Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0844544
Nº Convencional: JTRP00042089
Relator: JOSÉ PIEDADE
Descritores: CRIME CONTINUADO
Nº do Documento: RP200901210844544
Data do Acordão: 01/21/2009
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 351 - FLS 02.
Área Temática: .
Sumário: I - Estando em causa a repetição de condutas integradoras dos crimes de burla e de falsificação de documento, com referência a entrega de propostas de crédito falsificadas, não configura uma situação exterior consideravelmente diminuidora da culpa, a determinar uma continuação criminosa, a facilitação da concessão de crédito por parte das respectivas entidades financeiras, se o agente gizou o seu plano criminoso a partir dessa circunstância, de que previamente tomara consciência.
II - O nº 2 do actual art. 79º do Código Penal impõe que se tenha em conta a moldura penal aplicável à conduta mais grave que integra a continuação criminosa, devendo dentro dessa moldura serem sempre consideradas, na determinação da medida concreta da pena, todas as restantes condutas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 4544/08-4
.º Juízo do TJ de Paredes, Proc. nº …/03.4TAPRD

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No .º Juízo do TJ de Paredes, processo supra referenciado, foi julgado B………., tendo sido proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:
- absolver o arguido B………. da prática do crime de subtracção de documento, previsto e punido no art. 259º, nº 1, do Código Penal, e dos três crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo art. 256º, nº 1, als. a) e b), e nº 3, do Código Penal, de que se encontrava acusado no Apenso B (antigo Proc. Comum Singular nº …/03.7TAPRD, do .º Juízo Criminal deste Tribunal);
- condenar o arguido B………., pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma continuada, previsto e punido pelas disposições conjugadas do art. 256º, nº 1, als. b) e c), e do art. 30º, nº 2, ambos do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão;
- condenar o arguido B………. pela prática de um crime de burla qualificada previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 217º, nº 1, e 218º, nº 1 e nº 2, al. a), e do art. 30º, nº 2, todos do Código Penal, na pena de três anos de prisão;
- declarar que por via da relação de continuação criminosa existente entre estes crimes e os que foram objecto do Proc. Comum Colectivo nº …/02.2TAPRD, deste mesmo Juízo, onde os crimes foram punidos com penas superiores, nenhuma pena cabe ao arguido cumprir, por via da sua condenação destes autos, as quais não têm, assim, eficácia;
- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelos assistentes C………. e D………. e, em consequência:
- condenar o arguido a pagar ao assistente C………. a quantia de €7.000,00 (sete mil euros);
- condenar o arguido a pagar à assistente D………. a quantia de €3.000,00 (três mil euros);
- absolver o arguido do restante pedido.
- julgar improcedente o pedido de indemnização cível deduzido pelos demandantes E………. e F………. e, em consequência:
*
Deste Acórdão recorreu o MºPº, formulando as seguintes conclusões:
1 – Nos presentes autos foi o arguido B………. pronunciado pela prática, em concurso efectivo:
- de dois crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo art. 256º, nº 1, al. a), do Código Penal, e de dois crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos arts. 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. a), do Código Penal (acusação de fls. 375 a 387 dos presentes autos); e
- de dois crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo art. 256º, nº 1, al. a), do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, previstos e punidos pelos arts. 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. a), do Código Penal (acusação de fls. 116 a 126 do Apenso A, antigo Proc. …./03.6TAGMR),sendo que o Ministério Público deduziu ainda acusação contra o arguido imputando-lhe a prática:
- no antigo Proc. Comum Singular nº …/03.7TAPRD, do .º Juízo Criminal deste Tribunal (actual Apenso B), em concurso efectivo, de um crime de subtracção de documento, previsto e punido no art. 259º, nº 1, do Código Penal, e de três crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo art. 256º, nº 1, als. a) e b), e nº 3, do Código Penal.
Ao abrigo do disposto no art. 25º do Código Penal foi ordenada a apensação de cada um dos referidos processos aos presentes autos, a fim de se efectuar o Julgamento conjunto dos respectivos factos.
2 – No acórdão proferido nos autos e agora posto em crise, o arguido B………., apesar da pronúncia e acusação contra ele deduzida, foi apenas condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma continuada, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts 256º, nº 1, als. b) e c), e do art. 30º, nº 2, ambos do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão e pela prática de um crime de burla qualificada na forma continuada, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts 217º, nº 1 e 218º, nºs 1 e 2, al. a), e do art. 30º, nº 2, todos do C. Penal, na pena de 03 anos de prisão, decidindo-se ainda declarar que por via da relação de continuação criminosa existente entre estes crimes e os que foram objecto do Proc. Comum Colectivo nº …/02.2TAPRD, deste mesmo Juízo, onde os crimes foram punidos com penas superiores, nenhuma pena cabe ao arguido cumprir, por via da sua condenação destes autos, as quais não têm, assim, eficácia, condenação com a qual se não concorda;
3 – Com efeito, com vista à integração de um crime de burla e falsificação na forma continuada, a necessidade de obter meios financeiros não pode configurar a situação exterior consideravelmente diminuidora da culpa exigida pelo nº 2 do artigo 30º do C. Penal, aliás como defendido vem na decisão recorrida.
4 – A decisão recorrida, com apelo (e também por causa) aos factos constantes do ponto 90 da matéria de facto dada como provada, entendeu que o arguido cometeu apenas um e não quatro crimes de falsificação de documento, e um e não três crimes de burla qualificada, na parte em que se recorre e pelos quais vinha acusado, subsumindo a sua decisão à figura da continuação criminosa – art. 30º, nº 2, afastando o concurso real e efectivo entre todos.
5 – E porque entendemos que assim não será, julgamos que no caso dos autos não é duvidoso que tenha havido uma realização plúrima do mesmo tipo legal de crime burla e falsificação.
E também não nos é difícil admitir que os tipos foram pelo arguido realizados através de uma forma essencialmente homogénea, isto é, através da utilização de uma acção idêntica: falsificação e uso de documentos falsificados (inseriu em documentos factos juridicamente relevantes e que não correspondiam à verdade, e usou documentos falsificados na parte respeitante às assinaturas dos mutuários e avalistas dos contratos de financiamento, com apresentação dos mesmos às financeiras.
Contudo, não consideramos que essa violação plúrima dos mesmos tipos de crime tenha ocorrido no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa da agente/arguido.
A necessidade de obter meios financeiros – cfr. Pontos 9, 10, 15, 22, 47, 56, al. f) dos factos dados como provados no âmbito do Proc. Comum Colectivo nº …/02.2TAPRD, do .º Juízo Criminal do Tribunal de Paredes da matéria de facto provada –, não é, de modo algum, uma situação que diminua consideravelmente a culpa.
De facto, não nos parece que a necessidade de obtenção de dinheiro atenue a culpa de quem o quer obter, através de formas criminosas. Trata-se de uma necessidade comum, sentida em geral pela maioria das pessoas, não denunciando os autos qualquer razão especial que torne esta necessidade capaz de diminuir consideravelmente a culpa do arguido.
Pressuposto da continuação criminosa, será verdadeiramente a existência de uma situação exterior que, de maneira considerável, facilite a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito» (cfr., Eduardo Correia, "Direito Criminal", vol. II, pág. 209).
Dito de outro modo, o crime continuado apresenta-se como um «fracasso psíquico» do agente, sempre homogéneo, perante a mesma situação de facto, suposto porém que o agente não revele uma personalidade que se deixe facilmente sucumbir perante situações externas favoráveis e que, por essa fragilidade, facilmente não supere o grau de inibição relativamente a comportamentos que preenchem um tipo legal de crime (cfr., Hans Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, "Tratado de Derecho Penal, Parte General", trad. da 5ª edição, 2002, pág. 771-772).
Na verdade, a concepção pelo arguido de um plano que, para além da falsificação de documentos e uso dos mesmos com assinaturas não elaboradas pelos mutuários e avalistas nos contratos de financiamento constantes dos autos, englobava vários ofendidos e várias e diferentes financeiras – cfr. Pontos 9, 10, 11, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 33 (…) 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, e 62 da matéria dada como provada -, para a prática da mesma acção criminosa, terá necessariamente de excluir a verificação de um crime continuado.
Na verdade, provou-se que o arguido, por diversas vezes, espaçadas no tempo, utilizou 03 contratos de locação financeira (pontos 15, 22 e 47 da matéria de facto) forjados (com introdução nos mesmos de factos que sabia não corresponderem à verdade e com aproveitamento de assinaturas que sabia não terem sido feitas pelos mutuários e avalistas e, depois, apresentou-os em pelo menos três momentos distintos (no decurso de 2001 e após Abril [23-05-2001, 06-06-2001 e 06-12-2001]) em duas instituições financeiras diferentes – cfr. Pontos 15, 20, 22, 27, 47, 52 e 56 da matéria de facto dada como provada.
O engano (apesar do mesmo estratagema) foi provocado em duas financeiras distintas, mas por três vezes – G………., SA (factos provados sob os pontos 20 e 52), e H………., SA (facto provado sob o ponto 27) -, e em momentos diferentes, havendo assim três resoluções criminosas distintas, exigindo uma actuação pessoal também distinta para todos os crimes de que vinha pronunciado e acusado.
A hipótese inversa levaria a que um burlão que utilizasse durante sua vida sempre o mesmo artifício cometesse apenas um só crime, o que é manifestamente insensato.
No presente caso, nem sequer se verifica o prolongamento no tempo de uma situação especialmente apelativa, justificando o afrouxamento da tensão (diminuição do sentimento de culpa) ou “fracasso psíquico”, relevante na construção do “crime continuado”.
6 – Com estas condutas ardilosas e das simulações fraudulentas dos referidos contratos, o arguido logrou apropriar-se indevidamente, em proveito próprio, e em momentos igualmente diferentes, das quantias:
- 2.735.849$00 (13.646,31 Euros) – Ponto 21 da matéria de facto dada como provada;
- 17.233,47 Euros – Ponto 28 da matéria de facto dada como provada;
e
- 2.285.840$00 (11.401, 72 Euros) – Ponto 53 da matéria de facto dada como provada.
7- Ainda com estas condutas ardilosas e das simulações fraudulentas dos referidos contratos, o arguido causou prejuízos incalculáveis quer aos mutuários, quer aos avalistas, quer às financeiras, e em momentos igualmente diferentes, conforme resulta dos Pontos 30., 31., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 54., 55., 59. e 60. da matéria de facto dada como provada, que aqui se dão como reproduzidos para todos os efeitos e por uma questão de economia processual, que ainda não repôs/ressarciu, nem com isso se preocupou.
8 - O arguido, com as motivações e finalidades conhecidas e nos momentos temporais que resultam dos autos, fez destes tipos de ilícito modo exclusivo de vida.
Na verdade, resulta do Ponto 89 da matéria de facto dada como provada, que o arguido foi condenado em pelo menos em mais 04 processos, sempre em penas privativas de liberdade, conforme se certifica nas als. a), b), c) e d), do referido ponto 89 e sempre por crimes de burla e falsificação.
Acresce que o arguido se encontra actualmente em sã e pacata liberdade, apesar de ter sido condenado por sentença proferida em 11 de Julho de 2005, com as alterações resultantes do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/05/2006, nos autos de Proc. Comum Colectivo nº …/02.2TAPRD, do .º Juízo Criminal do Tribunal de Paredes, na pena única de 04 anos de prisão, decisão esta ainda não executada, apesar do trânsito em julgado já ocorrido.
9 - Pelo exposto e tudo ponderado, julgamos que não se verificam os requisitos do crime continuado, a que alude o art. 30º, nº 2 do Cód. Penal, pelo que, nesta parte, o recurso deve ser julgado procedente, impondo-se que se considere que o arguido cometeu, não 01 crime de falsificação de documento e 01 crime de burla qualificada – como foi decidido –, mas sim, em concurso real e efectivo, quatro crimes de falsificação de documento, e três crimes de burla qualificada, e pelos quais deverá ser condenado.
10 - A ser assim entendido, como aliás se espera, atenta a matéria dada como provada e não provada, a convicção do Tribunal e o enquadramento jurídico-penal (contra as quais o Ministério Público não encontra censura), o arguido B………. deverá ser condenado pela prática, como autor material e em concurso real e efectivo de:
A) 3 crimes de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256º, nº 1, als. b) e c) do C. Penal;
B) 1 crime de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256º, nº 1, al. c) do mesmo diploma;
C) 2 crimes de burla qualificada, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts 217º e 218º, nº 1 do C. Penal;
D) 1 crime de burla qualificada, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 217º e 218º, nº 2, al. a) do mesmo diploma.
Em pena que deve ser sempre privativa da liberdade, sendo certo que, no caso concreto, atento os antecedentes criminais do arguido – cfr. Ponto 89 da matéria de facto dada como provada –, a elevada intensidade do dolo (directo), o grau de ilicitude do facto (atento o número de condutas em causa), o modo de execução dos factos (uso de documentos com as assinaturas falsificadas e a inserção nos documentos de factos juridicamente relevantes que não correspondem à verdade), a gravidade das consequências daqueles (que resultaram quer para os visados, quer para as financeiras, nos termos constantes da matéria de facto dada como provada), as atribuições patrimoniais conseguidas pelo arguido que ascendem ao montante global de 42.281,50 Euros, e às exigências de prevenção geral, na medida em que este tipo de situações reflecte-se negativamente na confiança das pessoas no estabelecimento de relações negociais, confiança esta que é essencial para que se estabeleçam relações jurídicas e o tráfego jurídico negocial possa prosseguir normalmente, a pena de multa não realiza de forma adequada as exigências da prevenção geral e especial, reprovação e prevenção do crime, sendo que se tem de lutar, cada vez mais, contra a proliferação da existência deste tipo de crime enraizado, negativa e tantas vezes impunemente, na nossa sociedade.
Pena essa necessariamente a cumular, atento o concurso real e efectivo dos crimes pelos quais o arguido vem pronunciado/acusado e que se espera o venham a condenar.
11 - Se assim se não entender, o que por mera hipótese académica se admite, deverá considerar-se que as penas aplicadas ao arguido B………. nestes autos, não satisfazem minimamente as exigências de prevenção especial e muito menos geral que o caso exige.
Na verdade,
O arguido B………. foi condenado nestes autos pelos seguintes crimes e penas:
1 - pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma continuada, previsto e punido pelas disposições conjugadas do art. 256º, nº 1, als. b) e c), e do art. 30º, nº 2, ambos do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão;
2 - pela prática de um crime de burla qualificada previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 217º, nº 1, e 218º, nº 1 e nº 2, al. a), e do art. 30º, nº 2, todos do Código Penal, na pena de três anos de prisão;
De acordo com a decisão recorrida, a propósito da “Medida da Pena”, as molduras penais a considerar são;
- quanto ao crime de falsificação de documento previsto e punido no art. 256º, nº 1, do C.P., prisão de 1 mês (art. 41º, nº 1, do CP) a 3 anos.
- quanto ao crime de burla qualificada previsto e punido nos arts. 217º, nº 1, e 218º, nº 2, do CP, prisão de 2 a 8 anos.
Na decisão recorrida decidiu o Tribunal “a quo” fixar tais penas de prisão, situação que merece a nossa discordância, face à sua exiguidade manifesta, atentas as patentes exigências de prevenção geral e, em particular, especial de socialização que este tipo de ilícito requer, tantas as vezes que são eles praticados, no caso concreto, em que se mostram violados os valores de confiança e de proximidade que foram depositados nos ofendidos.
Sendo certo que contra o arguido, não poderão deixar de depor, como não deixaram, diga-se, nos termos do disposto no art. 71º do C. Penal,
- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu na modalidade de dolo directo;
- o grau de ilicitude do facto, que se mostra já um pouco elevado, atento o número de condutas em causa;
- o modo de execução do facto, pois estamos perante situações em que o arguido nos quatro casos usa documentos com assinaturas falsificadas e nas três primeiras situações, para além disso ainda inscreve nos documentos factos juridicamente relevantes que não correspondem à verdade;
- a gravidade das consequências dos factos, consubstanciada nas consequências que advieram quer para os visados, quer para as financeiras, nos termos constantes da matéria de facto;
- as atribuições patrimoniais conseguidas pelo arguido ascenderam ao montante global de €42.281,50;
- as exigências de prevenção geral, na medida em que este tipo de situações reflecte-se negativamente na confiança das pessoas no estabelecimento de relações negociais, confiança esta que é essencial para que se estabeleçam relações jurídicas e o tráfego jurídico negocial possa prosseguir normalmente;
- os seus antecedentes criminais;
e
- a conduta do arguido, posterior aos factos, quando não contribuiu, por qualquer forma, para reparar as consequências do crime que praticou.
Não discordando da decisão do Tribunal recorrido quando optou pela aplicação, ao caso concreto, de uma pena de prisão, sendo que só esta, de acordo com o estatuído no art. 70º do C. Penal, pode realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, já a medida da pena concreta nos parece inadequada quando virada para a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – art. 40º do C. Penal.
Sendo que o quadro atenuativo para a determinação concreta da pena, por não puder sobrepor-se ao quadro agravativo, não pode justificar, em nosso entender, tão exíguas penas de prisão.
Estando-se, pois, em face de um crime continuado de falsificação e de um crime burla qualificada cometidos com culpa grave e exclusiva do arguido e atendendo à necessidade de uma prevenção e reprovação rigorosas, a medida concreta das penas de prisão fixadas pelo Tribunal não se podem manter.
12 - Ao ter decidido como se decidiu, violou o Tribunal “a quo” o disposto nos arts 30º, nº 2, 256º, nº 1, als. b) e c), 217º, nº 1 e 218º, nºs 1 e 2, al. a), 79º, 40º e 71º, todos do Código Pe­nal não se podendo, em consequência, manter a decisão recorrida.
Atento o exposto dando-se, na parte recorrida, provimento ao recurso, com alteração desta, de forma a condenar-se o arguido B………., como autor material e em concurso real e efectivo de:
- 3 crimes de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256º, nº 1, als. b) e c) do C. Penal;
- 1 crime de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256º, nº 1, al. c) do mesmo diploma;
- 2 crimes de burla qualificada, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts 217º e 218º, nº 1 do C. Penal;
- 1 crime de burla qualificada, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts 217º e 218º, nº 2, al. a) do mesmo diploma.
Em pena de prisão nos termos e com os fundamentos propostos na motivação de recurso, pena essa necessariamente a cumular, atento o concurso real e efectivo dos crimes pelos quais o arguido vem pronunciado/acusado e que se espera o venham a condenar.
Se assim se não entender, por se considerar estarmos, de facto, face ao cometimento pelo arguido de um crime continuado de falsificação e de um crime continuado de burla qualificada, deverão as penas concretas de prisão fixadas pelo Tribunal recorrido ser alteradas por outras mais graves (porque cometido com culpa grave e exclusiva do arguido e atendendo à necessidade de uma prevenção e reprovação rigorosas), para que a sua condenação reprove e previna rigorosamente, agora e para futuro, a conduta deste.
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Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto entende que o recurso não merece provimento.
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Com interesse para a decisão a proferir, é o seguinte o teor do Acórdão recorrido.
Factos provados:
“1. No concelho e comarca de Pombal existe a sociedade comercial denominada “I………., Lda.”, com sede social no ………., nº .., Pombal;
2. Tal sociedade possui por objecto a venda, troca e comercialização de veículos e viaturas novas e usadas, bem como a reparação e assistência das mesmas;
3. O arguido, pelo menos nos anos de 1999 a 2002, dedicou-se, em nome próprio, à actividade de venda de veículos automóveis, novos e usados, que desenvolvia num estabelecimento comercial denominado “I………., Lda”, sito na Rua ………., ………., ………, Paredes;
4. O arguido exercia as principais e mais complexas funções de gestão que a administração quotidiana daquele estabelecimento requeria e era o único e exclusivo responsável pela sua gestão e administração;
5. Entre os clientes do arguido contavam-se os assistentes C………. e mulher, D………., e J……….;
6. O arguido possuía também relações comerciais regulares com sociedades de locação financeira, bancos e outras instituições de crédito, e, na esmagadora maioria dos casos, servia de intermediário, mediador e interlocutor entre os clientes que pretendessem recorrer ao aluguer de longa duração ou ao crédito pessoal para aquisição de viatura nova ou usada e as entidades de locação ou empréstimo;
7. Entre outras sociedades ou instituições financeiras, o arguido, mantinha relações comerciais com a actualmente denominada “K………., S.A.” e com a “G………., S.A.”;
8. O arguido era geralmente possuidor dos originais, ou de fotocópias fiéis, dos documentos necessários à concessão dos contratos de locação ou de concessão de credito, como bilhetes de identidade, números de contribuinte, elementos relativos às contas bancárias dos proponentes ao crédito ou locação (dependência, nº de conta e NIB), bem como de todos os elementos de identificação destes, tendo assim conhecimento das especificidades e características das assinaturas e acesso a outros elementos;
9. A partir de data que não foi possível apurar em concreto, mas situada seguramente pelo menos em meados do ano de 2001, o arguido, utilizando a sua posição de mediador e na posse de elementos de identificação, civis, fiscais e bancários dos seus clientes, porque começou a sentir dificuldades económicas no desenvolvimento da sua actividade e de forma a fazer face às suas despesas correntes, decidiu começar a utilizar assinaturas falsificadas dos seus clientes e adulterar os elementos a preencher nos contratos celebrados com as entidades financeiras com quem negociava;
10. Através dos contratos assim falsificados, forjados e adulterados, o arguido pretendia obter, em benefício próprio, daquelas entidades de locação ou empréstimo, avultadas atribuições patrimoniais ilícitas e fazer suas as quantias que desta forma conseguia obter;
11. O arguido conhecia os assistentes C………. e mulher, D……….;
12. Em 30/06/2000, os assistentes adquiriram à sociedade comercial denominada “L………., Lda.” (L1……….), com sede na Rua ………., ………., Paredes, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca “Opel”, modelo “………”, com a matrícula ..-..-PR, pelo preço de 2.650.000$00 (€13.218,14);
13. Para pagamento do preço do automóvel aludido no ponto anterior, os assistentes contraíram um empréstimo da quantia de 2.750.000$00 (€13.716,94) junto da “M………., S.A.”, a pagar através de 60 prestações mensais, sendo a 1ª no montante de 67.926$00 (€338,81), e as restantes iguais e sucessivas, no montante de 61.626$00 (€307,39), negócio este feito por intermédio do arguido;
14. A assinatura dos documentos para obtenção do empréstimo ocorreu perante o arguido, no Stand “I………., Lda”, tendo na ocasião, para além do mais, sido exibidos e entregues os bilhetes de identidade, cartões de contribuinte, elementos bancários e outros documentos relativos aos assistentes;
15. Em obediência à resolução aludida nos pontos 9 e 10, no dia 06/06/2001, no seu estabelecimento referido no ponto 3, o arguido, de forma voluntária, fez preencher por meios mecanográficos o contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouros nº ……, junto a fls. 728 e 729, onde figuravam como mutuários os assistentes C………. e D……….;
16. Por pessoa cuja concreta identificação não foi possível apurar, foram falsamente colocados naquele documento, como assinaturas dos mutuários, os nomes do C………. e da D………., à revelia da vontade destes;
17. Nos referidos termos contratuais, a sociedade “G………., S.A.”, na qualidade de entidade mutuante, emprestava a quantia de 2.750.000$00 (€13.716,94) àqueles contraentes, para aquisição à “I………., Lda – B……….” do veículo automóvel ligeiro de marca “Opel”, modelo “……….”, com a matrícula ..-..-RR;
18. E, ainda nos termos desse contrato, os assistentes C………. e mulher vinculavam-se a pagar à “G………., SA” a quantia total de 4.131.672$00 (€ 20.608,69), fraccionada em 72 prestações mensais no montante de 57.384$00 (€286,23) cada uma;
19. A matrícula do veículo automóvel referida no ponto 17 que o arguido fez inserir e constar nesse contrato, com os caracteres ..-..-RR, não se encontrava registralmente destinada ao “Opel ……….”, mas pertencia a um veículo ligeiro de mercadorias de marca e modelo “Renault ……….”, propriedade da sociedade “N………., S.A.”;
20. Na posse desse contrato por si também forjado e adulterado, o arguido, conhecendo a falsidade das assinaturas referidas no ponto 16 e a desconformidade da matrícula aludida no ponto anterior, de forma voluntária e enganosa, enviou-o à sociedade “G………., S.A.”, a qual, por não vislumbrar razões impeditivas para tal, veio a aprovar e a conceder tal crédito aos pretensos mutuários;
21. Por causa desta conduta ardilosa e da simulação fraudulenta do contrato, a sociedade “G……….o, S.A.”, no decurso do mês de Junho de 2001, pagou ao arguido, pelo cheque bancário nº ……….. sacado sobre o “O……….”, a quantia de 2.735.840$00 (€13.646,31), que dela se apropriou indevidamente, em proveito próprio, não obstante terem sido pagas dez prestações mensais subsequentes;
22. Em obediência à resolução anteriormente referida nos pontos 9 e 10, que renovou, no dia 06/12/2001, no seu estabelecimento referido no ponto 3, o arguido fez preencher por meios mecanográficos e manuais o contrato de crédito nº ….., junto a fls. 730, onde figuravam como clientes, mais uma vez, os assistentes C………. e D………. ;
23. Por pessoa cuja concreta identificação não foi possível apurar, foram falsamente colocados naquele documento, como assinaturas dos clientes, os nomes do C………. e da D………., à revelia da vontade destes;
24. Nos referidos termos contratuais, a sociedade “H………., S.A.”, actualmente denominada “K………., S.A.”, emprestava àqueles contraentes a quantia de € 17.457,93, para aquisição à “I………. de B………..” da viatura ligeira de marca “Opel” e modelo “……….”, com a matrícula ..-...-SR;
25. E, ainda nos termos desse contrato, os assistentes C………. e mulher vinculavam-se a pagar à “H………., SA” a quantia total de €23.898,66, fraccionada em 60 prestações mensais no montante de €394,57 cada uma;
26. A matrícula do veículo automóvel referida no ponto 24 que o arguido fez inserir e constar nesse contrato, com os caracteres ..-..-SR, não se encontrava registralmente destinada ao “Opel ……….”, mas pertencia a um veículo de marca e modelo “Toyota ……….”, com gasolina como combustível;
27. Na posse desse contrato por si também forjado e adulterado, o arguido, conhecendo a falsidade das assinaturas referidas no ponto 23 e a desconformidade da matrícula aludida no ponto anterior, de forma voluntária e enganosa, enviou-o à sociedade “H………., S.A.”, a qual, por não vislumbrar razões impeditivas para tal, veio a aprovar a operação e a conceder tal crédito aos pretensos clientes;
28. Por causa desta conduta ardilosa e da simulação fraudulenta do contrato, a sociedade “H………., S.A.”, no dia 06/12/2001, pagou ao arguido, por transferência bancária, a quantia de €17.233,47, que dela se apropriou indevidamente, em proveito próprio, não obstante, terem sido pagas quatro prestações mensais subsequentes;
29. Os assistentes C………. e D………. nunca celebraram estes específicos contratos com as sociedades “G………., S.A.” e “K………., S.A.”, bem como nunca assinaram qualquer documento com essa finalidade ou sequer alguma vez consentiram, expressa ou tacitamente, nesse facto;
30. A conduta do arguido provocou prejuízos patrimoniais e comerciais aos assistentes, bem como à sociedade comercial de que o C………. era sócio, uma vez que dificultou e até veio a impedir temporariamente o acesso ao crédito bancário, de que aquela sociedade necessitava para o exercício do seu giro empresarial, para além dos inerentes incómodos pessoais e mazelas psicológicas que provocou naqueles;
31. Com as condutas supra descritas provocou também o arguido às sociedades “G………., S.A.” e “H……….., S.A.” prejuízos patrimoniais elevados (no primeiro caso) e consideravelmente elevados (no segundo caso), até à presente data apenas parcialmente reparados, em valores que não foi possível apurar com precisão;
32. O arguido agiu deliberada e premeditadamente, com intenção de obter enriquecimentos patrimoniais ilegítimos, tendo pensado, reflectido, delineado e executado planos para melhor assegurar o êxito dessas intenções, determinando as sociedades “K………., S.A.” e “G………., S.A.” a entregar-lhe quantias em dinheiro de valores elevados e consideravelmente elevados, provocando-lhes deste modo os correspectivos empobrecimentos patrimoniais, não obstante saber que tais contratos foram por si forjados e inventados, com recurso a elementos intencionalmente falsos ou inexactos, violando assim a relação de confiança que tinha conseguido com aquelas financeiras;
33. Actuou também com o intento acrescido de causar prejuízo patrimonial aos assistentes C………. e mulher e com a vontade pré-ordenada de utilizar documentos nos quais constavam as respectivas assinaturas falsificada e de falsificar outros elementos essenciais à concessão dos alegados créditos, pondo assim em causa a fé publica que tais documentos merecem à generalidade das pessoas ou ao cidadão comum e colocando em crise a celeridade na circulação e a probidade do comércio jurídico que tais documentos se destinam a servir, não obstante saber que nunca teve autorização dos titulares inscritos para assim proceder ou que estes consentissem tacitamente na pratica de tais factos;
34. O arguido agiu ainda livre e lucidamente, com a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei;
35. O assistente C………. é um empresário que exerce em nome individual a actividade de técnico de máquinas para trabalhar madeiras;
36. Em consequência da actuação do arguido, nomeadamente deste ter deixado de pagar as prestações aludidas nos pontos 18 e 21 e nos pontos 25 e 28, os assistentes ficaram impedidos de obter qualquer crédito bancário, em virtude das informações daí decorrentes prestadas pelo Banco de Portugal;
37. O assistente, no exercício da sua actividade profissional, que ao tempo desenvolvia no âmbito de uma sociedade de que era sócio juntamente com P………., pretendeu diversificar a sua actividade profissional e adquirir novos equipamentos para o efeito, para o que necessitava de recorrer ao crédito bancário;
38. Em virtude da situação relatada no ponto 36, foi negado à sociedade e ao assistente, enquanto sócio da mesma, a concessão do aludido crédito bancário;
39. Devido aos factos relatados nos pontos anteriores, o assistente, por via da aludida sociedade comercial, viu-se impossibilitado de auferir ganhos e lucros decorrentes da aquisição e posterior venda dos novos equipamentos, em montante não concretamente apurado, pelo menos a partir do mês de Março de 2003;
40. Ainda devido aos mesmos factos, decorrentes da conduta do arguido, ficou prejudicado o crédito e o bom-nome dos assistentes, os quais ficaram a constar no Banco de Portugal e demais instituições financeiras com incumpridores de supostos compromissos assumidos e como pessoas não merecedoras de confiança ao nível da concessão de crédito e com falta de credibilidade para a obtenção de empréstimos;
41. Os assistentes ainda recearam constantemente a penhora do seu património por parte das sociedades financeiras em questão, fruto do pretenso incumprimento contratual dos contratos aludidos;
42. Os assistentes ficaram afectados psicologicamente com o sucedido e sentiram-se angustiados e humilhados com a imagem vexatória da sua idoneidade pessoal e comercial que resultou da conduta do arguido;
43. O arguido conhecia o denunciante J……….;
44. Em data não concretamente apurada do ano de 2000, o J………. adquiriu efectivamente ao arguido, com quem negociou, o veículo automóvel de marca “Citroën”, modelo “……….”, com a matrícula ..-..-QM, pelo preço de 2.100.000$00 (€10.474,76);
45. Para pagamento do preço do automóvel aludido no ponto anterior, o denunciante J………. contraiu um empréstimo junto da “M………., S.A.”;
46. A assinatura dos documentos para obtenção do empréstimo ocorreu perante o arguido, no Stand “I………., Lda”, tendo na ocasião, para além do mais, sido exibidos e entregues os bilhetes de identidade, cartões de contribuinte, elementos bancários e outros documentos relativos ao denunciante;
47. Em obediência à resolução anteriormente referida nos pontos 9 e 10, que renovou, no dia 06/06/2001, no seu estabelecimento referido no ponto 3, o arguido, de forma voluntária, fez preencher por meios mecanográficos o contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouros nº ……, junto a fls. 279 do Apenso A, onde figurava como mutuário o denunciante J……….;
48. Por pessoa cuja concreta identificação não foi possível apurar, foi falsamente colocado naquele documento, como assinatura do mutuário, o nome do J………., à revelia da vontade deste;
49. Nos referidos termos contratuais, a sociedade “G………., S.A.”, na qualidade de entidade mutuante, emprestava a quantia de 2.300.000$00 (€11.723,35) àquele contraente, para aquisição à “I………., Lda – B……….”, da viatura automóvel de marca “Citroën”, modelo “………., com a matrícula ..-..-QM;
50. E, ainda nos termos desse contrato, o denunciante J………. vinculava-se a pagar à “G………., SA” a quantia total de 3.387.240$00 (€16.895,48), fraccionada em 72 prestações mensais no montante de 46.878$00 (€233,83) cada uma;
51. A morada que o arguido fez inserir nesse contrato, “………., R. ………..Apart. …”, era falsa, uma vez que o denunciante J………. nunca lá residiu ou morou;
52. Na posse desse contrato por si também forjado e adulterado, o arguido, conhecendo a falsidade da assinatura referida no ponto 48 e a desconformidade da morada aludida no ponto anterior, de forma voluntária e enganosa, enviou-o à sociedade “G………., S.A.”, a qual, por não vislumbrar razões impeditivas para tal, veio a aprovar e a conceder tal crédito ao pretenso mutuário;
53. Por causa desta conduta ardilosa e da simulação fraudulenta do contrato, a sociedade “G………., S.A.”, em Junho de 2001, pagou ao arguido, pelo cheque bancário nº ………. sacado sobre o “O……….”, a quantia de 2.285.840$00 (€11.401,72), que dela se apropriou indevidamente em proveito próprio;
54. Ainda por causa desta conduta levada a cabo pelo arguido, foram indevidamente debitadas na conta bancária do denunciante J………., cerca de 20 a 22 das prestações mensais referidas no ponto 50, o qual se encontra assim patrimonialmente lesado no correspectivo montante;
55. O arguido até à presente data não ressarciu, total ou parcialmente, o denunciante J……….;
56. Em obediência à mesma resolução referida nos pontos 9 e 10, que renovara, cerca de duas semanas antes, no dia 23/05/2001, no seu estabelecimento referido no ponto 3, o arguido fez preencher por meios mecanográficos o contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouros nº ……, junto a fls. 280 do Apenso A, onde figurava como mutuante a sociedade “G………., S.A.”, como mutuário Q………. e como avalista o denunciante J……….;
57. Por pessoa cuja concreta identificação não foi possível apurar, foi falsamente colocado naquele documento, como assinatura do avalista, o nome do J………., à revelia da vontade deste;
58. O denunciante J………. nunca celebrou, quer na qualidade de mutuário, quer na de avalista, estes específicos contratos com a sociedade “G………, S.A.”, bem como nunca assinou qualquer documento com essa finalidade ou sequer alguma vez consentiu, expressa ou tacitamente, nesse facto;
59. A conduta do arguido provocou prejuízos patrimoniais ao denunciante J………., para além dos inerentes incómodos pessoais e mazelas psicológicas que provocou naquele;
60. Com a conduta descrita, provocou também o arguido à sociedade “G………, S.A.” prejuízos patrimoniais elevados, até à presente data apenas parcialmente reparados, em valores que não foi possível apurar com precisão;
61. O arguido agiu deliberadamente, com intenção de obter enriquecimentos patrimoniais ilegítimos, tendo pensado, delineado e executado planos para melhor assegurar o êxito dessas intenções, determinando a “G………., S.A.” a entregar-lhe quantias em dinheiro de valores elevados, provocando-lhe deste modo o correspectivo empobrecimento patrimonial, não obstante saber que tais contratos foram por si forjados e inventados, com recurso a elementos intencionalmente falsos ou inexactos, violando assim a relação de confiança que tinha conseguido com aquelas financeiras;
62. Actuou também com o intento acrescido de causar prejuízo patrimonial ao denunciante J………. e com a vontade pré-ordenada de utilizar documentos nos quais constavam as respectivas assinaturas falsificada e de falsificar outros elementos essenciais à concessão dos alegados créditos, pondo assim em causa a fé publica que tais documentos merecem à generalidade das pessoas ou ao cidadão comum e colocando em crise a celeridade na circulação e a probidade do comercio jurídico que tais documentos se destinam a servir, não obstante saber que nunca teve autorização do titular inscrito para assim proceder ou que este consentisse tacitamente na pratica de tais factos;
63. O arguido agiu ainda livre e lucidamente, com a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei;
64. O arguido era casado com uma filha dos demandantes E………. e marido, F………., residindo ambos em casa destes, sita em ………., Paredes;
65. Por esse motivo, que lhe permitia circular facilmente na residência dos seus sogros, o arguido teve acesso aos números fiscais de contribuintes, bem como a outros elementos de identificação destes;
66. Em data anterior a 28 de Abril de 2000, o arguido adquiriu um veículo automóvel, de marca “Audi”, modelo “……….”, de matrícula ..-..-PE, pelo preço de 6.300.000$00 (€31.424,27);
67. Para pagamento do preço do automóvel aludido no ponto anterior, foi contraído, por intermédio do arguido, um empréstimo da referida quantia junto da sociedade “M………., S.A.”, nos termos do contrato junto a fls. 207 do Apenso B, que o arguido fez preencher por meios mecanográficos, e no qual figuravam como mutuários os demandantes E………. e marido, F……….;
68. Nos referidos termos contratuais, a “M………., SA”, na qualidade de entidade mutuante, emprestava a quantia de 6.300.000$00 (€31.424,27) àqueles contraentes, para aquisição à “I……….”, sita na Rua ………., ………., em Paredes, do veículo referido no ponto 66;
69. E, ainda nos termos desse contrato, os demandantes vinculavam-se a pagar à “M………., SA” a quantia total de 8.233.140 (€41.066,73), fraccionada em 60 prestações mensais, a primeira no montante de 149.569$00 (€746,05) e as restantes no montante de 136.829$00 (€682,50) cada uma;
70. Em seguida, o arguido entregou o aludido pedido de concessão de crédito na empresa “M………., S.A.”, tendo o mesmo sido deferido;
71. Em data indeterminada do ano de 2002, mas seguramente anterior a 01/10/2002, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento de venda de veículos automóveis da sociedade “S………, Lda.”, sito na ………., nº …, em Paredes, e aí adquiriu um veículo automóvel de marca “Citroën”, modelo “……….”, tendo entregue para pagamento do preço de tal automóvel dois cheques, já totalmente preenchidos, um dos quais foi pago quando foi apresentado a pagamento;
72. O segundo cheque foi o que se encontra junto a fls. 299 do Apenso B, com o nº ………., no montante de €10.000,00, com data de 30/09/2002, sacado sobre a conta conjunta titulada pelos demandantes, com o nº ……….., da T………., agência de Penafiel, o qual, apresentado a pagamento em 01/10/2002, veio a ser devolvido por “justa causa – extravio” em 02/10/2002, uma vez que a demandante E……… tinha comunicado o extravio desse e de outros dois cheques ao Banco sacado, no dia 27 de Agosto de 2002, nos termos da comunicação cuja cópia consta de fls. 5 do Apenso B;
73. Pela sociedade “S………., Lda.” foi instaurada uma execução contra a demandante E………, apresentando como título executivo o cheque referido no ponto anterior, a qual correu termos no .º Juízo Cível deste Tribunal, com o nº …/03.6TBPRD;
74. O arguido é o terceiro filho mais novo de nove irmãos, oriundo de um agregado familiar com bom ambiente e de condição económica modesta, em que o pai exercia a actividade de chefe de secretaria do Hospital de ………. e a mãe era doméstica;
75. O arguido interrompeu os estudos no 12º ano, para trabalhar, segundo o próprio para fazer face a dificuldades económicas;
76. O seu percurso laboral é pautado pelo exercício de várias actividades profissionais (como recepcionista, exploração de um estabelecimento comercial, proprietário de uma papelaria), as últimas das quais ligadas ao comércio automóvel (6 anos por conta de outrem e 4 anos por conta própria);
77. À data dos factos, o arguido residia com a esposa e os três filhos menores, actualmente com 16, 15 e 9 anos de idade, habitando em casa propriedade dos sogros do arguido;
78. Em virtude dos problemas que decorreram do exercício da sua actividade profissional e consequentes complicações familiares e económicas, o casal divorciou-se me 2002;
79. Actualmente, o arguido encontra-se em situação de baixa médica, desde há cerca de dois anos, devido a duas operações que efectuou à coluna, a primeira das quais em Abril de 2006, a um hérnia discal;
80. Anteriormente a esta situação, o arguido estava desempregado há cerca de 2 anos;
81. Desde a altura do divórcio e até Abril de 2006, o arguido não possuía morada fixa, vivendo de ajuda, alternando a dormida entre a casa de familiares e a de um casal amigo;
82. A necessidade de ser sujeito à aludida intervenção cirúrgica, em Abril de 2006, determinou o seu regresso à morada de família, encontrando-se actualmente a residir com a ex-mulher e com os filhos, com quem, apesar do divórcio, foi mantendo uma relação de grande proximidade;
83. Na comunidade de inserção, os elementos contactados pela equipa do I.R.S. desconheciam que o casal se tivesse divorciado;
84. O arguido goza de uma imagem positiva no meio, sendo conotado como trabalhador, detentor de uma personalidade pacata e mantendo um relacionamento cordial e irrepreensível no contexto social;
85. Actualmente o agregado familiar subsiste com o rendimento obtido com a actividade profissional da ex-mulher e actual companheira do arguido, que exerce a actividade de mediação de seguros, com as comissões que o arguido recebe de alguns serviços que vai prestando, obtendo um rendimento médio mensal de cerca de €750,00, e com a ajuda de familiares;
86. Os filhos do casal encontram-se a estudar, frequentando o ensino público;
87. No relatório social elaborado pelo I.R.S., no capítulo intitulado “Impacto da situação jurídico-penal”, diz-se:
“O arguido referiu que o seu envolvimento nos factos que determinaram o presente processo viria a contribuir em grande escala para o seu divórcio, uma vez que estando a sua família habituada a vivenciar uma situação desafogada do ponto de vista económico, não encararam da melhor forma as restrições que viriam a ser vivenciadas a este nível.
Referiu também que em virtude deste mesmo processo alguns elementos do seu agregado de origem, nomeadamente irmãos, decidiram pelo corte de relações com o mesmo.
Verbalizou arrependimento e preocupação em relação ao desfecho do presente processo, que considera ter sido suscitado por um descontrole ao nível do negócio de que então era proprietário e gestor.
Na comunidade foi possível constatar que, apesar de ser conhecido por alguns o seu envolvimento neste processo, o arguido não é alvo de qualquer rejeição, gozando de uma imagem positiva junto da vizinhança.”;
88. No mesmo relatório social elaborado pelo I.R.S., na “Conclusão”, diz-se:
“Estamos perante um indivíduo cujo processo de desenvolvimento se terá processado de forma normativa num contexto familiar funcional, e que apesar de ter mantido ao longo da sua vida um percurso profissional irregular, manteve-se sempre activo profissionalmente.
Referiu contactos anteriores com o Sistema de Justiça por situações análogas à de que está acusado no presente processo, o qual tem tido fortes consequências em termos pessoais e familiares para o arguido.
Indivíduo socialmente conotado como sendo trabalhador e detentor de comportamento normativo, não se registando qualquer rejeição à sua presença no actual meio residencial.”;
89. O arguido já foi condenado:
a) por Sentença proferida em 31 de Janeiro de 2006, nos autos de Proc. Comum Singular nº ../03.1TAPRD, do .º Juízo do Tribunal de Paços de Ferreira, na pena de dez meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de dois anos, pela prática em 18 de Abril de 2000 de um crime de burla simples p. e p. pelo art. 217º, nº 1, do Código Penal;
b) por Acórdão proferido em 11 de Julho de 2005, com as alterações resultantes do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/05/2006, nos autos de Proc. Comum Colectivo nº …/02.2TAPRD, do .º Juízo Criminal do Tribunal de Paredes, na pena única de quatro anos de prisão, pela prática:
I) de um crime de burla qualificada, na forma continuada, p. e p. pela conjugação das normas do art. 217º, nº 1, do art. 218º, nº 1 e nº 2, al. a), e do art. 30º, nº 2, todos do Código Penal, a que foi aplicada a pena parcelar de 3 anos e 6 meses de prisão;
II) de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. b), do Código Penal, a que foi aplicada a pena parcelar de um ano de prisão;
III) de um crime de uso de documento falsificado, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. c), do Código Penal, a que foi aplicada a pena parcelar de um ano de prisão;
IV) de um crime de uso de documento falsificado, na forma continuada, p. e p. pela conjugação das normas do art. 256º, nº 1, al. c), e do art. 30º, ambos do Código Penal, a que foi aplicada a pena parcelar de um ano e seis meses de prisão;
c) por Sentença proferida em 1 de Junho de 2007, nos autos de Proc. Comum Singular nº …/06.4TAPFR, do .º Juízo do Tribunal de Paços de Ferreira, na pena de treze meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de três anos, pela prática em 19 de Março de 2000 de um crime de burla qualificada p. e p. pelo art. 218º, do Código Penal;
d) por Sentença proferida em 5 de Janeiro de 2007, nos autos de Proc. Comum Singular nº …/03.9TAPRD, do .º Juízo Criminal do Tribunal de Paredes, na pena única de vinte meses de prisão, cuja execução se suspendeu por 3 anos, pela prática em 5 de Julho de 2001 de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. a), do Código Penal;
90. No Proc. Comum Colectivo nº …/02.2TAPRD, do .º Juízo Criminal do Tribunal de Paredes, provaram-se, entre outros, os seguintes factos:
a) A partir de data que não possível apurar em concreto, mas situada seguramente em meados do ano de 2001, o arguido, utilizando a sua posição de mediador e na posse de documentos de identificação, civis, fiscais e bancários dos seus clientes, porque começou a sentir dificuldades económicas no desenvolvimento da sua actividade, e, de forma a fazer face às suas despesas correntes, decidiu começar utilizar assinaturas falsificadas dos seus clientes nos contratos celebrados com as entidades financeiras com quem negociava.
Através dos contratos assim falsificados, forjados e adulterados, o arguido pretendia obter em benefício próprio, daquelas entidades de locação ou empréstimo, avultadas atribuições patrimoniais ilícitas e fazer suas as quantias que desta forma conseguia obter.
b) Em obediência a esta resolução, no decurso do mês de Agosto de 2001, o arguido fez preencher por meios mecanográficos e manuais o contrato de crédito nº ……, onde também figuravam como mutuários os denunciantes U………. e V……… .
Por pessoa cuja concreta identificação não foi possível apurar, foi falsamente colocada naquele documento, como assinaturas dos mutuários, os nomes do U………. e da V………. .
Nos referidos termos contratuais, a sociedade "G………., SA", emprestava àqueles contraentes a quantia de 3.600.000$00, para aquisição à «I………., Lda – B……….», do veículo automóvel de marca Seat, modelo ………., de matrícula ..-..-SB.
Também nos termos do referido contrato, os denunciantes vinculavam-se a pagar à "G………., SA", a quantia total de 5.476.152$00, fraccionada em 72 prestações mensais no valor de 75.891$00, cada uma.
Na posse desse novo contrato por si também forjado e adulterado, o arguido, conhecendo a falsidade das assinaturas acima referidas, de forma voluntária e enganosa, enviou-o à sociedade "G………., SA", que, por não vislumbrar razões impeditivas para tal, veio a aprovar e a conceder tal crédito aos pretensos mutuários.
Por causa dessa conduta ardilosa e da simulação fraudulenta do contrato, a sociedade ofendida G………., SA, no dia 16 de Agosto de 2001, pagou ao arguido, pelo cheque bancário nº ………. do "O………., SA", a quantia de 3.585.540$00, que dela se apropriou indevidamente, em proveito próprio, não obstante terem sido pagas seis prestações mensais subsequentes.
c) Em obediência àquela resolução, no dia 21 de Novembro de 2001, o arguido fez preencher por meios mecanográficos e manuais o contrato de crédito nº ….., onde, mais uma vez figuravam como mutuários o U………. e a V………. .
Por pessoa cuja concreta identificação não foi possível apurar foi falsamente colocada naquele documento, como assinaturas dos mutuários, os nomes do U………. e da V………. .
Nos termos daquele contrato, a sociedade "H………., SA", emprestava ao U………. e à V………. a quantia de 4.450.000$00 para a aquisição ao arguido do veículo automóvel, de marca Nissan, modelo ………., de matricula ..-..-S0.
Ainda nos termos do referido contrato, o U………. e a V………. vinculavam-se a pagar à "H………., SA", a quantia total de 6.084.130$00, fraccionada em sessenta prestações mensais de 100.573$00 cada uma.
O arguido, na posse deste contrato, conhecendo a falsidade das assinaturas acima referidas, submeteu-o apreciação da sociedade "H………., SA", que, por não vislumbrar razões impeditivas para tal, a veio a aprovar a operação e a subscrevê-lo.
Por causa da conduta ardilosa e da simulação fraudulenta do contrato usado pelo arguido, a sociedade ofendida "H………., SA", pagou-lhe no dia 22 de Novembro de 2001, por transferência bancária a quantia de €21.948,35, que dela se apropriou, indevidamente, em proveito próprio, não obstante terem sido pagas as cinco prestações mensais subsequentes.
O U……… e a V……… nunca celebraram estes específicos contratos com as sociedades "G………., SA", e "K………., SA", bem como nunca assinaram qualquer documento com essa finalidade ou sequer alguma vez consentiram, expressa ou tacitamente nesse facto.
d) Volvido algum tempo, ainda em obediência àquela resolução, em Março de 2002, o arguido fez preencher por meios mecanográficos e manuais o contrato de crédito nº ……, onde também figuravam como mutuários o W………. e a X………. .
Nos referidos termos contratuais, a sociedade "G………., SA", emprestava, àqueles contraentes, a quantia de €16.959,13, para aquisição à "I………., Lda – B……….", do veículo automóvel de marca "Citroën", modelo "……….", com a matrícula ..-..-TA.
Ainda nos termos do referido contrato, os denunciantes vinculavam-se a pagar à "G………., SA", a quantia total de €23.608,68, fraccionada em 60 prestações mensais no montante de €387,50 cada uma.
Por pessoa cuja concreta identificação não foi possível apurar foi falsamente colocada naquele documento, como assinaturas dos mutuários, os nomes do W………. e da X………. .
Na posse desse novo contrato, o arguido, conhecendo a falsidade das assinaturas acima referidas, mais uma vez de forma voluntária e enganosa, enviou-o à sociedade "G………., SA", que por não vislumbrar razões impeditivas para tal, veio a aprovar e a conceder o respectivo crédito aos pretensos mutuários.
Por causa dessa conduta ardilosa e da simulação fraudulenta do contrato, a sociedade "G………., SA", no dia 15 de Março de 2002, pagou ao arguido, pelo cheque bancário nº ………. do "O………., SA", a quantia de €16.872,13, que dela se apropriou indevidamente, em proveito próprio, não obstante terem sido pagas duas prestações mensais subsequentes.
Acresce que a matrícula do veículo automóvel que o arguido fez constar nesse contrato, com os caracteres ..-..-TA, não se encontrava registralmente destinada ao "Citroën", mas pertencia a um "Fiat", modelo …. .
e) Ainda em obediência àquela resolução, o arguido, em Abril de 2002, de forma voluntária fez preencher por meios mecanográficos o contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouros, nº ……, em que figuravam, como mutuários, Y………. e Z………., e, como avalistas, os denunciantes W………. e X………., e na qualidade de mutuante a sociedade "G………., SA".
Por pessoa cuja concreta identificação não foi possível apurar foi falsamente colocada naquele documento, como assinaturas dos avalistas, os nomes do W………. e da X………. .
Na posse deste novo contrato, o arguido, conhecendo a falsidade das assinaturas acima referidas, de forma voluntária e enganosa, enviou-o à sociedade "G………., SA", que, mais uma vez, aprovou e concedeu tal crédito.
Por causa da simulação fraudulenta do contrato, a sociedade "G………., SA", no dia 12 de Abril de 2002, pagou ao arguido, pelo cheque bancário nº ………. do "O………., SA", a quantia de €13.691,34, que dela se aproveitou, indevidamente em proveito próprio, não obstante terem sido pagas várias prestações mensais subsequentes em montante não apurado.
O W………. e a X………. nunca celebraram o referido contrato com a sociedade "G………., SA", bem como nunca assinaram qualquer documento com essa finalidade ou sequer alguma vez consentiram, expressa ou tacitamente, nesse facto.
f) Agiu sempre deliberada e premeditadamente, com intenção de obter enriquecimentos patrimoniais ilegítimos, tendo pensado, reflectido, delineado e executado planos para melhor assegurar o êxito dessas intenções, determinando as sociedades "AB………., SA", "G………., SA", e "H………., SA", a entregar-lhe quantias em dinheiro de valores consideravelmente elevados, provocando-lhes deste modo os correspectivos empobrecimentos patrimoniais, não obstante saber que tais contratos foram por si forjados e inventados, com recurso a elementos intencionalmente falsos e inexactos, violando a relação de confiança que tinha conseguido com aquelas financeiras.
Actuou também com o intento acrescido de causar prejuízo patrimonial aos ofendidos e com a vontade pré-ordenada de utilizar documentos nos quais constavam as respectivas assinaturas falsificadas e outros elementos essenciais à obtenção dos respectivos créditos, o que logrou conseguir, (…), pondo assim em causa a fé pública que tais documentos merecem à generalidade das pessoas ou ao cidadão comum e colocando em crise a celeridade na circulação e a probidade do comercio jurídico que tais documentos se destinam a servir, não obstante saber que nunca teve autorização dos titulares inscritos para assim proceder ou que estes consentissem tacitamente na prática de tais factos.
Agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.”
*
Medida da pena:
“(…)
- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu na modalidade de dolo directo;
- o grau de ilicitude do facto, que se mostra já um pouco elevado, atento o número de condutas em causa;
- o modo de execução do facto, pois estamos perante situações em que o arguido nos quatro casos usa documentos com assinaturas falsificadas e nas três primeiras situações, para além disso, ainda inscreve nos documentos factos juridicamente relevantes que não correspondem à verdade;
- a gravidade das consequências dos factos, consubstanciada nas consequências que advieram quer para os visados, quer para as financeiras, nos termos constantes da matéria de facto;
- as atribuições patrimoniais conseguidas pelo arguido ascenderam ao montante global de €42.281,50;
- as exigências de prevenção geral, na medida em que este tipo de situações reflecte-se negativamente na confiança das pessoas no estabelecimento de relações negociais, confiança esta que é essencial para que se estabeleçam relações jurídicas e o tráfego jurídico negocial possa prosseguir normalmente;
- a situação pessoal do arguido descrita na matéria de facto;
- e, ainda, no que concerne ao crime de burla (uma vez que quanto à falsificação de documento tal já foi valorado a propósito da escolha da pena), os antecedentes criminais do arguido.
Assim, afiguram-se adequadas ao caso as seguintes penas concretas:
- quanto ao crime de falsificação de documento, a pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
- quanto ao crime de burla qualificada, a pena de 3 anos de prisão.”
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Colhidos os Vistos, efectuada a Conferência, concluída a deliberação e votação, tendo o relator ficado vencido, é o Acórdão elaborado pelo presente, Juiz Adjunto.
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Das conclusões, delimitadoras do respectivo objecto, extrai-se que o MºPº recorrente pretende suscitar as seguintes questões, em matéria de Direito:
- a matéria de facto provada não integra a prática de um crime de burla, sob a forma continuada, em concurso real com um crime de falsificação de documento, também na forma continuada;
- inexistência de uma continuação criminosa entre os factos sob apreciação neste processo e os que foram objecto de condenação no Proc. Comum Colectivo nº …/02.2TAPRD do mesmo Tribunal;
- existência de uma relação de concurso real entre os crimes cometidos pelo arguido/condenado nestes autos e entre estes e os objecto de condenação no processo supra referido, e sua consequente condenação pela prática, em autoria material e concurso real, dos seguintes crimes:
A) 3 crimes de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256º, nº 1, als. b) e c) do C. Penal;
B) 1 crime de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256º, nº 1, al. c) do mesmo diploma;
C) 2 crimes de burla qualificada, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts 217º e 218º, nº 1 do C. Penal;
D) 1 crime de burla qualificada, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 217º e 218º, nº 2, al. a) do mesmo diploma;
Subsidiariamente,
- a entender-se estar-se perante a prática de um crime continuado de falsificação e de um crime continuado de burla qualificada, e de uma continuação criminosa a integrar na já julgada, deve a medida da pena de prisão, aplicada a cada um deles, ser aumentada.
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A actividade ilícita sob apreciação é, em síntese, a seguinte:
O B………., negociante de automóveis (dono de um stand), na posse de elementos bancários e identificativos de clientes seus e valendo-se da sua posição de frequente mediador nos contratos com as entidades financiadoras, decidiu (pelo menos, a partir de meados de 2001) falsificar os elementos a incluir em contratos de financiamento para compra de automóveis e as respectivas assinaturas, obter os empréstimos e apoderar-se das quantias emprestadas.
No dia 06/06/2001, entregou na “G………., SA”, um pedido de empréstimo de 2.750.000$00 (€13.716,94), em nome de C………. e D………., para a compra de um Opel ………., vinculando-se aqueles a pagar 4.131.672$00 (€ 20.608,69), fraccionados em 72 prestações mensais no montante de 57.384$00 (€286,23) (foram pagas as 10 primeiras prestações), tendo recebido e apropriando-se de 2.735.840$00 (€13.646,31).
Em obediência à resolução, “que renovou no dia 06/12/2001”, entregou na “H………, SA” um outro pedido de empréstimo € 17.457,93, em nome dos mesmos C………. e D………., para a compra de um Opel ………., vinculando-se aqueles a pagar €23.898,66, fraccionados em 60 prestações mensais no montante de €394,57 (foram pagas as quatro primeiras prestações), tendo recebido e apropriando-se de €17.233,47.
Em obediência à “mesma resolução criminosa”, que “renovou”, no dia 06/06/2001, entregou na “G………., SA”, um pedido de empréstimo de 2.300.000$00 (€11.723,35), em nome de J………., para a compra de um Citroën ………., vinculando-se este a pagar 3.387.240$00 (€16.895,48), fraccionada em 72 prestações mensais no montante de 46.878$00 (€233,83) (foram pagas cerca de 20 a 22 prestações), tendo recebido e apropriando-se de 2.300.000$00 (€11.401,72).
Em obediência à “mesma resolução criminosa”, que “renovou”, no dia 23/05/2001, o arguido preencheu um outro contrato de concessão de crédito, em nome de Q………. e figurando como avalista J………., com a assinatura falsificada deste, destinado a ser entregue na “G………., SA”.
Na decisão sob reexame segue-se o seguinte esquema decisório:
- começa por considerar-se que, apesar de o arguido ter preenchido, por quatro vezes, a previsão do crime de falsificação de documento, se trata de um só crime, na forma continuada.
- com a mesma fundamentação, preenchendo três das condutas a previsão do crime de burla, entende-se, igualmente, que se está perante um crime continuado.
- decide-se que entre estes dois crimes existe um concurso “efectivo ideal”.
- conclui-se, em seguida, pela existência de uma continuação criminosa entre a actividade sob apreciação e a julgada no Proc. …/02.2TAPRD (processo do mesmo Tribunal, em que o arguido foi condenado, por decisão transitada em julgado, na pena única de 4 anos de prisão).
- fixa-se, depois, a pena, em concreto, a aplicar a cada um dos dois crimes continuados em concurso “efectivo”, a que se segue a sua comparação com as aplicadas no processo já julgado, concluindo-se que “o arguido foi punido com penas mais graves do que aquelas que lhe serão impostas nestes autos”, o que levaria a que “a respectiva eficácia” ficasse prejudicada.
- termina-se com o dispositivo em que, após se condenar o arguido pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma continuada, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, e pela prática de um crime de burla qualificada, na forma continuada, na pena de 3 anos de prisão, se decide que “por via da relação de continuação criminosa entre estes crimes” e os objecto do processo supra referido “punidos com penas superiores, nenhuma pena cabe ao arguido cumprir, por via da condenação destes autos, as quais não têm, assim, eficácia”.
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O MºPº, recorrente, insurge-se contra a decisão, em todos estes segmentos, começando por refutar a existência de uma continuação criminosa, no que respeita aos factos em causa nestes autos.
Apreciando e decidindo, pois, cada uma das questões suscitadas.
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Razões pelas quais se não verifica a prática de um crime de burla e de um crime de falsificação de documento, na forma continuada, em concurso real (ou “ideal efectivo”).
Para tal se explicar, deve ir-se à genealogia do conceito.
O conceito do crime continuado, criado pela Doutrina (inicialmente a Alemã e a Italiana) e acolhido pela Jurisprudência – no Direito moderno, positivado na nossa Ordem Jurídica, de Espanha e do Brasil – surge como contraposição ao concurso real de crimes, e tem como fundamento ético-jurídico a gradual diminuição da culpa do agente, em certos casos de reiteração de condutas criminosas, que não podendo ser qualificadas como um só crime, seriam, por outro lado, desajustadamente punidas pelas regras do concurso de crimes.
Assim, claramente o refere Furtado dos Santos no estudo sobre a sua origem, evolução e caracterização, publicado nos BMJ, nºs 39, 42 e 47 (anos de 1954/55, pág. 499 deste último número): “O crime continuado, por um lado, é mais grave do que a acção única pela insistência na consumação e pela deficiência dos poderes inibitórios do agente e, por outro lado, razões de lógica e de justiça exigem a sua menor punição em relação ao concurso de crimes com base na menor culpabilidade do agente.
A pena do crime continuado deverá, pois, situar-se entre as aplicáveis ao delito único e ao concurso real.”
Assim o refere, igualmente, Eduardo Correia, Direito Criminal, II, p. 208:
“O núcleo do problema reside em que se está por vezes perante uma série de actividades que, devendo em regra ser tratada nos quadros da pluralidade de infracções, tudo parece aconselhar – nomeadamente a justiça e a economia processual – que se tomem, unitariamente, como um só crime”; indicando como sua razão de ser a “gravidade diminuída que uma tal situação revela em face do concurso real de infracções”, gerada pelo “menor grau de culpa do agente”, “a chave do problema”.
Em consonância, e já na vigência do CP de 1982, escreve Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, Editorial Verbo, 1988, p. 405:
“A fictícia ou relativa unificação dos crimes em um só crime, para determinados efeitos leva a considerar o crime continuado como uma derrogação dos efeitos do concurso de crimes.
O preceito do nº 2 do art. 30º pretende, assim, definir casos de concurso de crimes em que seria injusta ou impossível a aplicação do cúmulo de penas.”
Esta contraposição entre o concurso real de crimes e o crime continuado – sendo o concurso real (a que é assimilado o concurso ideal) a regra, e o crime continuado a excepção (ou a “derrogação”) – surge configurada no art. 30º do CP, cuja redacção dos nºs 1 e 2 permanece intocada desde a sua versão inicial (ao artigo foi acrescentado, na última revisão, pela Lei nº 59/2007, de 04/09, um nº 3, relativo “aos crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima”, que, como é opinião unânime, nada acrescentou de novo, limitando-se a consagrar um entendimento pacífico na Doutrina e na Jurisprudência); e dela se alcança que só há crime continuado quando se verifica uma gradual e considerável diminuição da culpa do agente, derivada de uma “situação exterior” que propicie e facilite a repetição das várias acções, integrantes do mesmo tipo (ou de diferentes tipos que, fundamentalmente, protejam o mesmo bem jurídico), tornando cada vez menos difícil ao agente vencer a contra-motivação ético-jurídica que se interpõe entre si e a acção (ou seja, tornando cada vez menos exigível que não actue dessa forma).
Retornando ao caso, na decisão sob reexame, para se concluir que não se trata de um concurso real de crimes, mas sim de um crime continuado, considera-se que o arguido executou as suas condutas “na sequência de diferentes e renovadas resoluções criminosas”, “de forma estruturalmente idêntica e essencialmente homogénea”, facilitado pelas financiadoras, que “aceitavam, com facilidade, os contratos e não fiscalizavam adequadamente”, o que constitui um quadro que lhe diminui a culpa.
O recorrente, reconhecendo que cada um dos dois tipos em causa (falsificação e burla) foi preenchido “através de acções idênticas”, afirma não se verificar a situação exterior, consideravelmente diminuidora da culpa, exigida pelo art. 30º, nº 2 do CP.
Como é evidente, e resulta do acima exposto, a repetição de acções com utilização do mesmo estratagema: entrega de propostas de crédito falsificadas (a “execução essencialmente homogénea”) não transforma, só por si, a conduta num crime continuado.
E, da matéria de facto (transcrita, e acima sintetizada) não resulta, efectivamente, configurada a actuação do arguido no “quadro da solicitação de uma mesma situação exterior”, que lhe tenha propiciado e facilitado a repetição das suas acções.
A “facilitação” da concessão do crédito pelas entidades financiadoras, que constitui – segundo a decisão recorrida – o “quadro que lhe diminui a culpa”, foi procurada e aproveitada pelo arguido, que dela tinha prévia consciência, e que, a partir dela gizou o plano para executar as suas acções; ou seja, não lhe surgiu posteriormente como uma possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa.
O que se alcança dos pontos 6 a 10 da matéria provada é que o arguido decidiu aproveitar-se dessa circunstância pela potencialidade que lhe oferecia do êxito das suas acções, a que juntou o facto de ter ao seu dispor os elementos identificativos e bancários que alguns clientes lhe tinham confiado, e o indispensável “saber-fazer” que lhe era dado pela sua frequente relação com as entidades financiadoras.
Ou seja, concebeu um esquema para cometer múltiplos crimes, e procurou os meios aptos para os levar a cabo; não deparou “com uma situação exterior” que o tenha levado a repetir a sua actuação, por esta se mostrar facilitada.
De resto, o arguido para além de enganar duas entidades financeiras distintas, lesa todos aqueles que faz figurar como mutuários dos contratos de financiamento, aproveitando-se da confiança por estes nele depositada como clientes, o que só por si afasta qualquer considerável diminuição da culpa [relembre-se, a este propósito, que a “homogeneidade da execução” no “quadro da solicitação de uma mesma situação exterior” será apenas o “indício” ou “sintoma” (nas palavras de Cavaleiro de Ferreira, obra citada, p. 406) donde se poderá (ou não) extrair a existência de uma considerável diminuição da culpa do agente].
São estas as razões pelas quais se conclui, tal como pretende o recorrente, não se verificar aquela considerável e gradual diminuição da culpa do arguido, por força da persistência de uma situação exterior que, facilitando-lhe a repetição da actividade, lhe tornasse cada vez menos exigível que se comportasse de maneira diferente.
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Não se verificando a prática dos crimes sob punição, na forma continuada, prejudicada se encontra a verificação da existência de uma “continuação criminosa” entre estes e os objecto de condenação no Proc. Comum Colectivo nº …/02.2TAPRD do mesmo Tribunal.
Mostram-se, ainda assim, adequadas as seguintes observações:
Nesse segmento, para fundamentar a decisão, refere-se a “mesma situação”, a “mesma relação de confiança estabelecida com as mesmas instituições financeiras” e o “mesmo contexto de dificuldades económicas do arguido”.
Ora, a persistência da mesma situação exterior que o tenha levado a cometer novos crimes não se verifica, como vimos, e, por outro lado - como bem refere o recorrente -, a “necessidade de obter meios financeiros” é o principal elemento comum entre todas as acções neste e no outro processo (estas concretizadas entre Agosto de 2001 e Abril de 2002), o que nunca seria susceptível de representar uma considerável diminuição da culpa, indispensável para a unificação de todas as condutas como crime continuado.
Refira-se, ainda, que o decidido naquele processo constitui, obviamente, caso julgado intra-processual; ou seja, não está em causa a condenação naquele processo pela prática dos crimes de falsificação de documento e burla, na forma continuada.
Porém, se o ali decidido não pode ser colocado em causa – vendo a questão pelo prisma inverso -, os fundamentos daquela decisão não se impõem neste processo, no que diz respeito ao julgamento da existência, ou não, de uma continuação criminosa com os crimes ali julgados e objecto de condenação.
Não se mostra, também, despropositado assinalar o inevitável anacronismo decorrente de se considerar existente uma relação de continuação criminosa entre crimes objecto de procedimento processual separado e diferido no tempo, e não se considerar a existência de uma continuação criminosa entre as falsificações e as burlas sob apreciação neste processo, acções estreitamente ligadas, podendo dizer-se - sem prejuízo dos bens jurídicos diversos violados - que as primeiras constituem o “engano” que leva à consumação das segundas (é, aliás, de questionar se a Jurisprudência fixada no Assento nº 8/2000, que mais à frente referiremos, com cinco votos de vencido, sublinhe-se, é aplicável às situações de crime continuado).
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Existência de uma relação de concurso real entre os crimes cometidos pelo arguido nestes autos.
Inexistindo uma continuação criminosa, que constitui a “excepção” ou “derrogação” das regras do concurso real de crimes, mostra-se unicamente preenchida a previsão do art. 30º, nº 1 do CP: “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”, complementado pela Jurisprudência fixada no já referido Assento 8/2000, de 23/05: “No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do art. 256º, nº 1, al. a) e do art. 217º, nº 1, respectivamente, do DL nº 48/95, de 15/03, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes”.
Assim, a matéria de facto provada integra, tal como pretende o recorrente, a prática pelo arguido, em autoria material e concurso real, de:
- 3 crimes de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256º, nº 1, als. b) e c) do C. Penal, com prisão até 3 anos ou com pena de multa;
- 1 crime de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256º, nº 1, al. c) do CP, com prisão até 3 anos ou com pena de multa;
- 2 crimes de burla qualificada, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts 217º e 218º, nº 1 do C. Penal, com prisão até 5 anos ou multa até 600 dias (obtenção das quantias de €13.716,94 e €11.723,35 – valores elevados, superiores a 50 UC’s avaliadas à data dos factos: €3.990,50)
- 1 crime de burla qualificada, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 217º e 218º, nº 2, al. a) do CP, com prisão de 2 a 8 anos (obtenção da quantia de €17.233,47 – valor consideravelmente elevado, superior a 200 UC’s avaliadas à data dos factos: €15.962,00).
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Na decisão recorrida, procede-se à determinação concreta das penas, pela prática dos crimes de falsificação de documento e burla, na forma continuada, sob punição nestes autos, apesar de se considerarem estes crimes integrados na continuação criminosa já julgada.
Executa-se esta tarefa, com o único objectivo de comparar as penas aplicadas com as aplicadas no processo já julgado, e “ver-se” quais as mais graves.
Determinadas estas penas, conclui-se que “não obstante o arguido aqui deva ser condenado, nenhuma das penas a aplicar-lhe nestes autos lhe caberá cumprir, já que a respectiva eficácia é prejudicada pela condenação em penas parcelares mais graves, em que incorreu naqueloutro processo”.
Termina com o dispositivo em que, após se condenar o arguido pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma continuada, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, e pela prática de um crime de burla qualificada, na forma continuada, na pena de 3 anos de prisão, se decide que “por via da relação de continuação criminosa entre estes crimes” e os que foram objecto do processo supra referido que “foram punidos com penas superiores, nenhuma pena cabe ao arguido cumprir, por via da condenação destes autos, as quais não têm, assim, eficácia”.
Verifica-se, assim, que do decidido resulta um favorecimento, não só em relação à prática de um concurso real de crimes (o que, como vimos, constitui a teleologia do conceito), mas também em relação à prática de um único crime (o que é contrário ao pretendido, como também vimos); mais do que isso, tratando-se de condutas parcelares a integrar numa continuação já julgada, o decidido redunda numa completa e simples impunidade.
(O contra-senso do decidido é-nos, aliás, desde logo dado pela forma como a decisão se nos apresenta: condena-se e depois retira-se “eficácia” à condenação, o que é solução que nunca vimos proposta em nenhum “manual”.)
A origem do erro está numa equívoca interpretação da letra do art. 79º do CP (na redacção da Lei nº 59/2007, de 04/09):
nº 1 – O crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação;
nº 2 – Se, depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior.
A expressão “conduta mais grave” refere-se à acção, integrante da continuação, que preencha o tipo punível com a pena mais grave (não se pretende apenas punir a actuação parcelar mais grave, deixando de fora todas as outras); o que se pretende é que, em caso de crime continuado, se tenha em conta a moldura abstracta aplicável à infracção mais grave abrangida pela continuação, devendo dentro dessa moldura serem levadas em conta – na determinação da medida concreta da pena - todas as restantes actuações parcelares, ou seja, a ilicitude global da actuação criminosa em causa.
É esta a solução que desde logo ressalta do supra citado estudo de Furtado dos Santos (cfr. BMJ nº 47, pág. 500): “a pena do crime continuado deverá pois situar-se entre as aplicáveis ao delito único e ao concurso real.
A propósito, Camargo Hernández, em posição análoga à entre nós defendida pelo Prof. Eduardo Correia, considera justo punir o crime continuado com a pena correspondente à mais grave das infracções parcelares – ou a qualquer delas se forem de igual gravidade -, atendendo-se às circunstâncias de cada caso mas sendo sempre a pena inferior à aplicável ao concurso material de delitos.”
É esta a solução que, modernamente (e tendo em conta a entrada em vigor da actual redacção do art. 79º), Maria da Conceição Valdágua pressupõe, no artigo “As alterações ao CP de 1995, relativas ao crime continuado, no Anteprojecto de Revisão do CP”, Revista de Ciência Criminal, Ano 16, nº 14, 2006, ao criticar o injusto privilégio do agente do crime continuado, em comparação com o regime de punição do agente de vários crimes em concurso “na verdade, como já se referiu, no caso do crime continuado, só dentro da moldura penal aplicável à infracção mais grave abrangida pela continuação criminosa é que podem ser tomados em conta todos os restantes actos singulares do agente do crime continuado, quer eles sejam, por exemplo, apenas dois, ou vinte ou duzentos.”
(Assinale-se que, devido às distorções que o conceito sofreu, esta mesma autora refere o seu total abandono na Alemanha, Áustria e Suiça, onde nunca passou de “criação Jurisprudencial”.)
É esta a interpretação propugnada no Ac. do STJ de 27/09/1990: “A punição do crime continuado deve ser feita de acordo com o art. 78º, nº 5 do CP, com referência a conduta mais grave que integra a continuação”; As demais condutas deverão, no entanto, ser consideradas na qualificação da pena enquanto constituem sinal de uma maior ou menor ilicitude, portanto, como factor de agravação”; e no Ac. do STJ de 12/11/1990: “Embora o crime continuado seja punido com a pena correspondente à conduta mais grave que integra a continuação – art. 78º, nº 5 do CP – é de entender que a gravidade dos actos unificadores pode e deve ter-se em consideração como factor de agravação” (ambos com sumários publicados no sítio www.dgsi.pt).
Tal como se alcança do já referido, o benefício concedido ao agente do crime continuado, em virtude da sua culpa se encontrar consideravelmente diminuída, é evitar-se que a determinação da medida da pena em concreto se faça de acordo com as regras do concurso, em que o limite máximo da pena aplicável seria o resultante da soma de todas as penas parcelares aplicadas (e o limite mínimo, a pena parcelar mais elevada), ocorrendo a determinação dessa medida concreta da pena dentro dos limites da pena abstracta aplicada ao crime mais grave (no caso, no que aos crimes de burla respeita, seria a pena de 2 a 8 anos, aplicável ao crime de burla qualificada mais grave. Esclareça-se que no Acórdão se procede a essa operação jurídica, o que estaria certo, se não fosse o restante decidido.)
A alteração da configuração do art. 79º do CP, com a recente revisão, introduzida pela Lei nº 59/2007, não comporta qualquer mudança a esse respeito.
Tal como anota Maia Gonçalves, no Código Penal Português, Anotado e Comentado, Almedina, 18ª edição, 2007 (adaptado à recente revisão). p. 314.
“O nº 2 foi introduzido pela Lei nº 59/2007, de 04/09. Trata-se de um dispositivo paralelo ao do nº 1 do artigo anterior para o caso de conhecimento superveniente de crime que se integre em concurso de infracções; agora, neste art. 79º que se integre com outros crimes já julgados numa continuação criminosa.”
Ou seja, destina-se a esclarecer o procedimento a seguir nos casos em que são descobertos e julgados factos integrantes duma continuação criminosa, já objecto de condenação transitada em julgado.
Anota-se ainda na obra referida, a pág. 315:
“Sendo descobertas posteriormente à condenação algumas condutas que se integram na continuação criminosa, paralelamente ao que sucede com o concurso de crimes, deve proceder-se a Julgamento no que concerne a essas condutas, a fim de as integrar na continuação e ser reformulada a pena. Em todo o caso, dever-se-á sempre respeitar o caso julgado, pelo que a nova pena, em caso de condenação pelas novas condutas, não poderá entrar em contradição com as que foram aplicadas em anteriores processos.”
“Reformular a pena”, quer significar uma nova ponderação da pena, perante o alargamento da ilicitude dos factos (do “mal” praticado, ou do prejuízo causado), e da sua consequente censurabilidade, ou seja, da culpa.
É esta a interpretação consagrada no Ac. do STJ, de 24/04/2008, proferido já na vigência da actual versão do Código Penal (relator Souto de Moura, publicado no sítio www.dgsi.pt):
De acordo com o artº 79º nº 1 do C.P., “O crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação”.
No crime continuado, a diminuição da culpa relativa à reiteração criminosa, já foi levada em conta pelo legislador, quando retirou a situação global do tratamento próprio do concurso de crimes. Ora, nos limites da culpa suportável pela conduta mais grave, os factos relativos às outras condutas devem ser ponderados para a punição, sob pena de a punição do crime continuado não se distinguir, em nada, da punição dum único crime, assente numa conduta singular. Com o que se ignoraria a lesão sucessivamente aumentada do bem jurídico violado, aqui o património.
Significa então que deve vigorar, no caso, um princípio de exasperação, e não de absorção. Como refere Figueiredo Dias, “Nada impede, pois, que se valore a pluralidade de actos, se disso for caso face ao limite da culpa e às exigências da prevenção, como factores de agravação” (in ob. cit. pág. 296)”.
Assim, também neste segmento a decisão se mostra errada, e o recorrente com razão ao defender que, caso se considerasse que se tratava de uma continuação criminosa a integrar na já julgada, haveria que proceder a uma “redeterminação” da pena, aumentando-a tendo em conta o grau global de ilicitude dos factos, e a culpa do agente manifestada nos mesmos.
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Na sequência do decidido, há que proceder à determinação das penas em concreto, aplicáveis a cada um dos crimes em concurso.
Quanto à espécie, e no que respeita aos quatro crimes de falsificação, e aos dois crimes de burla qualificada, punidos pelo art. 218º, nº 1 do CP, sendo aplicáveis em alternativa, é de optar pela pena privativa da liberdade, por só esta, no caso, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades retributiva e restaurativa da punição.
Quanto à medida:
- no que respeita aos crimes de falsificação, o grau de ilicitude dos factos é referenciado pelo modo como os mesmos foram executados, tipo concreto de documento falsificado (contratos de financiamento para aquisição de automóveis), e finalidade da sua falsificação (concessão desses empréstimos);
- no que respeita aos crimes de burla, o grau de ilicitude dos factos é referenciado pelas quantias em dinheiro de que o arguido se apropriou (€13.646,31, €11.401,72 e €17.233,47) – não objecto de qualquer restituição, parcial ou total; e pelo número de lesados em cada uma das infracções (a entidade financiadora e as pessoas em nome das quais figuravam os empréstimos).
Como circunstâncias comuns a todos os crimes temos:
- a intensidade do dolo, caracterizada pela sua modalidade, dolo directo;
- as exigências preventivas especiais, decorrentes da reiteração na prática dos tipos de crimes em causa;
- as exigências preventivas gerais, espelhadas na confiança da Colectividade na manutenção da validade das normas jurídico-penais que protegem o património.
Ponderados os referidos factores de medida da pena, mostram-se adequadas as seguintes penas:
- pela prática de cada um dos quatro crimes de falsificação de documento: 8 meses de prisão;
- pela prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218º, nº 1 do CP (respeitante ao empréstimo obtido na “G………., SA” no valor de €13.646,31): 1 ano e 5 meses de prisão;
- pela prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218º, nº 1 do CP (respeitante ao empréstimo obtido na “G………., SA” no valor de €11.401,72): 1 ano e 4 meses de prisão;
- pela prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218º, nº 1 do CP (respeitante ao empréstimo obtido na “H………, SA” no valor de €17.233,47): 2 anos e 3 meses de prisão.
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Encontrando-se estes crimes numa relação de concurso real, há que proceder à determinação da pena única, em cúmulo jurídico, que tem como limite máximo 6 anos e 8 meses, e limite mínimo 2 anos e 3 meses, tal como decorre das regras fixadas nos nºs 1 e 2 do art. 77º do CP.
Considerando globalmente os factos e a personalidade do arguido, manifestada nos mesmos, mantendo inteira validade as circunstâncias comuns supra referidas (e tendo-se em conta que os crimes de falsificação – sem prejuízo da sua relação de concurso real – são instrumentais dos crimes de burla, e que a quantia global obtida pelo arguido é de €42.280,78), mostra-se adequada a pena única de 3 anos e 10 meses de prisão.
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Possível - de acordo com o art. 50º do CP na sua actual versão susceptível de ser aplicada por força do art. 2º, nº 4 do CP -, não satisfaz, porém, as finalidades preventiva e restaurativa da punição a aplicação da pena substitutiva de suspensão da execução da pena única de prisão, face à não reparação (total, ou ao menos parcial), dos prejuízos patrimoniais causados, e às exigências preventivas especiais decorrentes da reiteração do arguido na prática destes crimes.
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Assinale-se que estes crimes por cuja prática o arguido é agora condenado – para além de se encontrarem numa relação de concurso real entre si – encontram-se, igualmente, numa relação de concurso real com os dois crimes objecto de punição no processo supra referenciado, havendo lugar à condenação numa pena única – art. 78º, nº 1 do CP.
Porém, embora essa seja uma consequência jurídico-processual da decisão aqui proferida, o Tribunal não dispõe de todos os factos para proceder à determinação dessa pena, uma vez que, da decisão sob reexame constam apenas alguns dos factos considerados provados no Proc. …/02.2TAPRD do .º Juízo do TJ de Paredes.
Importa, pois, dispor de todos os factos provados numa e noutra decisões, devendo esse concurso real de crimes ser objecto de conhecimento, em Audiência com essa finalidade, após o trânsito em julgado desta decisão.
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Nos termos relatados, decide-se julgar procedente o recurso e, em consequência, alterar a decisão recorrida, condenando-se o arguido pela prática, em autoria material e concurso real de:
- 3 crimes de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256º, nº 1, als. b) e c) do C. Penal, na pena de 8 meses de prisão, por cada um deles;
- 1 crime de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256º, nº 1, al. c) do CP, na pena de 8 meses de prisão;
- 2 crimes de burla qualificada, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts 217º e 218º, nº 1 do C. Penal, respectivamente, nas penas de 1 ano e 5 meses e 1 ano e 4 meses de prisão;
- 1 crime de burla qualificada, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 217º e 218º, nº 2, al. a) do CP, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
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Em cúmulo jurídico, condena-se o arguido na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão.
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Sem Custas.
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Porto, 14/01/2009
José Joaquim Aniceto Piedade
Maria Elisa da Silva Marques Matos Silva (Vencida como primitiva relatora, conforme voto junto)
Arlindo Manuel Teixeira Pinto

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Voto vencida:
No acórdão que elaborei, teria julgado improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público, pelas seguintes razões:
1- As actividades parcelares que enformam estes autos encontram-se "encaixadas” (na expressão feliz do Exmo. Procurador-geral Adjunto) naquelas outras de contornos similares, que levaram á condenação do arguido no proc. nº …/02” e vistas as considerações tecidas no douto acórdão recorrido a propósito da integração das condutas na continuação criminosa, resulta aceitável e justificável a conclusão da existência de crimes continuados de falsificação e burla a que se chegou.
Tanto mais quando, como sucede, a questão “suscitada pelo recorrente relativamente à existência dos pressupostos necessários e suficientes para a condenação do arguido pela prática de um único crime, na forma continuada – e que, em principio, deveria ter sido, desde logo, concretamente suscitada no proc. nº …/02 – foi objecto de apreciação global pelo tribunal da Relação, aquando da apreciação do recurso, em matéria de direito, no referido proc. nº …/02 e não mereceu qualquer reparo”, pelo que “a integração dos factos aqui em causa na continuação criminosa fixada no Proc. nº …/02 parece não poder ser, agora, merecedora de útil contestação”, como o assinala o Exmo. Procurador-geral Adjunto.
2- A comparação, entre as condutas integradas na continuação, de modo a identificar a mais grave, deve ser feita, como se extrai da leitura do nº 1 do art.º 79º do Código Penal – pena aplicável – entre penas em abstracto e não em concreto.
Ora, como o nº2 do citado art. 79º, apenas contempla as situações de conhecimento superveniente de condutas mais graves, isso só pode querer significar, que, no caso de condutas de idêntica gravidade, basta esse reconhecimento, sem que haja, necessidade, de estar a fixar pena no processo posterior.
Neste caso, é evidente que os crimes anteriores de falsificação e burla são da mesma gravidade que os deste processo, pelo que não tendo sido “conhecida uma conduta mais grave” como, repete-se, consagra o normativo antes citado, não se afigura necessário fixar, nestes autos, pena concreta.
Assim sendo, tendo em consideração o regime supra enunciado, também não atenderia a pretensão do recorrente ao pretender ver “as penas concretas de prisão fixadas pelo tribunal recorrido ser alteradas por outras mais graves” e manteria as penas aplicadas no anterior processo.

Porto, 21 de Janeiro de 2009
Maria Elisa da Silva Marques Matos Silva