Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PINTO DE ALMEIDA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL PRESCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP201209202449/10.1TBAMT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/20/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A responsabilidade pré-contratual prescreve nos termos do art.º 498.º do Código Civil, isto é, segundo o seu n.º 1, no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito à indemnização, sem prejuízo da prescrição ordinária, a contar do facto danoso. II - Verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar aquando da celebração do contrato de mútuo, com excepção do dano que se concretizou com a exigência ao mutuário do pagamento de prestações diferentes das devidas, é a partir daí que se inicia a contagem do prazo prescricional de três anos. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 2449/10.1TBAMT-A.P1 – 3º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante Rel. F. Pinto de Almeida (R. 1420) Adj. Des. Teles de Menezes; Des. Mário Fernandes Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. B… e mulher C… instauraram acção declarativa, com processo ordinário, contra D…, S.A.. Pediram que: - A ré seja condenada a pagar-lhes, a título de responsabilidade pré-contratual, a quantia de € 100.750,00, sem prejuízo de os autores virem reclamar em articulado superveniente aditamento ao pedido ou execução de sentença os demais danos reclamados nos arts. 73º e 74º da p.i.; - Seja reconhecido pela ré o regime de crédito de deficiente como o efectivamente celebrado com os AA., desde 20 de Março de 2000. Como fundamento, alegaram que encetaram negociações com a ré no sentido de lhes ser aprovado um crédito bancário no montante de 13.500.000$00, sob o "regime de crédito deficiente", o que veio a suceder, conforme comunicação de 20.03.2000. Marcada a escritura para 11.01.2001, vieram os autores nesta data a constatar que da escritura iria ficar a constar que o empréstimo seria concedido pela ré sob o regime geral de crédito. Os autores acabaram por outorgar a escritura face à pressão da vendedora e por lhes ter sido garantido, por representante da ré, que se tratou de erro que seria de imediato corrigido. A ré agiu de má fé ao encetar negociações para aprovação de um crédito com um regime específico, ao aprovar o crédito nesses termos e, depois, no dia da escritura, ao fazer constar outra coisa do documento complementar; violou deveres de conduta, designadamente os de informação, esclarecimento, protecção e cuidado Os autores esperaram vários meses que a ré cumprisse o prometido, pagando várias prestações sob o regime de crédito geral. Acontece que a ré veio depois executar a hipoteca da casa, pelo valor do empréstimo, acrescida dos juros e demais encargos bancários, aumentando o desespero dos autores, que viram dois anúncios para venda do seu imóvel serem publicados em jornal da região, sendo questionados por familiares e vizinhos sobre as razões de estarem em incumprimento. Na sequência da oposição dos autores, procedeu-se a julgamento, vindo aquela a ser julgada procedente, tendo sido interposto recurso pela ré. A ré contestou, defendendo-se designadamente por excepção, invocando a prescrição do direito dos autores, uma vez que qualquer dos factos invocados pelos autores para fundamentar a responsabilidade pré-contratual imputada à ré (ao fazer constar da escritura um regime de crédito diferente do contratado; ao não alterar os termos da escritura para o regime de crédito a deficiente; e ao fazer publicar os anúncios para a venda do imóvel) ocorreu há mais de três anos. No saneador, a referida excepção foi assim decidida: A ré, para rebater o pedido de indemnização formulado pelos autores, excepcionou a prescrição do alegado direito de crédito dos autores porquanto já decorreu o prazo de 3 anos a que alude o art. 498 n.º 1 do CC, desde a outorga da escritura em 11 de Janeiro de 2001 Esta questão resolve-se numa consulta minimalista. A causa de pedir nesta acção radica na outorga de um contrato. Tal contrato segundo os autores, devido à sua formação patológica, originou danos cujo ressarcimento pretendem. Dito de outro modo, está em causa uma responsabilidade civil contratual, isto é, a violação de um direito relativo, motivo pelo qual o prazo prescricional aplicável é o ordinário de 20 anos – art. 309 e não o especial do art. 498 n.º 1 do CC, predisposto para a responsabilidade civil extra-contratual. Improcede pois a excepção de prescrição atravessada pelo réu. Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a ré, tendo apresentado as seguintes Conclusões: 1. Os autores instauraram a presente acção de condenação contra o banco recorrente, baseando o seu pedido na responsabilidade pré-contratual que, supostamente, se verificou na formação do contrato celebrado. 2. O banco recorrente, na Contestação apresentada nos autos, defendeu-se por excepção, alegando a prescrição do direito invocado pelos autores, pois de acordo com o disposto no artigo 498.º do Código Civil, o prazo de prescrição é de 3 (três) anos, prazo esse largamente ultrapassado. 3. O Tribunal “a quo”, no despacho saneador que proferiu, julgou improcedente a excepção da prescrição invocada pelo banco recorrente. 4. Os autores na “narração” da acção, fundamentam a sua pretensão unicamente na eventual responsabilidade pré-contratual do banco recorrente. 5. Ora, perante tais factos, a responsabilidade do banco réu/recorrente, atento o disposto no artigo 498.º do Código Civil (aplicável nos termos do n.º 2 do artigo 227.º do mesmo Código) encontra-se prescrita. 6. Os autores/recorridos, fundamentam a eventual responsabilidade pré-contratual do banco réu/recorrente pelos seguintes factos: - Ao fazer constar na escritura de mútuo com hipoteca um regime de crédito diferente daquele que alegadamente havia sido acordado com os autores; - Ao não alterar os termos da escritura por forma a que o regime de crédito contratado passasse a ser o regime de crédito a deficientes; - Ao, alegadamente, contribuir com o seu comportamento para a publicação de dois anúncios num jornal da região para a venda do imóvel aludido nos autos e, bem ainda, para a afixação de editais na porta do prédio, do Tribunal e da Junta de Freguesia; 7. Ora, qualquer dos factos invocados pelos autores/recorridos ocorreram há muito mais de 3 (três) anos!!! 8. Pelo que a hipotética responsabilidade do banco réu/recorrente encontra-se há muito prescrita. 9. O Tribunal “a quo” perante todos estes factos deveria, contrariamente ao que fez, ter proferido despacho saneador/sentença, julgando procedente a excepção da prescrição invocada pelo banco réu/recorrente. 10. Pois a acção instaurada pelos autores/recorridas é fundamentada apenas e só na, suposta, responsabilidade pré-contratual do banco réu/recorrente. 11. Prova disso mesmo, é o facto de os autores/recorridos, no próprio pedido, referirem expressamente e sem reservas que o banco réu, aqui recorrente, “(…) deve (…) pagar aos Autores a título de responsabilidade pré-contratual, a quantia global de € 100.750,00 (…)”. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente a excepção de prescrição invocada pelo banco réu/recorrente, julgando assim a acção instaurada totalmente improcedente, absolvendo o réu, aqui recorrente, da respectiva instância. Os autores contra-alegaram, concluindo pela improcedência da apelação. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a resolver: Trata-se de decidir se o direito exercido nesta acção pelos autores se encontra prescrito. III. Tendo a decisão recorrida sido proferida no saneador, há que, na apreciação desta, partir, admitindo-a, da factualidade alegada pelos autores, que acima se deixou sintetizada. Importa ter atenção, para além disso, que a execução hipotecária contra os autores, supra referida, foi instaurada pela aqui ré em 14.01.2004 (cfr. fls. 98). IV. Os autores alegaram que tinham acordado com a ré que o mútuo, que seria concedido por esta, ficaria sujeito ao regime especial de crédito para deficientes e que, no próprio dia da escritura, foram surpreendidos ao tomarem conhecimento de que, no documento complementar desta, iria ficar a constar que o empréstimo seria concedido sob o regime geral de crédito. Alegaram ainda que só outorgaram a escritura por lhes ter sido garantido, pelo representante da ré, que a referência a este regime de crédito teria derivado de erro e que este iria ser corrigido de imediato. Se não tivessem tal garantia, nunca os autores teriam aceitado subscrever a referida escritura. Entendem, por isso, que a ré incorreu em responsabilidade pré-contratual, por inobservância dos deveres de informação, esclarecimento e lealdade e formularam, a final, um pedido expressamente baseado em tal tipo de responsabilidade. Não se vê, assim, que possa afirmar-se, como na sucinta decisão recorrida, que estamos perante uma responsabilidade contratual. Com efeito, não parece que os factos jurídicos que constituem a causa de pedir da acção possam suscitar dúvidas: não está em causa propriamente o contrato celebrado, algum dos seus efeitos, ou o cumprimento ou incumprimento dele[1], mas sim a conduta imputada à ré, que rodeou a celebração desse contrato e que, na alegação dos autores, contribuiu decisivamente para que estes o outorgassem. No fundo, estes dizem-se enganados, só tendo outorgado a escritura e o documento complementar desta, nos termos que dele constam, por lhes ter sido garantido que se tratava de um lapso (a sujeição do empréstimo ao regime geral de crédito), que, de imediato, iria ser corrigido. Assim, quer se qualifique a conduta da ré como dolosa[2] ou simplesmente violadora das regras da boa fé, por ofensa dos deveres invocados pelos autores – de informação, de esclarecimento e de lealdade – a responsabilidade imputada à ré é uma responsabilidade pré-contratual, estabelecida no art. 227º nº 1 do CC, que impõe a quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato o dever, tanto nos preliminares, como na formação dele, de proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte. Dispõe o art. 227º nº 2 que esta responsabilidade prescreve nos termos do art. 498º. Assim, de harmonia com o nº 1 deste artigo, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso. Esclarecem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[3] que "são dois os prazos de prescrição estabelecidos no nº 1. Logo que o lesado tenha conhecimento do direito à indemnização, começa a contar-se o prazo de três anos. Desde o dano começa, porém, a correr o prazo ordinário, ou seja, o de vinte anos. Para o começo do primeiro prazo não é necessário que o lesado tenha conhecimento da extensão integral do dano, pois pode pedir a sua fixação para momento posterior (…). O que é necessário, para começo da contagem do prazo, é que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete (…). A solução estabelecida no nº 1 também não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária se não tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores". Idêntica é a posição de RODRIGUES BASTOS[4]: "o prazo de três anos inicia-se com o conhecimento, por parte do lesado, «do direito que lhe compete», quer dizer, da existência, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil, que se pretende exigir, quer esta se funde na culpa, quer no risco. Assim, o prazo corre desde o momento em que o lesado tem conhecimento do dano (embora não ainda da sua extensão integral), do facto ilícito e do nexo causal entre a verificação deste e a ocorrência daquele (…). Teve-se claramente o propósito de evitar que o início do prazo se dilatasse muito para além da data da ocorrência do facto danoso. Pelo que se refere ao requisito do conhecimento da extensão do dano, a solução adoptada parece a melhor visto que a formulação do pedido genérico acautela o direito do lesado (art. 569º)." Sobre o modo como se conjugam os dois prazos estabelecidos no nº 1 do art. 498º, é muito esclarecedora esta parte da fundamentação do Acórdão do STJ de 22.09.2009[5]: "O início do prazo de prescrição reporta-se, não ao momento da lesão do direito do titular da indemnização, mas àquele em que o direito possa ser exercido, a coincidir com o momento do conhecimento do direito que lhe compete, isto é, do direito à indemnização (arts. 306º-1 e 498º-1 cit.). Consequentemente, como a própria lei consagra, o lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar acção indemnizatória, mas é necessário que tenha conhecimento do dano e, apesar disso, não tenha agido judicialmente, reclamando o reconhecimento e efectivação da indemnização. Se e enquanto não tiver conhecimento do dano o prazo de prescrição é o ordinário, só se iniciando o prazo trienal a partir do momento desse conhecimento. Como vem sendo entendido, para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização “pelos danos que sofreu” (cfr. Ac. STJ, de 12/3/96, BMJ 455º-447; MENEZES CORDEIRO, “Direito das Obrigações”, 2º vol., 1994, pg. 431; RODRIGUES BASTOS, “Notas ao Código Civil”, II, 298; A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, I, 649). Daí decorre que, a partir do momento em que toma conhecimento dos danos que sofreu, o lesado dispõe do prazo de três anos para exercitar judicialmente o direito à respectiva indemnização, sem prejuízo de o prazo poder estender-se até 20 anos relativamente a danos – a novos danos – de que só tenha tomado conhecimento nos triénio anterior. Ao prever a aplicação do prazo de prescrição ordinário relacionando-a com o facto ilícito danos, reservando o prazo trienal para os casos de conhecimento do direito, a lei despreza, no prazo curto, a relevância data do facto ilícito danoso, como início do prazo extintivo, fazendo-a depender apenas do conhecimento do dano. Prazo que, então, se justificará por o lesado, conhecendo o dano, estar de posse de todos os pressupostos de reparabilidade. Não sendo esse o caso, aplicar-se-á o prazo de prescrição ordinário, a contar da data do facto danoso, que será o elemento relevante. Convergentemente, como se fez notar no acórdão impugnado, se a lei tornou o início do prazo independente do conhecimento da extensão integral dos danos, tendo em consideração a possibilidade de o lesado formular um pedido genérico de indemnização, tal pressuporá a verificação dos inerentes pressupostos, vale dizer, que não podendo ainda as consequências – dano e sua extensão total - do facto ilícito danoso ser determinadas de modo definitivo, há-de estar-se perante uma situação em que se perfilem danos futuros previsíveis (arts. 471º-1-b), 564º-2, 565º e 569º C. Civil). Haverá, na verdade, que distinguir entre o agravamento previsível, a estabilização da extensão de um dano verificado e a ulterior verificação de novos danos previsíveis, por um lado, e os danos novos não previsíveis, por outro lado: Na primeira hipótese estar-se-á perante um caso de formulação de pedido genérico, a concretizar por meio de liquidação, em que é conhecido o dano, apenas se ignorando a sua extensão e evolução, justificando-se a prescrição de caso curto que tem como ratio a intenção do legislador “de aproximar, quanto possível, a data da apreciação da matéria em juízo do momento em que os factos se verificara” (A. Varela, ob. cit., 650); Na segunda, porém, ocorrem novos factos constitutivos ou modificativos do direito a alegar e provar pelo autor, que escapam ao âmbito da liquidação (salvo havendo acção pendente e possibilidade de oferecimento de articulado superveniente – art. 506º CPC), incidente que pressupõe que os danos tenham ocorrido, embora não estejam, concretamente determinados (art. 661º-2). Acolá, na primeira hipótese colocada, estaremos perante um único dano que se vai prolongando e manifestando no tempo, eventualmente com agravamento, cuja extensão, apesar de desconhecida, “pode ser prevista com razoáveis probabilidades, podendo, por isso, o tribunal fixar uma indemnização que abranja, também com razoáveis probabilidades, também o dano futuro”; o prazo prescricional curto inicia-se e corre, mesmo que o dano se não tenha “ainda consumado por completo”, pois que o lesado pode determinar, com probabilidade razoável, o dano total. No último caso, sobrevém um novo dano ao facto ilícito ou o dano revelado por ocasião da prática desse facto, “que parecia limitado, mostra-se mais tarde ter diferente amplitude; aqui, a prescrição só começa a correr, “relativamente a este outro dano, na data em que dele tem o prejudicado conhecimento”, pois que o prejudicado está impossibilitado de determinar ou prever a totalidade dos danos (VAZ SERRA, “Prescrição do direito de indemnização” – BMJ- 87º-44)". Voltando ao caso do autos. Tal como vem configurada a acção, a actuação ilícita da ré ocorreu na formação do contrato de mútuo que veio a ser celebrado com os autores, culminando no momento da celebração desse contrato. Infringindo, primeiro, deveres de informação e de esclarecimento, não elucidando os autores sobre elementos essenciais do contrato, como o regime do crédito a que este ficaria subordinado; depois, no próprio momento da celebração, enganando os autores, ao afirmar-lhes que a referência ao regime de crédito teria derivado de erro, que iria ser de imediato corrigido. Presentes no caso, sem dúvida, como pressupostos da obrigação de indemnizar, a actuação voluntária e ilícita da ré, levada a cabo intencionalmente e até dolosamente (aqui em alternativa à mera culpa). O dano não se verificou de imediato, vindo a concretizar-se depois, na medida em que, não alterado o regime de crédito estabelecido efectivamente no contrato, os autores tiveram de assumir o pagamento das prestações correspondentes ao regime geral de crédito. E fizeram-no realmente durante três ou quatro meses, ao longo do ano de 2001. Não tendo os autores continuado depois a satisfazer essas prestações, a ré instaurou contra eles, em 14.01.2004, a execução hipotecária acima referida. Como se disse, o prazo de 3 anos estabelecido no art. 498º nº 1 apenas se inicia com o conhecimento pelo lesado do "direito que lhe compete", isto é, da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil que se pretende exigir. Ora, esses pressupostos não se completaram na data da celebração do contrato, já que o dano só veio a manifestar-se depois, com a exigência aos autores do pagamento das prestações correspondentes ao regime geral de crédito. Porém, não há dúvida de que, a partir daí, confirmada a não alteração do contrato e a exigência dessas prestações, se iniciou a contagem do prazo prescricional de 3 anos. Para tal, não seria necessário que os autores conhecessem, desde logo, a extensão integral dos danos, sendo certo que os danos que depois sobrevieram se perfilam como danos novos, mas previsíveis[6]. Com efeito, não tendo sido alterado o regime do crédito e tendo os autores deixado de pagar as prestações correspondentes, a consequência normal e inevitável seria a instauração da execução pela ré. Este facto como que traduz um agravamento previsível do dano sofrido pelos autores. Ora, considerando aquele momento inicial, há muito que teria sido ultrapassado o prazo de prescrição do art. 498º nº 1. Mesmo que assim se não entenda e se considere a instauração da execução como um novo dano não previsível – de modo a implicar, em relação a ele, um novo prazo trienal de prescrição – tem de concluir-se, também aqui, pela ultrapassagem desse prazo, que se teria iniciado em 14.01.2004 e completado muito antes da propositura da acção, em 11.10.2011. Como parece evidente, também neste caso, os novos danos que sobrevieram com o desenrolar do processo executivo são danos previsíveis, representando um único dano que se foi prolongando no tempo, agravado, porventura, na fase da penhora e da publicitação da venda. Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação. V. Em face do exposto, julga-se a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, julga-se extinto, por prescrição, o direito de indemnização peticionado pelos autores, com base em responsabilidade pré-contratual, absolvendo-se a ré desse pedido. Custas em ambas as instâncias pelos autores. Porto, 20 de Setembro de 2012 Fernando Manuel Pinto de Almeida Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes ________________ [1] Ou seja, "a falta de cumprimento de obrigações emergentes do contrato" (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., 519) ou "a violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico" (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª ed., 539) [2] Configurando esta situação como responsabilidade pré-negocial, C. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., 528, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª ed., 216 e o Acórdão do STJ de 30.04.2006, CJ STJ XIV, 2, 65. Cfr. também Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 3ª ed., 174, afirmando que o autor do dolo fica constituído na obrigação de indemnizar, cabendo a situação no art. 483º do CC. [3] Ob. Cit., 503. Também Antunes Varela, Ob. Cit., 625 e segs. [4] Notas ao CC, Vol. II, 298 e 299; cfr. também Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 278. [5] Em www.dgsi.pt. [6] Como se diz no Acórdão do STJ de 29.05.2007 – www.dgsi.pt – é a ocorrência do facto e não a permanência das suas consequências que releva para efeito de prescrição. Cfr. Ana Prata, Notas sobre a Responsabilidade Pré-contratual, 196. |