155.° Base Instrutória).
145. Aquando do acidente, sofreu dores na região cervical (Resp. 158.° Base Instrutória).
146. Tais dores diminuíram com o tratamento, mas ainda se mantêm, e manter-se-ão ao longo de toda a sua vida (Resp. 159.° Base Instrutória).
147. Ao longo de toda a sua vida, terá de suportar frequentes dores de cabeça e tonturas (Resp. 160.° Base Instrutória).
148. O que a entristece e diminui, afectando-a na sua auto-estima (Resp. 161.° Base Instrutória).
149. Em consequência das lesões sofridas, a autora D..................... despendeu quantia concretamente não apurada em consultas médicas, medicamentos, equipamento ortopédico e transportes (Resp. 162.° Base Instrutória).
150. Como consequência do acidente, a autora F..................... sofreu traumatismo crânio encefálico com perda imediata do conhecimento (Resp. 163.° Base Instrutória).
151. E feridas corto incisas do couro cabeludo, face, cotovelo e mão esquerda (Resp. 164.° Base Instrutória).
152. E fractura do osso ganchoso da mão direita (Resp. 165.° Base Instrutória).
153. E fractura de L12 sem lesões neurológicas (Resp. 166.° Base Instrutória).
154. Por tais lesões foi socorrida no Hospital de S. Sebastião, onde se manteve internada desde 02/10/2000 a 06/02/2001 (Resp. 167.° Base Instrutória).
155. Aí fez TAC's da coluna cervical, cerebral e da coluna lombo-sagrada (Resp. 168.° Base Instrutória).
156. Fez repouso no leito e tratamento com colar cervical (Resp. 169.° Base Instrutória).
157. E imobilização do 5º dedo com tala de zimmmer, penso nas feridas, antibioterapia e analgesia (Resp. 170º Base Instrutória).
158. Fez levante com lombostato, que retirou cerca de 5 semanas após o acidente e manteve tala gessada na mão direita cerca de 5 semanas (Resp. 171º Base Instrutória).
159. Posteriormente, fez tratamento fisiátrico (Resp. 172º Base Instrutória).
160. Fez tratamento orientado por dermatologia às cicatrizes da face e couro cabeludo durante cerca de 6 meses (Resp. 173º Base Instrutória).
161. Como sequelas das lesões apresenta lombalgias intensas agravadas pela bipedestação prolongada e movimentação da coluna lombar (Resp. 174º Base Instrutória).
162. E cãibras musculares dos membros inferiores (Resp. 175º Base Instrutória).
163. E síndrome pós traumático com alterações da personalidade, traduzidas em perturbações amnésicas, nervosismo, irritabilidade fácil, falta de concentração, tonturas, fobia da condução e estados depressivos (Resp. 176º Base Instrutória).
164. E cicatrizes viciosas ao nível da região frontal de cerca de 10 e 6 cm, respectivamente (Resp. 177º Base Instrutória).
165. Tais sequelas determinam-lhe uma IPP de 10% (Resp. 178º Base Instrutória).
166. À data do acidente a autora frequentava o curso de engenharia de gestão industrial da Universidade de Aveiro (Resp. 179º Base Instrutória).
167. No dia 3 de Outubro de 2000 ia iniciar funções na empresa "………", com o intuito de obter emprego o mais rapidamente possível (Resp. 180.° Base Instrutória).
168. Em consequência do acidente, não efectuou tal estágio (Resp. 181.° Base Instrutória).
169. A Autora F..................... apresenta cicatrizes no rosto (Resp. 184.° Base Instrutória).
170. Aquando do acidente, a autora sofreu dores intensas e entrou em depressão (Resp. 186.° e 187.° Base Instrutória).
171. Suportou tratamentos psiquiátricos e dermatológicos durante todo o ano de 2001 (Resp. 188.° Base Instrutória).
172. Mercê do aspecto do seu rosto e das alterações na personalidade sente-se triste e inconformada (Resp. 189.° Base Instrutória).
173. Antes do acidente era saudável, dinâmica, alegre e bem disposta (Resp. 191.° Base Instrutória).
174. A Autora suportou, em quantia concretamente não determinada, tratamentos de neuro-psiquiatria, dermatologia, medicamentos e transporte (Resp. 192.° Base Instrutória).
175. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 00212761, D………….. transferiu para a ré "C…………., S.A." a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação do veículo de matrícula ..-..-OV (al. N) Factos Assentes).
176. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 45-17014180, K………….. transferiu para a ré "E…………., S.A" a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação do veículo de matrícula CV-..-.. (al. O) Factos Assentes).
177. O Instituto de Solidariedade e Segurança Social/Centro Distrital de Aveiro pagou à autora B……….. a quantia de € 5.174,99, sendo € 4.875,71 relativo a subsídio de doença referente ao período de 3 de Outubro de 2000 a 10 de Fevereiro de 2002 e € 299,28 de prestação compensatória de subsídio de Natal de 2001 (al. P) Factos Assentes).

V.

Cumpre agora apreciar as questões suscitadas quanto ao mérito.

1. Na sentença recorrida concluiu-se que ambos os condutores violaram normas estradais: o art. 27º (veículo OV) e 12º (veículo CV) do C. Estrada. Considerou-se, porém, que a conduta do condutor do veículo CV foi mais gravosa, uma vez que o excesso de velocidade não seria, só por si, idónea a provocar o acidente. Fixou-se, por isso, em 60% a culpa do condutor do CV na produção do acidente e em 40% a do condutor do OV.

A Recorrente E………. discorda, defendendo que existe culpa exclusiva da A. D....................., por circular a uma velocidade de pelo menos 120 km/hora, tendo chocado com a parte lateral direita dianteira na parte traseira mais à esquerda e lateral traseira esquerda do veículo CV, seguro na Recorrente - o qual se dirigiria a uma velocidade não superior a 80 km/hora e imediatamente à frente do veículo OV.

As apelantes autoras sustentam, pelo contrário, que a culpa, exclusiva, é do condutor do veículo CV, partindo da alteração dos pontos de facto que impugnou: a condutora do OV não seguia com excesso de velocidade, nem o veículo CV circulava nas condições descritas na resposta ao quesito 19º, mas sim na berma, guinando para a faixa de rodagem no momento em que por aí passava o OV.

Tem aqui manifesto interesse a alteração acima introduzida na decisão sobre a matéria de facto.
Por um lado, não se apurou que a condutora do veículo OV circulasse à velocidade de, pelo menos, 120 km/hora, uma vez que a resposta ao respectivo quesito foi alterada para não provado.
Por outro lado, não se provou que o veículo CV circulasse na via da direita, a velocidade não superior a 80 km/hora e imediatamente à frente do OV (quesito 19º); pelo contrário, apurou-se que aquele veículo esteve parado na berma e daí partiu para a faixa de rodagem para aí passar a circular, tendo o respectivo condutor guinado a viatura no momento em que o OV ia passar (quesitos 131º e segs.).
Tendo em conta esta alteração dos factos provados, parece evidente que as referidas conclusões da sentença e do recurso da Apelante E…………, respectivamente sobre a repartição de culpas e sobre a atribuição de culpa exclusiva à condutora do veículo OV, não são sustentáveis.
Com efeito, não parece que à autora D..................... possa ser imputada a violação de qualquer norma do Código da Estrada. Não se apurou a velocidade a que circulava, ficando assim excluído que tenha ultrapassado o limite legalmente previsto ou que aquela velocidade fosse excessiva face às circunstâncias que se lhe depararam.
Mas confirma-se a violação referida na sentença quanto ao condutor do veículo CV, violação que é manifestamente causal do acidente.
De concluir, pois, que ao condutor do CV cabe a culpa exclusiva pela produção do acidente.
Deste modo, sobre esta questão comum da culpa na produção do acidente, a apelação principal improcede, procedendo a apelação subordinada.

2. Sustenta também a Recorrente E……….. que a autora B……….. contribuiu decisivamente para o agravamento dos danos que sofreu, porquanto violou as proibições legais de trânsito de peões, bem como de paragem ou estacionamento de veículos nas auto-estradas.
Sem razão, parece-nos.

Como se afirma na sentença, não pode deixar de considerar-se toda a dinâmica do sinistro e, bem assim, o dever de auxílio que impende sobre a generalidade dos condutores perante um acidente de viação, sendo certo que a autora não se encontrava em local próximo da faixa de rodagem e a impedir e obstaculizar ou dificultar o trânsito.
Ficou provado que, ao avistar o embate do veículo que se despistou e receando pelo estado físico do seu condutor, a autora B……….. parou o seu veículo, encostando-o na berma direita. De seguida e já depois de pararem outros veículos, por sentir uma tontura, encostou-se aos rails, aí permanecendo apoiada a recuperar da indisposição. E foi aí que ela foi atingida pelo veículo FM (cfr. factos supra nºs 16, 17, 19 e 25).
Neste condicionalismo, a conduta da autora B…………., embora objectivamente violadora da norma do art. 72º do C. Estrada, deve considerar-se justificada e, por isso, lícita, uma vez que tinha em vista, no fundo, o cumprimento de um dever de auxílio[1], a que não deu sequência por virtude da indisposição súbita que sentiu. Dever que a Recorrente parece aceitar, referindo apenas que o mesmo não estava a ser cumprido (cfr. conclusão L).
Por outro lado, a autora B…………. é lesada; vítima do acidente que é imputável ao condutor do veículo CV e para a produção do qual não contribuiu. É certo que foi por estar ali que ela foi atingida pelo veículo, podendo, por isso, considerar-se que, nessa medida, contribuiu para a produção do dano que sofreu (não para o seu agravamento).
Só que, como se referiu, a conduta da autora não é ilícita e, consequentemente, não pode considerar-se culposa.
Nem pode ter-se também por culposa, no sentido impróprio acolhido no art. 570º do CC, isto é, como sinónimo de actuação deficiente, censurável, reprovável em prejuízo da própria[2].
Aliás, coerentemente, defende-se que o referido preceito não tem aplicação quando o lesado tenha agido, designadamente, no cumprimento de um dever[3].
Improcede, por conseguinte, esta questão suscitada no recurso da Ré.

3. Passemos agora aos montantes das indemnizações impugnados pela Recorrente E…………….

3.1. A Recorrente insurge-se contra a douta decisão por ter considerado no cálculo da indemnização por lucro cessante da A. B………… o que esta auferia como gorjetas e horas extraordinárias, por não terem sido objecto de declaração em sede de IRS, nem de descontos para a segurança social e por não terem carácter fixo.
Sem razão, parece-nos.

Ficou provado que a Autora B…………, além do salário, recebia gorjetas e horas extraordinárias que, embora não tenham sido objecto de declaração em sede de IRS dos anos de 1999 e 2000, nem de desconto para a segurança social, totalizavam cerca de Esc. 120.000$00 mensais – supra 99.
E perante este facto, o Sr. Juiz entendeu que esse rendimento deveria ser valorado em apenas 75% do valor médio apurado para efeito do cálculo da indemnização.
Crê-se que com razoabilidade.

É sabido que no ramo da restauração, parte substancial do rendimento auferido pelos profissionais que aí trabalham é constituído por gorjetas e gratificações; estas, embora não tendo quantitativo fixo, traduzem um rendimento percebido regularmente. O mesmo não se passa com as horas extraordinárias, cuja verificação estará sempre dependente de necessidades conjunturais da empresa para quem a autora trabalha.
Daí a justificação para a redução operada, tendo-se encontrado um montante que parece razoável e equilibrado.
Como parece evidente, estas considerações valem para o caso do cálculo da indemnização por lucros cessantes, pela incapacidade permanente, como para a perda de rendimento durante o período de incapacidade temporária.

3.2. A Recorrente sustenta também que a indemnização pelo dano sofrido no veículo da autora D..................... não pode ser igual ao valor da aquisição do mesmo, nove meses antes do acidente em apreço, sendo de apenas €10.474,76.
Não tem razão.

Ficou provado que o valor do veículo da autora era de € 13.966,30 (resposta ao quesito 146º) e tal facto não foi impugnado.
Daí que não faça sentido apontar-se agora um outro valor para o veículo, contrariando a resposta dada com base em presunções e dados de facto que não têm apoio na decisão proferida.

3.3. Defende ainda a Apelante que não há lugar ao ressarcimento do dano peticionado relativo à incapacidade permanente da autora D....................., tanto mais que esta não parece ter sofrido qualquer perda de capacidade aquisitiva.

Não o entendeu assim a douta sentença e parece-nos que bem tendo em conta que essa autora, em consequência das lesões sofridas, apresenta cervicalgias e síndrome pós traumático, traduzido em cefaleias, insónias, fobias, dores de cabeça, perdas de memória, deficiências de concentração, nervosismo e irritabilidade fácil; ao logo de toda a sua vida, terá de suportar frequentes dores de cabeça e tonturas. Tais sequelas acarretam-lhe uma IPP de 5% (supra nºs 140, 141, 142 e 147).
São sequelas que, como é reconhecido na perícia médica, se repercutem nas actividades da vida diária da autora e são causa de sofrimento físico; por isso, não podem deixar de se repercutir também na própria capacidade funcional da autora, exigindo-lhe maior esforço de concentração e no exercício de funções durante os períodos em que esteja afectada por tais padecimentos.
Trata-se, pois, de um dano futuro patrimonial indemnizável (art. 564º nº 2 do CC).

3.4. E com base em idênticos fundamentos, defende a Recorrente que não deve ser atribuída qualquer indemnização à autora F....................., a título de danos patrimoniais por incapacidade permanente.
Sem razão, porém, tendo em conta as sequelas apresentadas por esta autora, a que corresponde uma IPP de 10%:
- lombalgias intensas agravadas pela bipedestação prolongada e movimentação da coluna lombar; - cãibras musculares dos membros inferiores; - síndrome pós traumático com alterações da personalidade, traduzidas em perturbações amnésicas, nervosismo, irritabilidade fácil, falta de concentração, tonturas, fobia da condução e estados depressivos (Resp. 176º Base Instrutória); - cicatrizes viciosas ao nível da região frontal de cerca de 10 e 6 cm, respectivamente (supra nºs161 a 165).
Valem aqui, de forma ainda mais evidente, as razões expostas no ponto anterior.

3.5. Sustenta por fim esta Recorrente que é excessivo o montante de €20.000,00 para compensar o dano estético e as alterações de personalidade sofridos pela autora F......................
Sem razão também aqui.

Na douta decisão foi fixado o referido montante para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela referida autora, mas não se contemplou aí apenas o dano estético e as alterações de personalidade, como ficou bem vincado.
Saliente-se, para além dessas consequências, que a autora esteve internada durante mais de quatro meses, fez levante com lombostato e manteve tala gessada na mão direita durante cinco semanas; fez tratamento fisiátrico e tratamento dermatológico durante seis meses; sofreu dores intensas e entrou em depressão.
São, como parece evidente, danos de gravidade muito relevante e que, se nos afigura, terem sido devidamente ponderados e avaliados na sentença.

4. Analisemos as questões sobre as indemnizações postas no recurso subordinado.

4.1. Sustenta a autora D..................... que a indemnização pelo dano resultante da IPP deve ter em conta uma remuneração mensal nunca inferior a € 600,00 e que a esperança de vida é de 82 anos e não de 65 anos como se considerou na sentença.
Em parte com razão, parece-nos.

Sobre a questão do salário a atender neste tipo de situações, isto é, em que o lesado não atingiu a maioridade ou não tenha completado a sua formação escolar, Álvaro Dias[4] alude a situações (porventura as mais frequentes) em que a avaliação, por alegado compromisso da capacidade de ganho no futuro, corre o risco de se tornar um puro exercício de especulação com recurso a variáveis de ocorrência mais que incerta e a factores de ponderação em tudo aleatórios.
Por isso, preconiza que não se faça fé excessiva na avaliação em concreto, defendendo que o recurso a critérios como o do rendimento médio nacional parece um caminho profícuo e seguro, capaz de cercear os infindáveis e incomensuráveis arbítrios a que de outra forma somos conduzidos.

Como se refere no Ac. do STJ de 3/6/2003[5], constitui um dado da experiência que um jovem, quando adulto, virá a adquirir uma remuneração capaz de assegurar o mínimo de dignidade; o salário mínimo, prevenindo um mínimo para a subsistência de quem trabalha, não é a regra nem corresponde às expectativas de quem, dotado de mediana capacidade e aptidão, está em condições de entrar no mercado de trabalho
Faz-se assim apelo ao salário médio acessível ao jovem lesado, em detrimento do salário mínimo.

Pensamos que será do conhecimento comum que só uma pequena percentagem da população activa (presentemente entre os 4% e 5%) está abrangida pela retribuição mínima nacional e que esta, nos últimos anos, tem atingido cerca de 50% do salário médio do sector privado (em vez dos desejáveis 60%). A informação sobre estes dados tem sido abundante, a propósito das sucessivas discussões sobre a actualização do salário mínimo nacional.
Ora, a Autora é uma jovem que, na altura da alta clínica, frequentava um curso universitário que entretanto já concluiu (facto 144)
Não parece assim razoável admitir que, no futuro emprego, a Autora venha a auferir apenas o salário mínimo nacional: esta não será, pelo que se disse, a situação regra, sendo aceitável e previsível que a autora, com as habilitações adquiridas, venha a auferir remuneração, pelo menos, equivalente a tal retribuição média, que rondava, na altura da alta, os 600 euros (o salário mínimo era de 63.800$00 - DL 573/99, de 30/12).

Por outro lado, num momento em que se discute o alargamento da idade de reforma, tendencialmente até aos 70 anos, parece mais razoável atender a esta idade como limite da vida activa, sendo certo que já fica aquém da esperança média de vida em Portugal [6].

Um dos modos possíveis de cálculo da indemnização relativa a danos futuros por frustração de ganhos é o de considerar dever representar um capital produtor de rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes[7].
Não sendo possível fixar o valor exacto do dano, o tribunal deve recorrer à equidade, não se estando, por isso, vinculado a critérios rígidos. Pode, contudo, recorrer-se, como referência ou elemento auxiliar de trabalho (e até por propiciar uniformidade de julgados) a tabelas financeiras usualmente utilizadas, como a indicada no Ac. da Relação de Coimbra de 4.4.95 [8], devendo considerar-se as taxas de juro e de crescimento utilizadas na sentença (não impugnadas).

Com base nesse critério e tendo em conta a idade da lesada (27 anos à data do acidente) e o referido rendimento, atinge-se o montante arredondado de € 12.500,00.

4.2. A Recorrente D..................... sustenta também que o valor fixado (€5.000,00) para compensar o dano não patrimonial por si sofrido é assaz diminuto, devendo ser alterado para € 10.000,00.
Aqui sem razão, afigurando-se-nos que o montante fixado na sentença é equilibrado e adequado à gravidade dos danos a compensar, que pode considerar-se relativa na amplitude dos danos susceptíveis de reparação nos termos do art. 496º do CC.

4.3. A autora F....................., por seu turno, defende que a indemnização por lucros cessantes derivados da IPP que lhe foi atribuída (€12.454,35, antes da redução pela concorrência de culpas) deve ser alterada para € 40.000,00.
Em parte com razão, pelo que expusemos anteriormente (supra 4.1.).

Esta autora tem a mesma idade e a mesma qualificação académica da irmã D......................
Tendo-lhe sido atribuída uma IPP de 10%, a indemnização deve ser o dobro da fixada àquela, isto é, € 25.000,00.

Improcede assim a apelação da Ré e procede, em parte, a apelação das autoras, devendo alterar-se em conformidade a sentença recorrida.

VI.

Em face do exposto, julga-se improcedente a apelação da R. E……….. e parcialmente procedente a apelação subordinada, revogando-se em parte a douta sentença recorrida no que respeita às acções propostas pelas autoras D………….. e F…………… e, em consequência:
- Condena-se a Ré E………… a pagar à Autora D………… a quantia de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento e ainda a quantia que se vier a liquidar relativamente a consultas, medicamentos e transportes suportados pela Autora;
- Condena-se a Ré E…………. a pagar à Autora F…………. a quantia de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento e ainda da quantia que se vier a liquidar relativamente a consultas, medicamentos e transportes suportados pela Autora.
- Mantém-se o mais decidido.
Custas da apelação da R. E………… a cargo desta; as da apelação das autoras ficam a cargo destas e da R. E………… na proporção do decaimento.

Porto, 08 de Maio de 2008
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
____________
[1] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., 552; Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostas da Responsabilidade Civil, 166 e segs.
[2] Cfr. Antunes Varela, RLJ 102-60. Como afirma este Autor, ao aludir-se ao facto culposo do lesado, como pressuposto da diminuição ou exclusão da indemnização, pretendeu-se manifestamente, afastar os casos em que o facto ilícito do agente ou o dano e o facto do lesado há um puro nexo mecânico-causal, para apenas abranger os casos em que o comportamento do prejudicado é censurável ou reprovável.
[3] Antunes Varela, Ob. Cit., 61 (nota 2).
[4] Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, 293 e segs.
[5] Em www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido, J.J. Sousa Dinis, CJ STJ, V, 2, 15; Acs. do STJ de 28.9.95 e de 16.3.99, CJ STJ III, 3, 36 e IV, 1, 167 e, bem assim, os Acs. do STJ de 17.02.2002, de 07.04.2005, de 11.07.2006 e de 10.01.2008, no mesmo sítio da Net.
[7] Entre outros, os Acórdãos do STJ de 04.02.93, de 08.06.93, de 05.05.94, de 11.10.94, de 16.03.99 e de 06.07.2000, CJ STJ I, 1, 128, I, 2, 138, II, 2, 86, II, 2, 89, VII, 1,167 e VIII, 2, 144; também os Acs. de 08.07.2003, 02.03.2004 e de 08.06.2006, estes em www.dgsi.pt.
[8] CJ XX, 2, 23.