Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0422519
Nº Convencional: JTRP00038263
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: FALÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA VOLUNTÁRIA
HIPOTECA LEGAL
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
Nº do Documento: RP200506280422519
Data do Acordão: 06/28/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Área Temática: .
Sumário: O artigo 152 do CPEREF deve ser interpretado no sentido de abranger não só os privilégios creditórios, mas também as hipotecas legais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

Nos autos de reclamação de créditos por apenso ao processo de falência em que foi requerente
B................., Lda.,
instaurados, em 4 de Maio de 2000, foi, por sentença proferida em 11 de Julho de 2001, declarada a caducidade do despacho de prosseguimento da acção e declarada a falência da empresa requerente, tendo-se fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos, havendo a referida decisão sido publicada no Diário da República de 27.09.01
Foi apreendido para a massa falida, conforme consta do apenso de liquidação do activo, um imóvel, arrolado sob a verba onze do auto de apreensão junto a fls. 17 e seg. do referido apenso e rectificada a fls. 69 do mesmo apenso, com a seguinte descrição:
Fracção N, correspondente à loja n.º um, sita no rés-do-chão, esquerdo, do bloco do lado sul, e com uma área coberta de 129 m2, e da qual faz parte integrante um armazém, na cave, com área bruta 168 m2, de um prédio urbano, situado no ............, Freguesia de Mozelos, a confrontar a norte e poente com C............., sul com D............., e a nascente com a estrada, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1709º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 396.

Sobre o referida fracção encontra-se inscrita hipoteca voluntária a favor de E..........., Lda. (ap. 37/041194) e hipotecas legais a favor do CRSS do Centro para garantia de contribuições devidas á segurança social (ap. 48/280597 e ap. 31/140799)
Mostram-se também apreendidos vários bens móveis (verba um a dez do auto de apreensão de fls. 17 e seg do apenso de liquidação do activo e verba constante do auto complementar de fls. 78.
De entre os bens móveis apreendidos encontra-se constituído penhor mercantil a favor do credor E.........., Ldª sobre os bens a seguir referidos: (tudo conforme decorre da certidão de fls. 283 e seg. do apenso de reclamação de créditos e informação da Liquidatária Judicial a fls. 317 e seg do mesmo apenso e a fls. 171 e seg. do apenso de liquidação do activo):
- um fax de marca PITNEY, uma máquina de calcular de marca Texas TI 5034, uma máquina de escrever de marca PHILIP5, duas secretárias, duas cadeiras rotativas, uma impressora, um computador de marca ATL -55 (todos descritos sob a verba um do auto de arrolamento);
- viatura ligeira matrícula QL-..-.., descrita sob a verba 5 do mesmo auto;
- uma pistola e um carro móvel, ambos descritos sob a verba 6 do auto de arrolamento;
- uma máquina de testes e /ou afinação de motores descrita sob a verba única do auto de arrolamento complementar.
Por apenso aos referidos autos de falência foram atempadamente reclamados os seguintes créditos:
1. E.........., Ldª reclamou o crédito de € 421968,16 ou Esc. 84.597.022$00, referente a fornecimento de veículos automóveis e de materiais à falida.
Tal crédito encontra-se garantido por penhor mercantil sobre os bens móveis acima referidos (não tendo sido apreendidos quaisquer outros objecto do referido penhor), conforme escritura junta a fls. 22 deste apenso.
Na referida escritura, os então sócios - gerentes da falida, F............ e G..........., declararam assumir solidariamente com a falida a responsabilidade pelo pagamento do débito desta, que, na data, foi fixado em Esc. 56.416.092$00.

O mesmo crédito encontra-se garantido, até ao montante máximo de 46.300.000$00 por hipoteca voluntária que incide sobre a fracção apreendida para a massa falida, registada pela ap. 37/41194.
Para garantia de parte deste crédito, até ao montante de Esc. 10.000.000$00, foi ainda constituída hipoteca sobre bens de terceiros - no caso os então referidos sócios gerentes da falida - conforme consta da escritura que se encontra junta a fls. 22 deste apenso, sendo certo que tal imóvel, por não pertencer ao património da falida, não foi apreendido para a massa falida.
2. O Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, reclamou o crédito de € 178 602,15 ou Esc. 35.806.518$00 referente a I.V.A. relativo ao período entre o 3° trimestre de 2000 e Abril de 2000, acrescidos dos respectivos juros, e contribuição autárquica dos anos de 1994 e 1995.
3. J................, reclamou o crédito de € 5 757,21 ou Esc.1.154.217$00, referente a férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano da cessão do contrato e a indemnização por antiguidade.
4. L.............,S.A. reclamou o crédito de € 164.642,33 ou Esc. 33.007.824$00, r.eferente à venda de veículos automóveis e fornecimento de peças para automóveis à falida.
5. M.............,Ldª. reclamou o crédito de € 2 777,77 ou Esc. 556.894$00 referente a fornecimento de produtos, sendo que por sentença proferida no processo no ....../98 da ....ª Vara, ....ª Secção do Tribunal Cível do Porto, foi a falida condenada a pagar a referida quantia.
6. I..................,Ldª. reclamou o crédito de € 97514,99 ou Esc.19.550.000$00, referente a fornecimento de produtos e prestação de serviços efectuados à falida.
7. Banco N..........,S.A. reclamou o crédito de € 236 218,67 ou 47.357.593$00, sendo:
a) € 23.4440.49 ou Esc. 47.001.098$00 proveniente de desconto de livrança subscrita pela falida e avalizada por G........., F........... e H..........., respectivos juros de mora e imposto de selo;

b) € 1.778.19 ou Esc. 356.495$00 proveniente do saldo negativo da conta de depósito á ordem de que era titular a falida e respectivos juros de mora.
8. O............., S.A. reclamou o crédito de C 2 741,29 ou Esc.549.580$00 referente a fornecimento de produtos químicos à falida, sendo que por sentença proferida no processo n º ...../98- C, do ...º juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra foi a falida condenada a pagar a referida quantia.
9. P........... reclamou o crédito de C 7 175,96 ou Esc.1.438.650$00, sendo:
a) € 249.590 ou Esc. 500.400$00 referente a salários e férias e subsídio de férias vencidos no ano da cessão do contrato de trabalho;
b) € 4.679.97 ou Esc. 938.250$00 referente a retribuição de férias, subsidio de férias e de natal proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano da cessão e indemnização por antiguidade.
10. Q............, Lda reclamou o crédito de € 10 770,64 ou Esc. 2.159.319$00 referente a fornecimento de diversas mercadorias à falida.
11. Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social reclamou o crédito de € 351 120,08 ou Esc. 70.393.257$00 referente a contribuições para a segurança social declaradas nas folhas de ordenados relativas aos meses de Agosto de 1995, Fevereiro e Setembro de 1990, Junho e Julho de 1991, Dezembro de 1993, Janeiro a Abril de 1994, Junho de 1994 a Dezembro de 1996, Setembro e Outubro de 1997, Dezembro de 1997 a Outubro de 1998, Fevereiro de 2000 a Julho de 2001 e respectivos juros.
Deste montante, € 43.708.74 ou Esc. 8.762.816$00 é referente a contribuições em débito relativas aos meses de Maio de 2000 a Julho de 2001 e respectivos juros de mora, créditos vencidos no decurso do referido processo.
Para garantia da divida de contribuições relativas aos meses e Agosto/85, Fevereiro/90, Agosto/90, Setembro/90, Junho/91, Julho/91, Dezembro/93 a Abril/94, Junho/94 a Dezembro/96 e respectivos juros de mora, no montante total de Esc. 24.279.407$00 ou € 121.105,17 encontra-se constituída hipoteca legal sobre a fracção autónoma apreendida para a massa falida, registada pela ap. 48/280597 registada na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, com a descrição predial n. 00396/100292.

Para garantia da divida de contribuições relativas aos meses de Setembro/97, Outubro/97, Dezembro/97 a Outubro/98, e respectivos juros de mora, no montante total de € 38. 618, 02 ou Esc. 7.742.217$00 encontra-se constituída hipoteca legal sobre a fracção autónoma apreendida para a massa falida, registada pela ap. 31/140799 sobre o imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, com a descrição predial nº 0396/100292 N,.
Consideraram-se ainda reclamados, nos termos do Art. 191º, nº2 do C.P.E.R.E.F., outros créditos que não importa agora para os autos mencionar.
O crédito do IGFSS foi reconhecido na sua totalidade, bem como as hipotecas legais oportunamente reclamadas.
Findo o prazo para a reclamação apresentou o Liquidatário a relação dos créditos reclamados de acordo com o disposto no artigo 191º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência aprovado pelo DL nº 132/93, de 23 de Abril, alterado pelo DL n°315/98, de 20 de Outubro (adiante designado abreviadamente por CPEREF) e a relação de créditos não reclamados de existência provável.
Não foi apresentada qualquer contestação dos créditos por parte dos credores ou da falida nos termos do artigo 192º do CPEREF.
A fls. 198 e sgts. do apenso de reclamação de créditos foi emitido pelo Liquidatário o parecer previsto no artigo 195º do CPEREF no qual fundamentando pronuncia-se sobre os créditos reclamados, considerando que deverão ser reconhecidos na totalidade.
Não foi junto aos autos parecer da Comissão de Credores.
Foi proferida decisão pelo Tribunal a quo nos seguintes termos que se passam a reproduzir para melhor facilidade expositiva e de compreensão do objecto do presente recurso:
1. Julgo reconhecidos e verificados os créditos mencionados nos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., e 23. supra, sendo que quanto aos créditos referidos em 1. e 7.a) com a circunstância limitativa, relativamente ao respectivo pagamento, referida no ponto III supra;
2. Graduam-se os créditos verificados do seguinte modo:
A) Para serem pagos pelo produto da liquidação do bem imóvel apreendido para a massa falida (verba onze do auto de apreensão):

1º- em primeiro lugar o crédito laboral descrito no n.º 9. a) supra;
2º- em segundo lugar os créditos laborais descritos nos n.ºs 3. e 9. b) supra;
3º - em terceiro lugar parte do crédito de E..........., Lda, até ao montante de € 230.943,43 ou Esc. 46.300.000$00, descrito em 1., garantido por hipoteca, registada em 4.11.94;
4º - em quarto lugar o crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social descrito em 11., apenas na parte em que se refere às contribuições relativas aos meses de Maio de 2000 a Julho de 2001, vencidas no decurso do processo de recuperação, e respectivos juros, num total de € 43.708,74;
5º - em quinto lugar, os demais créditos comuns reconhecidos e verificados, de natureza comum, incluindo a parte do crédito de E.........., Lda, não garantido por hipoteca, e a parte do crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que não goza de privilégio;
B) Para serem pagos pelo produto da liquidação dos bens móveis sobre os quais incide penhor mercantil (um fax de marca PITNEY, uma máquina de calcular de marca Texas TI 5034, uma máquina de escrever de marca PHlLIPS, duas secretárias, duas cadeiras rotativas, uma impressora, um computador de marca ATL -Silva Santos, todos descritos sob a verba um do auto de arrolamento;
viatura ligeira matrícula QL-..-.., descrita sob a verba 5 do mesmo auto;
uma pistola e um carro móvel, ambos descritos sob a verba 6 do auto de arrolamento;
uma máquina de testes e de afinação de motores descrita sob a verba única do auto de arrolamento complementar):
1º - em primeiro lugar o crédito laboral descrito no n.º 9. a) supra;
2º- em segundo lugar os créditos laborais descritos nos n.ºs 3. e 9. b) supra
3º - em terceiro lugar o crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social descrito em 11., apenas na parte em que se refere á contribuições relativas aos meses de Maio de 2000 a Julho de 2001, vencidas no decurso do processo de recuperação, e respectivos juros, num total de € 43.708,74;
4º - em quarto lugar o crédito de E..........., Lda, referido no nº1., garantido por penhor;

5º - em quinto lugar os demais créditos reconhecidos e verificados de natureza comum, incluindo a parte do crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que não goza de privilégio.
C) Para serem pagos pelo produtos da liquidação dos demais bens móveis apreendidos para a massa falida (não referidos em B) supra):
1º- em primeiro lugar o crédito laboral descrito no n.º 9. a) supra;
2º- em segundo lugar os créditos laborais descritos nos n.ºs 3. e 9. b) supra
3º - em terceiro lugar o crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social descrito em 11., apenas na parte em que se refere ás contribuições relativas aos meses de Maio de 2000 a Julho de 2001, vencidas: no decurso do processo de recuperação, e respectivos juros, num total de € 43.708,74;
4º- em quarto lugar os demais créditos reconhecidos e verificados, de natureza comum, incluindo a parte do crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que não goza de privilégio e o crédito de E.............. na parte em que não obtenha pagamento pelo produto da venda dos bens referidos em A) e B) supra.
Os pagamentos destes créditos far-se-ão rateadamente, se necessário.
As custas da falência, das execuções apensas e as despesas da liquidação do activo sairão precípuas do produto geral da massa, devendo apurar-se, mediante proporção, qual o quinhão a sair do produto dos bens acima mencionados na graduação parcial.
3. Fixo a data da falência em 11 de Julho de 2001.
Inconformado com o teor da decisão proferida veio o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de Aveiro, adiante designado pela sigla IGFSS interpor tempestivamente o presente recurso tendo para o efeito nas alegações apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a reproduzir seguindo a numeração nas mesmas exarada e ainda que se considere ser a mesma repetitiva em alguns dos seus pontos:
“50. Salvo o devido respeito, é algo incompreensível esta graduação feita pelo Tribunal "a quo" uma vez que, o citado art. 152 do CPEREF nada dispõe relativamente às hipotecas legais constituídas por quem quer que seja, detendo-se apenas em regulamentar a extinção dos privilégios creditórios do Estado e das instituições de Segurança Social.

51. Ora se verificarmos o disposto no art. 152 do CPEREF, chegamos à conclusão de que os privilégios creditórios (também estas garantias reais consagradas no art. 733 e 744 do Código Civil), se extinguem passando os respectivos créditos a ser exigidos como comuns, excepção feita, aos que se constituem no decorrer do processo de recuperação de empresa ou de falência.
52. No douto despacho de verificação e graduação dos créditos, apenas se justificou legalmente a graduação e a consequente extinção da hipoteca legal somente pelo art. 152, não se utilizando qualquer outra fundamentacão legal.
53. Considera o apelante que o legislador não pretendeu com o normativo em causa (art. 152 do CPEREF), extinguir as hipotecas legais, pois se esse fosse o teria dito expressamente
54. Considera o aqui apelante, que se o legislador entendeu não se pronunciar sobre a admissibilidade das hipotecas legais, a interpretação correcta a fazer é que estamos perante um "caso não regulado" (intencionalmente), que não um caso omisso.
55. De acordo com o art. 9 nº 3 do Código Civil considera-se que em sede de fixação, do sentido e alcance da lei, "o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções, mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (sublinhado nosso)
56. Não pode o Tribunal estender o conceito de privilégios, conceito que se usa no seu sentido próprio, de forma a abarcar outros direitos aos quais a lei lhe reconhece preferência no concurso de credores.
57. No que diz respeito às hipotecas legais, tais garantias reais, são constituídas para garantir uma obrigação e consequentemente a possibilidade de ser pago pelo valor de certos bens móveis ou imóveis, com preferência sobre os demais credores conforme arts 686, 687, 705 e 708 do Código Civil, não se podem englobar no disposto no art. 152º do CPEREF, uma vez que, salvo o devido respeito, nada na lei aplicável se prevê que aquelas se extingam com a declaração de falência.
59. Considera inconcebível ao aqui apelante que o legislador não distinga privilégio creditório e hipoteca legal, pois o legislador apesar de querer incentivar os entes públicos a lutarem também eles pela viabilização das empresas, ponderou as vantagens e inconvenientes de ir mais o menos longe. Acabou o legislador por se ficar apenas pelos privilégios creditórios.
60. Neste sentido ver Acórdão do STJ de 3/3/98, publicado no BMJ nº 475-548 Acórdão de Revista do STJ nº 1141/02, Acórdão do STS de 8/2/2001 Processo 3968/00 Acórdão da Relação de Coimbra apelação nº 987/02 relativo ao processo de falência sob o nº 157/99, 2º Juízo do tribunal da comarca de Ílhavo, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto; Apelação nº 243/02, relativo ao processo de falência sob o nº 299/2000 do 4º Juízo Cível do tribunal da comarca de santa Maria da Feira
61. Deste modo, considera o aqui apelante, a decisão contra legem no qual se admite a extinção da hipoteca legal válida e regularmente constituída sobre o imóvel da falida.
62. No que diz respeito à graduação dos créditos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que gozam de privilégio imobiliário geral e dos créditos garantidos por hipoteca.
63. Pode ler-se no Ac. TC referido que:
"(...) o principio da confidencialidade tributária impossibilita os particulares de previamente indacarem se as entidades com quem contratam são ou não devedoras ao Estado ou à Segurança Social (sublinhado nosso).
Ora, não estando o crédito da Segurança Social sujeito a registo, o particular que, registou o seu privilégio, uma vez instaurada a execução (sublinhado nosso), (...) pode ser confrontado com (...) a existência de um crédito da Segurança Social que frustra a fiabilidade que o registo naturalmente exerce.
(...) O princípio da confiança é violado na medida em que, gozando de privilégio de, preferência sobre direitos reais de garantia de que terceiros sejam titulares, sobre bens onerados, esses terceiros são afectados sem no entanto lhes ser acessível o conhecimento (...) da existência do crédito (sublinhados nossos) (...)"
E continua a ler-se no ponto do citado Acórdão do Tribunal Constitucional:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide declarar a inconstitucionalidade (…) por violação do principio da confiança (sublinhados nossos) das normas constantes do art. 11º do Decreto-Lei nº 103/80 de 9 de Maio e do art. 2º do Decreto-Lei nº 512/76 de 3 de Julho na interpretação segundo a qual o privilegio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca nos termos do artigo 751º do Código Civil (sublinhados nossos).
64. Salvo o devido respeito, é algo incompreensível esta graduação feita pelo Tribunal "a quo" uma vez que, o citado art. 152º do CPEREF nada dispõe relativamente às hipotecas legais constituídas por quem quer que seja, detendo-se apenas em regulamentar a extinção dos privilégios creditórios do Estado e das instituições de Segurança Social. (perfeitamente igual ao nº 50).

65. Ora se verificarmos o disposto no art. 152 do CPEREF, chegamos à conclusão de que os privilégios creditórios (também estas garantias reais consagradas no art. 733 e 744 do Código Civil), se extinguem passando os respectivos créditos a ser exigidos como comuns, excepção feita, aos que se constituem no decorrer do processo de recuperação de empresa ou de falência. (perfeitamente igual ao nº 51)
66. No douto despacho de verificação e graduação dos créditos, apenas se justificou legalmente a graduação e a consequente extinção da hipoteca legal somente pelo art. 152, não se utilizando qualquer outra fundamentacão legal; (perfeitamente igual ao nº 52)
67. Considera o apelante que o legislador não pretendeu com o normativo em causa (art. 152 do CPEREF), extinguir a hipoteca legal, pois se esse fosse o seu intuito o teria dito expressamente. (perfeitamente igual ao nº 53)
68. Considera o aqui apelante, que se o legislador entendeu não se pronunciar sobre a "admissibilidade das hipotecas legais, a interpretação correcta a fazer é que estamos perante um "caso não regulado" (intencionalmente), que não um caso omisso. (perfeitamente igual ao nº 54)
69. De acordo com o art. 9 nº 3 do Código Civil considera-se que em sede de fixação do sentido e alcance da lei, "o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos. (perfeitamente igual ao nº 55)
70. Não pode o Tribunal estender o conceito de privilégios creditórios, conceito que se usa no seu sentido próprio, de forma a abarcar outros direitos aos quais a lei lhe reconhece preferência no concurso de credores. (perfeitamente igual ao nº 56)
71. No que diz respeito às hipotecas legais, tais garantias reais, são constituídas para garantir uma obrigação e consequentemente a possibilidade de ser pago pelo valor de certos bens móveis ou imóveis, com preferência sobre os demais credores (conforme art.ºs 686, 687, 705 e 708 do Código Civil), não se podem englobar no disposto no art. 152 do CPEREF, uma vez que, salvo o devido respeito, nada na lei aplicável se prevê que aquelas se extingam com a declaração de falência. (perfeitamente igual ao nº 57)
72. Tal extinção das hipotecas legais seria desvirtuar o instituto prescrito no Código Civil, mais concretamente o disposto no art.ºs 686, 704, 705 e 708. (perfeitamente igual ao nº 58)

73. Considera inconcebível ao aqui apelante que o legislador não distinga privilégio creditório e hipoteca legal, pois o legislador apesar de querer incentivar os entes públicos a lutarem também eles pela viabilização das empresas, ponderou as vantagens e inconvenientes de ir mais o menos longe. Acabou o legislador por se ficar apenas pelos privilégios creditórios. (perfeitamente igual ao nº 59 )
74. Neste sentido ver Acórdão do STJ de 3/3/98, publicado no BMJ n.º 475 – 548, Acórdão de Revista do STJ n.º 1141/02, Acórdão do STJ de 8/2/2001, Processo 3968/00, Revista n.º 558/036. Secção do STJ, Revista 198/032. Secção do STJ, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, apelação n.º 987/02, relativo ao Processo de Falência sob o N.O. 157/99, 2º juízo do Tribunal da Comarca de Ílhavo, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Apelação n.º 243/02, relativo ao processo de falência sob o n.º 299/2000 do 4º juízo Cível do Tribunal da comarca de santa Maria da Feira. (perfeitamente igual ao nº 60)
75. Deste modo, considera o aqui apelante, a decisão contra legem, no qual se admite, a extinção da hipoteca legal válida e regularmente constituída, sobre o imóvel da falida. (perfeitamente igual ao nº 61)
76. No que diz respeito à graduação dos créditos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que gozam de privilégio imobiliário geral e dos créditos garantidos por hipoteca, legal válida e regularmente constituida sobre o imóvel da falida (perfeitamente igual ao nº 62)
77. Pode ler-se no Ac. TC referido que:
"(...) o princípio da confidencial idade tributária impossibilita os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedoras ao Estado ou à Segurança Social (sublinhado nosso).
Ora, não estando o crédito da Segurança Social sujeito a registo, o particular que registou o seu privilégio, uma vez instaurada a execução (sublinhado nosso), (...) pode ser confrontado com (...) a existência de um crédito da Segurança Social que frustra a fiabilidade que o registo naturalmente exerce.
(...) O princípio da confiança é violado na medida em que, gozando de privilégio de preferência sobre direitos reais de garantia de que terceiros sejam titulares, sobre bens onerados, esses terceiros são afectados sem, no entanto lhes ser acessível o conhecimento (...) da existência do crédito (sublinhados nossos) (...)"
E continua a ler-se no ponto IV do citado Acórdão do Tribunal Constitucional:
"Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide declarar a inconstitucionalidade (...) por violação do principio da confiança (sublinhados nossos) (...) das normas constantes do art. 11.º do Decreto-Lei nº103/80 de 9 de Maio e do art. 2º Decreto-Lei nº 512/76 de 3 de Julho na interpretação segundo a qual o privilegio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social 751º do Código Civil (sublinhados nossos). (perfeitamente igual ao nº 63)
78: Salvo o devido respeito por melhor opinião, parece-nos que a questão da inconstitucionalidade deve ter sempre por objecto normas que tenham de ser aplicadas na causa concreta, na mesma medida em que para a mesma são relevantes.
79. E aí sempre, para defesa do principio da confiança, postulando-se "um mínimo de certeza no direito das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações (...) com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar".
80. Contudo, no caso concreto, não nos parece que a inconstitucionalidade declarada tenha por objecto o artigo 152º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.
81. Nem nos parece que o Acórdão em causa seja aplicável ao processo Especial de Falência.
Senão vejamos:
82. O citado Acórdão refere-se, concreta e expressamente, ao Processo Executivo e não ao Processo Especial de Falência.
83. Não cremos, com o devido respeito, existir violação do princípio da confiança com fundamento em que terceiros são afectados sem, no entanto, lhes ser acessível o conhecimento da existência do crédito da Segurança Social, em Processo Especial de Falência.
84. Isto porque, no Processo Especial de Falência, qualquer terceiro que seja credor, só não querendo, é que não dispõe de um mínimo de certeza nos seus direitos e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, pois que, o mesmo pode, se quiser, conhecer qualquer afectação existente com ela contando moral e razoavelmente.
85. Uma vez que, e nos termos do artigo 16º CPEREF com a petição ou posteriormente, pela citação do requerido e dos próprios credores são levados aos autos falimentares todos os elementos que permitem a qualquer interessado moral e razoavelmente conhecer quais os credores da empresa que com ele contrate e ainda o montante dos débitos, uma vez que se mostra inequívoco, o conhecimento nos autos falimentares do activo e do passivo da empresa, e outros elementos a ela referentes.
86. Não nos parece assim que, exista qualquer confronto de um terceiro reclamante com a existência do crédito da Segurança Social em Processo especial de falência uma vez que, a própria empresa, em fase prévia o torna público documental e processualmente.
87. Pois só não indaga e toma conhecimento, em processo falimentar, se as entidades com quem terceiros contratam e sujeitam a este tipo de processo, são ou não devedoras à Segurança Social quem, na realidade, não o pretenda fazer.
89. O citado Acórdão refere-se, assim, concreta e expressamente ao processo executivo e não ao Processo Especial de Falência.
90. Além de que, o citado Acórdão se refere ainda, concreta, e expressamente, à inconstitucionalidade das normas constantes do art. 11º do Decreto-Lei nº 103/80 de 9 de Maio, e do art. 2º do Decreto - Lei nº 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança social prefere à hipoteca, nos termos do art. 751º do Código Civil.
91 Em lado algum se lê, ou se conclui pela inconstitucionalidade da norma constante do art. 152º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência ou da sua interpretação.
92. Pelo, que se tem de concluir pela inaplicabilidade do Ac. TC Nº 363/02, de 17/09/2002, ao Processo Especial de Falência e ao art. 152º do CPEREF legislação especial assumida pelo legislador, e que “completa uma viragem histórica, especialmente significativa sob vários aspectos, na área do processo civil executivo com sérias e benéficas repercussões na vida económica do pais” in preambulo do DL 132/93, de 23 de Abril, decreto lei este revogatório dos artigos 1135 a 1325 do Código de Processo Civil.
93 Devendo os créditos da Segurança Social protegidos pelo art. 152º CPEREF serem graduados sem preferência de hipoteca relativamente ao mesmo, em cumprimento e obediência a legislação especial, não revogada nem declarada inconstitucional.
Em resumo, deverão ser consideradas as hipotecas legais constituídas pelo apelante, na totalidade, devendo para o c feito ser graduada como crédito privilegiado, pelo produto do bem imóvel apreendido, no lugar que lhe competir, atendendo à prioridade do registo das demais hipotecas constituídas.
Deverá ser reconhecido como privilegiado o crédito excepcionado pela última parte do art. 152º do CPEREF isto é os créditos que se constituíram no decurso d) processo de recuperação da empresa, uma vez que estes gozam de privilégios creditórios do Estado, e graduado pelo produto da liquidação do bem imóvel em 3º lugar, logo após os créditos laborais graduados em 1º e 2º lugares.
Dado que é inaplicável o Ac. TC. Nº 363/02, de 17/09/2002, ao processo Especial de Falência e ao art. 152º do CPEREF.
Termina pedindo que seja alterado o despacho de verificação e graduação de créditos devendo os do IGFSS serem graduados da forma anteriormente descrita.
Não foram apresentadas contra alegações
Mostram-se colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa decidir.

THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3 do Código Processo Civil, como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial.
A questão a decidir consiste em saber se o artigo 152º do CPEREF deve ser interpretado no sentido de abranger não apenas os privilégios creditórios, mas também as hipotecas legais e princípios constitucionais subjacentes

DOS FACTOS E DO DIREITO
A matéria de facto de relevância para a decisão mostra-se exarada supra no relatório enunciado sendo aquela que se tomará em consideração para o efeito de apreciação do presente recurso
Dispõe o art. 152º do C.P.E.R.E.F., na redacção do Dec-Lei 315/98, de 15 de Outubro que:

"Com a declaração da falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação de empresa ou de falência".
A questão tem sido objecto de alguma controvérsia em termos jurisprudenciais perante duas teses em confronto.
Assim no sentido de que o art. 152º do C.P.E.R.E.F. se aplica não só aos privilégios creditórios, mas também às hipotecas legais se pronunciam Carvalho Fernandes e João Labareda, Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, Anotado, 3ª Ed. pág. 404; A. Nunes Carvalho, RDES, Janeiro/Setembro de 1995; Ac. Rel. de Coimbra de 23-1-01, Col. XXVI, 1º, pág. 17 bem como entre outros que para alem dos que foram citados igualmente deste Relação no processo em que fomos Relator nº 5226/03 da 2ª Secção e ainda do STJ de 27/5/2003 in www.dgsi.stj.pt e que de perto será seguido em toda a sua argumentação porque inteiramente se sufraga.
Todavia igualmente outro sector da doutrina e a jurisprudência designadamente do Supremo Tribunal perfilham o entendimento contrário de que o mencionado artigo 152º apenas se aplica aos privilégios creditórios (Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 1998, pág. 129; António Silva Rito, Privilégios Creditórios na nova legislação sobre Recuperação e Falência da Empresa, Revista da banca nº 27, Julho / Setembro de 1993, pág. 103 ; Ac. S.T.J. de 3-3-98, Bol. 475-548 ; Ac. S.T.J. de 8-2-01, Revista nº 3968/00; Ac. S.T.J. de 18-6-2002, Col. Ac. S.T. J., X, 2º, pág. 115).
A 1ª instância julgou no sentido da primeira das apontadas teses tendo para o efeito justificado doutamente a posição assumida com a argumentação e sustentação doutrinal que lhe é reconhecida quando refere que se extingue a hipoteca legal perante o disposto no artigo 152º, 1ª parte do CPEREF, face à ratio legis do preceito “evitar que esses credores fossem afastados de colaborar em medidas de recuperação por os seus créditos serem privilegiados e que os credores comuns em consequência se convencessem da inutilidade dos seus esforços”, quando tenha por objecto créditos constituídos antes do processo de recuperação ou de falência [neste sentido Luís A Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado, 3ª edição, pág. 404, que citam no mesmo sentido Antunes Varela, in "A Recuperação das empresas economicamente viáveis em situação financeira difícil" in RLJ 123, nº3794 e ss., pág. 203 e ss.; Lima Guerreiro, in "Os Créditos Fiscais", págs. 12 e 13, e este último autor em conjunto com Norberto Severino, in "Código dos Processos Especiais", pág. 153 e ss., sobretudo pág. 185 e ainda o acórdão desta Relação de 22/10/01 in www.trp.pt ]

E prossegue referindo, no que tange à segunda parte do citado normativo do CPEREF ou seja que com a declaração de falência extinguem-se imediatamente os privilégios creditórios do Estado, … e das instituições de segurança social, passando os respectivos créditos a ser exigíveis apenas como créditos comuns, com excepção dos créditos constituídos no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência na nova redacção conferida a este artigo pelo DL nº315/98, aplicável às acções instauradas após 20.11.98 ex vi nº2 do artigo 7º do DL nº315/98 referindo encontrarem-se entre estes últimos parte dos créditos reclamados pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que beneficiam de privilégio mobiliário e imobiliário geral nos termos dos artigos 10º e 11º do DL nº103/80, de 9 de Maio, a graduar a seguir aos derivados de impostos da titularidade do Estado e das autarquias locais referidos nos artigos 747º nº1 alínea a) e 748º do Código Civil desconsiderando a hipoteca legal e entendendo que os credores referidos no aludido preceito continuam a beneficiar delas, seria frustar a intenção legislativa.
Salvo o devido respeito pelas doutas opiniões e argumentações emitidas e sufragadas na tese contrária não vemos razão para deixar de seguir a corrente jurisprudencial que foi assumida na decisão proferida com a qual inteiramente concordamos e que vem sendo por nós igualmente assumida designadamente entre outros no Acórdão proferido no processo nº 115/04 na esteira de outros igualmente proferidos neste Tribunal de 22/10/01 in www.dgsi.trp.pt
A decisão proferida, importa dizê-lo, apenas está em consonância com o que temos defendido relativamente aos créditos dos trabalhadores concretamente no citado Acórdão supra citado de que fomos Relator e que consideramos deverem ser graduados mesmo anteriormente às hipotecas constituídas isto é, que o regime a aplicar in casu criado pelas Leis nº 17/86 de 14/6 e nº 96/2001 de 20/8 - será o previsto no artigo 751º do Código Civil.
Os privilégios consagrados no Código Civil são na verdade apenas os privilégios mobiliários gerais e especiais e os imobiliários especiais de harmonia com o disposto no artigo 735º do Código Civil, e assim o privilégio imobiliário geral criado, pelos referidos diplomas relativamente a créditos laborais, constitui uma anomalia face ao sistema jurídico vigente à data da sua introdução e daí que assim não poderia o Código Civil prever o regime jurídico da sua oponibilidade a direitos de terceiros, como fez para os privilégios gerais de acordo com o 749° do mesmo código e, bem assim, para o privilégio imobiliário.
Não prevendo a lei especial que criou tal privilégio imobiliário geral o referido regime jurídico, então tem de procurar-se na lei geral se dele resulta um regime que se aplique directamente e, para a hipótese de este não existir, então tem de procurar-se nela o regime aplicável que mais se aproxime, tendo em conta o disposto no nº2 o art. 1º da Lei nº 17/86 já citada em que se determina a aplicabilidade da lei geral em tudo o que nela se não encontra especialmente previsto.
Assim e em sustentação do que vem de ser dito cremos que não poderá deixar de ser o regime previsto no artigo 751º do Código Civil porque face ao objecto do privilégio imobiliário - imóveis - é neste que se regula a preferência relativamente a outras garantias susceptíveis de terem como seu objecto um imóvel, constituindo este, por isso, o regime mais próximo.
Existe uma “particular relação de proximidade entre o objecto da garantia - património do devedor (empresa) - e o crédito garantido, na medida em que a prestação laboral que dá origem ao crédito (salário) contribui, se não directamente, pelo menos indirectamente, para a criação e aumento ou, no mínimo, para a conservação e manutenção daquele património (empresarial ou societário), encontrando-se também neste privilégio imobiliário, apesar da sua designação como geral, a especificidade e motivos que justificaram os privilégios imobiliários previstos no Código Civil, admitindo-se que o legislador especial tenha designado aquele privilégio imobiliário como geral por experimentar, face à função e alguma indefinição do património da empresa, dificuldade em o determinar de forma concreta e permanente.”
Importa referir en passant que o disposto no nº3 al. b) do artigo 12º da Lei nº 17/86, e nº4 al.b) do art. 4º da Lei nº 96/2001 impõem a aplicabilidade do regime previsto no artigo 751º do Código Civil ao privilégio imobiliário por eles criado, dado que determina que a graduação do crédito por ele garantido haverá de efectuar-se à frente dos créditos mencionados no art. 748º do mesmo diploma e que beneficiam de privilégio imobiliário especial.
O contrário, ou seja, a não aplicação do regime do artigo 751º do Código Civil, determinaria uma dificuldade de conjugação de tais normativos sempre que houvesse que proceder à graduação de créditos privilegiados e referidos no art. 748º, créditos garantidos por hipoteca e créditos por salários em atraso, na medida em que estes cederiam, então, perante a hipoteca e aqueles teriam de ficar à frente da hipoteca por força do art. 751º do que não podia deixar de se lhe aplicar, tornando-se deste modo plenamente ineficazes as normas contidas nos art.12º nº3 al.b) da Lei nº17/86 e 4º nº4 al.b) da Lei nº 96/2001, relegados que ficariam os créditos por salários em atraso para depois da hipoteca e, por consequência, para depois dos créditos referidos no artigo 748º do C Civil, prejudicando ou impedindo a aplicabilidade de tais preceitos legais.
Finalmente importa referir o último diploma trazido à estampa o Código de Trabalho publicado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto que no artigo 21º nº2 als. e) e t) que revogam expressa e respectivamente as citadas Lei nº 17/86 Lei nº 96/2001 e no seu artigo 377º estatui que
“1. Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
2. A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747º do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no art. 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social.”
É inequívoco que através deste regime o legislador exclui a divergência que se instalou com as referidas leis para garantir o pagamento das retribuições que são devidas aos trabalhadores e toma claramente posição directa quanto ao regime jurídico de oponibilidade de tais privilégios aos direitos de terceiros, recolocando-se sob a orientação seguida pelo Código Civil, isto é de que os privilégios imobiliários são sempre especiais, cumprindo o que, com aquelas Leis e este Código de Trabalho, se determina no citado art. 59º nº 3 da CRP pese embora refira-se que malogradamente o conceito utilizado para determinar os “imóveis” fica uma vez mais sujeito a novas discussões doutrinais e jurisprudências para o seu preenchimento valorativo.
Concluindo, ao privilégio imobiliário geral previsto nos arts. 12º nº 1 al. b) da Lei nº 17/86, de 14/6 e 4º nº1 al. b) da Lei nº 96/2001, de 20/8, aplica-se o regime jurídico previsto no art. 751º do Código Civil, pelo que a sentença sob recurso não merece qualquer censura quanto a tal aspecto pelo, consequentemente e neste segmento improcede a apelação

Quanto à questão da inconstitucionalidade que o Apelante suscita relativamente à forma e modo interpretativo das normas dos diplomas aludidos na decisão proferida e que como vimos é sufragada por colocar em crise a segurança do comércio jurídico imobiliário e violar, assim, o princípio da confiança dos particulares importa dizer o seguinte:
Não restam dúvidas que a prevalência do privilégio ocorre independentemente de registo - Cfr. artigo 733º do Código Civil - e assim os credores do devedor, com garantias sobre os bens imóveis deste, poderão ver-se confrontados com o concurso e prevalência de outros créditos sobre os mesmos bens do devedor cuja existência desconheciam, pondo-se em crise os valores inerentes à garantia - hipoteca – que foi constituída com vista à obtenção do pagamento dos respectivos créditos.
Com fundamento na violação do principio da confiança o recorrente citando o Acórdão do Tribunal Constitucional que se pronunciou sobre o mesmo e que perante alguns casos já atingiu e fixou carácter de força obrigatória geral concretamente nos nº 362/2002 de 17/9/02, publicado no DR de 16/10/02 e, pelo Acórdão nº 363/2002 da mesma data publicado também no referido diploma o que é invocado em que, de igual forma, se declara a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, das normas constantes do artigo 11° do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2º do Decreto-Lei nº 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil.
Todavia importa dizê-lo sobre a concreta questão dos autos, já o Tribunal Constitucional se pronunciou ainda que não com força obrigatória geral, através do Acórdão nº 498/2003/T. Constitucional - processo nº 317/2002 de 22 de Outubro de 2003 publicado no DR II Série nº 2 de 3 de Janeiro de 2004 donde se passa a transcrever o seguinte excerto:
“ ….parece manifesto que a limitação à confiança resultante do registo é um meio adequado e necessário à salvaguarda do direito dos trabalhadores à retribuição; na verdade, será eventualmente, o único e derradeiro meio, numa situação de falência da entidade empregadora, de assegurar a efectivação de um direito fundamental dos trabalhadores que visa a respectiva sobrevivência condigna'.
Muito embora a falência da entidade empregadora seja também a falência da entidade devedora, é precisamente este último aspecto; ou seja, a retribuição como forma de assegurar a sobrevivência condigna dos trabalhadores, que permitiria justificar em face da Constituição a solução da norma impugnada, na interpretação aludida.”
E prossegue relativamente à questão que igualmente se suscita nos autos relativa às dos créditos indemnizatórios referindo e passamos de novo a citar:
“Mas esta consideração carece de ser confrontada com outros aspectos, em particular, com o âmbito da tutela constitucional da retribuição (artigo 59º nº 1, al a), da Constituição), para saber se incide apenas sobre o direito ao salário ou abrange também de modo mais geral, os créditos indemnizatórios emergentes do despedimento.
Ora, a verdade é que não se descortinam quaisquer razões que justifiquem uma interpretação do direito constitucional à retribuição dos trabalhadores no sentido de vedar ao legislador ordinário a equiparação, para o efeito agora em análise, da tutela conferida a ambos os créditos.
No fundo, é manifesto que o crédito à indemnização desempenha uma evidente função de substituição do direito ao salário perdido.
Acresce ainda que a inclusão, repita-se, para o efeito agora em causa, do direito ao salário e do direito à indemnização por despedimento no âmbito da tutela constitucional do direito à retribuição é a que mais se ajusta à referência constitucional a uma existência condigna, exprimindo o que João Leal Amado (ob. cit., pág. 22) designa por carácter alimentar e não meramente patrimonial do crédito salarial, neste sentido (ou seja, no confronto com os créditos dos titulares de direitos reais de garantia levados ao registo)…”
Sufragando e subscrevendo inteiramente o que vem de ser citado relativamente ao mencionado Acórdão, e sendo certo que, melhor por nós não é possível dizer, importa apenas concluir que no sentido referido de inexistência da invocada inconstitucionalidade resultante da aplicabilidade do ano 751º ao privilégio imobiliário geral introduzido pela al. b) do nº 1 do ano 12º da Lei 17/86 de 14/6 e pela al. b) do nº1 do artigo 4º da Lei nº 96/2001 de 20/8, na medida em que se confrontam dois princípios de dimensão constitucional, o da confiança e do direito do trabalhador ao salário e a uma sobrevivência condigna, devendo este preferir àquele já que se trata de um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias

DELIBERAÇÃO
Na conformidade do que vem de ser exposto perante a improcedência das conclusões do Apelante confirma-se a decisão proferida considerando-se igualmente inexistir na interpretação concedida aos normativos em causa e objecto de aplicação in casu qualquer vício de inconstitucionalidade.
Sem custas por delas estar isento Apelante

Porto, 28 de Junho de 2005
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes
Emídio José da Costa