Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA | ||
Descritores: | HABILITAÇÃO NOTARIAL POSSUIDOR PRECÁRIO TRANSMISSÃO POR SUCESSÃO AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO SUCESSÃO NA POSSE REGISTO PREDIAL | ||
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Nº do Documento: | RP201710121568/09.1TBGDM.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/12/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 107, FLS.2-24) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - As partes podem confessar os factos, confessar o pedido ou mesmo reconhecer qualidades jurídicas, mas, neste caso, apenas quando as mesmas não são precisamente o objecto do processo ou determinantes para a solução do caso. II - No domínio do Decreto nº 2 de 25 de Dezembro de 1910 – Lei da Protecção dos Filhos – o filho ilegítimo só era herdeiro do progenitor se tivesse sido perfilhado ou reconhecido legalmente. III - A habilitação notarial de herdeiros é um documento contendo uma declaração destinada a atestar que determinada pessoa tem a qualidade de herdeiro (facto positivo que deve ser provado documentalmente e o notário deve verificar) e que não há mais quem tenha idêntica ou melhor posição hereditária (facto negativo afirmado pelas declarações dos intervenientes na escritura e que o notário não verifica), o qual tem o mesmo valor de uma habilitação judicial e serve para titular a qualidade de herdeiro na realização dos actos especificamente previstos no art. 86.º do Código do Notariado. IV - A habilitação notarial é juridicamente ineficaz quando no próprio processo em que é exibida para demonstrar a qualidade de único e universal herdeiro se apura que os documentos que a deviam instruir não demonstram a qualidade de herdeiro e a mesma contém uma afirmação falsa que permitiu ultrapassou um obstáculo legal que impedia a celebração da escritura. V - O descendente que sabe que o bem que explora pertence ao seu antepassado por morte do qual está a correr termos processo de inventário é havido como detentor ou possuidor precário, só assumindo a qualidade de possuidor se o bem lhe for adjudicado na partilha (sucedendo então na posse do antecessor com efeitos à data da abertura da sucessão) ou se inverter o título de posse. VI - Para fazer prova da aquisição por usucapião da propriedade de um imóvel que se afirma ter pertencido a um antepassado, por óbito do qual correu termos processo de inventário que desapareceu, é necessário demonstrar ou que o bem lhe foi adjudicado no inventário e que daí resultou uma sucessão na posse (causal) ou que houve inversão do título de posse e que depois da inversão decorreu já o prazo da usucapião. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação Processo n.º 1568/09.1TBGDM.P1 [Comarca do Porto/Juízo Cíveis do Porto] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, viúvo, contribuinte fiscal n.º ………, residente em …, Gondomar, e outros, que chamaram a intervir como partes principais activas C… e mulher D…, residentes em …, Gondomar, e outros, instauraram acção judicial contra E…, viúva, residente no …, Porto, e outros, formulando os seguintes pedidos:I- serem os autores e os chamados declarados proprietários do “F…”, cuja implantação corresponde sensivelmente ao demarcado a vermelho no doc. n.º 13 e igualmente ao demarcado a vermelho na fotografia atrás junta como doc. n.º 25 (…). II- ser declarado nulo o registo efectuado a favor dos réus na Conservatória do Registo Predial de Gondomar mediante a apresentação nº 48 de 18.11.1999, respeitante ao prédio aí descrito com o nº 4.423 da freguesia de …, e cancelado o referido registo de inscrição da propriedade a favor dos réus. III- ser reconhecido e declarado que o prédio em causa nestes autos é o prédio registado a favor dos réus, ou seja, o prédio descrito com o n.º 4.423, da freguesia de …. IV- subsidiariamente, se assim não se entender quanto aos pedidos formulados em I deverá ser declarado nulo o registo referido no item II e o mesmo cancelado. Para o efeito, alegaram que o terreno designado por F… pertenceu à sua antepassada comum E…, a qual tinha a posse pública e pacífica do mesmo, e que por morte desta e das sucessivas gerações de descendentes e herdeiros, que descrevem em pormenor, a propriedade do F… se transmitiu até aos autores e intervenientes, tal como se lhes transmitiu a posse pública, pacifica e reiterada do mesmo; os réus afirmam serem proprietários do aludido prédio por o terem herdado de um antepassado, o qual logrou inscrever o prédio no registo predial a seu favor, registo que é nulo por enfermar de graves inexactidões que criam incerteza quanto ao seu objecto. A acção foi contestada, por excepção e impugnação, pugnando-se pela improcedência total do pedido, mediante a alegação de que a presente acção não passa da repetição da acção n.º 1051/01 do 2.º Juízo Cível deste tribunal na qual os pedidos ora repetidos pelos autores foram julgados improcedentes, decisão já transitada em julgado, verificando-se a excepção do caso julgado. Quanto ao mérito, defendem que os autores nunca tiveram a posse do terreno que referem o qual se encontra inscrito no registo predial a favor dos réus e pertence-lhes por o terem herdado de G…, estando desde Novembro de 1953 na posse pública, pacifica, titulada e contínua deste e dos seus herdeiros, não enfermando o registo de qualquer vício gerador de nulidade. Em reconvenção pedem a condenação dos autores a pagarem-lhes uma indemnização a liquidar em execução de sentença, alegando que ao intentarem esta nova acção depois de terem perdido a anterior os autores praticam um facto ilícito que impediu os réus de venderem o prédio e usufruírem do produto da venda e lhes causa ainda danos não patrimoniais. No despacho saneador a excepção do caso julgado foi desatendida com o argumento de que nesta acção intervêm do lado activo da lide pessoas (os chamados) que não intervieram na primeira acção e ainda que, atendendo à sua qualidade jurídica, não está demonstrado que os chamados possam ser equiparados às partes da primitiva acção. Após julgamento, foi proferida sentença julgando a acção e a reconvenção improcedentes, e absolvendo os demandados dos pedidos formulados pelos demandantes. Notificados desta decisão, os réus interpuseram recurso da “decisão proferida no despacho saneador” que julgou “improcedente a excepção de caso julgado”. Os autores defenderam que este recurso não era admissível e devia ser indeferido. A seguir vieram os autores apresentar recurso de apelação da sentença, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões (só na parte que agora aqui releva): […] II- Do reconhecimento de questão prejudicial: 9. Como resulta do especificado em M), P), Q), R), S), T), e U), as partes aceitaram que a H…, era proprietária do F…, necessariamente em 23 de Setembro de 1896 e que tal campo se mostra identificado a vermelho na planta junta como documento 76. 10. Tal acordo tem-se discutido se vale como confissão de pretensão implícita, a que se aplica o regime da confissão do pedido ou como confissão do pedido ou como confissão – meio de prova. 11. Em qualquer dos casos, e nos presentes autos, tal vale como facto assente, pois a confissão não pode ser afastada por qualquer outro meio de prova, salvo quando se exigir prova legal, o que não ocorre. A situação é mesmo exemplo académico. III- Da sucessão da H… (da necessária procedência da presente acção): 12. Aceite que a H… era em 23 de Setembro de 1986 a proprietária do F…, a presente acção não pode deixar de proceder sem outros considerandos. 13. A posse não é senão a tutela da aparência do direito de propriedade ou outro direito real. 14. A acção, que se configura como uma acção pessoal com base na usucapião, assim foi proposta por falta de comprovação da propriedade de H…, só obtida na pendência da acção, por acordo. 15. A propriedade prova-se por qualquer forma legítima de adquirir e a H…, adquiriu a propriedade do F… em meados do século XIX, não se sabendo como, nem de tal existe ou, pelo menos, é conhecido, qualquer título legítimo. 16. Por falta do aludido título, não se prevendo o acordo realizado, recorreu-se à aquisição originária – a usucapião. 17. Provando-se agora, por acordo, a propriedade, cumpre notar que esta é mais do que a simples aparência do direito, mas sim, a próprio direito. 18. O direito de propriedade investe o seu titular em todos os poderes que e possam exercer sobre a coisa. 19. O titular da propriedade pode, no direito que lhe assiste de conservação desta, de recorrer às acções reais, como a reivindicação, ou às acções pessoais, como as acções possessórias. 20. O escopo da acção real de reivindicação é a recuperação da posse, o que legitima que possa recorrer directamente as acções possessórias – “jus possidendi”. 21. O justo título de transmissão da propriedade pode servir na acção possessória “ad demonstrandam possessionis”, ou seja como facto indutor da posse, e, casos há em que só tal se verifica, como a posse do herdeiro, antes da “aprehensio”, ou quando o titular do direito real não é, ele próprio, o detentor da coisa (vide no actual Código Civil o art.º 1264º nº 2). 22. Óbvio que tal pressupõe que o demandado não conteste o domínio do transmitente, neste caso o autor da herança, pois, se contestar, a acção alterar-se-ia de acção pessoal possessória, para acção real sobre o domínio. 23. A H…, sucedeu seu filho I…, e, sucedeu “ab intestato”, porque era seu filho e seu herdeiro legítimo (artº 1968º do Código e Seabra), pois era seu filho legítimo e estes sucedem a seus pais (artº 1985º do Código de Seabra). 24. O I… teve de J… dois filhos ilegítimos, K… e L…, sendo os seus únicos filhos, os quais lhe sucedem (art.º 1900º do Código de Seabra). 25. Os efeitos da sucessão dependem no Código de Seabra da aceitação da herança, pois ninguém é obrigado a aceitar uma herança que não quer. A aceitação da herança é um acto voluntário e livre. Até à aceitação a herança permanece como herança jacente (artº 2021º do Código de Seabra). 26. A aceitação da herança pode ser expressa ou tácita (artº 2027º do Código de Seabra). É expressa quando o herdeiro toma essa qualificação em acto público ou privado (§ 1 do artº 2027º do Código de Seabra). A aceitação é tácita (artº 2028º do Código de Seabra), quando o herdeiro pratica, com paridade actos que a induzem como no caso ocorre em que os herdeiros aí implantam couves tronchas, nabos e nabiças e, posteriormente, como seus proprietários fossem, permitiam a terceiros aí roçar mato ou explorarem faixas de terreno mediante o pagamento de produtos da exploração. 27. Os herdeiros aceitaram a herança em acto público – habilitação notarial. 28. Os Autores de forma expressa e tácita aceitaram e são os únicos que o fizeram e o comprovam, e, quase 100 anos de há muito, nos termos do artigo 2017º do Código de Seabra, prescreveu o direito de qualquer outro eventual herdeiro – 30 anos. 29. O prazo usucapiativo, dado que há, por acordo, justo título de aquisição e boa fé, que se presume, de 15 anos. 30. De 23 de Setembro de 1896, somando a posse da H… à da K… e L…, que tiveram a posse efectiva até finais dos anos 30 do século passado e após essa data, como seus proprietários fossem, cediam a exploração do tereno a terceiros, de há muito havia decorrido o prazo usucapiativo de 15 anos. 31. A posse, no caso dos autos demonstra-se pela propriedade (ad demonstrandam possessionis) e, dado que há justo título, nem sequer tem que ser efectiva, cumpriu os prazos usucapiativos. 32. No caso dos autos comprova-se a transmissão do domínio pela sucessão e ainda o prazo usucapiativo, que igualmente fundamente a aquisição. 33. Os Autores, que fundamentam a sua sucessão, documentalmente por habilitações notariais, são os proprietários, sem mais considerandos, do F…. IV – Impugnação da decisão da matéria de facto (da usucapião com base na posse efectiva de K… e L…) 34. Dos concretos pontos de facto que consideramos incorrectamente julgados: a matéria de facto constante dos itens 71, 72, 73 e 74 da petição inicial. 35. Dos concretos meios probatórios constantes do processo e da gravação realizada que impunham uma decisão sobre esses pontos da matéria de facto, diversa da recorrida: 36. a) – Os factos assentes nos autos, por acordo celebrado, entre autores e réus, na audiência de julgamento de 2/11/2015, referenciados nas alíneas A) a AQ), na douta sentença em apreço, que aqui se dão como reproduzidos e integrados (com as correcções por se tratar de lapso de escrita na douta sentença- das alíneas R) e T) de “Campo M…” para “Quinta M…” – correspondentemente ao constante dos itens 26 e 28 da P.I. e ao acordo celebrado entre as partes no audiência de julgamento e 2/11/2014) b) - Prova Documental: 1. a referida pela Mma. Juiz "a quo" a fls. 27 da sua douta sentença e ainda2 Docs. n.º 16 a 24 juntos aos autos com a P.I. (certidões de nascimento dos filhos da K…, ora autores); Doc. n.º 27 junto aos autos com a P.I. (certidão da descrição predial n.º 7433, resultante do registo de aquisição pelo G…, da compra dos artigos rústicos 1754, 1755 e 1756, a que se reporta o documento n.º 26, também junto com aquele articulado) Doc. n.º 28 junto aos autos com a P.I. (certidão emitida pela 1ª Repartição de Finanças de Gondomar, relativamente aos citados artigos rústicos); Doc. n.º 30 junto aos autos com a P.I. (planta com representação, a tracejado preto sobre fundo verde, das casas - artigos 499 e 500 - compradas pelo G…, referidas no doc. n.º 26 junto com a P.I. e, a amarelo, do traçado da Avenida …, a que se refere a declaração de expropriação junto aos autos como doc. n.º 29); Doc. n.º 32 junto aos autos com a P.I. (certidão emitida pela 1ª Repartição de Finanças de Gondomar sobre os artigos rústicos 1326, 1329, 1354 e urbano 6303); Doc. n.º 34 junto aos autos com a P.I. (certidão que ilustra o "modus operandi" do registo da descrição n.º 4423 favor dos ora Réus, em 18/11/1999). Doc. n.º 36 junto aos autos com a P.I. (documento contendo a negociação que a C. M. de Gondomar efectuou, em 10/05/1999 com os Réus, para a instalação da Biblioteca em parte do terreno em causa nos autos e declaração que pediu e obteve dos autores, em 15/04/2003, a esse propósito). Doc. n.º 5 junto com a Réplica e doc. n.º 5 junto aos autos em 10/05/2013 (fotocópias certificadas da certidão judicial do inventário orfanológico por óbito de H…, que correu pelo 2º ofício da 1ª Vara Cível da Comarca do Porto, com autuação em 20/04/1918 e termo em 16/02/1933, constituído por 4 volumes e 5 apensos, em que desempenhou as funções de Cabeça de Casal a já referida J…); Doc. n.º 2 junto aos autos com o Requerimento probatório dos autores, apresentado em 2/01/2014 (declaração emitida pela C.M. de Gondomar a respeito do doc. n.º 36 supra referido); Doc. n.º 3 junto também com o mesmo Requerimento probatório (ofício dirigido aos autores, pelos Bombeiros Voluntários N…, em 14/03/2006, a solicitar autorização para ocupação, em parte do terreno em causa nos presentes autos, de uma barraca de diversões); Doc. n.º 4 junto também com o citado Requerimento probatório (certidão emitida pela Junta de Freguesia de …, Gondomar, a identificar os nomes dos arruamentos e locais assinalados nas zonas confrontantes com o terreno em apreço no presente processo); c) Da gravação As seguintes passagens dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos autores: O…: [segue-se a indicação dos minutos da gravação]; P… [segue-se a indicação dos minutos da gravação], Q… [segue-se a indicação dos minutos da gravação], S… [segue-se a indicação dos minutos da gravação], T… [segue-se a indicação dos minutos da gravação],“a contrario”, as seguintes passagens dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos Réus a) de “ouvir dizer…..” (cf. douta sentença) e b) de que de concreto nada sabem: U… [segue-se a indicação dos minutos da gravação], V… [segue-se a indicação dos minutos da gravação], Esta testemunha mentiu até ao tribunal por duas vezes de forma clara [segue-se a indicação dos minutos da gravação]. 37. Da decisão que, em nosso entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas. Em nosso entender, as questões de facto impugnadas (os referidos itens 71º, 72º, 73º e 74º da P.I.) deveriam ter sido dados como provados nos termos a seguir expostos: Item 71º- Provado; Item 72º - Provado; Item 73º- Provado; Item 74º- Provado apenas que tal facto sempre foi e é notório em Gondomar, sendo o F… conhecido desde inícios/meados do século passado, indistintamente como terreno dos “W…” ou dos “X…” ou dos “W… e X…”. 38. O que só não sucedeu em virtude de erros graves (12) cometidos pela Meritíssima Sr.ª Juíza assinalados de fls. 107 a 155, deste recurso, 39. A posse efectiva de K… e do L… foi pacífica, porquanto assim o disseram as testemunhas arroladas pelos Autores e resulta da análise critica que fizemos das provas que são verazes, como demonstramos. 40. Nem doutra forma se pode considerar, porquanto o empossamento da K… e do L… se deu por sucessão de seu pai, I…, cujo óbito ocorreu em 15/07/1921 (al. d) dos factos assentes) e os filhos sucedem aos pais. Assim o empossamento deu-se sem qualquer acto de violência e sem lesar direitos de terceiro. 41. A posse de K… e do L… foi pública porquanto assim o disseram as testemunhas arroladas pelo autores e resulta da análise critica que fizemos, que são vorazes, como demonstramos. 42. Nem doutra forma se pode considerar, atenta a natureza dos actos possessórios praticados, que se traduziram em actos de exploração agrícola, aí plantando, nomeadamente couves e pencas e outros hortícolas, que inclusive se destinavam a alguma venda, actividade esta que, obviamente, teria que se realizar à vista de toda a gente. 43. Acresce ainda que tinham que vigiar a produção, pois sendo o F… no centro de Gondomar, a não o fazerem, abriam um supermercado gratuito a céu aberto. 44. A normal constatação dos factos sociais, por esta via, torna logica e credível a versão vinculada aos autos pelas testemunhas arroladas pelos autores. 45. A posse da K… e do L… não sofreu interrupções ou soluções de continuidade porque assim o disseram as testemunhas arroladas pelos autores e resulta da análise critica que fizemos que é veraz, conforme o explicitado. 46. Resulta da matéria apurada que desde o empossamento pela morte do pai, em 15.07.1921, até finais dos anos 30, a posse lhes competiu. 47. A interrupção pode ser natural ou civil (artº 552º do Código de Seabra). 48. A interrupção natural implica que outrem passe a possuir por mais de um ano. 49. Atento a que a K… e o L… exerceram a posse efectiva de 15.07.1921, até finais dos anos 30, não houve interrupção natural, pois foi sempre exercida directamente por estes. 50. A interrupção civil pressupõe acção judicial, que não precisa de alterar a posse, mas é dirigida a impugnar a situação possessória ou a não legitimidade da mesma promovida pelo proprietário ou pelo titular do direito real em apreço. 51. Trata-se da demonstração de um facto negativo, ou seja, que não houve qualquer acção ou citação. Ocorrem aqui as “facilioris probationes”, ou seja, se ninguém referir qualquer acção ou citação (como sucede no caso em apreço) é e admitir como veraz a afirmação daqueles que referem a continuidade da posse – no caso, as testemunhas arroladas pelo autores, pois que as arroladas pelos réus nenhuma acção ou citação referiram, e os réus, em sua contestação, também o não referem. 52. No caso em apreço, a posse dos autores ancora-se na própria propriedade que pertenceu a H…, a que sucedeu o seu filho e por isso herdeiro, I…. 53. Aceite, como está, esta propriedade, não tem cabimento falar-se de interrupção civil da posse. A acção, que pudesse existir, seria a impugnação do título aquisitivo, ou seja, a propriedade da H…, a qual, porém, nestes autos, está assente. 54. Nestes casos a propriedade serve, como dizem os autores italianos, “ad demonstrandam possessionis”, pois, se não se impugnar o título, a propriedade, sem mais, demonstra a posse. 55. A posse não se suspendeu. Trata-se de um requisito do direito canónico e não respeita à posse em si, mas aquele que a exerce. A posse, validamente iniciada só se suspende, para este efeito, se aquele que a exerce perder a capacidade para tal – isto é perder a capacidade de obrar, embora, se note, que o artº 552 do Código, não alude a tal requisito. 56. A K… e o L… exerceram a posse efectiva de 15.07.1921 até finais dos anos 30, pelo que não perderam nem se suspendeu, em momento algum, a sua capacidade de obrar. 57. A posse da K… e do L…, revela-se, pois, uma posse pacífica, pública, continuada e de boa fé que aliás se presume (artº 478 do Código de Seabra) 58. A sua posse decorreu desde a morte de seu pai, I…, ocorrida em 1921 até finais dos anos 30 de modo directo, decorrendo a partir desta altura como posse mediata, por intermédio de terceiros, a quem, como se proprietários fossem (como o eram, na verdade), concediam a exploração de talhões ou leiras de terreno mediante o pagamento em produtos hortícolas e permitiam ainda o roçar de ervas para o gado. 59. A posse efectiva da K… e do L… conduziu à propriedade do F… aqui em apreço, por usucapião, no prazo de 15 anos a partir do seu começo, que foi com a morte de seu pai, I…, ocorrida em 15/07/1921 e se consolidou em 15/07/1936, pois se tratou de posse titulada “pro hereder” (por sucessão), e sem qualquer vício cognoscível – e portanto de boa-fé como atras já se disse. 60. Pelo que, mesmo por esta via de posse unicamente por si iniciada – e posse efectiva – sempre a K… e o L… seriam proprietários (artº 528º do Código de Seabra). V – Da elisão da presunção registral existente a favor dos réus: 61. A presunção registral a favor dos Réus decorre do registo de propriedade que efectuaram do terreno em apreço em 13.11.1999 (doc. n.º 34 junto aos autos com a P.I.) ou, quando muito, do registo de inscrição de propriedade que efectuou o seu tio, G…, da descrição 7433, em 10.11.1953 (2ª folha do doc. n.º 27 junto aos autos com a P.I.). 62. A presunção registral cede perante a aquisição por usucapião em data anterior àquela. 63. Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse” (artigo 1288º do C.C.) 64. Que mesmo na hipótese ora figurada, é de 15 de Julho de 1921. 65. Ainda que, por mais absurdo, se considerasse o início da posse somente em “finais dos anos 20...” (alínea V dos Factos Assentes) o seu início teria sido sempre anterior ao registo da inscrição pelo G…, em 10.11.1953. VI- Da nulidade do registo efectuado pelos réus (doc. n.º 34 junto aos autos com a p.i.) 66. Conforme decorre das alegações efectuadas no corpo deste recurso sob o mesmo título e da documentação aí referida (para o que remetemos) a conclusão é esta: a) o terreno que integra os artigos 1754, 1755 e 1756 (a tal primitiva descrição 7433) comprado pelo G… ao tal Y… (doc. n.º 26 junto com a P.I.) e a inscrição de propriedade que o G… dela efectuou em seu nome, em 10.11.1953, (doc. n.º 27 junto com a P.I.) nada tem ver com o Campo F… aqui em apreço; b) Esse terreno, após a expropriação para o prolongamento da Av. … em Gondomar, em finais dos anos 70/inícios dos anos 80 do século passado (doc. n.º 29 junto com a P.I.) ficou confinado à zona assinalada a tracejado lilás, no doc. n.º 30 junto com a P.I., que o antigo caseiro do G… (e a mulher do caseiro, Z…) continuaram a ocupar com o cultivo de flores. 67. Quem o diz são os próprios réus e o antigo caseiro do seu tio o referido AB…, no tal processo a que respeita a certidão judicial, junta aos autos, como doc. nº 35 com a P.I. 68. Assim, na referida acção, os réus (aí AA) interpelam o AB… e mulher a que desocupem os terrenos “sitos no gaveto da Avenida …, Largo … e Rua …” em …, Gondomar que, segundo eles, ocupariam sem “qualquer título legítimo” (itens 1º e 4º da P.I. 69. Na contestação o AB… e mulher, respondem que os tais terrenos correspondem ao que resta dos artigos rústicos 1754, 1755 e 1756 e que a sua ocupação dos mesmos é legítima e decorre do contrato de arrendamento rural celebrado com o G… (tio dos Réus) em 1/01/1970 (parágrafos 1º 2º e 3º da Contestação) 70. E juntam-lhe: a) comprovativos de depósito de rendas efectuados em Outubro de 1983 e Outubro de 1984, onde localizam o que restava, então, do tal terreno integrado pelos artigos 1754, 1755 e 1756, como sito “à Avenida … e Rua … em …” e b) uma declaração do G… datada de Julho de 1978 respeitante ao citado arrendamento. 71. Ora, basta cotejar estas afirmações dos réus (aí AA) e do caseiro AB… e mulher (aí RR) com a certidão toponímica passada pela Junta de Freguesia de …, junta aos autos como doc. n.º 4 com o requerimento probatório apresentado pelos autores em 2/01/2014 para logo se constatar, sem margem para dúvidas, que o tal terreno comprado pelo G…, arrendado ao AB…, e herdado pelos ora réus, era, já então (1983 e 1984), o terreno marcado a lilás no citado doc. n.º 30. 72. E terá sido aí (ou por aí...) a tal conversa a que aludiu a testemunha O… - no tal combro, na década de 60, com o G… (gravada de 01-22-31 a 01-24-40 atrás transcrita a fls…. deste recurso) – dado a mesma ter, claramente, ocorrido numa zona de onde se via o Campo F…, zona essa pertencente ao G…. Assim se percebendo que ele tenha dito “isso é dos X… e W…” (referindo-se ao Campo F…) e tenha dito “eu já tenho aqui muito terreno” (referindo-se ao terreno em que estavam a conversar. 73. E essa zona era a ora marcada a lilás no citado doc. n.º 30.) 74. Entretanto, por assim ser, em 17.10.2001, os ora réus e o tal antigo caseiro do tio G…, o referido AB…, celebraram um acordo no aludido processo (cf. referido doc. nº 35), onde, logo a abrir, na cláusula 2ª, consignaram que “Os autores (ora Réus) reconhecem o direito de arrendamento alegado pelos Réus (o tal AB… e mulher)”. 75. Isto é, reconhecem que o AB… havia tomado de arrendamento ao tio G… o tal terreno integrado pelos artigos 1754, 1755 e 1756, e que o mesmo se situava “à Avenida … e Rua … em ….” ou, como os RR melhor precisaram, no “no gaveto da Avenida …, Largo … e Rua …”. 76. Portanto, como se disse atrás, na zona assinalada a lilás no citado doc. n.º 30. 77. Mais claro não se pode ser. 78. O registo a que os réus mais tarde procederam (doc. n.º 34 junto com a P.I.) “levando” esses artigos 1754, 1755 e 1756 para o outro lado da Avenida … (cf. doc. 30) e aumentando-lhes a área total para 34.500 m2 (!!!) decorreu de falsas declarações prestadas para o efeito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, conforme, miudamente, se explicou já no corpo deste recurso sob o título “Da nulidade do registo” e para as quais remetemos. 79. Daí decorrendo a invocada nulidade desse registo, a qual, de resto, é de conhecimento oficioso (art. 286 do C.C.). […] Os recorridos apresentaram resposta a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado, formulando para o efeito as seguintes conclusões (na parte que aqui relavam): […] K. Não se verifica qualquer relação jurídica prejudicial, relativamente à questão a decidir uma vez que os factos em causa, como outros que os ora recorrentes omitem, foram, como se refere na douta Sentença, em sede de audiência de discussão e julgamento, objecto de acordo entre os Ils. Mandatários dos autores e RR., que acordaram em os dar como assentes, “…por correspondência entre o que consta da factualidade alegada nesta acção e na da respectiva acção que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Gondomar sob o n.º 1051/2001”, pelo que, deste modo, estamos perante factos dados como assentes por acordo, e não uma qualquer confissão, factos que foram devidamente tidos em conta pela douta Sentença; L. A posição dos Recorrentes quanto à sucessão de H… e da alegada posse do terreno objecto dos presentes autos parte de vários pressupostos errados que, por isso mesmo, adulteram os raciocínios subsequentes e a conclusão final; M. Quando se referem à alegada posse, e mesmo propriedade, partem do pressuposto da existência efectiva de tal posse ou propriedade, quando, e como muito bem se refere na Douta Sentença (“…antes e apenas, se tendo feito a demonstração da prática de alguns e diversos actos materiais sobre a parcela pelos seus antecessores, entretanto finda, também não se pode dizer que assim actuassem e agissem por se considerarem como donos ou proprietários, tanto mais que a prova produzida pela parte contrária afirmou a inexistência de qualquer posse exercida no terreno pelos antecessores dos autores, não resultando, assim, demonstrado o ‘animus’, face igualmente à escassez de prova nesse sentido também pelos autores”), apenas se pode falar em utilização precária; N. Por outro lado, e ainda parafraseando a douta Sentença, “…Acresce que, não se mostrando ilidida a presunção do art. 7º do Cód. Reg. Predial, nem demonstrada a invalidade da venda realizada de transmissão do imóvel, em 9 de Novembro de 1953, para G…, a quem os RR. sucederam, tem a acção de improceder…”; O. Os Recorrentes não só esquecem, ou pretendem esquecer, aquela venda realizada de transmissão do imóvel para G…, que, desde logo, contraria a sua afirmação de que “A referida propriedade do “Campo F…”, pela H…, não se mostra extinta ou modificada por qualquer facto extintivo ou modificativo”, como não ilidem a presunção; P. Mais: “… nem sequer o fenómeno sucessório se poderá invocar como título legítimo da posse, na medida em que, primeiro, os ditos K… e L… eram filhos (à data da morte do I…, 1921, legalmente classificados de) ilegítimos de I… (recorde-se que este faleceu solteiro, e, na altura, o casamento era o único facto que permitia classificar os filhos como legítimos ou legitimados …, desconhecendo-se (porque facto nem sequer alegado) se ocorreu perfilhação … ou reconhecimento judicial…Ora, os filhos concebidos e nascidos fora do casamento, para beneficiarem da sucessão dos seus pais, deveriam ser perfilhados ou reconhecidos judicialmente … o que simplesmente se desconhece se sucedeu…”; Q. Nunca foi alegada a existência de perfilhação ou reconhecimento judicial; R. E ainda: “… ainda que, independentemente de tais factos, se considere para os efeitos que nos ocupam demonstrada a paternidade da K… e do L…, sendo estes filhos de um filho de H…, nascido em segundas núpcias desta, e tendo a mesma tido filhos do primeiro casamento (quanto mais não seja, a AC…, a quem foi feita a doação …), desconhece-se se houve ou não partilha, e em que termos a mesma teve lugar – logo, desconhece-se se por via sucessória os autores teriam sido encabeçados, e por que forma, na posição jurídica que a H… e/ou o I… alegadamente teriam relativamente ao já famigerado “Campo F…”…”; S. Tudo isto demonstra a necessária improcedência da presente acção; T. No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção criada acerca de cada facto controvertido; U. Os Recorrentes impugnam a decisão de facto porque as testemunhas por si arroladas e os documentos que juntaram indiciariam que a decisão deveria ser diferente. Pretendem, pois, os ora autores Apelantes que este Tribunal de Recurso analise toda a prova produzida, que proceda a uma renovação de julgamento, não sendo esta, porém, e com o máximo respeito, a função, o fim ou a natureza de um recurso sobre a matéria de facto; V. Deverá sempre ser dada prevalência ao princípio da oralidade, da livre apreciação da prova e da imediação no que respeita à decisão sobre a matéria de facto, tal como feita pelo Meritíssimo Juiz a quo; W. A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação da prova e não pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis, de tal modo que a função do Tribunal da 2ª Instância deverá circunscrever-se a “… apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos”; X. Diga-se ainda que grande parte da transcrição feita pelos apelantes das declarações das testemunhas, além de parcialmente seleccionada, tem mais a ver com a credibilidade do que com a contraprova da resposta dada à matéria de facto; Y. Porém, a decisão sobre as matérias dadas como provados resultou do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, e, como será bom de ver, o juízo do tribunal de primeira instância também se fundamentou nas testemunhas que os RR. ora apelados apresentaram; E, ao contrário do que afirmam os apelantes nas suas alegações, a credibilidade delas não foi posta em crise em parte alguma, pelo contrário, e nem isso aqui estaria agora em causa, uma vez que “a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum”; Z. Havendo contradições nos depoimentos das testemunhas só o juiz do julgamento está devidamente habilitado para apreciar qual deles merece melhor crédito tendo em atenção a imediação e oralidade da prova, e não resultando, como não resulta, qualquer erro manifesto na apreciação da matéria de facto, não poderá agora ser alterada a resposta a matéria de facto indicada pelos recorrentes; AA. Considerando que, por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador de primeira instância, se encontra muito melhor habilitado a apreciar a prova produzida – maxime a testemunhal – só em situações extremas de ilogicidade, irrazoabilidade e meridiana desconformidade, perante as regras da experiência comum, dos factos dados como provados em face dos elementos probatórios que o recorrente apresente ao tribunal ad quem, pode este alterar, censurando, a decisão sobre a matéria de facto, pelo que se o Tribunal não deu como provada uma versão e como provada a versão antagónica é porque desta se convenceu em detrimento daquela, o que, a ser acolhida a pretensão dos recorrentes, desde logo implicava que o tribunal ad quem contrariasse toda a convicção formulada pelo Sr. Juiz a quo nesta matéria, e tal não se afigura possível em face das orientações jurisprudenciais expostas e dos elementos probatórios do caso concreto; AB. A fundamentação apresentada pelos recorrentes no que concerne à, alegada, elisão da presunção registral tem as suas raízes na, também alegada, aquisição usucapiativa, pelo que, tendo esta caído, necessariamente cai tal elisão, e tanto basta para, neste aspecto, mostrar à evidência a necessária improcedência da acção quanto a este pedido, e nem mesmo a prova documental, ao contrário do apregoado pelos recorrentes, altera tal facto por não suportarem, de todo, a versão dos factos apresentada por estes, que se limitam a “plantar” nestas alegações o que haviam “plantado” na Petição Inicial, pelo que bastaria agora aos Recorridos, e por notória questão de economia, dar aqui como inteiramente reproduzido e para todos os efeitos legais, o que alegaram em sede de Contestação quanto a este tema, o mesmo se aplicando, igualmente, quanto à questão do pedido de nulidade do registo efectuado a favor dos Réus, remetendo para os artigos 155 a 243 da Contestação. Conhecendo destes recursos esta Relação proferiu Acórdão no qual julgou verificada a excepção do caso julgado com excepção apenas da parte relativa ao pedido de declaração de nulidade do registo predial, absolvendo os réus da instância no que concerne aos restantes pedidos e, em relação a estes, anulando os actos processuais subsequentes, incluindo a sentença na parte em que conheceu do mérito destes pedidos. No mais julgou improcedente o recurso da sentença na parte relativa ao pedido de nulidade do registo e confirmou a sentença recorrida na parte em que julgou esse pedido improcedente. Desse Acórdão foi interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. O Supremo Tribunal, conhecendo do recurso, confirmou o Acórdão recorrido na parte em que considerou verificada a excepção de caso julgado quanto ao pedido de declaração de contitularidade do direito de propriedade apresentado pelos primeiros elementos dos 1º a 9º subgrupos de co-autores e de ambos os elementos do 10º subgrupo de co-autores, e revogou o Acórdão na parte em que decretou a absolvição da instância com respeito às pretensões deduzidas pelos segundos elementos dos 2º, 3º, 5º, 7º, 8º e 9º subgrupos de co-autores e aos intervenientes principais (11º subgrupo de co-autores), determinando a remessa dos autos à Relação para que, relativamente às partes em relação às quais não se formou caso julgado, sejam apreciadas as questões que ficaram prejudicadas pela resposta que a Relação deu à excepção dilatória de caso julgado. Decidiu ainda o Supremo Tribunal de Justiça considerar prejudicada a apreciação da revista no respeitante ao pedido de declaração de nulidade do registo predial contra todos os co-autores. Cumpre decidir dando cumprimento ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com o esclarecimento de que a instância prossegue somente na seguinte parte: i) No que concerne ao pedido de declaração de contitularidade do direito de propriedade somente pelos co-autores AD…, AE…, AF…, AG…, AH…, AI… e pelos intervenientes principais (C… mulher, AJ… e marido, AK… e marido, AL… e marido, AM... e marido, AN… e marido, AO… e marido, sucessores de AP… e marido AQ…); ii) No que respeita ao pedido de declaração de nulidade do registo predial por todos os co-autores e intervenientes principais. II. Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que, relativamente ao objecto fixado pelo Supremo Tribunal de Justiça, decida as seguintes questões:I) Se a decisão sobre os pontos de factos dos artigos 71.º a 74.º da petição inicial deve ser alterada em resultado da reavaliação dos meios de prova. II) Se os réus confessaram que o Campo F… pertencia a H…, e se isso constitui uma relação jurídica prejudicial cujo reconhecimento importa sem mais a procedência do pedido dos autores. III) Qual o valor a atribuir à habilitação notarial de herdeiros por óbito de H… e do filho I… apresentada pelos autores. IV) Se está demonstrada a transmissão da propriedade do Campo F… para os autores por via sucessória desde a antepassada H…. VI) Se está demonstrada uma situação de posse passível de permitir a aquisição do direito por usucapião. VII) Se o registo predial da descrição n.º 04423 da Conservatória do Registo Predial de Gondomar é nulo por enfermar de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere. III. Os factos: Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:A) A 15 de Fevereiro de 1879, H… casou, em segundas núpcias dela, com AR…, tendo sido casada anteriormente com AS… em segundas núpcias deste. B) Do casamento com AR… resultaram dois filhos: I…, nascido a 4 de Junho de 1880, e AT…, nascido a 20 de Abril de 1882. C) A 26 de Fevereiro de 1894 e 31 de Março de 1918 faleceram, respectivamente, AR…[1] e H…. D) A 15 de Julho de 1921 e 5 de Dezembro de 1919 faleceram, no estado de solteiros, os dois filhos de H…, I… e AT…. E) I…[2] … e J…[3], aquele filho de H…, tiveram dois filhos: K… e L…. F) A K… contraiu matrimónio com AW…, e o L… com AX…. G) A 27 de Novembro de 1976 faleceu o marido de K…, tendo ela falecido, no estado de viúva, a 20 de Outubro de 1988. H) A referida K… deixou como seus únicos e universais herdeiros os ora 1.º a 8.º autores, e AY…, todos seus filhos, como resulta da escritura de habilitação de herdeiros outorgada a 13 de Outubro de 1997 no 8.º Cartório Notarial do Porto, junta aos autos. I) O referido AY… faleceu a 5 de Dezembro de 1994, deixando como seus únicos e universais herdeiros a sua esposa, AZ…, e os seus filhos, 9.º e 10.º autores, conforme resulta da escritura de habilitação de herdeiros outorgada a 13 de Outubro de 1997 no 8.º Cartório Notarial do Porto, junta aos autos. J) A 12 de Janeiro de 1999, faleceu AZ…, deixando como seus únicos e universais herdeiros os seus filhos, os mesmos 9.º e 10.º autores, conforme resulta da escritura de habilitação de herdeiros outorgada a 12 de Fevereiro de 1999 no 8.º Cartório Notarial do Porto, junta aos autos. L) O L… faleceu, no estado de viúvo, a 19 de Outubro de 1992, deixando como seus únicos e universais herdeiros os seguintes filhos: C…, AJ…, AK…, AL…, AM…, AN…, e a ora 11.ª autora, AP…, conforme consta da respectiva habilitação de herdeiros, outorgada a 8 de Julho de 1986 no 8.º Cartório Notarial do Porto, junta aos autos. M) Do património pertencente a H… constava uma área de terreno de aproximadamente 100.000m2, sito na que é hoje freguesia de …, Gondomar. N) Nela se englobando uma casa de habitação, engenho de tirar água, cortes de animais, e diversos terrenos que estão a mato e campos lavradios. O) Área essa cujas confrontações não se podem, actualmente, identificar com exactidão, mas cuja implantação correspondia aproximadamente à demarcada a verde na planta topográfica junta a fls. 76. P) A área aludida no referenciado item 23, incluía diversos campos, entre eles o “Campo F…” e o “Campo M…”. Q) Sendo o "Campo M…", por ser o de maior dimensão e importância na época, o que acabou por identificar toda essa área. R) Conhecida até meados do presente século como “Campo M…”.[4] S) A 23 de Setembro de 1896, a H… doou a AC… um terreno denominado “Campo M…”. T) A doação desse terreno, dizia respeito a uma parte do terreno referido em M), e não a toda essa área de terreno, igualmente conhecida na época como “Campo M…”. U) A localização do designado “Campo F…” era a demarcada a vermelho no documento junto a fls. 76. V) Esse terreno foi cultivado até finais dos anos 20 por J…, K… e L… ... X) …aí plantando e colhendo couves, hortaliças e pencas ... Z) …e consentindo a terceiros o roçar de erva para o gado. AA) Depois que a K… casou com o AW…, em 1929, foi viver para …. AB) E a sua ocupação diária passou a ser, daí em diante, cuidar do marido, da casa e dos filhos, que entretanto iam nascendo e assentando a economia doméstica na actividade do marido ourives, por ela ajudado. AC) E, por isso, foi diminuindo o cultivo do “Campo F…”, até que em finais dos anos 30 o cessou completamente. AD) O L…, em meados dos anos 30, foi viver para o Lugar …, em …, Gondomar, exercendo a profissão de marceneiro… AE) …e deixando de cultivar directamente o referido campo. AF) O “Campo F…” passou a ser, assim, um terreno com um aspecto baldio, AG) … local de brincadeiras dos filhos de K… e do L… e amigos de infância… AH) …de AE… para o gado que a K… e o L… consentiam a terceiros… AI) …e, por vezes, do cultivo, em alguma da sua área, de couves e pencas que eles igualmente consentiam a terceiros… AJ) …com a contrapartida da entrega a ambos de uma parte desses produtos. AL) Em virtude do aspecto “baldio”, parte do “Campo F…” passou, em dias de feira ou de festa, a ser ocupado por feirantes… AM) …principalmente nas partes confrontantes com a via pública… AN) …situação que ainda hoje se mantém. AO) Por escritura pública outorgada a 9 de Novembro de 1953, no 2.º Cartório Notarial do Porto, Y… declarou vender, e G… declarou comprar, diversos prédios de entre os quais o chamado "AB…", que se encontrava inscrito na matriz rústica sob os artigos 1754.º, 1755.º e 1756.º, sitos no Lugar …, …, Gondomar, neles se incluindo o designado “Campo F…”, sendo que nenhum destes prédios se encontrava, ainda, descrito na competente Conservatória do Registo Predial, tendo sido exibidos na referida escritura uma certidão de omissão da descrição dos prédios na 3.ª Secção da 1.ª Conservatória do Registo Predial do Porto e o conhecimento do pagamento de sisa n.º 353. AP) O prédio rústico, denominado “AB…”, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, sob o n.º 04423, inscrito na matriz, sob o artigo matricial rústico de … n.º …., foi extractado do prédio n.º 7443 a fls. 187 do Livro B-20, e encontra-se inscrito a favor dos réus por o haverem adquirido por sucessão hereditária de G…. AQ) Em finais do ano 2000, os autores viram afixadas no terreno registado em nome dos réus, placas da sociedade de Mediação Imobiliária "AC…", a promover a venda do mesmo e contactaram a referida sociedade para saberem o que se passava, tendo sido informados que o terreno em apreço pertenceria a uns seus clientes, os ora réus, que por seu intermédio o pretendiam vender, tendo-lhes entregue fotocópia da certidão do registo do terreno em nome dos réus, tendo os autores protestado serem os donos do terreno e arrancado as referidas placas. AR) “X…” é a alcunha da família da K… cujo marido AW… era conhecido pela alcunha de “X…”. IV. O mérito do recurso: Os recorrentes discordam da decisão proferida sobre a matéria de facto alegada nos artigos 71.º a 74.º da petição inicial. Na sentença recorrida essa matéria foi julgada provada apenas quanto ao que consta das alíneas V) a AN)[5], sustentando, ao invés, os recorrentes que a mesma deverá ser julgada integralmente provada, com excepção apenas de um segmento do último deles.A] Recurso da decisão sobre a matéria de facto: Mostram-se cumpridos os requisitos de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nada obstando por isso ao conhecimento da mesma. Nos artigos da petição inicial em questão foi alegado o seguinte: «71. O que faziam à vista de toda a gente, sem interrupções de continuidade, sem oposição de ninguém e cientes de não lesarem os direitos de terceiros – como não lesavam nem lesam. 72º. Os referidos K… e L… agiam “animus domini”, porque se julgavam e eram proprietários. 73º. A todos se apresentando como exclusivos proprietários do referido Campo F…, com intenção de excluir terceiros, 74º. Tal facto sempre foi e é notório em Gondomar, sendo o Campo F…, também conhecido em inícios do século passado como terreno dos “W…” e, a partir dos anos 30, como “terreno dos X…”.» Para se compreender esta alegação é necessário atentar que a mesma vem na sequência do alegado nos artigos 66.º e seguintes do mesmo articulado. Nestes artigos os autores alegaram que desde, pelo menos, 1921 até finais dos anos 30, os irmãos K… e L… exploraram directamente (cultivando-o) o Campo F…, primeiro com a colaboração da mãe J… e depois por eles mesmos, e que a partir dos finais dos anos 30 deixaram de o fazer mas permitiram que terceiros roçassem erva para o gado e cultivassem couves e pencas em alguma da sua área, mediante a contrapartida da entrega de parte da produção. O que se alega[6] nos artigos 71.º a 74.º é assim que os actos acabados de mencionar (o cultivo pelos próprios até finais dos anos 30 e o autorizar terceiros a cortarem erva e plantarem hortaliças a partir dessa época), foram praticados «à vista de toda a gente, sem interrupções e sem oposição de ninguém» (71.º), «com a convicção de serem proprietários do terreno e não lesarem direitos de terceiros» (71.º e 72º), «apresentando-se publicamente [os irmãos] como únicos proprietários do terreno» (73.º), situação que «era conhecida em Gondomar, onde o Campo F… era considerado como terreno dos “W…” e, a partir dos anos 30, como “terreno dos X…»(74.º). A decisão da 1.ª instância foi a de julgar provado apenas que o Campo F… foi cultivado até finais dos anos 20 pela mãe J… e pelos filhos K… e L…, que em 1929 a K… casou e mudou-se e em meados dos anos 30 também o irmão se mudou para outro lugar, tendo ambos passado a ter ocupações que não a de agricultor; por isso o cultivo do Campo F… foi diminuindo e cessou por completo em finais dos anos 30 e o terreno passou a ter aspecto de baldio e local de brincadeiras de crianças, vindo nos tempos mais recentes inclusivamente a ser ocupado por feirantes em dias de feira, apurando-se apenas que durante este tempo decorrido houve pessoas que roçaram erva do terreno para o gado com o consentimento da K… e do L… e, por vezes, cultivaram, em alguma da área do terreno, couves e pencas com o consentimento destes que recebiam em troca parte dessa produção. Está provado que os pais da K… e do L… eram I…, filho de H…, e J…. Porém, o I… e a J… não eram casados. O I… faleceu em 15 de Julho de 1921[7], no estado de solteiro, no Brasil, para onde se tinha deslocado. Na expressão dos próprios autores (artigo 8.º da petição inicial) a J… era uma «criada de lavoura de casa de seus pais» com quem o I… «vivia maritalmente». Mas para a testemunha O… a J… não era uma «criada de lavoura», era a «regateira do patrão», expressão que disse ser a denominação na zona para o empregado mais próximo e de maior confiança do patrão, encarregue não de trabalhar nos campos mas de vender nos mercados os bens produzidos, podendo negociar e receber os preços. Por outro lado, é necessário levar na devida conta de que estamos a discutir factos que se passaram cerca de 80/90 anos antes (finais dos anos 20, finais dos anos 30) e são relativos a uma área que sofreu uma transformação brutal fruto da modificação da vida das pessoas, do abandono total da agricultura no local e do desenvolvimento e expansão urbana com o surgimento de novas vias e infra-estruturas que rasgaram prédios rústicos e ocuparam terrenos agrícolas. Na alínea AF) dos factos provados afirma-se que o “Campo F…” passou (sublinhe-se, desde finais dos anos 30) a ser, assim, um terreno com um aspecto baldio. Embora esta afirmação seja algo conclusiva, cremos poder retirar da mesma que o terreno tinha um aspecto de abandono, ocupado apenas por vegetação espontânea, sem sinais de ser explorado para qualquer fim, com o solo inalterado por não ser trabalhado para fins agrícolas. Esta circunstância obriga inevitavelmente a um grande cuidado na análise e interpretação da prova testemunhal porquanto, até pela sua idade, praticamente nenhuma testemunha pode com rigor ter uma memória fiável do conjunto dos pormenores necessários [por exemplo, O…, a testemunha que enriquece o seu depoimento com mais pormenores, nasceu em 1937, pelo que não presenciou o tempo em que a J… e os filhos ainda cultivavam o terreno e, no entanto, falou sobre isso como se o tivesse presenciado[8]. Ouvindo a totalidade da gravação da audiência, como fizemos, por mais de uma vez, imediatamente nos apercebemos de que as testemunhas possuem uma ideia sobre poucos factos específicos muito distantes no tempo (uma recordação de infância, um episódio concreto) mas construíram à volta dessa ideia a sua própria convicção influenciada pela maior proximidade que acabam por revelar ter com a parte que as arrolou como testemunhas[9], o que não retira credibilidade às testemunhas (elas afirmam aquilo que de estão convencidas) mas retira valor probatório ao seu depoimento[10]. Acresce que o interrogatório das testemunhas foi, com todo o devido respeito, realizado com recurso a uma técnica que predeterminou de imediato as testemunhas para o que se pretendia que elas declarassem, o que não devia ter sido permitido. Com efeito, o objectivo da prova era fazer a localização de actos de posse para fazer a circunscrição exacta de prédios que sofreram profundas transformações ao longo de décadas e sobretudo o apuramento dos limites de prédios pertencentes a proprietários distintos mas inseridos na mesma zona. Sendo assim, não se podia ter feito (ou permitido) o que se fez na audiência que foi começar a inquirição confrontando as testemunhas com uma planta onde se assinala a vermelho um terreno, dizendo-se-lhes logo que o que está a vermelho é o Campo F… que está em discussão na acção, já que dessa forma se introduziu (intencionalmente ou não, tanto faz) no esforço de recuperação da memória das testemunhas um pressuposto (se era este o Campo, era aqui que os actos eram praticados …ou não) que era precisamente o que que se pretendia apurar (destruindo assim a espontaneidade do depoimento e a possibilidade de o mesmo ser aceite como o resultado de um livre esforço de recuperação da memória, que são os elementos essenciais para o acolhimento do depoimento e a ponderação do seu valor probatório). No que concerne aos documentos, a situação não é melhor porque nenhum deles elucida sobre os factos que estão em discussão no recurso, conforme, aliás, era de esperar atenta a natureza destes. O documento n.º 36 junto com a petição inicial revela que quando a Câmara Municipal de Gondomar negociou com os réus a aquisição da parcela onde pretendia construir uma Biblioteca os autores se apresentaram perante a Câmara como donos desse terreno, facto que levou a Câmara a acautelar a situação e a estabelecer com eles um acordo para o caso de eles virem a obter o reconhecimento judicial desse direito. É um documento que, contudo, nada acrescenta para o caso, porque os autores instauraram mesmo uma acção judicial na qual se afirmavam titulares do direito de propriedade sobre essa parcela de terreno, acção em que vieram a decair. Curiosamente, o documento em causa revela um dado que coloca em risco a posição dos autores. No acordo que estabeleceram com a Câmara os autores aceitaram os termos do acordo que esta havia celebrado com os réus, o qual, segundo o mesmo documento, consistia numa permuta de terrenos: a Câmara entregava dois terrenos e recebia em troca o terreno onde queria construir a Biblioteca, como fez. Comparando a planta da Câmara anexa ao documento n.º 36 com as plantas juntas com a petição inicial a fols. 109 (doc. 13) e 197 (doc. 25) onde os autores demarcam a vermelho os limites do prédio que dizem pertencer-lhes, verifica-se que os dois terrenos envolvidos na permuta que a Câmara se obrigou a entregar estão implantados em área que os autores, por referência às plantas que apresentam, dizem pertencer-lhes, não se compreendendo como podiam os autores aceitar permutar um terreno que dizem ser seu por outros terrenos que também seriam seus nem justificação para a Câmara Municipal considerar seus terrenos que os autores afirmam estarem compreendidos no seu próprio prédio. Os documentos n.os 2 e 3 juntos com o requerimento de 02.11.2014 não são igualmente relevantes porque em ambos os casos estamos perante documentos posteriores à instauração da 1.ª acção destinada a obter o reconhecimento do direito que os autores reclamam sobre o prédio, circunstância que torna perfeitamente compreensível que a Câmara ou os Bombeiros possam ter sentido a necessidade cautelar de se dirigirem também aos autores em assuntos relativos ao prédio, onde não se pode detectar o mínimo vestígio de que estas entidades lhe atribuíssem ou reconhecessem essa qualidade (ou tivessem conhecimento próprio para tomar partido na discussão judicial que já estava pendente). A certidão da Secretaria Geral dos Tribunais Judiciais do Porto de 22.07.1983 (fols. 737, doc. 5 da réplica) não revela se e que bens foram adjudicados aos netos da inventariada H…, K… e L…. No entanto, de acordo com o conteúdo da certidão da escritura de doação do «campo denominado M…» que a inventariada H… fez à filha AC… em 23.09.1896, a inventariada tinha ainda outra filha, identificada na escritura como «sua outra filha AD…» a favor da qual a donatária se obrigou a manter o direito de passagem de água de rega no tempo dos milhos. Isso significa que junto ao campo M… havia outro ou outros prédios da mesma família que terão passado para as filhas do primeiro casamento, razão pela qual era imperioso saber se essa situação se alterou no processo de inventário e os terrenos localizados nestas imediações passaram para os filhos do segundo casamento da H…. Os documentos relativos às matrizes e descrições prediais juntos aos autos em nada elucidam sobre os factos cuja decisão vem impugnada, como é aliás normal que suceda em resultado do modo como são alteradas as matrizes e através delas as descrições prediais. Assim, escutados todos os depoimentos produzidos na audiência, fazendo a sua leitura crítica e contextualizadora, lidos e explorados todos os documentos juntos aos autos, designadamente a certidão judicial que comprova que o inventário orfanológico por óbito de H… correu termos até 1933 e, portanto, força a conclusão de que os herdeiros só podiam ter-se considerado proprietários dos bens herdados por altura dessa data e não antes dela[11], entende esta Relação que a prova produzida justifica que se altere a decisão sobre a matéria de facto porquanto os pontos de facto impugnados não podem sem mais ser julgados totalmente improcedentes. Todavia, em consciência e na ponderação que se impõe de todos os meios de prova, não obstante a falta de imediação com a prova testemunhal, entende outrossim que a prova produzida apenas permite julgar provados os seguintes factos: - O que fizeram à vista de toda a gente, sem interrupções e sem oposição de ninguém… - … conscientes, pelo menos até 1933, o Campo F… pertencia a H…. - Em Gondomar havia pessoas que consideravam que o Campo F… pertencia à família dos «W…». A demais matéria, incluindo a totalidade do facto do artigo 73.º, julga-se não provada por se considerar que atentas as debilidades anotadas os depoimentos produzidos não são suficientes para lhes responder de modo afirmativo. B] da propriedade de H… sobre o Campo F…: Os recorrentes começam por esgrimir que para efeitos da presente acção se deve considerar assente que o Campo F…, objecto do pedido formulado na petição inicial, pertencia a H…, o que constituiria uma relação jurídica prejudicial e resultaria da confissão dos réus.Cremos que esta argumentação mistura conceitos jurídicos diversos que importa distinguir. Em primeiro lugar, importa qualificar a presente acção socorrendo-nos do que a esse propósito já se escreveu no anterior Acórdão proferido. Na secção destinada à defesa da propriedade que compreende os artigos 1311.º a 1315.º, o Código Civil refere-se de modo expresso à denominada acção de reivindicação. No entanto, as acções de reivindicação não esgotam os meios de defesa da propriedade, a qual pode ser alcançada designadamente através de uma comum acção declarativa de condenação. Nos termos do artigo 1311.º do Código Civil, a acção de reivindicação tem a particularidade de nela o autor imputar ao demandado actos que traduzam a detenção ilícita da coisa, situação que justifica que para além do pedido de declaração da titularidade do direito (que se admite que possa estar apenas implícito) haja a necessidade de reivindicar a coisa, pedido que dá nome à acção[12]. No entanto, a necessidade de obter a declaração da titularidade do direito e a condenação do réu a respeitá-la pode resultar de o réu se considerar ou afirmar titular desse direito ou de um direito incompatível sobre a coisa que não se traduza numa detenção ilícita desta. Na petição inicial os autores sustentam que se mantém na posse do imóvel, por si e antecessores, há mais de 100 anos e que os réus nunca ocuparam o imóvel fosse de que forma fosse, tendo apenas colocado uma placa a anunciar a sua venda, pretendendo os autores colocar termo à pretensão dos réus de se assumirem como proprietários do imóvel. Estamos pois perante uma acção declarativa de condenação para defesa da propriedade, não uma acção de reivindicação. No domínio jurídico dos direitos reais vigora no direito nacional a máxima nemo plus iuris in alium transfere potest quam ipse habet, segundo a qual ninguém pode transferir para terceiros mais direitos do que tem ou direitos que não tem. É esta regra que inspira, por exemplo, o princípio do trato sucessivo do registo predial. Em virtude dessa regra, o reconhecimento do direito de propriedade só pode ser fundamentado em factos constitutivos da aquisição do direito de propriedade e esta, em princípio, só é possível através da demonstração de uma forma de aquisição originária, uma vez que na transmissão derivada estaria sempre por demonstrar que o transmitente era efectivamente titular do direito que declarou transmitir. Querendo ser reconhecida como proprietário o reivindicante deve fazer a prova dos factos onde radica a aquisição do direito de propriedade, a prova de uma forma de aquisição originária. A outra possibilidade consiste na demonstração de factos a que correspondam presunções de domínio não afastadas pela parte contrária[13]. Pela via da aquisição originária, para poder obter o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel é, portanto, necessário que a parte demonstre que se encontra na posse do imóvel e que essa posse reúna os requisitos necessários (pública e pacífica) e a duração suficiente para permitir a aquisição do direito por usucapião (forma de aquisição originária que se sobreporia a qualquer direito anterior). Resulta do disposto nos artigos 1287.º e 1288.º do Código Civil que a posse não conduz automaticamente à aquisição do direito correspondente, gerando somente a faculdade de o possuidor poder adquirir o direito, para o que, no entanto, necessita de invocar a usucapião. Essa invocação tem naturalmente de ser feita pelo possuidor, mas os actos de posse que relevam para efeito de contagem do prazo de usucapião não são somente os do próprio possuidor. Se o anterior possuidor tiver falecido, a posse continua nos sucessores pelo que para aquele efeito se entrará em linha de conta com o tempo de posse do antecessor (art. 1255.º do Código Civil). Se o anterior possuidor tiver transmitido a posse por actos entre vivos (art. 1264º, n.º 2, do Código Civil), o novo possuidor pode juntar à sua posse a posse do antecessor (art. 1256.º do Código Civil). Embora os efeitos da invocação da usucapião se retrotraiam à data do início da posse (art. 1288.º do Código Civil), antes da invocação da usucapião a aquisição do direito não ocorre, existe posse mas não existe ainda e poderá nunca vir a existir o direito correspondente. A posse é um mero poder de facto que conduz a uma posição jurídica que se traduz na faculdade jurídica de aquisição de um direito, não é um direito que integra o património do possuidor e que por morte deste se transmita por via sucessória. Os sucessores do possuidor sucedem na posse deste, por morte do qual ficam investidos, independentemente da apreensão material da coisa, na posse da coisa que o antecessor vinha exercendo, não na titularidade do direito correspondente. Ora na acção quem se apresenta a invocar a usucapião são os autores, não são os seus antepassados, portanto, quem pode adquirir o direito real são os autores, não são os seus antepassados, ainda que por via da sucessão na posse possam fazer a prova de que, independentemente de não praticarem actos materiais sobre a coisa, têm a posse que foi iniciada pelos seus antepassados mediante a demonstração da posse destes e da sua qualidade de sucessores dos mesmos. Os antepassados dos autores que tivessem a posse tinham um poder de facto que desde que munido de certas características e prolongado por determinado período de tempo lhes permitia adquirir o direito de propriedade. Mas só teriam adquirido o direito se tivessem eles mesmos invocado a usucapião em seu benefício, situação que não foi alegada. Sendo, como vimos, a posse um poder de facto e não um direito, com o falecimento dos antepassados dos autores, estes sucederam na posse não num qualquer direito que aqui possam vir exercer por via sucessória e em relação ao qual estejam colocados na posição jurídica dos seus antepassados. De acordo com a petição inicial os autores pretendem fazer a demonstração da titularidade do direito de propriedade através da invocação da aquisição originária desse direito por via da usucapião. A causa de pedir da acção é assim composta pelos factos jurídicos concretos que traduzem a posse pública e pacífica do bem iniciada pela antepassada dos autores H… e continuada até aos autores por via da sucessão nessa posse dos sucessivos descendentes da mesma. Neste contexto, não nos parece correcto sustentar que para efeitos da procedência da acção já se encontra definido nos autos que a H… era titular do direito de propriedade sobre o Campo F…. Para que isso sucedesse era necessário que estivesse demonstrada uma forma de aquisição originária do direito ou, pelo menos, uma fonte de presunção de titularidade do direito, não ilidida pela parte contrária. Vindo pedida a declaração judicial da titularidade do direito de propriedade e não se alegando sequer como é que esse direito foi transmitido até à titularidade da H…, a procedência da acção só pode provir da demonstração de uma fonte de aquisição originária do direito, a aquisição por usucapião. A lei permite às partes confessar factos (artigos 352.º e seguintes do Código Civil) ou confessar pedidos (artigo 283.º do Código de Processo Civil). Também é possível o reconhecimento de qualidades jurídicas, mas isso apenas quando essas qualidades jurídicas não são precisamente o objecto do processo, nem são determinantes para a solução do caso. O réu pode confessar factos ou pode confessar o pedido, dispondo do direito, mas não pode confessar a conclusão jurídica que está em discussão na acção de que é responsável pelos danos, a qual resultará sempre da aplicação do direito aos factos, conforme decorre do n.º 3 do artigo 536.º do Código de Processo Civil, segundo o qual «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito». Por exemplo, numa acção de responsabilidade civil pode admitir-se que o réu reconheça que o autor é proprietário da coisa danificada, mas já não que o réu reconheça que a responsabilidade pelos danos provocados é sua. Se quiser assumir a responsabilidade, independentemente da sua culpa ou contra esta, poderá confessar o pedido ou os factos que o suportam, mas fica sempre sujeito ao que for entendido como resultante da aplicação do direito aos factos confessados (que podem ser ou não suficientes para alicerçar o juízo de responsabilidade formulado pelo autor)[14]. O mesmo vale para a presente acção. Nesta, as partes acordaram considerar provada, para efeitos da decisão a proferir, a materialidade julgada provada na anterior acção instaurada com o mesmo objectivo. A circunstância de entre esses factos constar que o prédio estava incluído no património da H… é insuficiente para satisfazer a regra do nemo plus iuris… porque esta exige a demonstração de uma forma de aquisição originária. As partes podem, por exemplo, acordar que a H… praticou actos de posse sobre o imóvel com a intenção de ser titular do direito correspondente e que esses actos se prolongaram por tempo suficiente para permitir a aquisição do direito por usucapião. Nessa situação, tais factos têm de se considerar confessados, mas, ainda que isso ocorra, o tribunal, ao fazer a aplicação do direito a esses factos, pode ou não concluir que a H… adquiriu o direito de propriedade, uma vez que para assim concluir o tribunal carece de ter como demonstrada uma situação de aquisição originária do direito de propriedade. Mas as partes não podem, à revelia do princípio nemo plus iuris …, considerar provado que a antecessora dos autores era proprietária do imóvel, impondo ao tribunal essa solução jurídica. Em rigor, portanto, o que nesse item está provado não é um facto, é uma conclusão jurídica que, como tal, deve ser considerada não escrita. Entendemos pois, com tal fundamento, que não é possível considerar confessado que a H… era proprietária do Campo F… para efeitos de julgar demonstrada a aquisição derivada do direito de propriedade daquela para os autores em termos de dispensar a demonstração da aquisição originária do direito para obter a procedência da acção. B] da transmissão do direito por via sucessória: Os recorrentes sustentam que o direito de propriedade sobre o Campo F… lhes foi transmitido por sucessão, ainda que falte o título de transmissão por se ter extraviado o processo de inventário por óbito de H… e de seu filho I…, do qual eram filhos a K… e o L….Do que se expôs no anterior ponto deste Acórdão já resulta que essa forma derivada de transmissão do direito seria sempre insuficiente para os autores obterem o reconhecimento da titularidade do direito de propriedade. Uma vez que se ninguém pode transferir direitos que não tem ou mais direitos que aqueles que tem, sempre estaria por demonstrar a aquisição do direito pelos transmitentes e, não havendo presunção da titularidade do direito (pelo registo ou pela posse), isso só seria possível demonstrando-se a aquisição originária. Não resulta da matéria de facto que o Campo F… estivesse inscrito no registo predial a favor de H…, sendo certo que na petição inicial apenas se faz alusão à descrição predial do Campo M… mas com a menção de que se trata de um prédio distinto do Campo F…. Da mesma forma, não resulta da matéria de facto (foi alegado mas não foi provado) que a H… tivesse posse sobre o aludido Campo F…, isto é, que sobre o mesmo exercesse actos materiais correspondentes ao referido direito. A circunstância de ela ter feito doação a favor de uma filha do Campo M…, actuando pois como proprietária desse imóvel, não é bastante para o efeito porquanto a tese que sustenta a acção é precisamente a de o Campo F… não ter sido objecto dessa doação, não estar compreendido no objecto desta, constituir um prédio distinto. É certo que foi julgado provado que o Campo F… fazia parte do património da H…, isto é, integrava os bens que lhe pertenciam. Sabe-se que o titular do direito real tem a posse correspondente a esse direito, é a chamada posse jurídica ou causal. Todavia, se o objecto da acção é precisamente apurar o direito de propriedade que os autores dizem ter adquirido por sucessão de H…, sob pena de se cair num círculo vicioso, não se pode partir da afirmação de que o bem integrava o património desta para deduzir que ela tinha a posse (jurídica) do imóvel e a partir desta posse presumir que ela era a titular do direito real correspondente à posse. A posse que nos termos do artigo 1268.º do Código Civil permite presumir a titularidade do direito é a posse material, aquela que se traduz no efectivo exercício de poderes de facto sobre a coisa, sendo esse exercício que justifica a presunção. Regressemos à transmissão por via sucessória. Os autores reclamam ser os únicos e universais herdeiros de I…, falecido em 15.07.1921, e este, por sua vez, o único e universal herdeiro de H…, falecida em 31.03.1918. Para o efeito, apresentam uma escritura notarial de habilitação de herdeiros[15] onde tais qualidades de únicos e universais herdeiros são afirmadas pelas três pessoas que outorgaram a escritura. Esta alegação esconde dois factos absolutamente relevantes para a apreciação da invocada aquisição por via sucessória. Referimo-nos, por um lado, à circunstância de a H… ter tido quatro filhos, duas filhas do primeiro casamento, AC… e AD…, e dois filhos do segundo casamento, I… e AT…, resultando dos autos que pelo menos estes dois sobreviveram à mãe. Nos termos do artigo 1985.º do Código Civil de 1867, na redacção em vigor à data da abertura da sucessão de H…, «os filhos legítimos e seus descendentes sucedem aos pais e demais ascendentes, sem distinção de sexo nem idade, posto que procedam de casamentos diversos». Por sua vez nos termos do artigo 1971º do mesmo diploma «os parentes, que se acharem no mesmo grau, herdarão por cabeça ou em partes iguais». Para concluir que I… foi o único e universal herdeiro da mãe era necessário que estivesse demonstrado que os outros filhos sucessíveis repudiaram a herança da mãe. Sabendo-se que depois da morte da mãe faleceu o filho AT…, para se concluir que o filho I… era o único e universal herdeiro da mãe era ainda necessário que estivesse demonstrado que as irmãs uterinas AC… e AD… repudiaram igualmente a herança do irmão falecido no estado de solteiro e que este não deixou descendentes, legítimos ou ilegítimos, como o irmão. Acresce que por óbito de H… correu termos um «inventário orfanológico» mas devido a extravio deste processo é impossível apurar quais os herdeiros que intervieram no inventário e que bens foram adjudicados a cada um. Para beneficiarem da qualidade jurídica de único e universal herdeiro de H… que atribuem ao filho I…, os autores necessitavam de alegar aqueles factos por terem a natureza de factos constitutivos do seu direito (factos constitutivos da aquisição do direito real por via sucessória invocada como fonte de aquisição do direito). Não os tendo alegado sequer, não podem beneficiar dessa posição. O outro facto que os recorrentes fazem por desprezar é o que se prende com a qualidade jurídica dos filhos do antepassado I…. Este, recorde-se, era solteiro, não casou com a mãe dos filhos, pelo que os filhos K… e L… eram afinal filhos ilegítimos [artigos 100.º do Código Civil de 1867 e 1.º do Decreto n.º 2, de 25 de Dezembro de 1910 - Lei da Protecção dos Filhos -, em vigor à data do nascimento da K… (24.03.1911) e do L… (14.07.1912)]. No período de vigência do artigo 1989.º do Código Civil de 1867, aplicável às heranças abertas durante essa vigência, na sucessão legítima (ab intestato) os filhos ilegítimos só sucediam aos pais se tivessem sido perfilhados ou reconhecidos legalmente. Ora não foi alegado qualquer facto que permita concluir que essa perfilhação ou reconhecimento legais tiveram lugar, sendo certo que tais actos necessitavam de ser levados ao registo de nascimento e as certidões dos assentos de nascimento juntas aos autos não apresentam qualquer averbamento da perfilhação ou reconhecimento. A pergunta que se pode fazer é se a não alegação e prova de factos destinados a revelar que o I… herdou a totalidade dos bens da mãe H… (pois só assim se poderia sem mais considerar que herdou dela o Campo F…) e que K… e L… herdaram os bens daquele não obstante serem seus filhos ilegítimos, se deve considerar suprida pela junção pelos autores de uma habilitação notarial de herdeiros onde se afirma que I… foi o único e universal herdeiro da mãe e que a K… e o L… foram os únicos e universais herdeiros daquele. Para responder à questão colocada importa apurar o que é uma habilitação notarial de herdeiros e quais são os seus efeitos. Conforme resulta do artigo 83º do Código do Notariado, a habilitação notarial consiste na declaração, feita em escritura pública, por três pessoas que o notário considere dignas de crédito ou, em alternativa, por quem desempenhar o cargo de cabeça de casal, de que os habilitandos são herdeiros do falecido e não há quem lhes prefira na sucessão ou quem concorra com eles. A habilitação de herdeiros é assim um documento contendo uma declaração prestada perante notário e destinada a atestar perante terceiros que determinada pessoa tem a qualidade de herdeiro de outra e que não há mais quem tenha idêntica ou melhor posição hereditária. Já Castro Mendes, in Direito Processual Civil, 1980, 2º, pág. 234, assinalava que «a habilitação é a prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade dum direito ou complexo de direitos, ou doutra situação jurídica ou complexo de situações jurídicas». Este documento contém a afirmação pelos declarantes de dois factos distintos: o facto positivo de o habilitando ser herdeiro do falecido, o que carece de ser demonstrado documentalmente perante o notário (por certidões do registo civil justificativas da sucessão legítima ou legitimária e de teor do testamento ou da escritura de doação por morte); o facto negativo de não haver outra pessoa que lhe prefiram na herança ou com ele concorra na sucessão, o que não é naturalmente comprovável por documento e, portanto, apenas é atestado pelos declarantes. Nos termos do artigo 86.º do Código do Notariado, a habilitação notarial tem os mesmos efeitos da habilitação judicial e é título bastante para que se possam fazer em comum, a favor de todos os herdeiros e do cônjuge meeiro, registos nas conservatórias do registo predial, comercial e da propriedade automóvel, averbamentos de títulos de crédito, averbamentos da transmissão de direitos de propriedade literária, científica, artística ou industrial e levantamentos de dinheiro ou de outros valores. Daqui resulta, portanto, que a habilitação notarial tem o mesmo valor da habilitação judicial realizada em processo pendente através do incidente da instância da habilitação dos herdeiros, servindo para titular a qualidade de herdeiro na realização dos actos especificamente previstos na norma. Sendo assim, tal como a habilitação judicial só assegura a continuação da lide contra as pessoas que foram habilitados, também a habilitação notarial só consente a realização dos actos referidos na norma. Mas nem uma nem outra asseguram que não haja efectivamente outros herdeiros nem que a qualidade de herdeiros atestada judicial ou notarialmente não possa ser contestada e mesmo afastada perante a prova de que tal não corresponde à verdade. Por outro lado, a escritura de habilitação notarial é um documento autêntico (artigo 363º, nos. 1 e 2 do Código Civil) e como tal faz prova plena dos factos (declarações e outros) que neles são referidos como praticados pela autoridade ou oficial público documentador, bem como dos que nele são atestados como objecto da sua percepção directa, mas não daqueles que constituem objecto de ciência perante ele produzidos ou constantes de documentos que lhe sejam apresentados ou ainda dos que sejam objecto de apreciação ou juízos pessoais do oficial público (artigo 371º do Código Civil). Nos documentos autênticos, a autoridade ou oficial público não garante a veracidade nem a eficácia das declarações que lhe foram feitas, pelo que em relação a elas é admissível a prova do contrário, designadamente testemunhal. Os actos e declarações que o funcionário atesta como tendo sido praticados, emitidos ou prestados perante ele, terão o valor jurídico que lhes competir nos termos gerais de direito[16]. Pois bem, no caso temos demonstrada uma realidade que permite de imediato excluir o valor da habilitação notarial. Desde logo, temos demonstrado que a K… e o L… eram filhos ilegítimos de I…. Esse facto não impedia em absoluto que eles pudessem ser herdeiros do pai, mas para isso, como se explicou, era indispensável que os filhos tivessem sido perfilhados ou reconhecidos legalmente pelo progenitor. Nos termos do artigo 23º do Decreto n.º 2, de 25 de Dezembro de 1910 - Lei da Protecção dos Filhos - a perfilhação poderá ser feita por ambos os pais, de comum acordo, ou por qualquer deles separadamente no registo do nascimento e no próprio acto deste registo ou posteriormente, por averbamento ao mesmo registo. O artigo 24.º do mesmo diploma acrescentava que se nenhum dos pais for inábil nos termos do artigo 23º, § 1º, ambos poderão também perfilhar o filho de comum acordo, por escritura ou auto público anterior ou posterior ao nascimento do mesmo filho, ou separadamente por escritura, auto público, ou testamento anterior ou posterior ao nascimento do mesmo filho. A perfilhação e o reconhecimento legais dos filhos ilegítimos eram factos sujeitos a registo civil e só podiam ser invocados desde que fossem registados e averbados ao assento de nascimento dos filhos. Nas certidões dos assentos de nascimento juntas aos autos não consta o averbamento da perfilhação ou reconhecimento legais de K… e o L…. Daí decorre inclusivamente que a escritura de habilitação notarial é ineficaz porque se as certidões dos assentos de nascimento não comprovam a perfilhação ou reconhecimentos legais dos ditos herdeiros o notário não pode ter satisfeito a exigência legal de instruir a escritura com os «documentos justificativos da sucessão legítima» exigidos pelo artigo 95.º do Código do Notariado aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47619, de 31 de Março de 1967, ainda em vigor na data em que foi celebrada a escritura de habilitação de herdeiros junta (08.07.1986). Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 91.º do mesmo Código do Notariado a habilitação de herdeiros só podia ser feita por via notarial «quando não houver lugar a inventário obrigatório» ou «quando, embora haja herdeiros menores ou equiparados, não façam parte da herança bens situados em território português». Bastava ao notário ter comparado as datas de nascimento de K… e L… com a data da abertura da sucessão por óbito do seu progenitor para verificar que nessa data os filhos eram menores e, por conseguinte, que a aceitação da herança só podia ser feita por via de inventário, o qual era pois obrigatório. O que aliás está comprovado nos autos pela certidão dos Arquivos Centrais dos Tribunais do Porto que atesta que por óbito de H… correu termos um inventário orfanológico em que desempenhou funções de cabeça-de-casal a mãe daqueles então menores. Nos termos do n.º 2 do aludido preceito legal, «a verificação das circunstâncias exigidas deve ser feita pelo notário, em face das declarações prestadas pelos outorgantes e dos documentos por eles apresentados». Ora a escritura de habilitação de herdeiros contém uma afirmação falsa a esse respeito que induziu à celebração da escritura, porquanto nela se afirma que à data da abertura da sucessão de I… os filhos habilitados eram maiores. Se estes nasceram, respectivamente, em 24.03.1911 e 14.07.1912 (docs. de fols. 191 e 192) e o progenitor faleceu em 15.07.1921, os filhos eram obviamente menores na data da abertura da sucessão. Por todas estas razões a habilitação notarial apresentada pelos autores é juridicamente ineficaz e cede perante a demonstração feita nos autos da falta de um dos requisitos para que pudesse ocorrer a invocada transmissão por via sucessória dos direitos (a perfilhação ou reconhecimento legal dos filhos ilegítimos do de cujus). Diga-se que mesmo no tocante à transmissão por via sucessória de H… para o filho I…, prévia àquela e sem a qual aquela se torna despicienda na economia da acção (em que repete-se se pretende invocar a transmissão de um imóvel da avó para os netos por via sucessória), está demonstrado nos autos um facto que coloca em crise essa transmissão da totalidade do património, qual seja, o de a H… ter não um mas quatro filhos (duas filhas e dois filhos) e pelo menos outro desses filhos (o AT…) sobreviveu igualmente à mãe. Os autores pretendem que os filhos ilegítimos são herdeiros não obstante não haver qualquer meio de prova da perfilhação ou reconhecimento pelo progenitor (facto que não foi sequer alegado) e em simultâneo pretendem que as outras filhas da H… não eram herdeiras, não obstante não estar demonstrado que as mesmas tenham repudiado a herança da mãe. Pretendendo os autores obter o reconhecimento de um direito que alegam terem adquirido por via sucessória cabia-lhes fazer a alegação e prova da perfilhação ou reconhecimento dos filhos ilegítimos, da não aceitação pelas filhas legítimas da H… da herança da mãe e da herança do irmão AT… e ainda da ausência de outros herdeiros do filho AT…, factos que assumem a natureza de factos constitutivos da alegada transmissão sucessória. Para o efeito não basta os autores alegarem que passaram 100 anos e só eles se apresentaram a comprovar a aceitação da herança. Tendo corrido termos processo de inventário para partilha dos bens da H… foi lá que os sucessíveis chamados à sucessão aceitaram ou repudiaram a herança e se operou a partilha dos bens transmitidos por via sucessória. Logo, o que releva não é que ninguém mais se tenha apresentado a aceitar a herança (os herdeiros citados para os termos do inventário que aceitaram a herança adquiriam os bens que lhe couberam em partilha e podem não ter tido mais necessidade nem de aceitar o que já tinham …aceite nem de comprovar a qualidade de herdeiros numa herança que já estava …partilhada), mas que no inventário realizado os filhos ilegítimos foram reconhecidos como herdeiros e receberam bens nessa qualidade e as filhas sucessíveis foram chamadas mas repudiaram a herança. Tais factos não estão provados. Nestes termos improcede a questão de o direito de propriedade sobre o Campo F…a se ter transmitido para os autores por via sucessória. C] da aquisição do direito por usucapião: Passando agora à discussão sobre a posse do imóvel e a eventual aquisição do direito de propriedade por usucapião, comecemos por recapitular os factos provados[17] que relevam para o efeito:- Do património de H… constava uma área de terreno de aproximadamente 100.000m2, cuja implantação correspondia aproximadamente à área demarcada a verde na planta de fls. 76 (M a O). - Essa área incluía diversos campos, designadamente o “Campo F…” e o “Campo M…” (P a R). - Em 23.09.1896, H… doou à filha AC… uma parte daquela área, denominada “Campo M…”, onde não se incluía o designado “Campo F…” localizado no espaço demarcado a vermelho no documento de fls. 76 (S a U). - O terreno do Campo F… foi cultivado até finais dos anos 20 por J…, K… e L… (a mãe e os dois filhos), os quais aí produziam couves, hortaliças e pencas e consentiam a terceiros roçar de erva para o gado (V a Z). - Em 1929 K… casou, mudou-se e passou a ter outras ocupações e, em meados dos anos 30, o irmão L… também mudou de lugar e passou a exercer a profissão de marceneiro (AA, AB, AD). Por isso, ambos deixaram de cultivar o Campo F…, cultivo que foi diminuindo até que em finais dos anos 30 cessou completamente e o Campo F… passou a apresentar um aspecto baldio (AE, AC, AF). - Depois dessa altura o Campo F… foi local de brincadeiras dos filhos da K… e do L… e de amigos de infância, de AE… para o gado que a K… e o L… consentiam a terceiros e, por vezes, do cultivo, em alguma da sua área, de couves e pencas que eles igualmente consentiam a terceiros, com a contrapartida da entrega a ambos de uma parte desses produtos (AG a AJ). - J…, K… e L… praticaram os actos acabados de referir, à vista de toda a gente, sem interrupções e sem oposição de ninguém, conscientes, pelo menos até 1933, que o Campo F… pertencia a H…. Já se assinalou que para efeitos da presente acção a afirmação de que o Campo F… integrava o património da H… é uma conclusão jurídica e não factual, é uma conclusão de direito e não um facto, na medida em que para além de o apuramento do direito de propriedade sobre o imóvel constituir (parte de) o objecto da acção, por força do princípio do nemo plus iuris a prova da propriedade tem de ser feita através de uma forma de aquisição originária. Acresce que não está provada (não foi sequer alegada, aliás) a forma como esse imóvel teria passado a integrar o património de H…, se de forma originária ou derivadamente e, neste caso, se o transmitente era titular do direito transmitido, sendo certo que no nosso sistema jurídico vigora o principio da causalidade dos direitos reais segundo o qual «a constituição ou modificação de qualquer direito sobre as coisas depende da validade da causa jurídica que precede essas mesmas consequências, ou seja, e fora da produção desse efeito ex vi legis, da existência e procedência do negócio de que derivou tal vicissitude no mundo jurídico-real (da compra e venda, da doação, da troca, da constituição de usufruto, etc.) … É o que no nosso sistema, como sistema do título, resulta do art.408.º, 1, do Código Civil, e, especialmente para a venda e doação, dos arts. 879.º e 954.º Significa isto que o negócio de efeitos obrigacionais é a causa jurídica dos efeitos reais, mesmo que a produção destes esteja dependente de uma ulterior formalidade, como a transmissão da coisa na doação de bens móveis, não havendo um escrito entre as partes (art. 947.º, 2). Os negócios com eficácia real não são, em suma, negócios abstractos: são negócios causais, como, em regra, todos os negócios jurídicos, implicando a insubsistência deles a insubsistência daquela eficácia real e não se precisando, por isso, para atacar esta última, do meio indirecto e aleatório do enriquecimento sem causa (como, ao invés, acontece no princípio da abstracção)» - Orlando de Carvalho, in Direito das Coisas, 1.ª Edição, Coordenação de Francisco Liberal Fernandes e outros, Novembro 2012, Coimbra Editora, pág. 196 e seguintes -. Também não está provado quando ocorreu essa integração no património. A doação do Campo M… não ajuda a situar no tempo a aquisição do Campo F…, pela circunstância já referida de na economia da acção os dois prédios serem distintos e não terem tido um destino comum, sendo que sobre a origem do direito sobre os mesmos nada se provou. Por fim, não está provado que sobre este imóvel a H… tenha exercido qualquer actuação, designadamente a correspondente ao direito de propriedade. A doação teve por objecto outro imóvel, pelo que não pode encerrar uma actuação sobre o Campo F… susceptível de corporizar actos de posse sobre o mesmos. Por estas razões, quando muito, com base nos factos provados poderia sustentar-se que a H… tinha posse (jurídica ou causal) sobre o Campo F… na data em que faleceu (31.03.1918). Contudo, para efeitos de usucapião o que importa é a posse formal, não a mera posse causal. É certo que a posse pode ser uma expressão de um direito real existente e por isso o titular do direito tanto pode invocar o direito como a posse que lhe anda associada (posse causal). Todavia, fazendo-o, sujeita-se à necessidade de demonstrar os pressupostos da posse formal que permitem a tutela desta e, querendo, beneficiar da usucapião, à necessidade de demonstrar o exercício dos poderes de facto (o corpus) sem os quais nunca pode obter a declaração judicial de ter adquirido o direito por usucapião[18]. Ora se não está assente que a H… ou o filho I… praticaram sobre o Campo F… quaisquer actos passíveis de traduzirem uma posse formal (o corpus) não se pode sustentar que a J… e os filhos K… e L… tenham sucedido nessa posse (arts. 483.º do Código de 1867 e 1255.º do Código Civil actual). E isso é assim não apenas por falta de demonstração dos requisitos da posse formal (a sucessão na posse é a passagem da posse formal do possuidor para os seus herdeiros ou sucessores, a continuação dela por estes), mas também porque a J… pura e simplesmente não era herdeira ou sucessora daqueles (era apenas a mãe dos filhos do I…, não era cônjuge deste) e ainda porque muito embora os seus filhos fossem descendentes daqueles, dada a filiação ilegítima não eram necessariamente herdeiros. Tendo corrido termos inventário para partilha dos bens deixados pela H… e pelo filho I… seria necessário saber a qual dos herdeiros foi adjudicado o Campo F… já que a posse passada para (na expressão do Código de Seabra) ou continuada pelos (na expressão do Código actual) herdeiros enquanto a herança se manteve jacente, com essa adjudicação consolidou-se exclusivamente no herdeiro para o qual o imóvel foi transmitido, desconhecendo-se se o bem se transmitiu para o filho I… e por óbito deste para os netos K… e L…. Desde modo para se poder falar em aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre o Campo F… necessitamos de encontrar e situar o exercício de poderes de facto correspondentes a esse direito pelos próprios J…, K… e L…. Revela a matéria de facto provada que o Campo F… foi cultivado até finais dos anos 20 por essas três pessoas, as quais produziam nele couves, hortaliças e pencas e consentiam a terceiros roçar de erva para o gado. Esta actuação, embora muito escassa, parece suficiente para consubstanciar o exercício de poderes de facto (o corpus) correspondentes ao direito de propriedade. Não é forçoso que o cultivo de um terreno agrícola seja feito em termos de propriedade, mas já o consentimento para que terceiros retirem utilidades do terreno só parece compatível com a actuação do proprietário por se inserir no exercício nos poderes de disposição que só este pode deter sobre a coisa. Todavia, desse facto já não se retira a data em que teve início o exercício desse poder de facto sobre a coisa. A expressão até permite deduzir que não se tratou de um exercício isolado ou instantâneo mas de algo que decorreu ao longo de um lapso de tempo, até determinado momento, mas não em que data ele se iniciou (desde quando). O mais que a conjugação dos factos assentes permite concluir é que antes de 15.07.1921 esse exercício não teve lugar pois até essa data o progenitor da K… e do L… era vivo, pelo que a fazerem já esse cultivo seguramente o faziam com autorização e em nome do I…. Mas já não é possível concluir que o cultivo se iniciou com a morte deste (não foi isso que foi alegado) ou que por morte da avó H… (31.03.1918) esse exercício tivesse passado a caber ao filho I…, tendo os filhos continuado o cultivo que este vinha fazendo à data da sua morte. Nessa medida, em função dos factos provados apenas é possível afirmar que o exercício de poderes de facto sobre a coisa ocorria em finais dos anos 20, sendo a partir desse momento que se poderá contar qualquer prazo de duração da posse de J…, K… e L…. Discute-se também até quando durou esse exercício, sendo certo que se provou que em finais dos anos 30 o cultivo do Campo F… cessou completamente e este passou a apresentar um aspecto baldio, sendo apenas usado como local de brincadeiras dos filhos da K… e do L… e para terceiros roçarem ervas e, por vezes, cultivarem parte da sua área, com o consentimento da K… e do L…. Independentemente de saber se estes actos consubstanciam ainda o exercício de poderes de facto correspondentes ao direito de propriedade (as brincadeiras seguramente que não, mas a autorização de terceiros para retirarem utilidades do terreno cremos que sim), entendemos que a mera cessação do cultivo do Campo F… não pode ser equiparada a cessação do exercício dos poderes de facto. Conforme prescrevia o § 2.º do artigo 474.º do Código de Seabra e prescreve o artigo 1257.º, n.º 1, do actual Código Civil, a posse mantém-se enquanto durar a «retenção ou fruição da coisa», segundo aquele, a «actuação correspondente ao exercício do direito», segundo este, ou «a possibilidade de a continuar», segundo ambos. Para Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987, pág. 15, «o problema da conservação da posse, quanto ao seu elemento corpus, foi resolvido … nos termos em que era solucionado pelo Código de Seabra. É o exercício efectivo dos poderes correspondentes ao direito que marca a existência e duração da posse. Porém, para que a posse se conserve não é necessária a continuidade do seu exercício; basta que, uma vez principiada a actuação correspondente ao exercício do direito, haja a possibilidade de a continuar. Conserva-se, por exemplo, a posse de uma servidão de passagem, embora se não passe, se não houver impedimento a que o respectivo titular atravesse o terreno vizinho. Nesta orientação foi redigido também o artigo 1267.º; na enumeração dos casos de perda da posse, não se faz nele referência ao não exercício efectivo do direito». A propósito da mesma questão também Oliveira Ascensão, assinala in Direito Civil – Reais, 4.ª edição reimpressão Coimbra Editora, 1987, pág. 88, que «a relação entre pessoa e coisa não tem sequer de se traduzir por actos materiais; basta que se mantenha um estado de facto em que não surjam obstáculos a essa actuação. Podemos efectivamente dizer que enquanto a coisa estiver submetida à vontade do sujeito, de tal modo que este possa renovar a actuação material sobre ela, querendo, há corpus». Dito por outras palavras, tendo o exercício de poderes de facto sido iniciado por determinada pessoa, uma vez que esse exercício postula não propriamente um contacto com a coisa mas a «imissão desta na zona de disponibilidade empírica do sujeito”[19], continuando o exercício a ser possível e não estando demonstrado que a pessoa tenha sido confrontada com obstáculos a esse exercício não superados nem a verificação de nenhuma das situações que o artigo 1267.º do Código Civil considera de perda da posse (abandono, perda ou destruição da coisa, cedência ou posse de outrem), tem de se considerar que o corpus se mantém, designadamente para efeitos de contagem do prazo da sua duração. A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – artigo 1251.º do Código Civil –. Como é sabido, o nosso sistema jurídico parece ter adoptado[20] o chamado sistema subjectivo da posse desenvolvido por Savigny por oposição ao sistema objectivo desenvolvido por Ihering, daí resultando que a aquisição por usucapião do direito correspondente aos poderes de facto sobre a coisa não se basta com o exercício destes (o corpus), sendo ainda necessário o chamado animus possidendi. O animus é normalmente definido como a intenção de agir como titular do direito correspondente ao poder de facto que se exerce. Não basta pois que se exerça o poder de facto com a intenção de tirar proveito próprio desse exercício, de aproveitar as utilidades dessa forma retiradas da coisa, é indispensável que haja uma intencionalidade de obtenção de efeitos jurídico-reais, a intenção de afirmar ou alcançar a titularidade em nome próprio do direito real correspondente aos poderes de facto. Como adverte Orlando de Carvalho, há uma relação biunívoca ou de interdependência entre esses dois elementos, pelo que não existe corpus sem animus, nem animus sem corpus: “Corpus é o exercício de poderes de facto que intende uma vontade de domínio, de poder jurídico-real. Animus é a intenção jurídico-real, a vontade de agir como titular de um direito real, que se exprime (e hoc sensu emerge ou é inferível) de certa actuação de facto” - cf. Orlando de Carvalho, in Introdução à Posse, na Revista de Legislação e Jurisprudência (1989), n.º 3780, pág. 68 e segs., e n.º 3810 (1992), pág. 261 -. Ainda segundo o mesmo autor “(…) a usucapião requer que a posse tenha certas características, que seja, de algum modo, “digna’ do direito a que conduz. O que nela se homenageia, digamos, é menos a posse em si do que o direito que a mesma indicia, que a prefiguração do direito a cujo título se possui. Donde a exigência, em qualquer sistema possessório, de uma posse em nome próprio, de uma intenção de domínio – e uma intenção de domínio que não deixe dúvidas sobre a sua autenticidade” - cf. Introdução à Posse, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3780, pág. 67. Por isso, o poder de facto em que se traduz o corpus tem de possuir um mínimo de estabilidade, embora não continuidade no tempo. Essa estabilidade dos poderes de facto depende naturalmente da afectação concreta do bem, da normal utilização que o mesmo permite e da forma de aquisição da posse. Já o animus, carece de ser seguro e inequívoco, revelando uma intenção clara de se exercerem poderes de facto sobre a coisa, de agir como titular do direito de propriedade ou de outro direito real. Isto, porque «sobre o carácter real do direito que os actos “intendem” não pode haver dúvidas, pois a ausência total de animus possidendi é insuprível». Donde resulta afinal que só estando comprovado o animus possidendi é que, perante uma factualidade equívoca, deve concluir-se que se quer possuir em termos do direito de propriedade. Resultou provado que J…, K… e L… praticaram sobre o Campo F… os actos apurados, à vista de toda a gente, sem interrupções e sem oposição de ninguém, conscientes, pelo menos até 1933, que o Campo F… pertencia a H…. Perante isso, cremos que se deve entender que ao actuarem assim, pelo menos até 1933 (data em que terminou o processo de inventário por óbito daquela na qual o referido Campo F…, segundo os próprios autores, terá sido partilhado pelos respectivos sucessores) a J… e os filhos actuaram como meros possuidores precários ou detentores em nome da pessoa que consideravam e respeitavam[21] como proprietária do imóvel. Nos termos do §1.º do artigo 474.º do Código de Seabra, em vigor à data, não constituíam posse os actos facultativos ou de mera tolerância, isto é, aqueles que eram praticados por inércia ou com a autorização do titular do bem. Nos termos do artigo 1253.º do actual Código Civil, são havidos como detentores ou possuidores precários os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito, os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito e todos os que possuem em nome de outrem. As pessoas que exercem poderes de facto ligadas por laços familiares de descendência à pessoa que consideram titular do direito real sobre a coisa e que têm conhecimento de que por morte desta corre termos inventário para partilha dos respectivos bens no qual reivindicam a qualidade de herdeiros enquadram-se na categoria de meros detentores por apenas terem animus detinendi. Nessa situação a sua actuação sobre a coisa não tem uma intenção jurídico-real pois o conhecimento e a afirmação da qualidade de herdeiros do titular do direito só são compatíveis com a intenção de adquirir o direito por via sucessória e não por via originária em consequência do exercício de uma posse em nome próprio. Sendo assim, como nos parece, ou tais pessoas adquirem o direito por via sucessória ou só podem adquiri-lo, por usucapião, após converterem a detenção em posse jurídica, após inverterem o título de posse. Isso mesmo resultava expresso do artigo 510.º do Código de Seabra e resulta agora do artigo 1290.º do actual Código Civil. Ora, no caso não foi demonstrada a inversão do título de posse da J…, da K… e do L…. Por conseguinte, nunca chegou a iniciar-se o prazo para estes adquirem originariamente o direito real por usucapião. Desse modo, para que os autores vissem reconhecido o direito de propriedade sobre o Campo F… tinham de demonstrar que adquiriram o direito por transmissão hereditária, o que não fizeram. A outra alternativa que se lhes colocava era a de demonstrar que a H… tinha posse formal do Campo F…, que no inventário por morte desta eles foram habilitados como únicos sucessores de I… e este único sucessor de H… e nesse caso que sobre o início da posse da H… (a qual teriam então continuado) tinham decorrido já mais de 30 anos (artigo 529.º do Código de Seabra). Esta alternativa também não procede porque não se demonstraram quaisquer actos de posse da H…, não se fez a prova da habilitação no processo de inventário dos filhos ilegítimos do I…, a habilitação notarial apresentada é ineficaz e não se fez prova de este ter sido o único e universal herdeiro da sua mãe. Em suma, independentemente da discussão que se seguiria sobre a relação entre a presunção do registo de que os réus dizem beneficiar por terem o campo F… inscrito em seu nome no registo predial e a presunção da posse que os autores invocam para que lhes seja reconhecido o direito de propriedade, sempre a acção teria de improceder nessa parte, o que inutiliza a apreciação das questões alusivas ao registo no que as mesmas importam para a procedência da acção. B] da nulidade do registo predial: Sobre este pedido, pedimos a devida licença para recuperar a apreciação feita no anterior Acórdão e que não foi conhecida no âmbito do recurso de revista interposto do mesmo.Como se afirma no Acórdão desta Relação de 04.01.2011, relatado por Cecília Agante, in www.dgsi.pt, «têm sido formuladas diversas teorias acerca do objecto do registo. A posição clássica afirma que ele é constituído por direitos, contrapondo-se aos que entendem que o objecto do registo é formado por documentos e outros ainda por coisas. A opinião maioritária sufraga o entendimento de que objecto do registo são os factos jurídicos[..], tal como resulta do nosso direito registal (artigo 2º, 1, a). Facto registado que é objecto da publicidade registal, no sentido de que sobre ele se forma a confiança de terceiros naquilo que resulta do registo [..]. A inscrição registal é realizada por extracto, mas o seu conteúdo não se limita à descrição sumária do facto ocorrido, contendo as menções que definem a situação jurídica do imóvel, de modo a que na inscrição da aquisição do direito de propriedade se refere a causa (artigos 76º, 93º, 95º e 96º do Código de Registo Predial). Em relação aos assentos registais os factos não são apagados da memória registal e, por isso, não se fala na sua extinção, mas antes na cessação dos respectivos efeitos. De facto, os efeitos do registo transferem-se mediante novo registo e extinguem-se por caducidade ou cancelamento e os registos são cancelados com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos, em execução de decisão administrativa, nos casos previstos na lei, ou de decisão judicial transitada em julgado (artigos 10º e 13º do Código de Registo Predial). A cessação do registo exige, pois, um procedimento que tem em vista eliminar a eficácia da inscrição ou do averbamento [..]. É assim que o cancelamento do registo opera por averbamento, quando cessam os efeitos jurídicos produzidos pelo facto registado ou quando o facto registado é ineficaz (nulo, anulado, resolvido, revogado) ou quando o próprio registo é nulo e não haja possibilidade de proceder à sua rectificação (artigos 16º, 101º e 120º do Código de Registo Predial).» Atenta a norma legal citada como fundamento jurídico do pedido - artigo 16.º, alínea c), do Código do Registo Predial na versão em vigor à data da dedução do pedido (Decreto-Lei n.º 224/84, de 6 de Julho, na redacção da Declaração de Rectificação n.º 47/2008, de 25 de Agosto) -, a alegada nulidade do registo tem como fundamento a existência de «omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere». Deve começar por se acentuar que o registo predial tem essencialmente por desígnio dar publicidade aos direitos reais inerentes às coisas imóveis, não apenas para permitir que esses direitos sejam conhecidos publicamente mas também para produzir efeitos substantivos sobre as situações jurídicas registadas[22]. Para o efeito o registo beneficia do princípio da fé pública, inscrito no artigo 7.º do Código de Registo Predial e que incorpora a presunção de verdade ou exactidão do acto registado[23]. Um dos efeitos substantivos do registo tem natureza de presunção: o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos termos em que o registo o define (artigo 7.º do Código do Registo Predial). Por isso quem tem a seu favor a inscrição de um direito no registo está dispensado de provar que o direito existe, que é o seu titular e que o direito tem a configuração dada pelo registo (embora a presunção não abranja os factores descritivos do objecto do direito, como as confrontações ou áreas do imóvel). Uma vez que a presunção é relativa ou iuris tantum (artigo 350.º, n.º 1 e 2, do Código Civil), quem pretender afastar essas consequências pode fazê-lo mas para o efeito terá de provar a desconformidade do registo com a situação jurídica real. Esse afastamento da presunção do registo pode ser alcançado por duas vias distintas. Através da demonstração de que o registo é inexistente ou nulo nos termos definidos no Código de Registo Predial (artigos 14.º e 16.º) ou através da demonstração de que o registo, independentemente de ser válido, tem por objecto factos substancialmente inválidos ou desconformes com a correcta ordenação jurídica do direito, o que conduz ao cancelamento do registo (artigo 13.º). No primeiro caso, o objecto da pretensão é o próprio registo (acção de registo) e o seu fundamento a inexistência ou nulidade do registo; no segundo caso o objecto da pretensão é directamente o facto registado e o seu fundamento o facto jurídico que permite concluir que o registo não reflecte o direito tal qual ele deve ser reconhecido e necessita por isso de ser corrigido[24] –[25]. Ao invocarem a nulidade do registo os autores seguem a primeira das vias referidas, pretendendo excluir o registo com fundamento nas invalidades do próprio acto e dessa forma (mediante a exclusão do registo) afastar a presunção de que o facto registado representa a correcta ordenação do direito de propriedade sobre o imóvel. Esta ideia é fundamental porque ajuda a perceber o fundamento jurídico em que se sustenta o pedido dos autores. Nos termos dos artigos 16.º a 18.º do Código de Registo Predial o registo pode enfermar de três vícios distintos: a inexistência, a nulidade e a inexactidão[26]. A alínea c) do artigo 16.º do Código estabelece que o registo é nulo «quando enfermar de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere». Esta previsão refere-se ao registo propriamente dito, isto é, no tocante ao registo de direitos sobre bens imóveis, aos elementos da descrição e das inscrições averbadas. O registo dos imóveis compreende as descrições, as inscrições, os averbamentos e as anotações. Segundo o artigo 79.º do Código de Registo Predial, a descrição tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios, sendo feita uma descrição distinta por cada prédio[27]. Nos termos do artigo 82.º o extracto da descrição deve conter: o número de ordem privativo dentro de cada freguesia, seguido dos algarismos correspondentes à data da apresentação de que depende; a natureza rústica, urbana ou mista do prédio; a denominação do prédio e a sua situação por referência ao lugar, rua, números de polícia ou confrontações; a composição sumária e a área do prédio; a situação matricial do prédio expressa pelo artigo de matriz, definitivo ou provisório, ou pela menção de estar omisso. As inscrições por sua vez destinam-se a definir a situação jurídica dos prédios, mediante extracto dos factos a eles referentes e só podem ser lavradas com referência a descrições genéricas ou subordinadas (artigo 91.º). O extracto da inscrição deve apresentar em termos gerais o seguinte conteúdo: o número, a data e a hora da apresentação; o facto que se inscreve; a identificação dos sujeitos activos do facto inscrito, pela menção do nome completo, número de identificação fiscal, estado e residência das pessoas singulares, ou da denominação ou firma, número de pessoa colectiva e sede das pessoas colectivas, bem como a menção do nome do cônjuge e do regime de bens do casamento, se os sujeitos forem casados, ou, sendo solteiros, a indicação de serem maiores ou menores (artigo 93.º, n.º 1). Os sujeitos passivos são indicados, em cada inscrição, somente pelo nome e número de identificação fiscal, no caso das pessoas singulares, ou pela denominação ou firma e número de pessoa colectiva, no caso das pessoas colectivas; quando os sujeitos da inscrição não puderem ser identificados pela forma prevista neste artigo, mencionar-se-ão as circunstâncias que permitam determinar a sua identidade (artigo 93.º, n.ºs 2 e 3). A estes requisitos acrescem requisitos especiais consoante o acto inscrito, sendo que quando o acto inscrito é a aquisição, a inscrição deve mencionar a causa da aquisição (artigo 95.º). Os vícios do registo que podem gerar a nulidade do registo têm de ser vícios intrínsecos ao próprio registo, ou seja, vícios relativos ao conteúdo da descrição ou da inscrição pois são estes que publicitam o acto levado ao registo. O registo só é nulo se a descrição ou a inscrição enfermarem de omissões ou inexactidões do próprio texto da descrição (v.g. não se identifica suficientemente o prédio, fornecem-se indicações impossíveis – diz-se que o prédio confronta com Rua e não existe qualquer Rua) ou inscrição (v.g. não se menciona a causa da aquisição, menciona-se a aquisição a favor de uma pessoa e inscreve-se a aquisição em nome de outra) ou do procedimento administrativo (v.g. não se exigiu um documento que tinha de ser apresentado para se poder fazer o registo) na sequência do qual foram elaborados. Para gerarem nulidade essas falhas têm de ser omissões ou inexactidões, isto é, têm de se traduzir na falta de indicações que deveriam constar do registo ou na imprecisão ou incoerência dos elementos que constam do registo ou na sua desconformidade com os títulos que lhe servem de suporte. E têm ainda que causar incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere, o que sucede quanto as omissões ou inexactidões deixam dúvidas sobre quem são os titulares do direito inscrito ou qual é o bem sobre que recai esse direito. Como é fácil de concluir, os autores não imputam à descrição predial ou à inscrição a favor dos réus qualquer irregularidade, inexactidão ou incorrecção, nem quanto às menções que as constituem ou integram, nem quanto ao procedimento de elaboração da descrição predial e ou inscrição a favor dos réus. O que os autores sustentam é que os factos sobre a identificação do prédio que conduziram à descrição não são verdadeiros. Ora, como procurámos demonstrar, se os factos levados à descrição (por exemplo: que o prédio está inscrito na matriz sob o artigo x) ou à inscrição (por exemplo: a causa de aquisição mencionada é nula por vício da vontade) forem falsos ou inválidos por qualquer título, o registo não é nulo, pode é ser mandado cancelar ou inutilizar por decisão judicial que reconheça essa inverdade ou invalidade e ordene a eliminação do registo desconforme com a ordenação do domínio reconhecida judicialmente[28]. Não se podem, por isso, confundir, como procuram fazer os autores, os vícios do registo e os vícios do acto registado: aqueles podem gerar a nulidade do registo; estes só podem gerar uma vez declarados por sentença judicial o cancelamento do registo, independentemente dos respectivos vícios. Acresce que a argumentação dos autores é uma argumentação puramente especulativa, ou seja, incorpora uma conclusão formulada a partir de elementos probatórios ou indiciários, mas que está longe de ser inequívoca ou a única possível. Todavia, para se poder concluir pela falta de veracidade dos elementos que conduziram à descrição e inscrição prediais alegadamente nulas, era indispensável que a matéria de facto provada contivesse factos que revelassem essa conclusão, sem o que as afirmações dos autores não passam de especulações. Essa prova, ao invés do afirmado pelos autores, aliás sem indicação do respectivo fundamento legal, não era ónus dos réus. Pelo contrário, pretendendo que se declare a nulidade do registo, tinham de ser os autores, demandantes, a fazer a prova dos factos constitutivos do vício do registo (e não os réus a fazer a prova dos factos constitutivos da validade do registo), independentemente de o registo ter na sua génese documentos particulares e declarações dos interessados e, portanto, a tarefa de os impugnar se mostrar mais facilitada do que se tivesse na génese documentos autênticos. Por esse motivo, a decisão de julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade do registo não pode deixar de ser mantida, improcedendo assim o recurso. V. Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso dos autores improcedente e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a sentença recorrida na parte cuja reapreciação aqui foi feita.Custas do recurso e da acção pelos autores (tabela I-B). Porto, 12 de Outubro de 2017. Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto373) Inês Moura Teles de Menezes _____ [1] Substitui-se de AU… para das AV… para se compreender que se trata da mesma pessoa referida em A), a qual segundo o alegado na petição inicial tinha o apelido das AV… mas também era conhecido pelo apelido de AU…, gerando confusão tratá-lo num facto de um modo e noutro de modo diferente. [2] Corrige-se a grafia de I1… para I2… para se compreender que se trata da mesma pessoa referida em B), ainda que seja essa a grafia do assento de nascimento. [3] E não de AU… como por lapso se refere na sentença recorrida. [4] Nas suas alegações os recorrentes defendem que a referência feitas nas alíneas R) e T) a “Campo M…” é um lapso, devendo antes ler-se “Quinta M…”. Trata-se de uma das subtis diferenças entre o alegado na primeira acção e o alegado na presente acção (cf. arts. 30.º daquela e 29.º desta), introduzida para excluir o Campo F… da doação que a H… fez à filha AC… do «campo de lavradio denominado de M…». Todavia, da leitura da acta da audiência de 02.11.2015 onde foram consignados os factos que «os mandatários dos AA. e RR., acordam em dar como assentes, por correspondência entre o que consta da factualidade alegada nesta acção e na da respectiva acção que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Gondomar sob o n.º 1051/2001» é impossível descortinar que se esteja perante um lapso, precisamente porque havendo essa diferença era necessário esclarecer por qual das alegações se optava, e no texto assinala-se que o facto sobre o qual se estabeleceu o acordo corresponde aos itens 28 e 29 dos factos provados na anterior acção, no qual se menciona “Campo” e não “Quinta”. [5] E não NA) como por lapso de se refere na sentença, fruto, por certo, que uma operação de correcção automática do processador de texto utilizado. [6] O alegado no início do artigo 72.º com emprego inclusivamente de uma expressão latina (“os referidos K… e L… agiam “animus domini”) é obviamente uma alegação conclusiva e de direito, não constituindo por isso um facto a que se possa responder. [7] No averbamento ao assento de nascimento diz-se que o óbito ocorreu em 15/07/1981 (doc. 2 junto com a petição inicial, folhas 81) mas no assento de óbito diz-se que ocorreu em 15/07/1921 (doc. 6 junto com a petição inicial, folhas 89). Embora aquela data não fosse inverosímil (se fosse viva a pessoa teria 100 anos), o erro está no averbamento do óbito ao assento de nascimento que remete expressamente para o assento de óbito onde a data não deixa dúvidas. [8] Esse facto obriga por exemplo a relativizar a sua afirmação de que aos sete anos de idade (portanto, por alturas de 1944, quando o terreno já tinha aspecto de baldio há algum tempo) ia «vigiar os pardais para cima destes terrenos». Se o terreno já tinha aspecto de baldio, já nada se cultivava nele, logo não havia necessidade de mandar para lá uma pessoa afugentar os pássaros, actividade cujo objectivo era evitar que os pássaros comessem os cereais e hortícolas cultivados. [9] Essa proximidade observa-se, por exemplo, no modo como as testemunhas arroladas pelos autores se referem ao L… (Tio L1…), quando a testemunha P… conta que não sabia o nome das pessoas que faziam pequenas horas nestes terrenos, que pediu essa informação a um tio («já um senhor com 86 anos»), que foi o tio que lhe falou no «I3…» e «então fui tentar saber quem era, onde é que ele estava, se ainda era vivo, se podia», o que é uma diligência excessiva para uma mera testemunha desinteressada, ou ainda quando a testemunha V…, arrolada pelos réus, afirma ter andado «a consultar os processos» na Câmara Municipal (onde trabalhava) por causa deste assunto. [10] É difícil de acreditar, por exemplo, na história que conta a testemunha T…, segundo a qual o Ti L1… o autorizou algures já na década de 70 a cortar e levar as pencas que quisesse, o que a testemunha fazia quando passava por ali de carro. Com efeito, as couves e pencas eram plantadas por outras pessoas, ainda que com autorização do L…, motivo porque é altamente improvável que este fosse dispor como entendia de uma plantação que não lhe pertencia. Não queremos com isto dizer que a afirmação não possa ter um fundo de verdade, queremos apenas acentuar o empolamento que as próprias testemunhas fazem de determinados factos para acentuar a sua convicção. [11] Na petição inicial alega-se que o filho da H…, I…, fazia a exploração do terreno com a colaboração de J…, com quem vivia maritalmente e de quem já tinha os dois filhos, e que quando partiu para o Brasil, onde veio a falecer em 1921, entregou o Campo F… à J… e a seus filhos então de tenra idade, os quais continuaram, sozinhos, a exploração do Campo F…. Nesta alegação não se situa no tempo nem o início da exploração do Campo F… pelo I… (se ainda em vida da mãe ou apenas depois da morte desta) nem a data em que partiu para o Brasil e o cultivo passou a ser feito pela J… e pelos filhos (o que é um exagero porque estes ainda não tinham idade para o fazer). De qualquer modo, sabendo-se que os filhos nasceram em 24.03.1911 e 14.07.1912, que a mãe faleceu em 31.03.1918, que o inventário foi instaurado logo em 20.04.1918, que o irmão AT… faleceu só depois disso já em 05.12.1919, que o I… faleceu em 15.07.1921 e que o inventário correu termos até 16.02.1933, não custa perceber com facilidade que o filho sabia que o Campo F… pertencia à mãe e, por isso, tivesse ele iniciado o cultivo antes de ela morrer ou apenas depois de ela morrer, esse cultivo só podia ter passado a ser exercido em nome próprio, em correspondência a um direito real adquirido por via sucessória, depois de a partilha ser efectuada, ou seja, já depois da morte do I…. [12] Segundo Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Civil, vol. V, 1997, pág. 64 e seguintes: “a reivindicação é a acção exercida por uma pessoa que reclama a restituição de uma coisa de que é proprietário. A reivindicação funda-se, portanto, na existência do direito de propriedade, e tem por fim a obtenção da coisa. (…). A causa de pedir desta acção é complexa, compreendendo tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o direito de propriedade do autor, como a ocupação abusiva do imóvel pelo réu, sendo estes factos que o autor tem de provar para obter a procedência da acção, com condenação nos dois pedidos que deve formular: o do reconhecimento daquele direito e o da restituição da coisa reivindicada, nada impedindo que a esses pedidos se juntem outros, como o de indemnização, se se verificarem os requisitos legais da cumulação”. No mesmo sentido Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado”, vol. III, pág. 112, afirmam que “a acção de reivindicação (...) é uma acção petitória que tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela”. [13] Cf. Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 04.02.93, in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos Supremo Tribunal de Justiça, 1993, I, 137. [14] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 537, nota 3, afirmam que: «A meio termo entre a confissão do facto e a confissão do pedido se situam aqueles casos em que a parte reconhece o direito ou a relação jurídica invocada pela contra parte contra ela. Importa, nestes casos, saber se a parte quis reconhecer o facto constitutivo do direito – e neste caso haverá verdadeira confissão do facto – ou reconhece apenas a existência do direito sem se referir ao seu facto constitutivo – e, quando assim seja haverá apenas que aplicar o artigo 458º do Código Civil». Todavia, este preceito refere-se apenas à promessa unilateral de cumprimento ou de reconhecimento de uma dívida, o que nada tem a ver com a situação que nos ocupa em que o pedido tem por objecto o reconhecimento de um direito real. [15] A certidão desta escritura encontra-se junta a fols. 104 e seguintes (doc. 12 junto com a petição inicial) e é referida no item L) dos factos assentes mas não no que concerne ao conteúdo ora mencionado. Uma vez que se trata de um facto provado por documento autêntico, nada obsta a que o mesmo seja considerado igualmente provado e atendido neste Acórdão. [16] No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.03.2012, proc. n.º 180/2000.E1.S1, in www.dgsi.pt, afirma-se, citando Lebre de Freitas, in A Falsidade no Direito Probatório, página 154 a 157, que a consequência da demonstração de que o facto constante do documento não corresponde à verdade é a perda da eficácia probatória do documento quanto a essa declaração ou quanto a esses factos. «Assim, a presunção que, a partir da prova do facto representativo (o registo ou informação constante do documento), impõe que se considere provado o facto representado, ou outros por este representados, é afastada com a prova da não correspondência desse facto ou factos à realidade. O documento perde, consequentemente, a sua eficácia como fonte de prova dos factos cobertos pela presunção legal. Mas não perde, por isso, a sua existência jurídica nem a sua validade.» [17] É apenas sobre estes que a aplicação do direito pode/deve recair e já não sobre afirmações contidas na motivação da decisão da matéria de facto ou sobre interpretações dos meios de prova produzidos, como em vários momentos fazem os recorrentes. [18] AQ…, loc. cit., pág. 269, escreveu: «o possuidor, ou possuidor em nome próprio, pode agir por força do direito real de que é titular, caso em que a sua posse é uma projecção ou expressão de um jus in re existente. Tal posse não é então uma posse autónoma, pois constitui uma faculdade jurídica secundária do direito. Chama-se a essa posse posse causal, porque tem causa no direito. Mas o possuidor pode também agir sem direito real nenhum (ou porque nunca intentou adquiri-lo, ou o intentou adquirir por acto inválido ou inexistente), posto aja, mesmo assim, como se o tivesse. Tem então uma posse sem fundamento, sem causa, num direito dado, uma posse autónoma a que se chama posse formal. É esta posse formal ou autónoma que constitui um fenómeno jurídico sui generis, fonte de consequências de direito que não logram imputar-se senão a ela e só a ela. É o que se estuda aqui, como é compreensível. Advirta-se, no entanto, que o titular de um jus in re pode igualmente invocar a sua posse causal como se fosse formal, abstraindo do direito com que se titula. Nessa hipótese, subordina-se ao regime aqui exposto.» [19] A expressão é de Orlando de Carvalho, loc. cit, pág. 268. [20] Entendem assim Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, págs. 5 e 8-10, Orlando de Carvalho, in loc. cit., pág. 266, e in Introdução à posse, in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.os 3780 e seg., Henrique Mesquita, in Direitos Reais, Coimbra, 1967, pág. 68, Paula Costa e Silva, in Posse ou posses? pág. 26 e seg., e Margarida Costa Andrade, in (Alguns) aspectos polémicos da posse de bens imóveis no Direito Português, Cadernos do Centro de Estudos Notariais e Registais (Cenor), n.º 1, Coimbra Editora, 2006, pág. 91. [21] Toda a acção está estruturada na continuidade por transmissão sucessória do direito real e da posse sobre a coisa da H… até aos autores, seus descendentes, e não na ruptura da sequência entre o direito e a posse daquela e o direito e a posse destes. [22] No Acórdão da Relação de Coimbra de 10.10.2006, relatado por Hélder Almeida, in www.dgsi.pt, sublinha-se que a publicidade do registo «– consoante observa J. Seabra Lopes, in Direito dos Registos e do Notariado, Almedina, pág. 117,- consiste numa publicidade jurídica, no sentido de que garante a verdade e a legalidade da situação jurídica que dá a conhecer. Na consecução desse objectivo, o registo predial perfila-se – ainda conforme a exposição desse mesmo Autor (ibidem) - como “... um registo de factos relativos a direitos e a ónus que incidem sobre prédios – cuja identificação constitui igualmente objecto do registo- e de que decorre a situação jurídica desses mesmos prédios.” Destarte, por isso que o registo predial é um registo de direitos sobre prédios e identificação destes, o que à face da técnica tabular vigorante se consigna ou retrata, expressa e especificamente, no caso de negócios jurídicos com esses elementos pertinentes, não são tais negócios e respectivos títulos mas as consequências ou efeitos deles emergentes, seja ao nível da realidade material – prédio – seja dos concernentes direitos e encargos.» [23] Cf. Isabel Pereira Mendes, in A publicidade registral imobiliária como factor de segurança jurídica, Regesta, Ano XIII, Abril-Junho 1992, nº 2, págs. 40 e seguintes. [24] Afirma-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 31.03.2011, relatado por Henrique Antunes, in www.dgsi.pt, o seguinte: «As realidades tabulares repercutem-se nas situações jurídicas privadas subjacentes, ou, dito de outro modo, o registo produz efeitos substantivos. O primeiro desses efeitos é presuntivo: o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos termos em que o registo o define (artº 7 do CR Predial). Quem tem a seu favor um registo determinado escusa de provar: que o direito existe; que é titular dele; que ele tem a configuração dada pelo registo. Quem assim não entenda terá que provar a inexactidão do registo: a presunção é simplesmente iuris tantum (artº 350 nºs 1 e 2 do Código Civil). (…). A prova em contrário, destruidora da presunção tabular, pode derivar de um deste dois factos: ou da demonstração de o registo ser inexistente ou nulo, por alguma das causas referidas no Código de Registo Predial (artºs 14 e 16); ou da demonstração de o registo, válido em si, se reportar a factos substancialmente inválidos, o que implica o seu cancelamento (artº 13 do CR Predial). No primeiro caso há inexistência ou nulidade do registo ou invalidade extrínseca; no segundo invalidade substantiva ou extrínseca. Os vícios do registo não esgotam, pois, a delimitação negativa da eficácia tabular presuntiva: o registo perde os seus efeitos quando, se reportar a factos substancialmente inválidos, seja pedido o seu cancelamento. Mas não basta a mera existência do vício; exige-se, em qualquer caso, uma decisão judicial que o reconheça (artº 17 nº 1 do CR Predial). O registo e os seus efeitos podem, pois, ser destruídos por invalidade intrínseca ou extrínseca, como sucede nos casos de nulidade do registo. Pode, contudo, suceder que, antes da declaração de tal nulidade por sentença transitada em julgado, alguém, fiado no registo, adquira uma qualquer posição jurídica.» [25] Cf. Acórdão da Relação do Porto de 22.06.1995, in www.dgsi.pt, em cujo sumário consta que «A presunção resultante do registo predial pode ser ilidida mediante prova em contrário tanto no sentido da nulidade do registo como da invalidade do acto substantivo inscrito.» [26] Segundo Isabel Mendes Pereira, in Código de Registo Predial Anotado, 5ª ed., págs. 73 e 74, «a inexistência determina que se ignore o registo, tal como se não tivesse sido efectuado. A inexactidão pode ser rectificada por averbamento (arts. 18º, nº 2 e 120º e segs.), passando o registo a considerar-se perfeito e inatacável. A nulidade do registo não permite a rectificação deste, o qual se mantém com o vício que o inquina, e só pode ser invocada depois de ter sido declarada por decisão judicial transitada em julgado. Este regime da nulidade sofre duas excepções: uma, quando tenha havido violação do princípio do trato sucessivo (art. 120º, nº 2) e outra quando o registo tiver sido indevidamente lavrado (alínea b) do art. 16º e arts. 120º, nº 1 e 123º). No primeiro caso, pode ser sanada pela feitura do registo em falta, se não tiver sido registada a acção de declaração de nulidade; no segundo, se houver consentimento de todos os interessados ou decisão judicial, em processo de rectificação, o registo pode ser cancelado». [27] No Acórdão da Relação de Lisboa de 08.06.2010, relatado por Cristina Coelho, in www.dgsip.t, assinala-se que «as descrições têm por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios – art. 79º, nº 1 do CRP. E embora sejam feitas na dependência de uma inscrição (…) ou na dependência de um averbamento (art. 80º, nº 1 do CRP), na verdade são o suporte das inscrições, como resulta do nº 3 do art. 79º. Portanto, objecto da descrição é o prédio – um prédio (nº 2 do art. 79º) -, devendo constar da mesma os elementos referidos no art. 82º do CRP (em vista, precisamente, a identificar física, económica e fiscalmente o prédio), como sejam a natureza, denominação, situação, composição, área e situação matricial, dando a lei particular relevância à harmonização entre a identidade registral e fiscal dos prédios, como resulta dos arts. 28º a 33º do CRP.» [28] Afirma-se no Acórdão da Relação do Porto citado no texto que «não basta a nulidade do acto registado para acarretar a nulidade do respectivo registo, apenas se podendo afirmar que a realização de um registo relativo a um acto substantivamente inválido não o convalida. O acto de registo é um acto jurídico autónomo em relação ao facto registável, tanto do ponto de vista material como do ponto de vista jurídico, obedecendo a cânones específicos, de modo a que as invalidades do acto de registo só podem decorrer da inobservância das suas próprias regras.» |