Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
213/11.0TTMTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: JUNTA MÉDICA
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RP20121015213/11.0ttmts-A.P1
Data do Acordão: 10/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: À seguradora que deduz o requerimento de Junta Médica a que alude o artigo 138º, nº2 do Código Processo do Trabalho não se impõe o pagamento de taxa de justiça agravada nos termos do artigo 13.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 213/11. 0TTMTS-A.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. Nos autos de acidente de trabalho em que é sinistrado B…, a correr termos no Tribunal do Trabalho de Santo Tirso, a Companhia de Seguros C…, S.A. requereu, em 2011.10.11, que o sinistrado seja submetido a exame por junta médica da especialidade de ortopedia ao abrigo do artigo 138º, nº2 do C. Processo Trabalho. Com o requerimento, a Seguradora juntou comprovativo do pagamento da taxa de justiça, no montante de € 204,00.
Através de carta remetida pela secção de processos em 2011.10.12, foi a Seguradora notificada para no prazo de 10 dias proceder ao pagamento do remanescente – € 102,00 – sob pena de não se considerar paga a taxa de justiça, com invocação do artigo 13.º, n.º 5 do RCP.
Em 2011.10.19 a Seguradora veio requerer que o Tribunal recorrido apreciasse a questão da aplicação da taxa de justiça agravada aos presentes autos considerando que ela não é devida e que ordenasse a sua devolução, uma vez que entretanto - 2011.10.18 - procedeu ao pagamento do montante adicional da taxa de justiça “para não comprometer a prática do acto requerido”.
Após promoção do Ministério Público no sentido do indeferimento do requerido, considerando-se correcto o valor pago, a Mma. Juiz a quo proferiu despacho com o seguinte teor:
“[…]
A fase contenciosa do processo especial emergente de acidente de trabalho pode iniciar-se de duas formas, ou por uma petição inicial ou pelo requerimento de junta médica (cf. art.117, nº1, a) e b), e 138º, nº2, do CPT).
Tanto num caso, como no outro, dá-se início a uma acção.
Por conseguinte, e para efeito de interpretação e aplicação do nº 3 do art. 13º do RCP, aprovado pelo DL 34/2008, de 26/02, com a redacção dada pelo art. 1º do DL 52/2011, de 13/04, a taxa de justiça aplicável à requerente é, de facto, a constante da Tabela I-C do respectivo anexo – no caso concreto 3 UC, por estar em causa valor “De 2000,01 a 8000” – e não a Tabela II-B, já que esta respeita a “Incidente/procedimento/execução”.
Na verdade, se numa fase inicial se pudesse ver alguma razão nos fundamentos apontados pela agora requerente, que, em termos gerais, e no fundo da questão, mereceria a nossa concordância, certo é que, com a alteração levada a cabo em 2011, a questão fica, quanto a nós, ultrapassada.
Se na sua redacção inicial o RCP falava em “acções propostas por sociedade comerciais…” (ai se podendo englobar a argumentação aduzida pela ré), certo é que agora, na sua nova redacção, o legislador especificou, naquele DL 52/2011, que paga taxa agravada seja qual foi a sua posição no processo, o “responsável passivo da taxa de justiça”.
Ou seja, não estamos já perante acções intentadas por determinadas sociedades, que seriam penalizadas pelo recurso abusivo dos meios processuais (sendo essas acções apenas contabilizadas para aferimos das grandes litigantes), mas sim, uma penalização agravada geral para estas sociedades, seja qual for a sua posição no processo. E, se agora o quisesse, poderia o legislador deixar de fora as situações em causa nos autos, tal como já o tinha feito quando estão em causa os pedidos cíveis (onde, expressamente, pelas Portarias nº 419-A72009 de 17/04 e depois pela nº 200/2011, de 20/05, refere que os pedidos civis deduzidos em processo penal não são contabilizados nem agravados para efeitos da penalização do nº 3 do art. 13º do RCP).
Não o querendo fazer, por força da aplicação daquele regime, e fazendo apelo ao argumento literal da norma, deve a ré aqui pagar, como pagou, a taxa de justiça agravada.
Termos em que, concordando na integra com a posição anteriormente assumida pelo MP, que aqui se subscreve, indefere-se o requerido pela seguradora.
[…]”
1.2. A seguradora, inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1ª) De acordo com o disposto no art.º 26.º n.º 4 do CPT, ”na acção emergente de acidente de trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação”, pelo que o requerimento de exame para a realização de junta médica, surge quando a acção está já pendente, e tanto pode ser requerido, autonomamente – caso a única divergência seja o grau de IPP – ou na contestação da acção;
2ª) Quando, por discordar do resultado do exame médico singular, uma parte requer a realização de junta médica, a seguradora, que é entidade responsável, não está a dar inicio a uma demanda, mas apenas a exercer o seu direito de defesa, na vertente processual da participação na instrução da causa e determinação de factos relevantes para o enquadramento da pretensão que contra si é movida;
3ª) A seguradora, nessa situação como no presente caso, não impulsiona uma acção judicial para ver reconhecido um direito ou satisfeita pretensão, antes se defende, numa clara e inalterável posição processual de demandada;
4ª) O art.º 13.º n.º 3 do RCP ao referir expressamente ”nas acções propostas por sociedades comerciais…” está a referir-se a acções em que a seguradora ocupa a posição de autora ou demandante, em que a iniciativa da instauração é dela;
5ª) O que não sucede, manifestamente, no caso em apreço;
6ª) A seguradora do trabalho é sempre ré numa acção especial de acidente de trabalho, nunca propõe a acção;
7ª) Não podendo o legislador fixar um sentido à norma “que não tenha na letra da Lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, releva-se desajustada a interpretação na norma do douto despacho recorrido em apreço pois, o sentido fixado não tem a menor correspondência na letra (“acções propostas”) da lei;
8ª) Este entendimento é reforçado pela redacção do art.º 14º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril onde se esclarece que a taxa “agravada” em causa tem lugar “quando uma sociedade comercial intente acção cível”;
9ª) Tal como a ratio da norma, pois, de acordo com o Preâmbulo do diploma, a taxa agravada prevista no art.º 13.º n.º 3 do RCP e tabela para a qual remete, destina-se a evitar o congestionamento dos Tribunais com ”processos de cobrança de dívidas de pequeno valor”, que não é manifestamente o caso, na situação em apreço;
10ª) Tratando-se de uma medida de estímulo ao recurso a meios alternativos de dirimir conflitos pelo litigante, não cabe no pensamento legislativo a sua aplicação a um requerimento que se enquadra nas faculdades processuais de defesa do demandado;
11ª) Entender que uma parte pudesse ser penalizada em taxa de justiça “agravada” quando exerce um direito processual na posição de demandado, para defesa da pretensão que contra si é formulada, sempre traduziria uma inconstitucional restrição dos direitos de defesa e contraditório da ré no processo;
12ª) Violou assim a decisão recorrida o disposto nos art.º 13.º n.º 3 do RCP, art.º 9º nºs 1, 2 e 3 do Código Civil, art.º 26.º n.º 4 do CPT e artºs 13.º e 20.º da CRP.

NESTES TERMOS, E AINDA PELO MUITO QUE, COMO SEMPRE NÃO DEIXARÁ DE SER PROFICIENTE-MENTE SUPRIDO, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, E SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE, DETERMINE A RESTITUIÇÃO À RECORRENTE DA QUANTIA DE € 102,00, QUE A MESMA TEVE DE ADIANTAR, APESAR DE INDEVIDA, POR SER DE INTEIRA JUSTIÇA!.”
1.3. O sinistrado recorrido, com o patrocínio do Ministério Público apresentou contra-alegações, vindo a concluir pela improcedência do recurso e manutenção do decidido em 1.ª instância.
1.4. O recurso foi admitido, vindo a ser fixado o valor da causa em € 5.250,00 (vide fls. 33 e 34).
1.5. Já neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto questionou a admissibilidade do recurso por não ser caso de aplicação do artigo 32.º, n.º 5 do RCP e não se verificarem os requisitos estabelecidos no artigo 678.º, n.º 1 do Código de Processo Civil por ser de € 102,00 o valor da sucumbência e não ser de aplicar o disposto no artigo 79.º, alínea b) do CPT por não ter a decisão em causa – pagamento ou não de taxa de justiça agravada - conexão com os interesses de ordem social e pública subjacentes aos processos emergentes de acidente de trabalho. Sendo o recurso admitido, subscreve o teor das contra-alegações apresentadas pelo Ministério Público na 1.ª instância.
Redistribuídos os autos, foi solicitada informação sobre a data da entrada da participação do acidente de trabalho em juízo, vindo a 1.ª instância a informar que tal evento ocorreu em 23 de Fevereiro de 2011.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente – artigo 684.º, n.º 3, do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, a questão essencial que é colocada à apreciação deste tribunal consiste em saber se à seguradora que deduz o requerimento de Junta Médica a que alude o artigo 138º, nº2 do Código Processo do Trabalho se impõe, ou não, o pagamento de taxa de justiça agravada nos termos do artigo 13.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais.
Embora sem relevo decisivo para a resolução do caso sub judice, impõe-se precisar que a versão do Regulamento das Custas Processuais de que deverá lançar-se mão é a anterior à que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 52/2011 de 13 de Abril, tendo em atenção a data da entrada da participação do acidente de trabalho em juízo – 2011.02.23 – cfr. os artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.° 52/2011[1] e o artigo 26.º, n.º 4 do Código de Processo do Trabalho, segundo o qual a instância nas acções emergentes de acidente de trabalho inicia-se “com o recebimento da participação”.
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3. Da admissibilidade do recurso
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Como questão prévia, cabe enfrentar a questão da inadmissibilidade do recurso suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto.
Não se aplica in casu, como bem refere o Ministério Público, o disposto no artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais, que se reporta especificamente ao recurso da decisão proferida pelo juiz em sede de reclamação da conta e estabelece que cabe da mesma recurso, em um grau, se o montante das custas exceder o valor de 50 UC. O que está em causa é o pagamento de uma taxa de justiça e a decisão judicial recorrida não constitui a decisão da reclamação de uma conta de custas.
Mas vejamos se, face às demais regras legais em presença, o recurso é admissível.
Nos termos do preceituado no artigo 678.º, n.º 1 do CPC, só é admissível recurso ordinário “quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal”.
Decorre deste preceito que a admissibilidade do recurso está subordinada a uma dupla condição: (i) que o valor da causa seja superior à alçada do tribunal de que se recorre; (ii) que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse Tribunal.
No âmbito do processo laboral, dispõe especialmente o artigo 79.º do Código de Processo do Trabalho que, “[s]em prejuízo do disposto no artigo 678.º do Código de Processo Civil e independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação: a) Nas acções em que esteja em causa a determinação da categoria profissional, o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho; b) Nos processos emergentes de acidente de trabalho ou de doença profissional; c) Nos processos do contencioso das instituições de previdência, abono de família e associações sindicais.”
Resulta da conjugação destes preceitos que a regra do valor da causa e da sucumbência estabelecida no Código de Processo Civil é aplicável no domínio do processo laboral, apenas se não atendendo à mesma nas situações elencadas no artigo 79.º do Código de Processo do Trabalho, nas quais é sempre admissível o recurso para Relação.
No que diz respeito ao valor da causa, estando o mesmo fixado em € 5.250,00, nenhum óbice se perfila à admissibilidade do recurso, pois que a alçada do tribunal da 1.ª instância é (como era à data em que foi instaurada a presente acção) de € 5.000,00 – cfr. o artigo 24.º da LOFTJ aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 23 de Outubro (vide também o artigo 31.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto).
Mas já quanto ao valor da sucumbência, na medida em que o agravamento em causa orça em € 102,00, pareceria, à primeira vista, que o valor da sucumbência seria manifestamente inferior a metade da alçada do tribunal da 1.ª instância
E, na medida em que, apesar de a acção em que foi interposto o recurso constituir uma acção emergente de acidente de trabalho, o que está em causa na impugnação recursória é o pagamento, ou não, do agravamento da taxa de justiça, pareceria, também à primeira vista, que e o caso em análise se não se enquadra em qualquer das situações especiais contempladas no artigo 79.º do Código de Processo do Trabalho, vg. na sua alínea b).
Cremos contudo que, em face dos termos em que a lei processual civil e de custas configura actualmente a taxa de justiça, o problema não se apresenta com esta simplicidade.
Com efeito, nos termos prescritos no artigo 447.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, a taxa de justiça “corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente”, ou, na letra, talvez mais rigorosa, do n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, “corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado”.
Quer isto dizer que a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça nada tem a ver com a responsabilidade pela dívida de custas, sendo aquela devida, apenas, aquando e por virtude do impulso processual[2] e podendo dizer-se que constitui, afinal, um requisito ou condição para que a parte faça valer a pretensão, ou a defesa, corporizada no instrumento que apresenta em juízo e cujo recebimento depende do pagamento do valor da taxa de justiça.
Como diz o Conselheiro Salvador da Costa, a lei liga a responsabilidade do pagamento da taxa de justiça “ao autor do respectivo impulso processual, seja do lado activo, seja do lado passivo, como se fosse uma mera contrapartida do pedido da prestação de um serviço”.[3]
Conclui-se, pois, que a questão da exigibilidade, ou não, de determinada taxa de justiça se encontra intrinsecamente relacionada com o próprio direito de acção ou de defesa que o instrumento processual que se pretende apresentar materializa, o que nos reconduz a considerar, no caso sub judice:
- por um lado, que a sucumbência ou prejuízo efectivo que o despacho recorrido acarreta para a R. seguradora recorrente orça em valor que deve considerar-se equivalente ao valor da causa, pois que a actuação processual correspondente à tese que defende no sentido de que não é devido o agravamento da taxa de justiça (ou seja, o não pagamento do agravamento) acarreta para si a inatendibilidade do requerimento de junta médica e a impossibilidade de se defender, nos termos legais, da pretensão do sinistrado; e,
- por outro, que está em causa, afinal, a própria acção emergente de acidente de trabalho e a possibilidade de a R. seguradora apresentar na mesma, ou não, os meios de defesa que a lei coloca ao seu alcance para ver definida a obrigação a seu cargo de acordo com os factos e com a lei.
Assim, quer porque o valor da causa e da sucumbência são superiores à alçada do tribunal da 1.ª instância, enquadrando-se o recurso nas hipóteses dos artigos 678.º e 679.º do Código de Processo Civil, aplicáveis “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, quer porque se verifica objectivamente a hipótese da alínea b) do referido artigo 79.º do Código de Processo do Trabalho – está “em causa” o conhecimento da defesa da seguradora em acção que versa sobre a matéria ali enunciada –, em que é sempre admitido o recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é de considerar admissível o recurso interposto pela recorrente.
Ultrapassada esta questão prévia, prossigamos na análise do recurso
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4. Fundamentação
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4.1. Os factos materiais relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório a que se procedeu, nada mais sendo necessário acrescentar.
4.2. Cabe agora responder à questão fundamental de saber se à R. seguradora que deduz o requerimento de Junta Médica a que alude o artigo 138º, nº2 do Código Processo do Trabalho se impõe, ou não, o pagamento de taxa de justiça agravada nos termos do artigo 13.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais.
Este Tribunal da Relação teve já a oportunidade de se pronunciar sobre esta questão no Acórdão de 23 de Abril de 2012, proferido no processo n.º 46/11.3TTMAI-A.P1.
Segundo tal douto aresto, recorrendo à letra e ao espírito que presidiu ao determinado no artigo 13º, nº3 do RCP – na redacção anterior à dada pelo DL nº52/2011 – conjugado com o disposto nos artigos 26º, nº3 e nº4 do CPT, 34º e 35º da Lei nº100/97 de 13.09 e no artigo 18º do DL nº143/99 de 30.04, a taxa inicial a pagar pela entidade responsável (no caso concreto, a seguradora) no caso das acções emergentes de acidente de trabalho não é agravada, por estas acções não estarem contempladas no artigo 13º, nº3 do RCP.
Não vemos razões para nos afastar deste entendimento, que é o único que se nos antolha, efectivamente, conforme com a letra da lei e com o seu espírito, tal como foi expresso no exórdio do Decreto-Lei n.° 34/2008.
Senão vejamos.
Nos termos do preceituado no artigo 447.º-A, nº6 do Código de Processo Civil, “[n]as acções propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais acções, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada com um agravamento de 50% face ao valor de referência, nos termos do Regulamento das Custas Processuais” (redacção anterior à conferida pelo DL nº52/2011, de 13 de Abril).
Por seu turno o artigo 13º, nº3 do Regulamento das Custas Processuais (também na redacção anterior à dada pelo DL nº52/2011) estabelece que “[n]as acções propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, a 200 ou mais acções, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada, para a sociedade, de acordo com a tabela I-C”.
Finalmente o nº1 do artigo 14º da Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril[4] dispõe que “ [q]uando uma sociedade comercial intente acção declarativa cível, o sistema informático disponibiliza às secretarias dos tribunais o número total de processos intentados pela mesma entidade, no ano imediatamente anterior, para efeitos de aplicação da taxa de justiça agravada prevista no nº3 do artigo 13º do RCP”.
No preâmbulo do Decreto-Lei n.° 34/2008 de 26 de Fevereiro, que aprovou o RCP e aditou ao CPC, além do mais, o citado artigo 447.º-A, é dito, a propósito desta nova solução legislativa, o seguinte:
“[…]
Face aos elevados níveis de litigância que se verificam em Portugal, a reforma pretendeu dar continuidade ao plano de moralização e racionalização do recurso aos tribunais iniciado com a revisão de 2003. Um dos factores que em muito contribui para o congestionamento do sistema judicial é a «colonização» dos tribunais por parte de um conjunto de empresas cuja actividade representa uma fonte, constante e ilimitada, de processos de cobrança de dívidas de pequeno valor. Estas acções de cobrança e respectivas execuções, que representam mais de metade de toda a pendência processual, ilustram um panorama de recurso abusivo aos meios judiciais sem consideração pelos meios de justiça preventiva.
Neste âmbito, propõe-se a adopção de algumas medidas mais incisivas que visam penalizar o recurso desnecessário e injustificado aos tribunais e a «litigância em massa». Mostra-se, assim, adequada a fixação de uma taxa de justiça especial para as pessoas colectivas comerciais que tenham um volume anual de entradas, em tribunal, no ano anterior, superior a 200 acções, procedimentos ou execuções.
[…]”.
Ora as entidades seguradoras de modo algum lançam mão das acções emergentes de acidente de trabalho para cobrarem dívidas, de grande ou de pequeno valor.
Pelo contrário. Tais entidades surgem sempre nestas acções especiais que visam efectivar os direitos resultantes de acidente de trabalho (artigos 99.º e ss. do Código de Processo do Trabalho) na posição passiva da obrigação de reparação, como entidades eventualmente responsáveis pelo pagamento ao sinistrado, ou aos seus beneficiários legais, das pensões, indemnizações e outras prestações previstas na LAT.
É certo que são elas que geralmente dão início à instância da acção emergente de acidente de trabalho – que se inicia com o recebimento da participação nos termos do citado artigo 26.º, n.º 4 do Código de Processo do Trabalho –, mas este impulso processual resulta de uma obrigação legal que se mostra consagrada no artigo 18.º do Decreto-Lei n.° 143/99, de 30 de Abril e que, como é evidente, nada tem a ver com o uso das instâncias judiciais nas vestes de demandante para cobrança de créditos.
Ao invés, consiste numa chamada de atenção das instâncias judiciais para a existência de eventuais débitos da própria entidade seguradora, justificando-se a existência deste dever de participação – tal como o carácter urgente e oficioso da acção assim instaurada [artigo 26.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3 do Código de Processo do Trabalho] –, com a necessidade de satisfazer o interesse público da efectiva e correcta definição dos direitos e deveres resultantes de um acidente de trabalho, a fim de que nenhum infortúnio laboral fique sem reparação e de que se concretize o direito constitucional dos trabalhadores a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f) da CRP.
Acresce que o requerimento de junta médica formulado pela ora apelante surge já numa fase em que o processo especial completou a sua primeira fase (que pode ser única, caso haja uma conciliação homologada) e prefigura-se como um modo de a seguradora – sempre nas vestes de entidade responsável pela reparação e não nas de credora – apresentar a sua defesa face a uma pretensão reparatória que não acatou por discordar do grau de incapacidade laboral atribuído pelo perito singular ao sinistrado – cfr. os artigos 117.º, n.º 1, alínea b) e 138.º, n.º 2 do CPT.
Com a apresentação do requerimento para junta médica, a entidade seguradora nem dá entrada a uma acção, nem instaura um procedimento ou uma execução, tal como é exigido nos artigos 447.º-A, n.º 6 do Código de Processo Civil e do artigo 13.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais.
Assim, de modo algum se enquadra na hipótese destes artigos 447.º-A, n.º 6 do CPC e do artigo 13.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais, ambos na redacção que precedeu o Decreto-Lei n.° 52/2011 (a aplicável ao caso sub judice), a situação da seguradora que, na acção emergente de acidente de trabalho, inicia a fase contenciosa com um requerimento de realização de junta médica, nada justificando que se lhe exija o pagamento da taxa de justiça agravada nos termos neles previstos.
O que determina a procedência do recurso.
Sempre se dirá, contudo, que não acompanhamos o tribunal a quo quando este sustenta a sua tese no facto de ter o legislador especificado no Decreto-Lei n.° 52/2011 que paga taxa agravada o “responsável passivo da taxa de justiça” seja qual foi a posição que ocupa no processo, o que, na sua perspectiva, implica uma penalização agravada geral para estas sociedades, tese que sairia reforçada pelo facto de a Portaria nº 419-A/2009 apenas precisar que os pedidos civis deduzidos em processo penal não são contabilizados nem agravados para efeitos da penalização do nº 3 do art. 13º do Regulamento das Custas Processuais, nada dizendo quanto à situação em causa nos autos.
É certo que o artigo 13.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais, na sua redacção actual, se limita a dispor que “[q]uando o responsável passivo da taxa de justiça seja uma sociedade comercial que tenha dado entrada num tribunal, secretaria judicial ou balcão, no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, acções, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada, para qualquer providência cautelar, acção, procedimento ou execução intentado pela sociedade de acordo com a tabela i-C, salvo os casos expressamente referidos na tabela ii, em que a taxa de justiça é fixada de acordo com a tabela ii-B”, sem que faça qualquer referência à posição processual do responsável passivo da taxa de justiça, ao invés dói que anteriormente sucedia.
Contudo, o artigo 447.º-A do Código de Processo Civil, apesar de igualmente alterado pelo Decreto-Lei n.° 52/2011, mantém a referência às “acções propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais acções, procedimentos ou execuções”, assim continuando a posicionar as sociedades a que se reporta no lado activo da relação obrigacional, como credoras que lançam mão das instâncias judiciais para fazer valer os seus créditos.
Além disso, o facto de a Portaria nº 419-A/2009 de 17 de Abril (o artigo 14.º, n.º 2, revogado pelo artigo 7º. da Portaria nº. 200/2011) e depois a Portaria nº 200/2011, de 20/05[5], referirem que os pedidos civis deduzidos em processo penal não são contabilizados nem agravados para efeitos da penalização do nº 3 do art. 13º do Regulamento das Custas Processuais nada adianta, na medida em que ambas as Portarias aludem, antes de mais, às sociedades comerciais que intentem “acção declarativa cível” (vide o artigo 14.º, n.º 2, da Portaria nº 419-A/2009, revogado pelo artigo 7º. da Portaria nº. 200/2011) e pressupõem que a sociedade seja “autora ou requerente” e intente uma “acção, procedimento ou execução” (artigos 3.º e 4.º da Portaria nº. 200/2011[6]), o que se mostra em conformidade com o entendimento já exposto. E bem se compreende a necessidade que o legislador teve de exceptuar expressamente os pedidos cíveis deduzidos em processo penal, pois que nesses o demandante cível que seja litigante de massa pretende fazer valer um direito de crédito, o que poderia suscitar dúvidas quanto à aplicação a tais casos do regime do artigo 13.º, n.º 3 do RCP.
Assim, não deixando de ter presente o teor “literal da norma” (que o tribunal recorrido considerou decisivo para concluir que a ré deve pagar a taxa de justiça agravada), entendemos que a referência ampla do artigo 13.º, n.º 3 do RCP ao “responsável passivo da taxa de justiça” não pode desligar-se de uma interpretação conjunta e coerente das normas em presença (argumento sistemático) e, essencialmente, da ratio legis que presidiu a este novo sistema penalizador da “litigância em massa”.
Procede, pois, o recurso.
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4.3. Apesar de vencido no recurso e, por isso responsável em princípio pelo pagamento das custas devidas, o sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, mostra-se isento de custas – cfr. os artigos 446.º do Código de Processo Civil e 4.º, n.º 1, alínea h) do Regulamento das Custas Processuais – pelo que não há lugar a custas.
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5. Decisão
Em face do exposto, concede-se provimento à apelação e revoga-se a decisão recorrida, deferindo o requerimento formulado pela Companhia de Seguros C…, S.A. e ordenando que, por não ser devido, se devolva oportunamente à apelante o montante adicional da taxa de justiça agravada por esta pago em 2011.10.18.
Sem custas – artigo 4.º, n.º 1, alínea h) do Regulamento das Custas Processuais.
Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 15 de Outubro de 2012
Maria José Pais de Sousa da Costa Pinto
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
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[1] O artigo 6º do DL nº52/2011 de 13 de Abril estabelece que “[o] presente decreto-lei entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação” e o artigo 5º prescreve que o mesmo se aplica “aos processos iniciados a partir da data da sua entrada em vigor”. A versão aplicável do Regulamento das Custas Processuais é, pois, a que resulta do DL n.º 34/2008, de 26/02, com as sucessivas alterações da Lei n.º 43/2008, de 27/08, do DL n.º 181/2008, de 28/08, da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12 e da Lei n.º 3-B/2010, de 28/04.
[2] Note-se que o não pagamento da taxa de justiça constitui causa de recusa do recebimento da petição inicial em juízo – cfr. o artigo 474.º do Código de Processo Civil.
[3] In Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 4.ª edição, Coimbra, 2012, pp. 76-77.
[4] Entretanto alterada pelas Portarias n.º 179/2011, de 02 de Maio, n.º 200/2011 de 20 de Maio, n.º 1/2012, de 02 de Janeiro e n.º 82/2012, de 29 de Março.
[5] Em vigor desde 13 de Maio de 2011 (artigo 6.º).
[6] De notar que também no preâmbulo desta Portaria n.º 200/2011, que visou operacionalizar o regime da taxa de justiça agravada com maior eficácia e celeridade, é dito que “[u]m dos factores que em muito contribui para o congestionamento do sistema judicial é a «colonização» dos tribunais por parte de um conjunto de empresas cuja actividade representa uma fonte, constante e ilimitada, de processos de cobrança de dívidas de pequeno valor. Estas acções de cobrança e respectivas execuções, que representam mais de metade de toda a pendência processual, ilustram um panorama de recurso abusivo aos meios judiciais sem consideração pelos meios de justiça preventiva”, o que constitui um importante elemento interpretativo do âmbito de aplicação das normas que contém.
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Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
À seguradora que deduz o requerimento de Junta Médica a que alude o artigo 138º, nº2 do Código Processo do Trabalho não se impõe o pagamento de taxa de justiça agravada nos termos do artigo 13.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais.

Maria José Pais de Sousa da Costa Pinto