Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FILIPE CAROÇO | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA ERRO SOBRE O OBJECTO DO NEGÓCIO ERRO SOBRE AS CIRCUNSTÂNCIAS | ||
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Nº do Documento: | RP201112205247/09.1TBVNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/20/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Para efeitos de erro-vício sobre o objecto do negócio, compete ao contraente enganado fazer prova não só da essencialidade do erro sob o aspecto subjectivo do errante, mas também de que o declaratário conhecia ou não devia ignorar essa essencialidade, sendo indiferente que ele conheça ou não o erro. II - O erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio só produz a anulabilidade deste havendo engano declarado ou provando-se pelas circunstâncias do contrato, conhecidas da outra parte, que só por essa razão e não por outra contratara, pelo que há-de tratar-se de um erro bilateral sobre condições patentemente fundamentais do negócio jurídico. III - Para obter a anulação de um contrato-promessa de compra e venda de um prédio por erro sobre o objecto, não basta ao promitente-comprador alegar e provar que, por força de um regulamento municipal, não poderia concretizar a afectação do imóvel a um fim por ele previamente determinado e que era do conhecimento do promitente-vendedor à data da celebração da promessa, sendo indispensável que demonstre que o último conhecia ou não devia ignorar que sem aquela aptidão legal o prédio não interessava ao adquirente e este não teria celebrado o negócio ou tê-lo-ia celebrado de modo essencialmente diferente. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 5247/09.1TBVNG.P1 – 3ª Secção (apelação) Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Pinto de Almeida Adj. Desemb. Maria Amália Santos Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B…, viúva, e C…, solteira, maior, ambas residentes na Rua …, nº …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, D… e mulher, E…, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na …, nº ., …, A Corunha, Espanha, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra F…, LDA.”, Sociedade Comercial por Quotas, com sede na Rua …, nº .., freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, Pessoa Colectiva nº ………, alegando essencialmente que, sendo donos de um prédio rústico, a primeira A. e o seu falecido marido prometerem vendê-lo à R. em Junho de 2001, dela recebendo sinal e princípio de pagamento. A escritura de compra e venda deveria ser outorgada até ao dia 30.4.2006 em local a designar pela demandada, tendo ficado acordado que haveria incumprimento definitivo do contrato, sem necessidade de qualquer novo prazo ou data para o incumprimento, a não outorga da escritura pública prometida na data fixada. A pedido da R., as partes adiaram a realização da escritura pública para Setembro de 2006, mas, ao contrário do estabelecido, aquela promitente deixou de fazer o reforço do sinal, o que levou a A. a notificar a R. para que procedesse à marcação da escritura pública até 30 de Setembro de 2006, o que ela não cumpriu; antes aduziu argumentos, designadamente restrições de afectação e utilização do terreno, para que o contrato definitivo não fosse celebrado ou houvesse lugar a redução do preço. Porém, a R. ocupa o prédio desde a data do contrato-promessa, conhece-o bem e as suas condições. Face à recusa da R., os A.A. marcaram a escritura para o dia 17.11.2006, notificando a R. para comparência, sob pena de se considerar definitivamente não cumprido o contrato-promessa, mas ela faltou. Após vicissitudes várias, designadamente com a realização de um levantamento topográfico ao prédio, ficou demonstrada a falta de fundamento da recusa da R. em celebrar a compra e venda. Ainda assim, as A.A. marcaram nova data (30.4.2009) para o efeito, notificando mais uma vez a R. sob pena de incumprimento definitivo e resolução do contrato, que, mais uma vez faltou. Além do reconhecimento da validade e eficácia da resolução contratual, com direito a fazer suas as quantias recebidas a título de sinal, a recuperar o prédio para a sua posse, livre de pessoas e bens, os A.A. invocam também o dever da R. de demolir as obras nele executadas, com reposição do prédio no estado anterior, o seu direito a indemnização pela realização das obras e pela reposição do terreno caso a R. a não faça. Além disso, acham-se também no direito a uma outra indemnização pelo valor do rendimento que deixaram de obter do prédio numa utilização normal, em razão da sua ocupação abusiva, por parte da demandada, desde a data da resolução contratual (30.4.2009) ou, pelo menos, desde a data da citação, pelo valor locativo mensal de € 1.366,00, até à data da sua entrega efectiva. Deduziu o seguinte pedido, ipsis verbis: «NESTES TERMOS e nos mais de Direito, deve a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada e, em consequência: A. Ser a R. condenada a reconhecer os A.A. como donos e legítimos proprietários do prédio rústico supra identificado no ponto 1° desta P.I.; B. Ser declarado que em 30 de Abril de 2009 o Contrato-Promessa de Compra e Venda de 18 de Junho de 2001 foi resolvido de forma válida, lícita e eficaz, com todas as consequências legais; C. Ser reconhecido o direito dos A.A. fazer sua a quantia de 159.616,00 Euros recebida a título de sinal; D. Ser a R. condenada a demolir e remover as obras (muro e aterro) que implantou no prédio rústico dos A.A. e a repor o terreno no estado em que se encontrava antes destas obras, no prazo de 15 (quinze) dias. E. Ser a R. condenada a restituir aos A.A. o prédio rústico sub judice, livre de pessoas e bens; F. Ser a R. condenada a pagar aos A.A. indemnização pelos prejuízos patrimoniais sofridos a liquidar em execução de sentença. G. Ser a R. condenada a pagar a quantia de 1.366,00 Euros por cada mês que decorrer desde 30 de Abril de 2009, ou caso assim não seja entendido, desde a citação e até a efectiva entrega do prédio aos A.A. H. Ser a R. condenada nas custas do processo, procuradoria condigna e no mais de Lei.» Citada, a R. contestou a acção, deduzindo também reconvenção. Por excepção, invocou erro sobre o objecto do negócio. Alega que os promitentes-vendedores sabiam que a R. queria afectar o terreno a um depósito de sucatas e necessitava de um financiamento bancário para pagamento do preço, sem o que não teria qualquer interesse na celebração do negócio. Porém, a instituição de crédito recusou o financiamento com base no facto do prédio se encontrar localizado em denominada Reserva Agrícola Nacional, razão pela qual nenhuma edificação nem tampouco a actividade pretendida (depósito de sucata) ali poderia ser empreendida. Ainda assim, a R. manifestou junto dos A.A. a sua intenção de concretizar o negócio ou, em alternativa, a resolução consensual do mesmo. A limitação resultante da impossibilidade de utilização do terreno para a finalidade evidenciada supra, onera sobremaneira a R., originando a diminuição do valor do prédio rústico, desencadeando um erro que bem se pode dizer que atinge os motivos determinantes da vontade. Os A.A. não lhe forneceram os dados relativos à situação do prédio, sito na RAN e a operacionalidade do prédio para o fim a que a R. o pretendia destinar era condição necessária da formação da vontade negocial daquela, esclarecida e livre. Os A.A. violaram o seu dever de informação e foi a causa do erro da R., qualificado por dolo. Tratando-se de qualidades substanciais e relevantes do terreno, o negócio deve ser anulado, devendo ser restituído o que foi prestado por cada uma das partes. A R. ainda impugnou parcialmente os factos alegados pelos A.A. insistindo pela situação do prédio na RAN e acrescentando que tem uma área mais reduzida do que a que foi apontada pelos promitentes-vendedores. A R. sempre mostrou vontade séria em cumprir com o acordado e realizar o negócio, com redução do preço aceite pela A. e o marido (então ainda vivo). Na reconvenção, invocam que foram os A.A. que não cumpriram o contrato-promessa e estão em mora, devendo restituir as quantias já pagas pela R. que não contava com as limitações da RAN nem com uma redução na ocupação imposta pela obrigatoriedade de recuar 7 metros junto à linha da estrada. Em qualquer caso, há uma alteração de circunstâncias que determina a correcção do valor das prestações. Termina com o seguinte pedido reconvencional, ipsis verbis: «Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exª: 1- Devem ser julgados improcedentes por não provados os pedidos deduzidos pelos A.A. 2 – Deve ser julgada provada e procedente a invocada excepção peremptória “erro sobre o objecto do negócio”, com as demais consequências legais; 3- Sem prescindir, deve ser julgado procedente por provado o pedido reconvencional deduzido pela R.: resolução do contrato devido ao incumprimento dos A.A. ou, modificação do contrato por alteração das circunstâncias segundo juízos de equidade, com as demais consequências legais. 4- Devem os A.A. ser condenados no pagamento das custas, procuradoria e honorários da mandatária da Ré.» Os A.A. replicaram, opondo-se à matéria de excepção e à reconvenção, argumentando no sentido da inexistência de qualquer condição na celebração do contrato-promessa, de qualquer erro ou alteração de circunstâncias. Se a R., consciente da finalidade para a qual pretendia o prédio, e a ser verdade tal pretensão, tivesse sido minimamente diligente e responsável como devia e podia, teria confirmado tal informação --- informação esta pública e facilmente acessível a qualquer cidadão --- quer através de consulta directa do PDM quer através de um pedido de informação prévia junto da Câmara Municipal. E acrescenta que a R. está a ocupar o prédio desde a data da celebração do contrato-promessa, com estacionamento de veículos, tendo sido sempre do seu perfeito conhecimento todas as características e condicionantes do prédio (designadamente a sua localização e confrontação a Norte com a A1/IC2, A1/IP1). Negam ainda que tenha havido qualquer renegociação do contrato-promessa, designadamente com redução do preço. Acrescentam que a área real do prédio até é superior à que consta do contrato-promessa, mesmo com as limitações impostas junto à linha de estrada. Também em matéria de reconvenção, os A.A. reafirmam que o incumprimento do contrato se deve exclusivamente a culpa da R. e que não há qualquer alteração de circunstâncias, devendo aquela ser julgada improcedente. Na perspectiva dos A.A., a R. alega factos cuja falsidade conhece, fazendo uso indevido dos meios processuais para obter resultados que sabe a eles não ter direito, litigando de má fé. E concluem pela reafirmação do sentido da petição inicial, e de que devem as excepções e os pedidos reconvencionais deduzidos pela R., bem como os restantes pedidos, ser considerados improcedentes, por não provados, com todas as legais consequências. E, em qualquer caso, a R. condenada como litigante de má fé em multa e indemnização a favor dos A.A. Fixado o valor à causa e dispensada a realização da audiência preliminar, foram elaborados os factos assentes e a base instrutória, não tendo as partes apresentado qualquer reclamação. Instruída a causa, designadamente com a realização de uma perícia, teve lugar a audiência de julgamento que culminou com respostas fundamentadas às questões de facto enunciadas na base instrutória, não tendo sido apresentada qualquer reclamação. Nessa sequência, foi proferida sentença cujo segmento decisório se transcreve: «Nos termos expostos, julgo parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção e, em consequência: 1º declaro validamente resolvido pelos AA, em 30 de Abril de 2009, o contrato promessa de compra e venda celebrado com a Ré em 18 de Junho de 2001; 2º reconheço aos AA o direito de fazer sua a quantia de € 159.616,00 entregue pela Ré a título de sinal; 3º condeno a Ré a entregar aos AA o prédio rústico, denominado “G…”, correspondente a terreno de cultura, sito no …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial respectiva sob o Artigo 271 e descrito sob o Nº 04046/191197 na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia no estado em que se encontrava em 18 de Junho de 2001; 4º condeno a Ré a pagar aos AA a quantia mensal de € 1.366,00 (mil trezentos e sessenta e seis euros) contada desde Maio de 2009 até à entrega do prédio nos termos supra descritos; 5º absolvo a Ré do demais peticionado; 6º absolvo os AA do pedido reconvencional. Custas da acção a cargo dos AA e Ré, na proporção de 1/6 e 5/6, respectivamente, e da reconvenção a cargo da R.». Inconformada, recorreu a R., por apelação, em matéria de facto e de Direito, concluindo o recurso nos seguintes termos: «1 - Não pode a ora Recorrente conformar-se, com a decisão do Tribunal “a quo”. Pois que a prova produzida em audiência de julgamento e os documentos juntos aos autos impunham decisão diversa. 2 - O Meritíssimo Juiz “a quo” deu como não provados os factos, constantes da base instrutória, como quesitos 5, 15, 17, 19, 21, 22, 23 e 24 os quais impunham uma resposta diferente. 3 – Quanto ao quesito n.º 5, com base no depoimento do representante legal da Ré (ficheiro áudio – 20110318094924_555700_65309 – 4.23 até 4.55) e da testemunha I… (ficheiro áudio 20110516094034_555700_65309 – 5.44 até 6.25) conclui-se que a Ré apenas ocupou (e fruiu) dos autos em Outubro de 2001. Facto que também foi sugerido pela testemunha H… (cd.ficheiro audio 20110318103509_555700_65309 – 3.21 até 4.03). 4 - Por outro lado, resulta do depoimento do representante legal da Ré o facto de esta desconhecer a imposição legal de recuo de 7 metros para lograr vedar o terreno assim como é por este referido que não viu nem lhe foram mostrados quaisquer documentos antes da assinatura do contrato (cd.ficheiro audio– 20110318094924_555700_65309 – 15.06 até 15.30). 5 - A testemunha I… confirmou também que a Ré não tinha conhecimento, aquando da celebração do contrato promessa, que para vedar o terreno teria que ocorrer um recuo de 7 metros e que só quando o Município notificou a Ré da admissão de licenciamento é que tal informação lhes foi veiculada, altura em que terão contactado com a 1ª Autora (cd.ficheiro áudio 20110516094034_555700_65309 – 1.30 até 2.22; 04 até 4.30 e 6.28 a 7.50). 6 - Acresce, ainda, que a Ré desconhecia (quando celebrou o contrato promessa) uma outra característica do imóvel: a de que naquele local não poderia depositar os seus veículos. 7 - Tal desconhecimento resulta claro do facto de a Ré ter requerido junto do Município de Gaia licenciamento para parque de resguardo de viaturas da empresa e esta pretensão lhe ter sido indeferida por o uso do terreno dos autos estar associado apenas à utilização agrícola ou florestal – senão veja-se o documento junto pelos AA. para prova do art. 14º dos quesitos (requerimento junto em 14/12/2009). 8 - Igualmente atente-se no documento junto aos autos em audiência de discussão e julgamento, emitido pela Câmara Municipal …, atesta que nenhuma edificação, nem tampouco a actividade pretendida (ver quesito 20 dado como provado) ali poderia ser empreendida. 9 - Pelo que terá que resultar provado que, por um lado a Ré não está a ocupar nem a fruir do terreno desde 18/Junho/2001 e, por outro, que não eram do perfeito conhecimento da Ré todas as condicionantes do prédio antes da outorga do contrato promessa dos autos. 10 – Quanto ao quesito 15º, no que refere ao alegado valor locativo do terreno, o Tribunal a quo fundou o seu entendimento no depoimento da testemunha J… e no relatório por si subscrito (fls. 114 a 119). Porém, a avaliação em causa parte de uma premissa errada e desajustada da realidade dos factos que inquina todo o raciocínio desenvolvido a posteriori e se traduz numa conclusão inaceitável. 11 - Ora, como resulta do documento junto pelos AA. para prova do art. 14º dos quesitos (requerimento junto em 14/12/2009) e do documento junto aos autos em audiência de discussão e julgamento, emitido pela Câmara Municipal …, o terreno em questão encontra-se classificado no Plano Director Municipal como área não urbana de transformação condicionada (área agrícola não classificada ou área com uso florestal sem implantação legal de construções de qualquer tipo para além das de apoio agrícola), de modo que a utilização do terreno como parque de estacionamento de veículos está absolutamente vedada. 12 - Por outro lado resultou do depoimento da testemunha I… que no terreno foi desaproveitada uma grande área (em resultado do recuo de 7 metros) pois não é possível aos camiões, dada a sua dimensão fazer manobras no local (cd. ficheiro áudio 20110516094034_555700_65309 – 10.00 até 10.49.). 13 - Por esta razão, não poderia nem pode considerar-se que está presentemente a ser rentabilizada para a Máxima e Melhor utilização como estaleiro/parque auto, porque na verdade não o está. 14 - Nem muito menos, como refere o relatório, num contexto de utilização legal e fisicamente possível maximiza o valor do imóvel em apreço (...) em rentabilidade de espaço. 15 - Assim sendo, só pode concluir-se que os AA. jamais arrendariam o imóvel para a utilização que a R. lhe vinha dando, ficando também afastada a afirmação segundo qual o valor locativo do imóvel naquele local e para aquela actividade é o aventado pelo Sr. Perito. 16 - De modo que deveria ter sido dado como não provado que o valor locativo do imóvel (mensalmente) é de 1366,00 Euros. 17 – Quanto ao quesito n.º 17 diga-se que a testemunha H… referiu que, aquando das negociações a ele respeitantes, era seu conhecimento e naturalmente das partes envolvidas que a compra do terreno se destinava somente a parque e para reboque de carros acidentados (ficheiro audio 20110318102257_555700_65309 – 3.10 a 3.27; cd. Ficheiro áudio 20110318103509_555700_65309 – 5.31 até 6.17) 18 - Igualmente a testemunha I…, confirmou que o que a empresa pretendia, ao comprar o terreno dos autos, era fazer ali um parque automóvel, pronto-socorro, veículos avariados mais acrescentando a dado momento que a finalidade na compra do terreno sempre foi aquela somente e que quem o prometeu vender tinha disso perfeito conhecimento. Referiu ainda que, o mediador imobiliário, mostrou na altura das negociações um projecto de licenciamento que havia sido instruído pelos promitentes vendedores junto da Câmara Municipal, para construção de moradias em banda, o qual veio recusado, tendo afirmado junto da aqui Ré que não seria assim possível construir no terreno mas, sendo a finalidade da Ré a utilização daquele para parque de estacionamento, nenhum impedimento resultará (Ficheiro audio 20110516094034_555700_65309 – 10.00 até 11.40.) 19 - Assim sendo, não pode aceitar-se que a resposta ao quesito identificado tenha sido a de não provado, sendo que como se viu se impunha resposta contrária – a de Provado. 20 – Quanto ao quesito n.º 20, a testemunha I… refere no respectivo depoimento que para liquidar o montante ainda em falta para a compra do terreno dos autos a Ré solicitou ao Banco K… um crédito, sendo que após avaliação do assunto pela instituição financeira, esta rejeitou o pedido argumentando que o terreno carecia de qualquer valor idóneo a servir de garantia, dado ali não poder ser concretizada qualquer construção: cd –Ficheiro áudio 20110516094034_555700_65309 – 12.09 até 14.23. 21 - Igualmente, o documento junto aos autos em audiência de discussão e julgamento, emitido pela Câmara Municipal …, atesta que nenhuma edificação, nem tampouco a actividade pretendida (ver quesito 20 dado como provado) ali poderia ser empreendida. De resto consta expressamente no aludido documento que: o terreno em questão encontra-se classificado no Plano Director Municipal como área não urbana de transformação condicionada (...) que correspondem na generalidade a áreas agrícolas não classificadas ou áreas com uso florestal, sem implantação legal de construções de qualquer tipo para além das de apoio agrícola (...) de modo que a utilização que está a ser conferida ao terreno como parque de estacionamento de veículos ligeiros e veículos destinados a reboque de outros veículos (....) criam condições de incompatibilidade ao nível da utilização prevista para as áreas não urbanas de transformação condicionada. 22 - Assim sendo e mesmo que se não entenda como provada a recusa do banco ao crédito, sempre terá resultado provado o facto de que o prédio se encontra localizado em zona em que nenhuma edificação é permitida, isto é, zona de reserva agrícola, e nem tampouco a actividade pretendida (ver quesito 20 dado como provado) pode ali ser empreendida. 23 – Quanto ao quesito 21 também este quesito deveria ter sido dado como provado. 24 - Primeiro porque a Ré requereu junto do Município … licenciamento para parque de resguardo de viaturas da empresa e esta pretensão acabou por lhe ter sido indeferida por o uso do terreno dos autos estar associado apenas à utilização agrícola ou florestal – senão veja-se o documento junto pelos AA. para prova do art. 14º dos quesitos (requerimento junto em 14/12/2009). 25 - Depois porque - atente-se no documento junto aos autos em audiência de discussão e julgamento, emitido pela Câmara Municipal … - nenhuma edificação, nem tampouco a actividade pretendida (ver quesito 20 dado como provado) ali poderia ser empreendida. 26 – Quanto ao quesito número 22, dir-se-á que resulta do documento n.º 17 junto com a Petição Inicial que apenas na sequência do indeferimento de requerimento de licenciamento para vedação dirigido pela Ré ao IEP é que esta última teve conhecimento do recuo de 7 metros. Na verdade, resulta daquele documento que em 16/09/2003 a Ré requereu a licença para vedação do terreno e em 23/02/2004 o IEP indeferiu aquele pedido mais informando que "a vedação tem que ser implantada ao alinhamento mínimo de 7m da zona da auto-estrada". 27 - Do documento n.º 8 junto com a PI – carta endereçada à 1º A. pela Ré em 7/09/2006 – esta última volta a informa-la precisamente desse circunstancialismo. 28 - Igual conclusão se retira dos depoimentos produzidos em audiência de discussão e julgamento. 29 - O representante legal da Ré afirma que desconhecia a imposição legal de recuo de 7 metros para lograr vedar o terreno: cd. Ficheiro audio 20110318094924_555700_65309 – 14.00 a 14.30 30 - A testemunha I… confirmou também que a Ré não tinha conhecimento, aquando da celebração do contrato promessa, que para vedar o terreno teria que ocorrer um recuo de 7 metros e que só quando o Município notificou a Ré da admissão de licenciamento é que tal informação lhes foi veiculada, altura em que terão contactado com a 1ª Autora. (cd. ficheiro áudio 20110516094034_555700_65309 - 1.30 até 2.22; 04 até 4.30 e 6.28 a 7.50) 31 - Impunha-se, assim, que a resposta dada ao quesito ora em apreço deveria ter sido “Provado” 32 – Quanto aos quesitos número 23 e 24, temos que o representante legal da Ré, no âmbito do respectivo depoimento de parte, afirma que em face do recuo de 7 metros para vedação do terreno conversou com a primeira autora, a qual lhe deu conta de que falaria com os filhos por forma a que as partes chegassem a um acordo de redução do preço de venda do imóvel, razão pela qual manteve os pagamentos mensais: Ficheiro audio 20110318094924_555700_65309 – 00.02 a 04.08 32 - Igualmente, a testemunha I…, confirmou que foi comunicada à primeira autora e sua filha a circunstância do recuo de 7 metros, que foi também comunicada ao mediador imobiliário, sendo que terá sido o facto de a primeira autora aceder em renegociar o valor da compra do imóvel (em virtude da redução do terreno em cerca de 25%) que os pagamentos mensais continuaram a ser realizados: cd. ficheiro audio 20110516094034_555700_65309 – 01.30 a 01.48 e 02.40 a 03.20 a 04.30; 22.50 até 24.35 33 - Dada a fundamentação da decisão de direito e uma vez que a decisão sobre a matéria de facto dessa mesma questão deve ser negativa, carece então de fundamentação fáctica a decisão de direito proferida ao julgar procedentes os pedidos dos AA. 34 - Verificou-se erro por parte dos R. sobre o objecto do negócio, o que recai no âmbito de aplicação do art. 251º do C.C. que comina com a anulabilidade o negócio assim efectuado. 35 - Ficou provado que a R., ao celebrar o contrato promessa de compra e venda do prédio dos autos incorreu em erro que assumiu um papel determinante na decisão de contratar, porquanto apenas o celebrou por estar convencida de que naquele local podia depositar os seus veículos. 36 - Efectivamente, a limitação resultante da impossibilidade de utilização do terreno para a finalidade evidenciada supra, onera sobremaneira os R., originando a diminuição do valor do prédio rústico dos autos, desencadeando um erro que bem se pode dizer que atinge os motivos determinantes da vontade. 37 - A representação que a R. fez da utilização a afectar ao bem, baseada na escassez de elementos de que dispunha, devido à sonegação dos dados que os A. não lhe forneceram sobre a situação do prédio, sito em zona non aedificandi, foi absolutamente determinante para a formação da decisão de contratar, o que não teria de todo acontecido se estivesse a par das referidas circunstancias. 38 - A operacionalidade do prédio para o fim a que a R. o pretendia destinar era, pois, condição necessária da formação da vontade negocial daquela – esclarecida e livre. 39 - Por seu turno os A. tinham um especial dever de informação da R., mais do que um dever os AA., tinham a obrigação de ter informado a R. de que o prédio dos autos esta localizado em zona de reserva agrícola/non aedificandi e por isso não pode ser usado para qualquer edificação, 40 -É manifesto que os A. não podiam nem deviam ignorar a essencialidade, para a R. do elemento sobre que incidiu o erro, porquanto tal implicava e implica uma muito considerável diminuição do valor do prédio, desde logo claramente inoperacional para o fim pretendido. 41 - O comportamento dos A. foi, assim, causa de erro dos autores, qualificado por dolo. 42 - Estando perante de um erro que incidiu sobre as qualidades do prédio, as condições factuais e jurídicas que, pela sua natureza e extensão, influem no valor ou no préstimo desse bem, tratando-se de qualidades substanciais e relevantes, são estas dotadas de potencialidade anulatória do erro verificado. 43 - Pelo que, nos termos do preceituado no art. 289 n.º1 do C.C. deveria ter sido ser anulado o negócio com efeitos retroactivos, devendo ser restituído tudo o que foi prestado. 44 - Sendo que o Tribunal violou o art. 251º, art. 247º e o art.º 289 do C.C.. 45 – Ainda que assim não se entenda, então sempre deveria o tribunal a quo ter fixado o preço a pagar pela R. nos termos do art. 437º do C.C. segundo o qual: se as circunstancias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 46 - Efectivamente, ficou demonstrado que a R. apenas celebrou o contrato dos autos perspectivando a utilização do terreno para parqueamento de viaturas sinistradas e rebocadas, o que não é possível dada a natureza do prédio, 47 - para além do facto de que legitimamente contava a utilização integral da área prevista no respectivo clausulado, o que também não é possível dada a obrigatoriedade de recuo de 7 metros. 48 - Sem aquelas qualidades o prédio não tem o valor patrimonial alcançado pelas partes aquando da celebração do contrato promessa. 49 - Pelo que, sem prescindir o tribunal a quo deveria ter ele próprio fixado o preço a pagar pela R., tendo assim violado o art. 437º do C.C.. 50 - Refira-se ainda que, o Tribunal a quo, ao ter condenado a R. ao pagamento da quantia mensal de 1.366,00 até à entrega do prédio com base, de mais a mais, num relatório que como se aventou supra, manifestamente se reporta a circunstâncias de facto de todo desfasadas da realidade, violou o princípio constitucional da proporcionalidade e da proibição do excesso. 51 - É que, a Ré comprou um terreno que por um lado viu reduzido em virtude da imposição legal de um recuo de 7 metros e, mais grave, comprou um terreno no qual estava impedida de desenvolver a sua actividade, para prossecução da qual o pretendeu adquirir, e que portanto de nada lhe serviria, tudo circunstâncias que desconhecia aquando da outorga do contrato promessa. 52 - Tendo pago mais de metade do valor final acordado! 53 - Ora, in casu, a Ré liquidou mais de metade do valor de venda do imóvel, e não pode usufruir do mesmo (como ficou sobejamente provado). Por seu turno a A. beneficiou do recebimento daquele montante. Jamais teria logrado arrendar o imóvel durante o período de tempo que decorreu entre o contrato promessa e esta data, atendendo às limitações decorrentes da natureza da sua localização. 54 - Será justo, adequado, necessário, proporcional condenar a Ré a pagar, para além de todos os montantes já entregues, valores atinentes a rendas? 55 - Quando, para além de o valor alcançado a esse respeito não ser adequando, ainda por cima não usufruiu do bem? 56 - Cremos que não e que o Tribunal a quo violou o princípio da proporcionalidade que deve nortear a função judicial (art. 266º da CRP).» (sic) Pugna, assim, pela revogação da decisão recorrida. * As A.A. ofereceram contra-alegações, onde concluíram assim:«1. – A matéria de facto foi correctamente decidida e não deverá ser alterada. 2. – A douta decisão ora recorrida não violou qualquer disposição legal.» * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. As questões a decidir --- excepção feita para o que é do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação da R., acima transcritas (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 685º-Aº do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto. O recurso versará sobre o conteúdo da decisão recorrida e não sobre matéria nova. Não pode este tribunal ad quem conhecer de questões que não tenham sido suscitadas na 1ª instância, sob pena de violação do princípio do duplo grau de jurisdição. A- Feita esta chamada, importa conhecer da impugnação da matéria de facto ou, de modo mais preciso, averiguar se os quesitos nºs 5, 15, 17, 19, 21, 22, 23 e 24, por erro de julgamento não tiveram --- e deveriam ter tido --- resposta diferente, designadamente com base nos documentos, no depoimento de parte e de determinadas testemunhas indicados pela recorrente. B- Num segundo momento, quer tenha, quer não tenha, sido modificada a matéria de facto, e após apreciação de questão prévia suscitada pelos recorridos relacionada com eventual caso julgado material, saber: 1- Se há erro da R. sobre o objecto do negócio, com a consequente anulação do contrato-promessa e respectivos efeitos de restituição do que foi prestado; ou, na negativa, 2- Se há uma situação de relevante alteração de circunstâncias nos termos do ar 437º do Código Civil, com a consequente alteração das prestações contratuais segundo um padrão de equidade; e ainda, 3- Qual o valor da indemnização correspondente à perda de rendimento do prédio devida à ocupação abusiva pela R. * III.São os seguintes os factos considerados provados pelo tribunal a quo: Encontra-se registado em comum e sem determinação de parte ou direito a favor dos AA. B… e seus filhos C… e D… pela inscrição G-2, por sucessão hereditária na sequência do óbito de L…, respectivamente marido e pai dos AA. o prédio Rústico, denominado “G…”, correspondente a terreno de cultura, sito no …, freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial respectiva sob o Artigo 271 e descrito sob o Nº 04046/191197 na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia (alínea A) dos factos assentes). Por escrito denominado contrato-promessa de compra e venda celebrado em 18 de Junho de 2001, a A. B… e seu então marido L…, como Promitentes-Vendedores, declararam prometer vender e a R., como Promitente-Compradora, declarou prometer comprar o referido prédio rústico, denominado “G…”, pelo preço de € 274.339,00 (alínea B). Como sinal e princípio de pagamento, a R. entregou aos Promitentes-Vendedores a quantia de € 7.482,00 e obrigou-se, como reforços de sinal, a proceder ao pagamento de 57 prestações mensais, no valor de € 2.494,00 até ao dia 15 de cada mês, com início no dia 15 de Julho de 2001 e fim no dia 15 de Março de 2006, no montante total de € 142.157,00 (alínea C). A restante quantia, no montante total de € 124.699,00 deveria ser paga no acto da competente escritura pública de compra e venda, que deveria ser outorgada até ao dia 30 de Abril de 2006, em local a designar pela Promitente-Compradora, do qual esta avisaria os Promitentes-Vendedores com a antecedência de 30 dias (alínea D). Mais ficou acordado que considerar-se-á incumprimento definitivo do Contrato, sem necessidade de qualquer novo prazo ou data para o incumprimento, a não outorga da Escritura Pública prometida na data fixada (alínea E). Nos termos da Cláusula Quarta do referido Contrato-Promessa, a R. ficou autorizada a ocupar de imediato o terreno objecto, tendo os Promitentes-Vendedores entregue as respectivas chaves à R. no momento da outorga do Contrato-Promessa (alínea F). Por carta registada com A.R., datada de 30/Agosto/2006, os AA. interpelaram a R. para que esta procedesse à marcação da Escritura Pública, impreterivelmente até 30/Setembro/2006, tendo sido enviados os documentos relativos ao Prédio Rústico em causa: fotocópias certificadas da Certidão da Conservatória do Registo Predial e da Certidão de teor do Artigo Matricial; fotocópias dos Bilhetes de Identidade e Cartões de Contribuinte dos Vendedores, bem como Procuração, por carta de 13 de Setembro de 2006, ambas registadas com Aviso de Recepção e recebidas pela R. em 31 de Agosto de 2006 e em 14 de Setembro de 2006, respectivamente (alínea G). A R. nunca procedeu à marcação da Escritura Pública (alínea H). A R., por carta registada com A.R., datada de 27/Setembro/2006, vem invocar que, na sequência de um pedido apresentado para proceder à vedação do prédio, foi-lhe imposto como “ónus” um recuo de sete metros, pretendendo assim “a redução do valor inicialmente acordado” – uma vez que tinha sido prometido vender um “prédio com a área de 6.000 m², livre de ónus ou encargos” (alínea I). Tal pretensão da R. recebeu imediata resposta dos AA., por carta registada com A.R., datada de 12/Outubro/2006, atreves da qual os AA. – mais uma vez – solicitaram à R. a marcação da escritura pública impreterivelmente até ao dia 20 de Outubro de 2006, sob pena de incumprimento definitivo do Contrato-Promessa (alínea J). A R. não procedeu à marcação da escritura pública (alínea K). Em 16/Setembro/2003, a R. apresentou junto do Instituto de Estradas de Portugal um pedido de licenciamento para proceder à construção de vedação do prédio, tendo anexado plantas topográficas, cortes e alçados da vedação (alínea L). Por Ofício de 12/Fevereiro/2004 a R. foi notificada pelo Instituto das Estradas de Portugal de que o requerimento apresentado “não pode merecer aprovação, por contrariar o disposto no Artigo 7º/Nº 1, Alínea a) do D.L. Nº. 13/94, de 15 de Janeiro”, esclarecendo-se ainda que “a vedação tem de ser implantada ao alinhamento mínimo de 7 m da zona da Auto-Estrada” (alínea M). Em 24/Setembro/2004 a R. veio apresentar o processo devidamente instruído, anexando as peças desenhadas com a correcta implantação da vedação, isto é, com o recuo dos referidos 7 m, solicitando lhe seja concedida a licença respectiva (alínea N). Por Diploma de Licença Nº 92 de 08/Julho/2005 e emitido pela Direcção de Estradas do Porto, foi concedida “licença para proceder à construção de uma vedação definitiva ao longo da A1/IC2 numa extensão de 180,0 m, localizada a 7,0 m da zona da estrada, constituída por rede plastificada de 1,60 m de altura” (alínea O). Os AA. procederam à marcação da competente Escritura Pública de Compra e Venda, para o dia 17 de Novembro de 2006, pelas 16H00, no Cartório Notarial da Sra. Notária M…, sito na …, …, …, Vila Nova de Gaia, tendo a R. sido notificada do dia, hora e local da celebração da Escritura Pública em 13 de Novembro de 2006, por Notificação Judicial Avulsa, sob pena de considerar-se definitivamente não cumprido o Contrato-Promessa (alínea P). No dia, hora e local referidos a R. não compareceu no respectivo Cartório Notarial (alínea Q). Os AA. procederam a nova marcação da Escritura Pública de Compra e Venda para o dia 30 de Abril de 2009, pelas 16H00, no Cartório Notarial da Sra. Notária N…, sito na …, Nº …, Vila Nova de Gaia (alínea R). A R. veio a ser notificada no dia 07 de Abril de 2009 para a referida escritura fixando-se nesse prazo uma derradeira oportunidade para cumprir, sob pena de incumprimento definitivo do Contrato-Promessa, pelo que este se consideraria resolvido (alínea S). Mais uma vez a R. não compareceu no Cartório Notarial (alínea T). No mês de Abril de 2006, a R. – através do seu sócio-gerente O… – solicitou aos AA. o adiamento da escritura pública (número 1) da base instrutória). A aceitação por parte dos AA. da proposta de alteração do Contrato-Promessa feita pela R. ficou condicionada quer ao pagamento de reforços mensais do sinal, no montante de 2.494,00 Euros/mês até à data da escritura pública (número 2). Foi no cumprimento de tal acordo que a R. procedeu a reforços do sinal nos meses de Abril, Maio, Junho e Julho – e os AA. aceitaram receber tais reforços de sinal, bem como adiamento da Escritura Pública (número 3). A partir do mês de Agosto/2006, a R. deixou de cumprir o acordo celebrado – invocando então um alegado “processo de expropriação” (número 4). A R. está a ocupar e fruir o prédio desde 18/Junho/2001 tendo sido sempre do seu perfeito conhecimento todas as características e condicionantes do prédio (designadamente a sua localização e confrontação a Norte com a A1/IC2), mesmo antes da outorga daquele Contrato (número 5). O prédio tem uma área real nunca inferior a 6.956 m² (número 6). Em mais uma tentativa para obter o cumprimento do Contrato-Promessa por parte da R., os AA. aceitaram e acordaram com a R. em proceder ao seu levantamento topográfico a fim de confirmar a área real do prédio, comprometendo-se cada uma das partes a indicar um Topógrafo para o efeito, a fim de ser realizada uma medição conjunta (número 7). Assim e após a obtenção da necessária autorização das Estradas de Portugal, ficou acordado entre as partes que o levantamento topográfico conjunto seria realizado nos dias 13 e 14 de Março de 2008 (número 9). No dia 13 de Março de 2008, tendo comparecido no local a A. C… e o seu Topógrafo, com todos os seus colaboradores e equipamento necessário, bem como o legal representante da R. O…, e as respectivas Advogadas, a verdade é que o Topógrafo da R. não compareceu – apesar da diligência ter sido acordada e encontrar-se agendada com a devida antecedência (número 10). Confrontados com tal situação e face às diligências e meios disponibilizados para o efeito, AA. e R. acordaram em que o levantamento fosse realizado pelo Topógrafo dos AA (número 11). E assim, o Topógrafo dos AA. e na presença do legal representante da R., procedeu em 13 de Março de 2008, à medição do prédio rústico objecto do referido Contrato-Promessa, tendo confirmado que a área é de 7.125,50 m2 e que, mesmo considerando o muro de vedação executado pela R., a área é de 6.815,00 m2 (número 12). Mais tarde, a R. fez chegar aos AA. uma cópia de levantamento topográfico, alegadamente feito pelo seu topógrafo, que se não encontrava legendada nem identificava o seu autor, com a área de terreno de 6.764,70 m2, nunca tendo entregue qualquer suporte digital do mesmo a fim de confrontá-lo com o levantamento topográfico feito a cargo dos AA (número 13). Sem licença administrativa a R. procedeu no prédio à realização das seguintes obras: - Execução de muros de vedação em alvenaria de tijolo no limite Norte do prédio, paralelo à rede e marcos de vedação existentes entre a auto-estrada e o prédio dos AA.; - Aterro numa área aproximada de 2.400 m2 (número 14). Até à presente data, não procedeu à entrega do prédio aos AA., tendo o mesmo um valor locativo mensal nunca inferior a 1.366,00 Euros (número 15). A R. tinha em vista a instalação naquele local de um depósito de sucata, veículos sinistrados e rebocados, pois que o terreno em causa preenchia todos os requisitos em termos de dimensão e localização, para o efeito pretendido (número 16). A R. apenas celebrou o contrato promessa de compra e venda do prédio em causa por estar convencida que naquele local podia depositar a sucata e veículos inerentes à respectiva actividade comercial (número 20). * IV.A- A reapreciação da matéria de facto Nos termos do art.º 685º-B, nº 1, do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: - Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; (al. a) e - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b)). No caso previsto na referida alínea b), quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.°-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição (nº 2 do art.º 685º-B, do Código de Processo Civil). A decisão em matéria de facto poderá ser alterada pela Relação nas seguintes situações: “a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou” – cf. nº 1 do citado art.º 712º do Código de Processo Civil. Fora dessas situações, o Tribunal da Relação poderá apenas: - determinar a renovação dos meios de prova produzidos em lª instância que se mostrem indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada (cf. nº 3 do citado art. 712º); - anular a decisão proferida na lª instância – caso não constem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do nº 1, permitam a reapreciação da matéria de facto – quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta (cf. nº 4 do citado art. 712º); - determinar, a requerimento da parte, que o tribunal de 1ª instância fundamente a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa que não esteja devidamente fundamentada (cf. nº 5 do citado art. 712º). A prova foi gravada e a apelante pretende a reapreciação da matéria de facto delimitada pelos quesitos 5º, 15º, 17º, 19º, 21º, 22º, 23º e 24º. Simultaneamente, concretiza, a propósito de cada quesito, os meios de prova em que assenta a sua discordância e indica mesmo as passagens da gravação dos depoimentos que tem por relevantes a propósito de cada um dos quesitos colocados em crise. Justificando-se, assim, a reapreciação da matéria de facto, importa agora averiguar se, em função dos meios de prova indicados e outros que o tribunal tenha por relevantes, se impõe a pretendida modificação, nos termos dos art.ºs 685º-B, nº 3 e 712º, nº 1, al. a), segunda parte, e nº 2, ainda do Código de Processo Civil. Pese embora se leia no texto preambular do Decreto-Lei nº 39/95, de 15/02 que «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência --- visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados daquela matéria, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso», há que exercer um controlo efectivo dessa decisão, evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, corrigindo, por substituição, o erro que, acaso, tenha ocorrido[1] (art.º 715º do Código de Processo Civil). Se também a 2ª instância é livre na apreciação da prova, nem por isso deve descurar a sua maior limitação em diversos aspectos da sua apreensão, com destaque para sinais, designadamente de comportamento, transmitidos no decurso da sua produção na audiência da 1ª instância, que deixam ali o juiz numa posição privilegiada pela oralidade e pela imediação próprias desse acto. Na realidade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas poderão ser apreendidos, interiorizados e valorados, por quem os presencia directamente, e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador. Como refere Abrantes Geraldes[2], citando Eurico Lopes Cardoso, “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe. O magistrado experiente sabe tirar partido desses elementos intraduzíveis e subtis. Nisto consiste a sua arte. As próprias reacções quase imperceptíveis do auditório se vão acumulando no espírito do julgador, ávido de verdade, e vão formar uma convicção cujos motivos lhe será muitas vezes impossível explicar”. Não obstante, como dissemos, as Relações têm “a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância, devendo proceder à audição dos depoimentos e fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição”. E quando um Tribunal de 2.ª instância, ao reapreciar a prova produzida, a valora de acordo com o princípio da livre convicção (a que também está adstrito), de modo a “conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, fazendo jus ao reforço dos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição”[3]. Vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria merece, e em que medida, a alteração pretendida pela apelante. Não seria curial que, num primeiro passo, não olhássemos à motivação da decisão proferida em matéria de facto (factos provados e matéria não provada) constante de fl.s 313 a 315 dos autos, de cuja análise se conclui que a instância recorrida, embora de uma forma pouco concretizada e sucinta, que não facilita o controlo da decisão, fez apreciação crítica das provas, alinhando os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção, através da identificação e alusão a depoimentos, com apelo às razões de ciência de cada testemunha e com referência a documentos constantes do processo. Todavia, importa verificar se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica é reflexo da realidade dos factos ou se a matéria merece, e em que medida, ser objecto de um juízo diferente, com a possível alteração pretendida pelo apelante. A questão é saber se, apesar da lógica e da coerência crítica que se nota ao longo daquela fundamentação, a realidade material é diversa e, à luz da prova produzida, o tribunal a quo julgou incorrectamente, com erro em matéria de facto. Estão em causa os seguintes pontos daquela matéria: Quesito 5º: A R. está a ocupar e fruir o prédio desde 18/Junho/2001 tendo sido sempre do seu perfeito conhecimento todas as características e condicionantes do prédio (designadamente a sua localização e confrontação a Norte com a A1/IC2), mesmo antes da outorga daquele Contrato. Resposta dada: Provado. Resposta pretendida: Provado que a R. não está a ocupar nem a fruir do terreno desde 18/Junho/2001, e que não eram do perfeito conhecimento da R todas as condicionantes do prédio antes da outorga do contrato promessa dos autos. Quesito 15º: Até à presente data, não procedeu à entrega do prédio aos A.A., tendo mesmo um valor locativo mensal nunca inferior a l.366,00 Euros. Resposta dada: Provado. Resposta pretendida: Não provado na parte em que se refere ao valor locativo de € 1.366,00. Quesito 17º: A 1ª A. e o seu marido tinham conhecimento que a R. celebrou o aludido contrato para a finalidade identificada no artigo antecedente e que a prossecução de tal escopo era condição sine qua non para a celebração do contrato. Resposta dada: Não provado. Resposta pretendida: Provado. Quesito 19º: Inadvertidamente, aquela instituição bancária veio recusar o referido pedido de financiamento com base no facto de o prédio se encontrar localizado em denominada Reserva Agrícola Nacional, razão pela qual nenhuma edificação nem tão pouco a actividade pretendida (depósito de sucata) ali poderia ser empreendida. Resposta dada: Não provado. Resposta pretendida: Provado que o prédio se encontra localizado em zona em que nenhuma edificação é permitida, isto é, zona de reserva agrícola, e nem tampouco a actividade pretendida. Quesito 21º: Os A. não lhe forneceram elementos sobre a situação do prédio, sito em RAN (Reserva Agrícola Nacional) Resposta dada: Não provado. Resposta pretendida: Provado. Quesito 23º: Nessa altura os representantes da R. conversaram com a 1ª autora e seu então marido, dando-lhes conta de tal factualidade, solicitando a renegociação dos valores acordados aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, invocando por um lado a substancial diminuição da área total do prédio o que implicava um menor aproveitamento da respectiva área – que passava a ser inferior aos 6.000 m2 constantes do contrato promessa – e, por outro, a inerente redução do valor do mesmo. Resposta dada: Não provado. Quesito 24º: Os promitentes vendedores entenderam a posição assumida pela R., aceitando que fosse reduzido o valor inicialmente acordado pelas partes, o que implicava que o último pagamento a realizar, no acto da escritura pública, ficasse substancialmente reduzido. Resposta dada: Não provado. A recorrente não indica uma resposta concreta para estes quesitos, mas aponta no sentido de que houve uma conversa entre o representante legal da R. e a 1ª A., tendo-se esta comprometido a falar com os filhos com vista à renegociação do preço da venda do imóvel, e por isso manteve os pagamentos mensais. Prova indicada: depoimento de parte do representante legal da R., depoimento das testemunhas I…, H…, J… e relatório por ele subscrito, documento apresentado com o requerimento de 14.12.2009 (fl.s 261 e 262) e documentos de fl.s 49, 56, de 261 e 262, e de fl.s 307 a 309. Dada a oposição dos A.A. nas contra-alegações e para uma cabal apreensão da prova, foi ouvida toda a prova registada, oralmente produzida, assim como foram analisados todos os relatórios e documentos juntos aos autos. Fica uma primeira impressão: com maiores ou menores falhas de memória quanto às datas em que os factos ocorreram, não há discrepâncias sensíveis entre os vários depoimentos testemunhais, todos eles perfeitamente compagináveis com o conteúdo dos documentos juntos aos autos por ambas as partes. Em matéria de prova, pode mesmo adiantar-se que, reforçado pelas várias referências testemunhais, o conteúdo dos documentos juntos ao processo constitui a principal prova das realidades em causa. Daí que não nos pareça que alguma das testemunhas inquiridas tivesse faltado à verdade de uma forma evidente. Mesmo a I…, nora do representante legal da R. (e não filha, como se refere na fundamentação das respostas em matéria de facto, onde se acrescenta que o seu depoimento “não atingiu o patamar do desligamento emocional em relação ao litígio”) se refere aos factos sem que, no essencial, contradiga o teor das comunicações escritas trocadas entre os A.A. e a R. ou mesmo as missivas provenientes do então IEP e da Câmara Municipal …. Mas há algumas divergências que importa esclarecer em função da melhor prova. Na matéria do quesito 5º, o representante legal da R. referiu no seu depoimento que só em Outubro de 2001 a R. passou a ocupar o terreno objecto do contrato-promessa (este datado de 18.6.2001). Nesta parte, o depoimento não foi levado à assentada --- e bem --- por não se enquadrar na confissão de um facto desfavorável. Mas a testemunha I… depôs, embora com muitas dúvidas quanto à data, que só no final desse ano houve ocupação efectiva do terreno pela R. em virtude de um senhor ter pedido para continuar a explorar uma sua parte que então agricultava (talvez, couves), mas a maior parte do prédio estava a monte, com mato. Testemunha comum e cuja imparcialidade e desinteresse foram reconhecidos, sendo inquestionável o conhecimento directo que tem nesta matéria, por ter sido o intermediário do negócio e até o autor da minuta inicial do contrato-promessa, afirmou que as A.A. transferiram a posse do prédio para a R. na data da celebração daquele contrato, assim, em 18.6.2001 e que então a R. o recebeu e passou a ocupar, designadamente com reboques e veículos, conforme a testemunha alega ter visto. Ora, a existência a autorização de tolerância por parte da R. para que, numa parte do terreno um terceiro prosseguisse com alguma agricultura, não obstava à ocupação da parte restante pela demandada, absolutamente facultada pelas A.A. desde Março de 2001. O próprio acto de tolerância configura já um acto de posse. Confirma-se, pois, a resposta afirmativa dada à primeira parte do quesito. No que respeita ao conhecimento de todas as características e condicionantes do prédio, mesmo antes da outorga do contrato, o facto há-de dar-se como provado ou como não provado, mas nunca se fará a prova do contrário da alegação, como pretende a R. Ou seja, não poderá dar-se como provado que não era do perfeito conhecimento da R. todas as condicionantes do prédio antes da outorga do contrato promessa dos autos, sob pena de violação do princípio do dispositivo e do inerente ónus de alegação. Apesar de não constar da assentada, resulta do depoimento de parte de O… a confissão de que visitou e conhecia o terreno prometido antes da data da celebração do contrato-promessa. Por outro lado, o mediador do negócio, H…, foi muito seguro ao afirmar que era “ponto assente” que não se podia construir no terreno e que ambas as partes estavam perfeitamente cientes disso. Mas já então o representante da R. dizia que era sua intenção destinar o terreno a um parque de reboques. Entregou-lhes mesmo vários documentos relativos às condições do prédio a fim de lhe dar conhecimento da sua situação. Esclareceu que nunca foi condição de venda o terreno ter 6.000 m2, e que a R. valorizou, sobretudo, a sua localização, com bons acessos. Pouco tempo antes tinha sido expropriada uma parcela desse prédio, afectada à construção de uma estação de serviço na AE[4] confinante. Mas, a mesma testemunha referiu também que nunca soube que a R. tivesse que recuar 7 metros relativamente à zona de estrada. Por isso é seguro que não tenha dado conta dessa limitação ao representante da R. É também de admitir que nem as A.A. tinham conhecimento dessa restrição, por não resultar da documentação então disponível; nada apontando, pelo menos, em sentido contrário, pese embora o acto expropriativo amigável tenha ocorrido alguns anos antes, em 29.11.1995 (cf. doc. de fl.s 64 e seg.s). O H… desconhecia também se poderia ser instalado um parque de reboques no prédio. Era o representante da R. que lhe dizia durante a negociação que iria afectar o terreno a esse fim. E foi com esse sentido que a R., em 16.9.2003, tendo já instalado e a funcionar o dito parque, pediu licença ao IEP para vedar o terreno junto à AE (cf. carta de fl.s 559), tendo obtido resposta de indeferimento por parte daquele instituto por missiva de 12.2.2004 que, simultaneamente a informou de que “a vedação tem de ser implantada ao alinhamento mínimo de 7 m da zona da Auto-Estrada”. Com base em novo requerimento, datado de 22.9.2004 (cf. doc. de fl.s 57), a então já EP, E.P.E., concedeu a licença, pondo como condição, além do mais, o afastamento da vedação da zona de estrada pela distância de 7 metros (doc. de fl.s 59 a 62). Nenhuma testemunha afirma o conhecimento da R. relativamente a esta condicionante, não constituindo surpresa que por causa disso, como afirma a testemunha I…, o representante legal da R. tenha tentado renegociar o preço de venda do terreno junto dos A.A. em Setembro de 2006, ainda que tivesse continuado a pagar o reforço mensal do sinal até Julho de 2006, inclusive, decidindo-se então pela renegociação e suspensão daqueles pagamentos por considerar que o preço justo (atenta a redução da área disponível do prédio) estaria muito próximo de ser atingido (cf. doc.s de fl.s 42, 46 e 49). Vai neste sentido também o depoimento da testemunha P…, amiga das A.A. B… e C… que, numa casa destas, depois do almoço, num dia de Agosto de 2006, viu comparecer o O… e dizer-lhes que não estava disposto a fazer mais pagamentos porque “ouvira dizer que “o terreno iria ser expropriado”. A carta de fl.s 49, datada de 27 de Setembro seguinte é clara no sentido de que a R. pretende a redução do preço por lhe ter sido imposto recuar os referidos sete metros. Essa indisponibilidade resultou da afectação criada com a expropriação. Por conseguinte, não é aceitável a prova de que a R., na data da celebração do contrato-promessa, mesmo antes da sua outorga, estava ciente de todas as características e condicionante do prédio. O resultado da prova impunha uma resposta restritiva, embora mais esclarecida, à segunda parte do quesito 5º, no sentido de que mesmo em data anterior à da celebração do contrato-promessa, a R. estava ciente de várias características e condicionantes do prédio, designadamente a sua localização, confrontação a Norte com a A1/IC2 e proibição aedificandi. Com efeito, a resposta da ao quesito 5º deve ser alterada, passando a ser a seguinte: “Provado apenas que a R. está a ocupar e fruir o prédio desde o dia 18.6.2001 e mesmo desde data anterior àquela a R. estava ciente de várias características e condicionantes do prédio, designadamente a sua localização, confrontação a Norte com a A1/IC2 e proibição aedificandi”. No quesito 15º a R. põe em causa o valor locativo atribuído ao prédio. E com razão. Não está se deve discutir uma estimativa de rendimento para a actividade de parque de reboques que a R. ali vinha desenvolvendo, mas o rendimento que ali seria possível numa utilização normal no âmbito da locação legalmente admissível. Para além da avaliação ter sido realizada e apresentada apenas pelos A.A., fora do processo --- não constituiu uma perícia com o contraditório processual --- o avaliador especializado explicou em audiência de julgamento que partiu do pressuposto da admissibilidade legal da actividade ali exercida, tendo-a como a actividade ponderável na avaliação, o que contraria a proibição legal dessa actividade no local emergente do art.º 35º do PDM de Vila Nova de Gaia, bem patente na posição administrativa autárquica explicitada nos documentos juntos a fl.s 261 e seg.s e 307 e seg.s dos autos, nos termos das quais “o terreno em questão está classificado no Plano Director Municipal como Área Não Urbana de Transformação Condicionada” que “correspondem na generalidade a áreas agrícolas não classificadas ou a áreas com uso florestal, sem implantação legal de construções de qualquer tipo para além das de apoio agrícola, em relação às quais não há previsão de redes Municipais de infra-estruturas…”, tendo, na última, datada de 21.8.2006, ordenado à R. a demolição de todas as construções existentes levadas a efeito sem licença, …bem como a reposição do terreno nas condições anteriores à intervenção realizada ilegalmente, e ainda a cessação da utilização ilegal do terreno como parque de estacionamento de veículos ligeiros e veículos de reboque …”. Note-se que, como referiu a testemunha I…, aquando da tentativa de obtenção de um empréstimo bancário junto do K… para financiar a fase final de pagamentos do terreno, aquele Banco recusou-se a aceitar o prédio como garantia alegando a sua falta de valor dada a falta de capacidade construtiva. Por tudo, não é aceitável o valor de rendimento mensal proposto pelo avaliador, de € 1.366,00. O quesito 15º deveria ter tido e passará a ter a seguinte resposta: «Provado apenas que até à presente data, não procedeu à entrega do prédio aos A.A., prédio esse com valor locativo». O quesito 17º foi dado como não provado, mas não fica dúvida razoável sobre se 1ª A. e o seu marido sabiam do que a R. ali visava implementar. Primeiro porque era uma sociedade com um ramo de actividade já definido e em exercício no comércio jurídico, sendo de esperar, segundo as regras da experiência da vida, que aqueles tomassem conhecimento do fim a que aquela se propunha afectar o terreno. Depois, ficou patente no depoimento da testemunha H…, o mediador, uma negociação com informação da R. para os A.A. e destes para aquela sobre as características do prédio, tendo ela referido que foi expressamente exposta pelo representante da R. a intenção de o afectar a parque de reboques. Por outro lado ainda, até dos termos do contrato-promessa (cláusula quarta), junto a fl.s 35 e seg.s, resulta fortemente indiciado aquele conhecimento dos promitentes-vendedores, quando ali se faz constar: «A segunda contraente fica autorizada a ocupar de imediato o terreno objecto deste contrato, e nele proceder a benfeitorias que ficarão a pertencer ao prédio, nomeadamente as vedações pavimentação do piso, instalações de água, luz e telefone, sendo ainda autorizada a instalação de contentor ou pavilhão amovível que seja necessário à sua actividade, e que as entidades oficiais o permitam.». Já o mesmo não se poderá dizer da segunda parte do quesito, ou seja, o conhecimento dos promitentes-vendedores de que a prossecução de tal escopo era condição sine qua non para a celebração do contrato. De um passo, as partes não consignaram no contrato tal condição. A existir, a sua tamanha importância justificaria, em princípio, a respectiva consagração[5]. Por outro lado, a prova mais credível não vai além do conhecimento pela A. B… e marido daquela intenção da R. à data da celebração do contrato-promessa. Nem do depoimento da testemunha I…, familiar próxima do representante legal da R. e sua funcionária de escritório desde o ano 2000, que acompanhou, naquela qualidade, as negociações, resultou a confirmação da alegada condicionante. Ainda por outra via, a R. alterou e preparou o prédio para a prossecução do fim visado, mesmo sem licença administrativa e, nos contactos estabelecidos com os A.A. após o contrato-promessa, a sua preocupação incidiu sobre o preço, que desejou reduzir em função de uma invocada redução da área útil do prédio, não propriamente na anulação do negócio. Em 2006 e em 2008 ainda batalhava na necessidade de medir o prédio e confirmar a sua área disponível, para obter redução de preço de compra, provocando assim o adiamento da realização do contrato definitivo. Pese embora a prova da matéria do item 34 (correspondente ao quesito 20º) que não foi objecto de impugnação no recurso, não deixamos de estranhar que a R. foi notificada pela Câmara Municipal da ilegalidade da afectação do prédio a parque de reboques por comunicação escrita de 21.8.2006 (cf. documento de fl.s 307) e quase dois anos depois ainda centrava o ponto da discórdia na área do prédio, que, por isso, as partes mediram em conjunto no dia 13 de Março de 2008. Se era tanta a importância na afectação do prédio ao parqueamento, porquê que quase dois anos depois da R. saber dessa impossibilidade legal ainda não batalhava na anulação do contrato-promessa por erro, mas apenas na redução do preço do imóvel devido à redução da sua área disponível? Este comportamento faz admitir que a R. não tivesse transmitido anteriormente aos promitentes-vendedores a importância da afectação a que se propunham, tanto mais que aqueles haveriam de presumir que, tendo a R. tomado conhecimento do prédio antes da celebração do contrato-promessa, visitando-o e estando ao seu alcance colher as informações que quisesse junto das autoridades administrativas, designadamente sobre as suas potencialidades e limitações urbanística, estava ao corrente das suas aptidões. Aliás, os promitentes-vendedores, através do mediador e numa postura bem reveladora de transparência negocial e de boa fé, informaram a R. de que não era possível edificar no terreno objecto do contrato, como resultou claro do depoimento de H…. Assim, o quesito 17º passa a ter a seguinte resposta: «Provado apenas que A 1ª A. e o seu marido tinham conhecimento de que a R. celebrou o aludido contrato para a finalidade identificada no artigo antecedente.». Quanto ao quesito 19º, a recorrente pretende que seja dado como provado que o prédio se encontra localizado em zona em que nenhuma edificação é permitida, zona de reserva agrícola, e nem tampouco a actividade pretendida. Como resulta do Decreto-lei nº 73/2009, de 31 de Março, que aprova o regime jurídico da RAN[6], a finalidade agrícola e florestal de um solo não se confunde com a reserva agrícola nacional (RAN). As zonas classificadas como RAN são objecto de maior protecção da aptidão agrícola dos solos e garantem em maior grau a sua afectação à agricultura, numa perspectiva de correcto ordenamento do território. Correspondem às áreas que maiores potencialidades apresentam para a produção agrícola e são, por isso, objecto das maiores restrições edificativas. A RAN é uma restrição de utilidade pública, à qual se aplica um regime territorial especial, que estabelece um conjunto de condicionamentos à utilização não agrícola do solo, identificando quais as permitidas tendo em conta os objectivos do regime nos vários tipos de terras e solos (cf. art.ºs 1º, 2º, 4º, 20º, 21º e 22º daquele diploma legal). O regime geral da RAN articula-se com os diversos instrumentos de gestão territorial, designadamente com os regulamentos legais da gestão municipal que identificam as zonas e distinguem também a afectação agrícola do solo daquele regime RAN, designadamente quanto à capacidade ou potencialidade edificativa. A título exemplificativo, consultem-se os art.ºs 4º, 7º, nº 2, 8º, 19º, 21º, 22º e 27º do PDM de Vila Nova de Gaia. Importa aqui apenas reter que a qualidade agrícola do solo e a sua afectação à agricultura ou à exploração florestal não se confunde com a classificação de RAN. No caso, não há qualquer referência probatória, designada e principalmente a partir dos documentos de origem administrativa autárquica juntos a fl.s 261 e 262, e 307 a 309 de que o terreno em causa esteja abrangido em RAN, mas apenas em “Área Não Urbana de Transformação Condicionada” que “corresponde na generalidade a áreas agrícolas não classificadas ou a áreas com uso florestal, sem implantação legal de construções de qualquer tipo para além das de apoio agrícola, e em relação às quais não há previsão de redes municipais de infra-estruturas” (art.º 35º do Reg. PDM de Gaia). Apenas a testemunha I… se refere ao pedido de empréstimo bancário e não nos termos constantes do quesito, pelo que, na falta de documento bancário (que sempre seria fácil de obter), não poderia a matéria do quesito ser considera provada nessa parte. Sobra, no entanto, o que de mais relevante ali se fez constar: a impossibilidade legal construtiva. E, se não é rigorosamente verdade que está, em absoluto, vedada a construção no prédio --- podem, nomeadamente, dentro de determinados condicionalismos, ser construídas unidades de apoio agrícola, ou mesmo “uma habitação unifamiliar de apoio à actividade agrícola, desde que a respectiva parcela tenha uma área mínima de 5.000 m2” (cf. doc. de fl.s 307 e seg.s) nos termos do PDM ---, certo é que não é legalmente admissível no terreno o parqueamento de reboques inerente à actividade comercial da R. Como se refere no mesmo documento, emitido pelo Município de Vila Nova de Gaia, “a utilização que está ser conferida ao terreno, como Parque de estacionamento de veículos ligeiros e veículos destinados a reboque de outros veículos” bem como a remodelação de terreno efectuada (aterro), criam condições de incompatibilidade ao nível da utilização prevista para as Áreas Não Urbanas de Transformação Condicionada, tendo em conta que estas áreas estão associadas sempre a uma utilização agrícola ou florestal do solo. Encontrando-se por isso a utilização referida em desconformidade o artigo 35° do R.P.D.M.”. Com efeito, a resposta ao quesito 19º não deve ser negativa, mas parcialmente afirmativa; assim: «Provado apenas que a R. não podia, por lei, afectar o prédio à actividade pretendida.». Quanto ao quesito 21º andou bem o tribunal em responder “não provado”. Como vimos, o prédio não está abrangido na RAN. Sendo assim, não podia a A. B… e marido, nem, posteriormente, os aqui A.A., fornecer dados documentais relativos a uma situação irreal. Termos em que se mantém a resposta de “não provado”. No âmbito da matéria do quesito 22º já nos situámos atrás. Não há nenhum elemento de prova no processo que aponte no sentido de que já antes de Fevereiro de 2004 a R. tivesse conhecimento da obrigação de recuar sete metros no terreno relativamente à AE. Os elementos que existem apontam em sentido contrário; basta ler as comunicações escritas de fl.s 55, de fl.s 56 e de fl.s 57, assim como a licença de fl.s 59 a 62. Acresce a confirmação do mediador do negócio de que desconhecia e, por isso, não informou a R. desse aspecto e o depoimento confirmativo do desconhecimento da testemunha I… (mesmo não atendendo ao depoimento de parte do representante legal da R. que também confirmou o facto, todavia a ela favorável). Como já referimos, aqueles elementos de prova e as regras da experiência da vida apontam seguramente para a demonstração do facto. Assim, a resposta correcta ao quesito 22º é a seguinte: «Provado esclarecidamente que a R. apenas tomou conhecimento de que teria que recuar 7 metros relativamente à zona de AE para lograr proceder à vedação do prédio quando em Fevereiro de 2004, na sequência de pedido de licenciamento para a sua vedação, tal condicionante lhe foi transmitida pelo então Instituto de Estradas de Portugal.». Quesito 23º: A resposta foi “não provado”, e foi correcta. Pese embora as respostas dadas na 1ª instância aos quesitos 1º, 2º e 3º da base instrutória, não há nenhuma testemunha que se refira a qualquer contacto entre a R. e a A. B…, marido ou restantes A.A. na sequência, logo após e por causa da notificação recebida do IEP em Fevereiro de 2004 (carta de fl.s 56), designadamente no sentido da renegociação do preço do prédio em razão da redução da sua área de terreno. Nem a fundamentação das respostas em matéria de facto está concretizada relativamente àqueles quesitos. A testemunha das R., I…, situa o contacto da R. aos A.A., com pedido de redução do preço em Agosto de 2006, portanto mais de dois anos depois daquela notificação. E a testemunha P… descreveu um encontro a que, no mês de Agosto de 2006, depois do almoço, assistiu na residência de uma das A.A., entre o O… e as A.A. C… e a mãe C…, onde aquele se dirigiu sem aviso e informou que não estava disposto a fazer mais pagamentos porque “o terreno ia ser expropriado” e que assim até já tinha pago mais do que devia, deixando aquelas A.A. surpreendidas, manifestando o seu desconhecimento de eventual expropriação do prédio (que, aliás, nunca se confirmou). A testemunha descreveu pormenores do encontro que reforçam o realismo da descrição. A primeira comunicação escrita com base na redução da área do prédio, dirigida pela R. à A. B… é a que resulta da carta de 27.9.2006 (fl.s 49) que reza assim: “…V. Ex.s prometeram vender um prédio com uma área de 6000 m2, livre de quaisquer ónus ou encargos. No decorrer do pedido que efectuamos para vedar o prédio, foi-nos imposto que recuássemos sete metros, conforme é do V/conhecimento. Ora, o ónus assim imposto implica uma redução quer do valor do imóvel, quer do aproveitamento da sua área. Tivemos oportunidade de falar sobre esta situação, sendo que V.Exas. ficaram de ponderar o assunto de molde a acertarmos a redução do valor inicialmente acordado. Para grande surpresa minha recato a V/carta impondo a marcação da escritura e o pagamento do preço na sua totalidade.”. A resposta foi esta: “…Ora, são absolutamente falsas as afirmações vertidas na V/carta no sentido de que tal situação decorrente da vedação do prédio fosse do N/conhecimento ou que tal situação tenha sido falada entre as partes ou mesmo que tivéssemos sequer aceite ponderar a redução do valor inicialmente acordado – aliás, tanto quanto tivemos a oportunidade de confirmar, tal condicionante decorrente de uma construção (no caso: muro de vedação) resulta da própria lei, atendendo ao terreno em causa.”. Assim, não há prova da matéria do quesito, sendo, aliás, seguro que, mesmo com a redução de área em função do muro de vedação construído pela R., o prédio tem uma área superior a 6.000 m2, o que emerge das respostas aos quesitos 12º e 13º (não impugnados), do relatório pericial junto a fl.s 284 a 287 e até é confessado pelo próprio representante legal da R. na assentada do depoimento de parte tomado em audiência de julgamento. Na sequência das referências probatórias efectuadas a propósito do quesito 23º, especialmente a carta de fl.s 51 e o depoimento da testemunha P…, seria absolutamente descabido e infundado dar como provada a matéria do quesito 24º. Nem a testemunha I… vai além de uma tentativa da R. de vir a obter a redução do preço, ao referir que “andaram anos a tentar isso”, mas que não houve qualquer reunião para o efeito. É infundada a referência a assunção do compromisso, por parte dos A.A. de reduzirem o preço acordado no contrato-promessa. A resposta ao quesito 24º impunha-se negativa, como foi. Aqui chegados, há que realinhar os factos provados, considerando os seus novos contornos, emergentes da modificação operada. São eles os seguintes: 1- Encontra-se registado em comum e sem determinação de parte ou direito a favor dos AA. B… e seus filhos C… e D… pela inscrição G-2, por sucessão hereditária na sequência do óbito de L…, respectivamente marido e pai dos AA. o prédio Rústico, denominado “G…”, correspondente a terreno de cultura, sito no …, freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial respectiva sob o Artigo 271 e descrito sob o Nº 04046/191197 na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia (alínea A) dos factos assentes). 2- Por escrito denominado contrato-promessa de compra e venda celebrado em 18 de Junho de 2001, a A. B… e seu então marido L…, como Promitentes-Vendedores, declararam prometer vender e a R., como Promitente-Compradora, declarou prometer comprar o referido prédio rústico, denominado “G…”, pelo preço de € 274.339,00 (alínea B). 3- Como sinal e princípio de pagamento, a R. entregou aos Promitentes-Vendedores a quantia de € 7.482,00 e obrigou-se, como reforços de sinal, a proceder ao pagamento de 57 prestações mensais, no valor de € 2.494,00 até ao dia 15 de cada mês, com início no dia 15 de Julho de 2001 e fim no dia 15 de Março de 2006, no montante total de € 142.157,00 (alínea C). 4- A restante quantia, no montante total de € 124.699,00 deveria ser paga no acto da competente escritura pública de compra e venda, que deveria ser outorgada até ao dia 30 de Abril de 2006, em local a designar pela Promitente-Compradora, do qual esta avisaria os Promitentes-Vendedores com a antecedência de 30 dias (alínea D). 5- Mais ficou acordado que considerar-se-á incumprimento definitivo do Contrato, sem necessidade de qualquer novo prazo ou data para o incumprimento, a não outorga da Escritura Pública prometida na data fixada (alínea E). 6- Nos termos da Cláusula Quarta do referido Contrato-Promessa a R. ficou autorizada a ocupar de imediato o terreno objecto, tendo os Promitentes-Vendedores entregue as respectivas chaves à R. no momento da outorga do Contrato-Promessa (alínea F). 7- Por carta registada com A.R., datada de 30/Agosto/2006, os AA. interpelaram a R. para que esta procedesse à marcação da Escritura Pública, impreterivelmente até 30/Setembro/2006, tendo sido enviados os documentos relativos ao Prédio Rústico em causa: fotocópias certificadas da Certidão da Conservatória do Registo Predial e da Certidão de teor do Artigo Matricial; fotocópias dos Bilhetes de Identidade e Cartões de Contribuinte dos Vendedores, bem como Procuração, por carta de 13 de Setembro de 2006, ambas registadas com Aviso de Recepção e recebidas pela R. em 31 de Agosto de 2006 e em 14 de Setembro de 2006, respectivamente (alínea G). 8- A R. nunca procedeu à marcação da Escritura Pública (alínea H). 9- A R., por carta registada com A.R., datada de 27/Setembro/2006, vem invocar que, na sequência de um pedido apresentado para proceder à vedação do prédio, foi-lhe imposto como “ónus” um recuo de sete metros, pretendendo assim “a redução do valor inicialmente acordado” – uma vez que tinha sido prometido vender um “prédio com a área de 6.000 m², livre de ónus ou encargos” (alínea I). 10- Tal pretensão da R. recebeu imediata resposta dos AA., por carta registada com A.R., datada de 12/Outubro/2006, atreves da qual os AA. – mais uma vez – solicitaram à R. a marcação da escritura pública impreterivelmente até ao dia 20 de Outubro de 2006, sob pena de incumprimento definitivo do Contrato-Promessa (alínea J). 11- A R. não procedeu à marcação da escritura pública (alínea K). 12- Em 16/Setembro/2003, a R. apresentou junto do Instituto de Estradas de Portugal um pedido de licenciamento para proceder à construção de vedação do prédio, tendo anexado plantas topográficas, cortes e alçados da vedação (alínea L). 13- Por Ofício de 12/Fevereiro/2004 a R. foi notificada pelo Instituto das Estradas de Portugal de que o requerimento apresentado “não pode merecer aprovação, por contrariar o disposto no Artigo 7º/Nº 1, Alínea a) do D.L. Nº. 13/94, de 15 de Janeiro”, esclarecendo-se ainda que “a vedação tem de ser implantada ao alinhamento mínimo de 7 m da zona da Auto-Estrada” (alínea M). 14- Em 24/Setembro/2004 a R. veio apresentar o processo devidamente instruído, anexando as peças desenhadas com a correcta implantação da vedação, isto é, com o recuo dos referidos 7 m, solicitando lhe seja concedida a licença respectiva (alínea N). 15- Por Diploma de Licença Nº 92 de 08/Julho/2005 e emitido pela Direcção de Estradas do Porto, foi concedida “licença para proceder à construção de uma vedação definitiva ao longo da A1/IC2 numa extensão de 180,0 m, localizada a 7,0 m da zona da estrada, constituída por rede plastificada de 1,60 m de altura” (alínea O). 16- Os AA. procederam à marcação da competente Escritura Pública de Compra e Venda, para o dia 17 de Novembro de 2006, pelas 16H00, no Cartório Notarial da Sra. Notária M…, sito na …, …, …, Vila Nova de Gaia, tendo a R. sido notificada do dia, hora e local da celebração da Escritura Pública em 13 de Novembro de 2006, por Notificação Judicial Avulsa, sob pena de considerar-se definitivamente não cumprido o Contrato-Promessa (alínea P). 17- No dia, hora e local referidos a R. não compareceu no respectivo Cartório Notarial (alínea Q). 18- Os AA. procederam a nova marcação da Escritura Pública de Compra e Venda para o dia 30 de Abril de 2009, pelas 16H00, no Cartório Notarial da Sra. Notária N…, sito na …, Nº …, …, Vila Nova de Gaia (alínea R). 19- A R. veio a ser notificada no dia 07 de Abril de 2009 para a referida escritura fixando-se nesse prazo uma derradeira oportunidade para cumprir, sob pena de incumprimento definitivo do Contrato-Promessa, pelo que este se consideraria resolvido (alínea S). 20- Mais uma vez a R. não compareceu no Cartório Notarial (alínea T). 21- No mês de Abril de 2006, a R. – através do seu sócio-gerente O… – solicitou aos AA. o adiamento da escritura pública (número 1) da base instrutória). 22- A aceitação por parte dos AA. da proposta de alteração do Contrato-Promessa feita pela R. ficou condicionada quer ao pagamento de reforços mensais do sinal, no montante de 2.494,00 Euros/mês até à data da escritura pública (número 2). 23- Foi no cumprimento de tal acordo que a R. procedeu a reforços do sinal nos meses de Abril, Maio, Junho e Julho – e os AA. aceitaram receber tais reforços de sinal, bem como adiamento da Escritura Pública (número 3). 24- A partir do mês de Agosto/2006, a R. deixou de cumprir o acordo celebrado – invocando então um alegado “processo de expropriação” (número 4). 25- A R. está a ocupar e fruir o prédio desde o dia 18.6.2001 e mesmo desde data anterior àquela a R. estava ciente de várias características e condicionantes do prédio, designadamente a sua localização, confrontação a Norte com a A1/IC2 e proibição aedificandi” (número 5). 26- O prédio tem uma área real nunca inferior a 6.956 m² (número 6). 27- Em mais uma tentativa para obter o cumprimento do Contrato-Promessa por parte da R., os AA. aceitaram e acordaram com a R. em proceder ao seu levantamento topográfico a fim de confirmar a área real do prédio, comprometendo-se cada uma das partes a indicar um Topógrafo para o efeito, a fim de ser realizada uma medição conjunta (número 7). 28- Assim e após a obtenção da necessária autorização das Estradas de Portugal, ficou acordado entre as partes que o levantamento topográfico conjunto seria realizado nos dias 13 e 14 de Março de 2008 (número 9). 29- No dia 13 de Março de 2008, tendo comparecido no local a A. C… e o seu Topógrafo, com todos os seus colaboradores e equipamento necessário, bem como o legal representante da R. O…, e as respectivas Advogadas, a verdade é que o Topógrafo da R. não compareceu – apesar da diligência ter sido acordada e encontrar-se agendada com a devida antecedência (número 10). 30- Confrontados com tal situação e face às diligências e meios disponibilizados para o efeito, AA. e R. acordaram em que o levantamento fosse realizado pelo Topógrafo dos AA (número 11). 31- E assim, o Topógrafo dos AA. e na presença do legal representante da R., procedeu em 13 de Março de 2008, à medição do prédio rústico objecto do referido Contrato-Promessa, tendo confirmado que a área é de 7.125,50 m2 e que, mesmo considerando o muro de vedação executado pela R., a área é de 6.815,00 m2 (número 12). 32- Mais tarde, a R. fez chegar aos AA. uma cópia de levantamento topográfico, alegadamente feito pelo seu topógrafo, que se não encontrava legendada nem identificava o seu autor, com a área de terreno de 6.764,70 m2, nunca tendo entregue qualquer suporte digital do mesmo a fim de confrontá-lo com o levantamento topográfico feito a cargo dos AA (número 13). 33- Sem licença administrativa a R. procedeu no prédio à realização das seguintes obras: - Execução de muros de vedação em alvenaria de tijolo no limite Norte do prédio, paralelo à rede e marcos de vedação existentes entre a auto-estrada e o prédio dos AA.; - Aterro numa área aproximada de 2.400 m2 (número 14). 34- Até à presente data, não procedeu à entrega do prédio aos A.A., prédio esse com valor locativo (número 15). 35- A R. tinha em vista a instalação naquele local de um depósito de sucata, veículos sinistrados e rebocados, pois que o terreno em causa preenchia todos os requisitos em termos de dimensão e localização, para o efeito pretendido (número 16). 36- A 1ª A. e o seu marido tinham conhecimento de que a R. celebrou o aludido contrato para a finalidade identificada no artigo antecedente (número 17). 37- A R. apenas celebrou o contrato promessa de compra e venda do prédio em causa por estar convencida que naquele local podia depositar a sucata e veículos inerentes à respectiva actividade comercial (número 20). 38- A R. não podia, por lei, afectar o prédio à actividade pretendida (número 19). 39- A R. apenas tomou conhecimento de que teria que recuar 7 metros relativamente à zona de AE para lograr proceder à vedação do prédio quando em Fevereiro de 2004, na sequência de pedido de licenciamento para a sua vedação, tal condicionante lhe foi transmitida pelo então Instituto de Estradas de Portugal (número 22). * B- ENQUADRAMENTO JURÍDICOA questão prévia do trânsito em julgado invocado pelos A.A. Consideram os recorridos que, não tendo sido impugnada no recurso a sentença na parte em que julgou validamente resolvido o contrato-promessa, tal decisão adquiriu a força de caso julgado material. Daí que, em seu entender, se imponham todas as consequências da resolução do contrato, designadamente a impossibilidade legal de apreciar a questão do erro sobre o objecto do negócio por estar prejudicada pelo carácter definitivo da decisão da resolução do contrato adquirido pelo respectivo trânsito em julgado. É precisamente o contrário. A possibilidade legal de reapreciar, nesta sede de apelação, o fundamento do recurso, como seja o erro sobre o objecto do contrato, é que dita a provisoriedade da decisão proferida sobre a resolução do contrato-promessa. Ou seja, tendo a R. invocado, além do mais, o erro sobre o objecto do negócio como causa da pretendida anulação negocial, manifestamente, não pode considerar-se definitiva a decisão que confirmou a resolução contratual. A questão da anulação do negócio tem que ver com a verificação da sua validade, sendo assim anterior à resolução contratual. A matéria da invalidade do contrato, por erro-vício, não deixa de constituir matéria de excepção relativamente ao pedido da acção, de resolução contratual e seus efeitos, e como tal foi invocada na contestação. A resolução (art.ºs 432º e seg.s do Código Civil[7]) ocorre nos contratos válidos. Nada obsta, pois, à apreciação das questões de Direito objecto da apelação. * 1- Passando às questões de Direito do recurso, importa saber se há erro da R. sobre o objecto do negócio, com a consequente anulação do contrato-promessa e respectivos efeitos de restituição do que foi prestado.Como vimos, a (eventual) existência do erro gera a anulação do negócio e prejudica a declaração da resolução do contrato. O art.º 251º refere que «o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º». Temos que o erro que determina a formação da vontade real --- o erro-vício ou erro-motivo, que aqui merece discussão --- segue o regime do erro que origina uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada (erro obstativo ou erro obstáculo) previsto no art.º 247º e segundo o qual a declaração é anulável desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro. Mas, ao contrário do erro-obstáculo ou erro na declaração, há no erro-vício conformidade entre a vontade real e a vontade declarada. Somente, a vontade real formou-se em consequência do erro sofrido pelo declarante. Se não fosse ele, a pessoa não teria pretendido realizar o negócio, pelo menos nos termos em que o efectuou. Ao remeter para esta disposição legal, o art.º 251° exige para a relevância do erro que: - ele incida sobre o objecto do negócio; e - o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incide o erro (ou seja sobre o objecto). Só releva o erro essencial e próprio. Não é despiciendo referir que o ónus da prova da verificação dos requisitos do erro incumbe ao "deceptus" designadamente que o declaratário (deceptor) conhecia, ou não deveria ignorar, a essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro --- art.ºs 251°, 247° e 342º, nº 1[8]. O erro-vício consiste na ignorância (falta da representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu. Trata-se pois de um erro que se insinua na motivação da vontade negocial do declarante, que recai sempre nos motivos determinantes dessa vontade. Pode portanto chamar-se-lhe, com os alemães chamam, erro-motivo (Motivirrtum). Eis a definição dada por Manuel de Andrade[9]. O erro-vício incidente sobre o objecto do negócio pode recair sobre a sua identidade ou sobre as qualidades desse objecto. A essencialidade exigida pela norma legal consiste em ter tido o erro um papel decisivo na determinação da vontade do declarante, por maneira que, se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas, não teria querido de modo nenhum concluir o negócio. Erro essencial é pois o que deu causa ao negócio (causam dans). É suficiente que tenha contratado também por causa do erro, de tal sorte que sem o erro teria desistido em absoluto de contratar. O erro essencial é aquele que --- isoladamente ou ainda que em colaboração com alguma outra circunstância --- levou o errante a concluir o negócio, em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído[10]. Na jurisprudência tem sido entendido que uma qualidade é essencial quando se mostra decisiva para a celebração do negócio, conforme a finalidade económica ou jurídica deste[11]. Poderão estar em causa a constituição material do objecto e aquelas condições factuais e jurídicas (ou, dito de outro modo, o objecto material e o objecto jurídico) que, pela sua natureza e duração, influem no valor ou no préstimo desse objecto. Assim, deve entender-se que o erro é essencial quando o declarante não teria realizado o negócio ou teria realizado um negócio essencialmente diferente, de outro tipo, se conhecesse o erro[12]. De outro passo, a essencialidade do erro deve ser analisada sob o aspecto subjectivo do errante ou do contraente enganado (deceptus), ou seja daquele que haja sido levado a formular uma ideia inexacta acerca do objecto do negócio, sem a qual a declaração negocial não teria sido emitida nos precisos moldes em que o foi. Mas o negócio só é anulável se o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a referida essencialidade; ou seja se souber ou dever saber que sem o erro-vício o declarante não teria celebrado o negócio, ou teria concretizado negócio essencialmente diferente. Este conhecimento ou cognoscibilidade respeita à essencialidade e não ao erro. É indiferente que o declaratário conheça ou não o erro[13]. Já se entendeu também que o erro tem que ser desculpável ou escusável, no sentido de que, nele, nas mesmas circunstâncias, teria incorrido também uma pessoa normal, mas esta exigência foi praticamente abandonada com a vigência do actual Código Civil. No caso dos autos, não está em causa um erro vício sobre a natureza ou efeitos (objecto imediato ou conteúdo do negócio) da compra e venda que, como é sabido, consiste, para além dos outros efeitos a que se refere o art. 879°, na transmissão da propriedade. Discute-se o erro sobre o objecto mediato do negócio jurídico, o quid sobre que incidem os efeitos jurídicos do contrato[14], mais concretamente determinadas condições factuais e jurídicas que influem no valor e no préstimo do bem objecto do contrato-promessa. A recorrente invoca motivos determinantes da sua vontade relacionados com o objecto do negócio, pelo que não é de colocar aqui a situação regulada pelo art.º 252º, nº 1. Na reconvenção, a R. alegou que o contrato foi celebrado com vista à instalação no local do prédio de um depósito de sucata, veículos sinistrados e rebocados, pois que o terreno em causa preenchia todos os requisitos em termos de dimensão e localização, para o efeito pretendido pela sociedade compradora, que a 1ª A. e o seu marido tinham conhecimento de que a R. celebrou o aludido contrato para a finalidade identificada no artigo antecedente e que a prossecução de tal escopo era condição sine qua non para a celebração do contrato (art.ºs 9º e 10º). E ainda que era do conhecimento dos promitentes-vendedores que, para a celebração da escritura, a R., teria que solicitar um pedido de financiamento bancário para pagamento do montante entretanto acordado, condição sem a qual não poderia celebrar o negócio. Esse pedido de financiamento foi recusado com base no facto de o prédio se encontrar localizado em denominada Reserva Agrícola Nacional, razão pela qual nenhuma edificação nem tampouco a actividade pretendida (depósito de sucata) ali poderia ser empreendida (matéria alegada sob os art.ºs 17º e 18º da contestação). A R. acrescenta que tal factualidade foi transmitida aos A.A. mediante carta tendo contudo a R. na sua boa fé transmitido também a intenção de concretizar o negócio ainda que sem o dito financiamento ou, em alternativa, a resolução consensual do mesmo (art.º 19º da contestação). Aquela alegação resultou fortemente restringida nos factos provados: A R. tinha em vista a instalação naquele local de um depósito de sucata, veículos sinistrados e rebocados, pois que o terreno em causa preenchia todos os requisitos em termos de dimensão e localização, para o efeito pretendido, inerente à sua actividade comercial. Só por isso celebrou o contrato promessa. A 1ª A. e o seu marido tinham conhecimento de que a R. celebrou o aludido contrato com aquela finalidade. Mas, afinal, a R., por impedimento legal, não podia afectar o prédio à actividade pretendida. E só em Fevereiro de 2004, quando quis vedar o prédio, tomou conhecimento, por informação administrativa prestada pelo IEP, de que a utilização do prédio implicava uma redução de sete metros ao longo da estrema situada junto à zona da AE. Esta restrição verificava-se já na data da celebração do contrato que a R. pretende que seja anulado. Porém, não logrou adesão de prova a alegação final do quesito 17º, de que a 1ª A. e o marido estivessem cientes de que a possibilidade de prossecução daquele escopo no terreno era condição sem a qual o contrato não seria celebrado. O mesmo é dizer que não ficou provado que os promitentes-vendedores soubessem que o terreno, caso não tivesse aptidão para aquele fim, não tinha qualquer interesse para a R., que não o adquirira[15]. Neste circunstancialismo, pode assentar-se em que era importante para a R. que o prédio tivesse a referida capacidade. Não teria subscrito o contrato-promessa se então conhecesse que não poderia utilizar o terreno para aquele fim (item 37º). Todavia, como observámos já, a anulação não depende apenas da verificação desse requisito; também é necessário que a essencialidade do facto seja do conhecimento do declaratário; isto é, os promitentes-vendedores teriam que saber, não apenas que a promitente-compradora pretendia afectar o terreno a um determinado fim, como também que sem a possibilidade dessa afectação não teria interesse em contratar ou contrataria de modo diferente ou, pelo menos, que não deviam ignorar a grande importância que essa afectação tinha para a futura adquirente. O negócio só seria anulável se os declaratários conhecessem ou não devessem ignorar a referida essencialidade; ou seja, se, de alguma forma conhecedor do processo psicológico de determinação da vontade da R., soubessem ou devessem saber, naquelas circunstâncias, que sem o erro-vício a declarante não teria celebrado o negócio, ou teria concretizado um negócio essencialmente diferente (sendo indiferente que conhecessem o erro). Ora, a R. não provou que os promitentes-vendedores, ao celebrarem o contrato, conhecessem ou devessem conhecer a importância para o declarante do elemento sobre o qual ela própria estava em erro[16]. De outro modo, nem expressa nem tacitamente os promitentes-vendedores reconheceram a sua essencialidade. E não querendo aqui defender a relevância da escusabilidade (ou desculpabilidade) do erro para efeito de anulação do negócio jurídico, a verdade é que, perante a facilidade que a R. tinha de se informar junto do Município sobre a legalidade do fim almejado para o prédio, antes da celebração do contrato, o erro da R. torna-se grosseiro aos olhos de qualquer pessoa medianamente avisada e conhecedora da realidade inerente ao comum das transacção imobiliárias no mercado. É sabido, aos olhos do cidadão comum, que ninguém compra um prédio com um fim específico sem se informar se o pode afectar em conformidade com o fim desejado. Dada esta facilidade, torna-se inexigível que tenha que ser o vendedor a procurar saber se o prédio serve um qualquer interesse do comprador. E não se provou também que os promitentes-vendedores tenham sonegado qualquer informação que conhecessem. Improcede, assim, o pedido de anulação do contrato com base em erro-vício, por falta de prova do conhecimento ou de factos de onde se extraia o dever de conhecimento dos promitentes-vendedores de que, sem a afectação ao fim previsto pela R., o negócio não teria para ela qualquer interesse. * 2- Passamos à análise da invocada “relevante alteração de circunstâncias nos termos do art.º 437º do Código Civil, com a consequente alteração das prestações contratuais segundo um padrão de equidadeSegundo a apelante o tribunal deveria ter fixado um novo preço a pagar pela R. na compra do prédio, em virtude dele sofrer duas desvalorizações: não consente a prática do fim a que a R. o destinava e fica reduzido na sua área pela obrigatoriedade de recuo de sete metros relativamente à zona da AE. Sem aquelas qualidades, o prédio não tem o valor patrimonial alcançado pelas partes aquando da celebração do contrato-promessa. Dispõe o art.º 437º, nº 1, que “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”. É requisito indispensável (além de outros) que haja uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar. É preciso que essas circunstâncias se tenham modificado. Nada tem, portanto, esta providência com a teoria do erro acerca das circunstâncias existentes à data do contrato. E, além disso, é necessário que a alteração seja anormal.[17] Em sentido semelhante, António Pinto Monteiro[18], comparando esta figura ao erro-vício, ensina que este “consiste no desconhecimento ou numa falsa representação da realidade; se, pelo contrário, a falsa representação se reportar ao futuro, é a previsão que falha ou o quadro de acontecimentos pressuposto que não se verifica ou evolui em termos diferentes do previsto, caso em que será de recorrer ao instituto da alteração das circunstâncias e apurar se essa falsa representação reúne os pressupostos que este instituto requer para relevar juridicamente”. Uma deficiente previsão do evoluir das circunstâncias --- um “error in futurum” ou de pressuposição ---releva se e na medida em que se verifiquem os requisitos do art.º 437°; não é um caso de erro nem tem autonomia em face desta norma. Esta figura jurídica constitui um desvio à regra da segurança das relações jurídicas, sendo a sua aplicação excepcional, nas situações em que às vantagens da segurança, aconselhando a irrevogabilidade, opõe-se um imperativo de justiça, que reclama a modificação do contrato, pela necessidade de reequilibrar as prestações contratuais. A alteração das circunstâncias do negócio implica a não verificação de uma circunstância pressuposta ou de uma pressuposição, sempre que a evolução do circunstancialismo não foi considerada pelo declarante[19]. Ora, no caso sub judice, não está demonstrado que as circunstâncias invocadas sejam posteriores à celebração do contrato. É natural que já ocorressem na data da celebração do contrato-promessa, em 18 de Junho de 2001, tão-pouco sem que posteriormente tivessem sofrido agravamento caracterizador da anormalidade circunstancial justificativa da revisão contratual. O que aconteceu após o contrato-promessa não foi mais do que a constatação de circunstâncias previamente existentes e com as quais a R. poderia ter contado. Não há, por isso, uma modificação (relevante) das circunstâncias em que as partes assentaram o negócio. Afastamo-nos, assim, deste instituto jurídico, sendo infundado o pedido reconvencional de modificação do contrato ao abrigo do art.º 437º, nº 1. Mas, poderia ainda uma anulabilidade resultar da eventual aplicação do nº 2 do art.º 252º, desta feita pela verificação de uma situação de erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, sendo então aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negocio foi concluído, assim, os art.ºs 437º a 439º, “desde que a exigência das obrigações assumidas afecte gravemente os princípios da boa é e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”. Como refere o prof. Mota Pinto[20], “são hipóteses do tipo daquelas em que a não verificação da pressuposição releva e nelas estão sem dúvida abrangidos os casos em que um dos contraentes tira dum bem um rendimento especial, por força do errado convencimento da outra parte acerca da verificação dum evento não normal…. Caso em que a contraparte aceitaria ou, segundo a boa fé, deveria aceitar um condicionamento do negócio à verificação da circunstância sobre que incidiu o erro, se esse condicionamento lhe tivesse sido proposto pelo errante --- e isto porque houve representação comum de ambas as partes da existência de certa circunstância, sobre a qual ambas edificaram, de um modo essencial, a sua vontade negocial”. Muito próximo da doutrina consagrada sob o art.º 661º do Código de Seabra, é de considera que tal erro só produz anulabilidade do negócio havendo engano declarado ou provando-se pelas circunstâncias do contrato, igualmente conhecidas da outra parte, que só por essa razão e não por outra contratara[21]. Daí que a ideia central do art.º 252º, nº 2, seja a de que se há-de tratar de um erro bilateral sobre condições patentemente fundamentais do negócio jurídico. Não é este, com evidência, o enquadramento legal do caso, pelo que também soçobra qualquer fundamento de anulação por erro sobre circunstâncias que constituem a base do negócio (art.º 252º, nº2). * 3- A questão do direito à indemnização correspondente à perda de rendimento do prédio devida à invocada ocupação abusiva pela R.Satisfazendo integralmente um dos pedidos dos A.A., a sentença recorrida condenou a R. a pagar-lhes a quantia mensal de € 1.366,00, a contar de Maio de 2009, até à entrega do prédio, correspondente ao seu valor locativo contado desde a comunicação da resolução até ao cumprimento da obrigação de restituir, ainda como efeito da resolução do contrato e aplicação do art.º 289º, nº 1. A R. alega no seu recurso que tal valor foi estabelecido com base em “circunstâncias de facto de todo desfasadas da realidade”, violando o princípio constitucional da proporcionalidade e da proibição do excesso. Na verdade, havendo que considerar válida e eficaz a resolução, a R. não discute o dever de indemnizar os A.A. pelo valor locativo do prédio[22]; o que entende é que o valor atribuído foi excessivo, pelo que, aliás, começou por impugnar a resposta ao quesito 15º da base instrutória, cuja resposta do tribunal a quo foi de “provado”, ou seja, “provado que até à presente data, não procedeu à entrega do prédio às A.A., tendo o mesmo um valor locativo mensal nunca inferior a € 1.366,00”. Acontece que já neste recurso aquela resposta foi restritivamente alterada para a seguinte: “Provado apenas que até à presente data, não procedeu à entrega do prédio aos A.A., prédio esse com valor locativo” por se ter considerado inaceitável o estabelecimento daquele valor. Não estando em causa o direito à indemnização, mas a respectiva base de cálculo e quantificação, nada obsta a que se relegue a sua determinação para oportuna liquidação nos termos do art.º 661º, nº 2, do Código de Processo Civil, desde já se consignando que, para o efeito, releva, não o rendimento próprio de qualquer actividade semelhante à que foi exercida no prédio pela R., mas o rendimento que poderia ser obtido em condições de mercado num aproveitamento normal do espaço do prédio, com respeito pela lei, nomeadamente pelos instrumentos de organização e gestão territorial (que não consentem o parqueamento de automóveis). * Decorre do exposto que, na parcial procedência da apelação, haverá que revogar parcialmente a sentença na matéria da acção, mas apenas em razão da parcial improcedência do item 4º do seu dispositivo, resultante da necessidade de relegar a determinação da indemnização para oportuna liquidação. No mais, designadamente na matéria da reconvenção, o recurso é improcedente. * SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil):1- Para efeitos de erro-vício sobre o objecto do negócio (art.º 251º do Código Civil), compete ao contraente enganado (deceptus) fazer prova da essencialidade do erro sob o aspecto subjectivo do próprio errante, mas também de que o declaratário conhecia ou não devia ignorar essa essencialidade (sendo indiferente que este conheça o erro). 2- Para obter a anulação de um contrato-promessa de compra e venda de um prédio por erro sobre o objecto, não basta ao promitente-comprador alegar e provar que, por força de um regulamento municipal, não poderia concretizar a afectação do imóvel a um fim por ele previamente determinado e que este era conhecido do promitente-vendedor à data da celebração da promessa, sendo também indispensável que, por meio de factos concretos, demonstre que o último conhecia ou não devia ignorar que sem aquela aptidão legal o prédio não interessava ao adquirente e este não teria celebrado o negócio ou tê-lo-ia celebrado de modo essencialmente diferente. * V.Pelo exposto, de facto e de Direito, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, altera-se o item 4º dos dispositivo da sentença recorrida, condenando-se a R. a pagar aos A.A. uma indemnização correspondente ao valor locativo mensal do prédio objecto do contrato-promessa, nas condições do seu normal aproveitamento dentro das condições legais fixadas nos instrumentos de organização e gestão territorial (que definem os limites da afectação urbana e rural dos prédios), a contar de Maio de 2009 até à entrega do prédio, a liquidar oportunamente. Em tudo mais se mantém a decisão recorrida. * Em matéria de custas:- As da apelação são a cargo da recorrente e das recorridas, na proporção de 6/7 e 1/7, respectivamente. - Mantêm-se as custas da acção fixadas em 1ª instância, sem prejuízo da sua correcção aquando da liquidação relegada. * Porto, 20 de Dezembro de 2011* Filipe Manuel Nunes Caroço Fernando Manuel Pinto de Almeida Maria Amália Pereira dos Santos Rocha ___________________ [1] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 346/2009, in DR 2ª Série, de 18.8.2009, citando Lopes do Rêgo, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª ed., pág. 610. [2] Temas da Reforma do Processo Civil, II vol. pág. 257, nota 346. [3] Cf. Abrantes Geraldes, em “Reforma dos Recursos em Processo Civil”, Revista Julgar, n.º 4, Janeiro-Abril/2008, págs. 69 a 76; idem, mesmo Autor em “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2008, págs. 279 a 286, Amâncio Ferreira, em “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 2008, pág. 228, e Acs. do STJ de 01/07/2008 - processo 08A191, de 25/11/2008 -processo 08A3334, de 12/03/2009 - processo 08B3684 e de 28/05/2009 - processo 4303/05.0TBTVD.S1, e desta Relação de 17/11/2009 – processo 140/08.8TBMDR.P1, todos in www.dgsi.pt, citados no acórdão desta Relação de 28.9.2010, in www.dgsi.pt. [4] Auto-estrada. [5] Mas não era indispensável a sua fixação. Pode provar-se a essencialidade do erro e o conhecimento dessa sua importância, com recurso a outros meios de prova, designadamente testemunhal. [6] Revogando o regime jurídico anterior, aprovado pelo Decreto-lei nº 196/89, de 14 de Junho. [7] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem. [8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.1.2005, doc. nº SJ200501200043492, in www.dgsi.pt. [9] Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1974, Vol. II, pág. 233. [10] Manuel de Andrade, ob. cit., pág.s 237 e 238. [11] Entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.1.2005, doc. nº SJ200501200043492, in www.dgsi.pt. [12] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Ed., pág. 509; Horster, A Parte Geral do Direito Civil Português, Teoria Geral do Direito, pág. 560; Acórdão da Relação de Lisboa de 5.5.94, Colectânea de Jurisprudência, T. III, pág.s 81 e seg.s (pág.85, na lª coluna). [13] Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito. Civil, edição de 1983, 2.°, pág. 285. [14] Manuel de Andrade, ob. e vol. cit., pág. 327. [15] E também não se provou que os promitentes-vendedores conhecessem a proibição legal de prossecução do fim almejado pela R. [16] Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, 1979, AAFDL, T. III, pág.s 211 e 212. [17] P. Lima e A. Varela, Código Civil anotado, 2ª edição, vol. I, pág. 363. [18] Erro e Vinculação Negocial, Almedina, 2002, pág.s 17 e 18. [19] Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 4ª edição, pág.s 605 e seg.s. [20] Ob. cit., pág.s 515 e 516. [21] Castro Mendes, ob. e vol. cit., pág. 212, nota 1. [22] O que, desde logo, pela delimitação efectuada, nos afasta da discussão da existência desse direito (art.º 684º do Código de Processo Civil). |