Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1093/03.4TAMAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
SEGURANÇA SOCIAL
DIVIDA TRIBUTÁRIA
Nº do Documento: RP201412101093/03.4TAMAI-A.P1
Data do Acordão: 12/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de prescrição, no crime de abuso de confiança contra a segurança social ( artº 107º RGIT), inicia-se a partir do termo do período de 90 dias previsto na al.a) do nº4 do artº 105º do RGIT, por ser nessa data que ocorre a consumação material do ilícito em causa.
II – O prazo máximo de contagem de juros, no tocante às dividas à segurança Social é de cinco (5) anos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1093/03.4TAMAI-A.P1
2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Maia

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
No 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Maia, no processo comum singular nº 1093/03.4TAMAI-A, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo:
Nos termos e com os fundamentos expostos, decido:
1. Condenar o arguido B… pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, previsto pelos artigos 24º, nºs 1 e 5 e 27º-B do Regime Jurídico das Infrações Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de janeiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de novembro, e o aditamento introduzido pelo Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de junho e, atualmente, a partir de 5/7/2001, previsto pelos artigos 105º, nºs 1 e 5 e 107º, nº 1, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de junho, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros), o que perfaz o total de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), ou, subsidiariamente, em 166 (cento e sessenta e seis) dias de prisão;
2. Condenar o demandando B… no pagamento ao demandante Instituto da Segurança Social, I.P. da quantia de € 14.025,62 (catorze mil e vinte e cinco euros e sessenta e dois cêntimos) e dos respetivos acréscimos legais, contados até efetivo e integral pagamento.
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Custas criminais a cargo do arguido, fixando-se a taxa de justiça em 10 (dez) UC´s, atendendo à natureza da causa, ao número de intervenientes processuais e à extensão das diligências processuais (arts. 513º, nºs 1, 2 e 3 do Código de Processo Penal e 85º, nº 1, alínea b) do Código das Custas Judiciais, ainda aplicável aos autos).
Custas cíveis a cargo do demandado, porque vencido.
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Boletins à DSIC.
Esta sentença será depositada na secretaria deste tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 372º, nº 5 do Código de Processo Penal.
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Inconformado com a decisão condenatória, o arguido veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
A) DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
I. Está prescrito o procedimento criminal relativamente ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos artigos 105º, nº 1 e 107º, nº 1 do RGIT, de que o Recorrente vem acusado e pelo qual foi condenado.
II. O crime de abuso de confiança contra a segurança social, sendo um crime omissivo, tem-se por consumado, nos termos do nº 2 do artigo 5º do RGIT, com a não entrega, no tempo devido, à Segurança Social, das contribuições deduzidas pela entidade empregadora dos salários dos seus trabalhadores.
III. Ora, a entrega de tais contribuições deve ocorrer até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disser respeito, nos termos do artigo 5º, nº 2 e 3 do DL nº 103/80, de 09.05 e do artigo 18º do DL nº 140-D/86, de 14.06.
IV. In casu, o último ato praticado pelo Recorrente reporta-se a Dezembro de 1999, pelo que a entrega de tais contribuições devia ter ocorrido até 15 de Janeiro de 2000.
V. Ante o exposto, o crime de abuso de confiança contra a segurança social consumou-se em 15 de Janeiro de 2000, data a partir da qual começa a correr o prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do artigo 119º, nº 1 e 2 alínea b) do Código Penal.
VI. Não relevando, para efeitos de prescrição, o prazo de 90 dias previsto no artigo 105º, nº 4 alínea a) do RGIT, pois este configura uma condição objetiva de punibilidade e, portanto exógeno ao tipo de ilícito (neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de fixação de jurisprudência nº 6/2008 de 09.04.2008, proc. 4080/07, 3ª secção).
VII. Neste sentido também se pronunciou o Tribunal de Relação de Lisboa no acórdão de 24.02.2010, proc. 2191/08.3 LSB-A.L1: “… este prazo de 90 dias previsto no nº 4 do art. 105º do RGIT, sendo uma condição objetiva de punibilidade que não impede que possa ser exercida a ação penal, apenas impede que possa ter lugar a punição, em nada interfere no decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal que, nos crimes de abuso de confiança contra a segurança social se inicia na data em que o crime se consumou, isto é, na data em que nos termos do nº 2 do art. 5º do RGIT terminou o prazo para o cumprimento da entrega das contribuições à segurança social”. (Neste sentido Ac. TRL de 20.03.2012, proc. 5209/04.5TDLSB.L1.5, Ac. TRC de 30.05.2012, proc. 4/02.9 IDMGR, Ac. TRC de 05.12.2012, proc. 173/11.7TAMGR.C1).
VIII. Nos termos do artigo 21º, nº 1 do RGIT, o procedimento criminal por crime tributário prescreve logo que sobre a sua prática sejam decorridos 5 anos.
IX. Ora, não tendo ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão desde 15 de Janeiro de 2000 (data em que o crime se consumou) a 15 de Janeiro de 2005 (5 anos após a consumação do crime), encontra-se prescrito o procedimento criminal relativamente ao crime de que o Recorrente vem acusado e pelo qual foi condenado, prescrição essa que se invoca para os devidos efeitos legais.
X. Ao decidir como decidiu, a douta sentença violou, entre outros, as normas contidas nos artigos 5º, nº 2, 21º, nº 1 e 3 do RGIT, nos artigos 119º, nº 1 e 2 al. b), 120º e 121 do C. Penal.
Sem prescindir,
XI. Caso assim se não entenda, o que apenas se concede por mera hipótese académica, e se considere que o prazo de 90 dias previsto no artigo 105º, nº 4, alínea a) do RGIT releva na contagem do prazo de prescrição e que, por isso, o crime só se consumou em 14 de Abril de 2000, sempre o procedimento criminal estará prescrito, nos termos do artigo 121º, nº 3 do CP.
XII. Nos termos do artigo 121º, nº 3 do C. Penal “… a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade”.
XIII. In casu, verificou-se a interrupção e suspensão da prescrição em 31.03.2005, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 121º e da al. b) do nº 1 do art. 120º do CP, com a notificação da acusação ao Recorrente, não podendo o tempo de suspensão ultrapassar 3 anos (artigo 120º, nº 2 do CP).
XIV. Mais se verificou a suspensão da prescrição do procedimento criminal nos termos do artigo 120º, nº 1, al. c), em virtude da declaração de contumácia que vigorou desde 27.07.2007 a 09.05.2011.
XV. Embora a declaração de contumácia configure, também, um dos casos de interrupção da prescrição do procedimento criminal, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 121 do CP, não poderá valer de per si quando se verifica o condicionalismo previsto no nº 3 do art. 121 do CP (cfr. Ac. TRC de 06.07.2011, proc. 1535/99.1TACBR.C1).
XVI. Ressalvados os períodos em que o prazo de prescrição esteve suspenso (desde 31.03.2005 a 31.03.2008 e desde 27.07.2007 a 09.05.2011), temos que, desde a data da consumação do crime em 14.04.2000 (no caso de se considerar o prazo de 90 dias) até 23.11.2013, decorreu o prazo máximo de 7 anos e seis meses, ou seja, prazo normal da prescrição – 5 anos – acrescido de metade, previsto no artigo 121º, nº 3 do Código Penal.
XVII. O procedimento criminal encontra-se prescrito desde 23.11.2013!
XVIII. Ao decidir como decidiu, a douta sentença violou as normas contidas no artigo 121º, nº 3 do Código Penal.
XIX. Encontra-se, pois, prescrito o procedimento criminal relativamente ao crime de que o Recorrente vem acusado e, pelo qual foi condenado, prescrição essa que se invoca para os devidos efeitos legais.
XX. Tendo ocorrido a prescrição do procedimento criminal, deve o mesmo ser extinto e, consequentemente ser o Recorrente absolvido e, ser extinto o pedido cível formulado pelo demandante Instituto da Segurança Social, I.P.

Sem conceder,
B) DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
XXI. No caso hipotético de não proceder a exceção invocada da prescrição do procedimento criminal, o que apenas se questiona por mera cautela, deverão ser considerados prescritos os juros de mora calculados até ao ano de 2009.
Vejamos:
XXII. O demandante Instituto da Segurança Social, I.P., deduziu pedido de indemnização civil, em 17.02.2005, peticionando a quantia de 8.323,32 €, referente aos valores deduzidos nas remunerações dos trabalhadores da empresa entre o período de Novembro de 1998 e Dezembro de 1999, acrescido da quantia de 5.702,30 € referente aos encargos legais sobre a quantia peticionada, calculados nos termos do artigo 16º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro e art. 3º do Decreto-Lei 73/99, de 16 de Março.
XXIII. Acontece que a liquidação dos juros de mora previstos no artigo 16º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro, não pode, nos termos do artigo 4º do Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março, ultrapassar os últimos 5 anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidem.
XXIV. Logo, só podem ser liquidados os juros de mora dos últimos 5 anos, ou seja, desde 2009 a 2014, e que correspondem ao montante de 4.999,46 €, calculados nos termos do art. 3º do Decreto-Lei 73/99, de 16 de Março.
XXV. Todos os juros de mora liquidados até ao ano de 2009 estão prescritos e, por isso, não são devidos!
XXVI. Decidindo como decidiu, a douta sentença violou a norma contida no artigo 4º do Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março.
Sem prescindir,
C) DA MEDIDA DA PENA
XXVII. Na determinação da medida da pena não foram observadas as normas contidas no artigo 40º, nº 2, no artigo 47º, nº 1 e 2, e no artigo 71º, todos do Código Penal.
XXVIII. É desproporcional e excessiva a pena aplicada ao Recorrente na douta sentença.
XXIX. Atento todo o circunstancialismo e os critérios legais de determinação da medida da pena, designadamente, que o crime foi praticado há mais de 14 anos; que, como bem atenta o Mº Juiz a quo, o grau de ilicitude é baixo, atento o valor das prestações em falta (8.323,32 €); ao curto período de tempo em que a conduta foi perpetrada, cerca de um ano (Novembro de 1998 a Dezembro de 1999); que o Recorrente agiu num quadro de graves dificuldades económicas da empresa causadas pela situação económica vivida pelo setor industrial e pelo país; que os antecedentes criminais se referem a crimes cuja prática remonta a 1996, afigura-se excessiva e desproporcional a pena fixada na douta sentença de 250 dias de multa.
1.Considerando todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do Recorrente, deve a medida da pena aplicada na douta sentença ser reduzida a pena de multa que se situe em metade da pena máxima, ou seja, a 180 dias de multa.
XXX. Além disso, também o montante da taxa diária aplicado (€ 10,00) se revela excessivo e desproporcional em face da escassa informação acerca das condições económicas do Recorrente.
XXXI. Ora, na douta sentença, o Juiz a quo, apurou a situação económica do Recorrente apenas com base nas informações fornecidas pelo Serviço de Finanças a fls. dos autos.
XXXII. Acontece que, os veículos que constam do ofício enviado pelo Serviço de Finanças são muito antigos (1968, 1989, 1995 e 1996) e, mais se desconhece se tais bens ainda estão na posse do Recorrente, pois não raras vezes estão desatualizadas as informações constantes no sistema do Serviço de Finanças.
XXXIII. Além disso, desconhece-se valor patrimonial dos prédios constantes no ofício enviado pelo Serviço de Finanças.
XXXIV. Além do mais, também o facto de, presentemente, o Recorrente estar a viver no Brasil, não revela que tenha possibilidades económicas, muito pelo contrário, dada a crise que o nosso país atravessa, os cidadãos têm de procurar novas oportunidades de emprego, emigrando.
XXXV. Ante o exposto, deve a taxa diária aplicada na douta sentença ser reduzida ao mínimo legal de € 5,00.
XXXVI. Conclui-se que, a manter-se a condenação do Recorrente, deve a medida da pena ser reduzida a pena de multa não superior a 180 dias de multa à taxa diária de € 5,00.
XXXVII. Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo as disposições contidas no artigo 40º, nº 2, artigo 47º, nº 1 e 2 e artigo 71º, todos do Código Penal.
Nestes termos e nos mais de Direito, com o mui suprimento de V. Exas, dando provimento ao recurso e declarando extinto o procedimento criminal, será feita INTEIRA JUSTIÇA!
Por cautela e na improcedência da exceção invocada, não poderão V. Exas. deixar de considerar prescritos os juros de mora liquidados há mais de 5 anos e reduzir a pena de multa aplicada de 250 dias de multa à taxa diária de € 10,00 para 180 dias de multa à taxa diária de € 5,00.
Termos em que assim se decidindo será feita JUSTIÇA!
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O recurso foi admitido (cfr. despacho de fls. 759).
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Em resposta ao recurso, o Ministério Público na 1ª instância pugnou que “deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a douta decisão recorrida”, terminando com as seguintes conclusões (transcrição):
1- B…, arguido nestes autos, não se conformando com a sentença que o condenou como autor de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, previsto pelos arts. 24º, n.º 1 e 5 e 27º-B do RJIFNA, aprovado pelo DL n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 140/95, de 14 de Junho e, actualmente, a partir de 05.07.2001, previsto pelos arts. 105º, n.º 1 e 5 e 107º, n.º 1, ambos do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, num total de € 2.500,00, ou subsidiariamente, em 166 dias de prisão, e ainda no pedido de indemnização cível, veio da mesma interpor recurso, requerendo a sua absolvição, alegando, em resumo, que o procedimento criminal já se encontra prescrito, logo é também devida a sua condenação no pedido de indemnização civil, e caso assim não se entenda, requer a redução da pena em que foi condenado para uma pena não superior a 180 dias de multa a uma taxa de € 5,00.
2- Alegou, em suma, nos que ao crime diz respeito, que o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 105º, n.º 1 e 107º, n.º 1 do RGIT ao não aplicar correctamente tal preceituado, os arts. 5º, n.º 2, 21º, n.º 1 e n.º 3, também do RGIT, 119º, n.º 1 e n.º 2, al. b), 120º e 121º, todos do Código Penal, e quanto à determinação da pena o disposto no art. 40º, n.º 2, 47º, n.º 1 e n.º 2 e 71º do Código Penal.
3- No entanto, em nossa opinião, não assiste qualquer razão ao recorrente, entendendo tal recurso apenas por ser um direito de qualquer condenado.
4- Cumpre para já esclarecer que o presente processo teve origem numa certidão extraída do inquérito n.º 1093/03.4TAMAI, no qual foram julgados todos os restantes arguidos com responsabilidades na empresa “C…”, à excepção do aqui recorrente que entretanto havia sido declarado contumaz em 27.07.2007 (cfr. fls. 348 e 349 do processo principal n.º 1093/03.4TAMAI).
5- Tal processo tem 3 volumes e dois apensos (os apensos dizem respeito à investigação que foi efectuada pela Segurança Social em fase de inquérito), e a nosso ver, a sua consulta é indispensável para a boa decisão da causa, sendo que a documentação em causa, também foi consultada e analisada nestes autos na fase deste julgamento.
6- Pouco há a acrescentar para além do que consta da motivação da decisão sobre a matéria de facto e de direito da sentença proferida, quanto à parte criminal, única que me vou pronunciar (não me pronunciarei quanto à parte cível), uma vez que o Sr. Juiz a quo, fundamentou a sua convicção de uma forma clara, concreta e precisa, baseada em factos e depoimentos cuja veracidade só muito dificilmente poderá ser posta em causa, à luz das regras da experiência, e mediante a prova documental apresentada, já que há que ter em conta quer o principio da livre apreciação da prova de que o julgador dispõe, quer o principio da imediação que só a audiência de julgamento proporciona.
7- Pela leitura atenta da sentença proferida e que aqui foi posta em crise, pode aferir-se da concreta participação que o arguido teve, enquanto representante legal da empresa “C…, Lda”, na prática dos factos, que culminou com a sua condenação no crime pelo qual já vinha pronunciado, o que determinou a pena concreta que lhe foi aplicada.
8- Tal participação na prática do crime está bem concretizada e fundamentada na referida sentença, atenta a matéria de facto dado como provada e a matéria de direito.
9- A nível da fundamentação de facto, todos os depoimentos prestados em audiência, foram valorados.
10- Também a nível da fundamentação de direito, atentos os factos dados como provados, estando devidamente fundamentado o elenco das várias circunstâncias que relevaram, in casu, para efeitos da escolha e da medida concreta da pena que foi aplicada ao arguido, nenhuma crítica pode ser efectuada à sentença aqui posta em crise.
11- O enquadramento jurídico que o Sr. Juiz a quo fez perante a situação dos autos afigura-se-me correta, pelo que remetemos para a douta decisão proferida e nesse sentido decidiu bem o Sr. Juiz a quo ao enquadrar a conduta deste arguido na prática de um crime de abuso de confiança à Segurança Social na forma continuada, atenta a matéria de facto dada como provada.
12- Alega o arguido recorrente que o procedimento criminal se encontra prescrito uma vez que como o ultimo acto praticado pelo recorrente se reporta a Dezembro de 1999, sendo que como a entrega de tais contribuições deveria ter ocorrido até 15 de Janeiro de 2000, tal crime consumou-se em 15.01.2000, dia a partir do qual começou a correr o prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do disposto no art. 119º, n.º 2, al. b) do Código Penal, não relevando, no seu entendimento, o disposto no art. 105º, n.º 4, al. a) do RGIT para efeitos de contagem do prazo de prescrição.
13- Ora, como bem explica Carlos Adérito da Silva Teixeira e Sofia Margarida Correia Gaspar, no comentário que efectuam ao disposto ao art. 107º do RGIT, a fls. 480, do “Comentário das Leis Extravagantes”, Vol. 2, de Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco, UCE, 2011, quanto ao modo de contagem do prazo prescricional em sede de crime continuado de abuso de confiança contra a segurança social, a jurisprudência encontra-se dividida, em torno da inclusão ou não do momento de verificação das condições objectivas de punibilidade, dividindo-se as posições: “de um lado, considerando-se que aquelas condições apenas têm de estar presentes no momento da punição, podendo ser exercida a acção penal mesmo antes de aquelas se verificarem pela razão que não são elementos do tipo de ilícito (…), do outro lado, considerando que só após a verificação das condições objectivas de punibilidade é que o facto (ilícito e culposo), se torna punível – sem o que pode nunca a vir a ser passível de pena e, por conseguinte, objecto de acção penal”.
14- Subscrevemos esta última posição.
15- Note-se que efectivamente na fase de inquérito o arguido não foi constituído arguido mas apenas inquirido como testemunha (cfr. fls. 89 e 90 do 1º Volume do Apenso ao processo principal n.º 1093/03.4TAMAI), vindo a revelar-se que os argumentos que apresentou para não ser constituído e interrogado como arguido, em 20.12.2003, não se verificavam e por isso foi acusado e, posteriormente, pronunciado.
16- A acusação foi deduzida em 11.01.2005, tendo o arguido sido notificado pessoalmente da mesma, em 31.03.2005 (cfr. notificação de fls. 101 a 102 v.º do Inquérito principal n.º 1093/03.4TAMAI).
17- O arguido foi pronunciado pela prática de um crime de abuso à Segurança Social, na forma continuada, em 05 de Julho de 2006.
18- O crime continuado traduz-se numa unidade jurídica criminosa e não numa pluralidade ou concurso de crimes, mas está construída sobre uma pluralidade efectiva de crimes, pelo que revela apenas a ultima conduta integradora da continuação, só que o crime continuado não se consuma com a não entrega da ultima das prestações devidas no dia 15 do més seguinte a que essa ultima prestação respeita, mas sim no prazo de 90 dias após a sua dedução - Neste sentido, entre outros, o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 14897/03.2TACBR.CI, de 9-12-2009, cuja posição subscrevemos.
19- Assim sendo, admitindo-se que o prazo de prescrição do procedimento criminal em causa seria de 5 anos, tal prazo de prescrição só ocorreria 90 dias depois do dia 15 de Janeiro de 2005, logo, quando o arguido foi notificado pessoalmente da acusação deduzida em 31.03.2015, o prazo de prescrição do procedimento criminal interrompeu-se nos termos do disposto no art. 121º, n.º 1, al. b) do Código Penal, pois a prescrição do procedimento criminal em causa só ocorreria em 16.04.2005 (90 dias após 15.01.2005).
20- Quanto à medida da pena aplicada ao arguido, considera-se que a mesma é justa e adequada, e nem o arguido deve ser absolvido, nem deve ver reduzida a pena em que foi condenado já que o crime em causa é punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias (art. 105º, n.º 1 do RGIT), e ao arguido foi-lhe aplicada a pena de 250 dias, cerca de 2/3 da moldura penal aplicável a título de multa.
21- Recorde-se que a importância pertencente à Segurança Social, e que não lhe foi entregue, in casu, ascendeu ao montante global de € 8.323,328, resultante das contribuições efectivamente retidas e não entregues.
22- Quanto ao quantitativo diário, este pode variar entre € 5,00 e € 5.000,00 (cfr. art. 15º, n.º 1 do RGIT) e, in casu, foi aplicada ao arguido um quantitativo diário de € 10,00, o dobro do limiar mínimo diário aplicável, tendo sido apurado que o mesmo se encontra no Brasil, é proprietário de dois prédios urbanos e tem registados em seu nome 4 veículos automóveis, um deles de gama alta.
23- Pelo exposto, verifica-se que a medida concreta em que o arguido foi condenado teve em conta o disposto nos arts. 70º e 71º, ambos do Código Penal e não ultrapassou a medida da culpa (art. 40º, n.º 2 do Código Penal), constando da sentença proferida de fls. 692 a 694, as circunstâncias que foram tidas em consideração a favor e em desfavor do arguido, e para as quais aqui se remete por uma questão de economia processual.
24- O decidido é justo e equitativo.
25- A decisão recorrida não violou qualquer preceito legal ou constitucional, antes tendo efectuado uma correta aplicação do direito aos factos.
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Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, defendendo que “a prescrição do procedimento criminal já ocorreu”, emitiu parecer no sentido de que “deve ser concedido provimento ao recurso”, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões.
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Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Passemos agora ao conhecimento das questões alegadas no recurso interposto da decisão final proferida pelo tribunal singular.
Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da sentença recorrida, com interesse para a decisão do recurso.
Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados e respectiva fundamentação (de facto e de direito) (transcrição):
II - Factos Provados e Fundamentação da Prova
1. Factos provados:
1. A sociedade “C…” é uma sociedade por quotas que se dedicava desde março de 1993 à indústria, comércio, importação e exportação, reparação e a toda a demais atividade relacionada com o ramo automóvel, que tinha vários trabalhadores ao seu serviço e que, à data dos factos a seguir descritos tinha a sua sede na …, Maia.
2. D…, E… e F… eram sócios e gerentes dessa sociedade nesse espaço temporal, sendo que o arguido assumiu também poderes de gerência, por força de procuração bastante para o efeito, passada pelos sócios e outorgada no 8º Cartório Notarial do Porto em 3/11/1998, tendo E… e F… renunciado à gerência na sociedade através de contrato promessa de cessão de quotas outorgado nessa altura.
3. O arguido passou a ser o único responsável por tudo quanto se passava na referida sociedade.
4. No período compreendido entre novembro de 1998 e dezembro de 1999, a sociedade, através do arguido, seu responsável, deixou de proceder à entrega no Centro Regional da Segurança Social das contribuições relativas às quantias de 11% do valor das remunerações pagas aos seus trabalhadores.
5. A sociedade “C…”, por intermédio do arguido, procedeu à retenção das quantias percentuais, como a tal era legalmente obrigada, efetuando o envio das folhas de remuneração, sem que entregasse as correspondentes guias de pagamento relativas a tais momentos e, assim, efetuasse a entrega dos mesmos à Segurança Social.
6. Através do arguido reteve a sociedade “C…” e não entregou à Segurança Social, como a tal era obrigada, dentro do prazo legalmente fixado, nem nos noventa (90) dias subsequentes ao termo desse prazo, os seguintes valores, que incidiram sobre a massa salarial global de € 75.666,56 (setenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos):

7. O montante das contribuições efetivamente retidas e não entregues ascende a € 8.323,32 (oito mil, trezentos e vinte e três euros e trinta e dois cêntimo.
8. Em vez de entregar estes valores à Segurança Social, o arguido fez suas e da sociedade tais quantias, passando a dispor das mesmas, nomeadamente para efetuar compras e pagamentos a fornecedores e para satisfazer outros compromissos da sociedade, utilizando tais montantes em benefício próprio e da sociedade, tal como se lhe pertencessem.
9. Tal falta de entrega, ocorrida em diversas ocasiões, e posterior apropriação dos montantes devidos a título de contribuições para a Segurança Social, foram realizadas em momento que a referida sociedade detinha liquidez financeira que lhe permitia efetuar a entrega à instituição em causa das quantias que retinha como depositária e com a obrigação legal de lhas entregar.
10. Ao atuar da forma descrita o arguido, agindo em nome, representação e interesse da sociedade, sabia que os montantes deduzidos das remunerações dos trabalhadores e devidos a título de contribuições para a Segurança Social não lhe pertencia nem a ele nem à sociedade da qual era responsável, cabendo apenas a esta entidade deduzir os montantes e entregá-los à Segurança Social, o que até à data não aconteceu.
11. Sabia ainda o arguido que ao não efetuar a entrega desses montantes à referida instituição, fazendo-os seus e da sociedade, estava a apoderar-se indevidamente de quantias que não lhe pertenciam.
12. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei.
13. O arguido agiu no quadro da mesma solicitação externa, atento o quadro de dificuldades criadas pela situação económica vivida pelo setor industrial e pelo país e, ainda, devido ao facto da fiscalização não atuar de imediato, ao surgirem os primeiros sinais de não cumprimento destas obrigações contributivas.
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14. O arguido encontra-se no Brasil.
15. O arguido é proprietário de dois prédios urbanos e de quatro veículos, respetivamente, da marca e modelo “Volskwagen …”, “Mini …”, “Mercedes Benz …” e Yamaha …”.
16. Foi anteriormente condenado:
i) em 5/3/2003, no processo comum singular nº 27/98, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Maia, pela prática, em 31/1/1996, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos na condição do pagamento ao Estado das prestações ainda em dívida, no valor total de 14.328.950$00 [contravalor de € 71.472.5]; por despacho de 5/6/2009, foi fixado em 1 ano o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada por força da aplicação da Lei nº 59/2007, de 4 de setembro;
ii) em 20/4/2006, no processo comum singular nº 56/00.6 IDPRT, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Maia, pela prática, em 1996, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
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2. Factos não provados:
Não se provou
1. Que eram o arguido e D… os únicos e exclusivos responsáveis por tudo quanto se passava na referida sociedade, sendo que repartiam entre si as várias tarefas que se impunham realizar, em benefício da sociedade e seu, enquanto seus sócios e interessados diretos em tudo o que à sociedade dizia respeito;
2. Qualquer intervenção de D… nos factos provados;
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3. Fundamentação da Prova:
O arguido não compareceu no julgamento.
A testemunha G…, técnica superior da Segurança Social do Porto, descreveu em audiência a situação contributiva da sociedade, concretamente os valores em dívida e os períodos temporais em referência, acrescentando ainda que a dívida não foi até ao momento liquidada.
Respondeu sempre de forma muito rigorosa e pormenorizada, potenciando assim as suas palavras a fixação da matéria probatória elencada nos pontos 4) a 7) dos factos provados, na sua vertente objetiva.
Complementarmente e quanto à intervenção do arguido nesses factos [pontos 3) a 6)], considerou-se favoravelmente o depoimento de H… e também o de I…, antigos funcionários da sociedade “C…”.
O primeiro começou por dizer que foi contratado por D… e por outro indivíduo chamado K…, por volta de agosto de 1996, acrescentando de seguida que em 1998, segundo guarda memória, entrou para a empresa o arguido, para patrão, e que logo ficou conhecido entre os funcionários como o “homem da pasta”, assim designado por se tratar da pessoa, entre o mais, responsável pelos pagamentos, nomeadamente dos salários dos funcionários. Referiu ainda que D… não lhe dava ordens e que há alguns anos atrás, para regularizar a sua situação contributiva, teve de pagar à Segurança Social cerca de € 2.500.
Aqui e ali esta testemunha incorreu nalgumas contradições. Sempre ligeiras e de pormenor, facilmente compreensíveis pelo decurso do tempo e também pelo pouco grau de instrução revelado. Mas não abalaram a sua credibilidade nem genuinidade, tanto mais que as suas declarações saíram reforçadas com o depoimento da outra testemunha, J…, que, tal como ele, trabalhou na sociedade.
Esta testemunha trabalhou enquanto administrativa, tanto quanto se recordava, entre 1996 e 1999.
Para si o patrão era D…. Por volta de 1998 entrou para a empresa o arguido, tendo ocorrido nessa altura uma reunião geral, na presença de todos os funcionários, onde D… comunicou que a partir dessa data, com a entrada do arguido, era ele (leia-se o arguido) quem passava a ser patrão e que seria ele a assumir as responsabilidades da empresa.
Quem lhe passou a dar ordens e a pagar o respetivo salário, a partir de então, era o arguido, em vez de D….
Esta testemunha afirmou ainda que o arguido andava sempre com uma pasta contendo documentos e que fazia o controlo diário de recebimentos e pagamentos e que também era ele quem assinava os cheques.
Também teve de regularizar a sua situação contributiva junto da Segurança Social após sair da sociedade fazia tinha sido funcionária da sociedade “C…”.
Este depoimento também se mostrou isento de reparo.
Resta ainda dizer, a este propósito, que não passou despercebida a coincidência temporal entre i) a data da procuração passada pelos sócios da sociedade conferindo ao arguido poderes de gerência [3/11/1998 – vide folhas 220 a 222]; ii) um contrato promessa de cessão de quotas também outorgado nessa altura [vide folhas 224 a 226]; iii) e a entrada do arguido na sociedade, passando a comportar-se então como o “patrão”, substituindo D… nessa tarefa. E entre todos estes factos e as retenções apuradas no ponto 6) dos factos provados, designadamente o seu início, em novembro de 1998.
Fez-se o exame dos vários documentos juntos ao processo.
Ponderando tudo o que se acaba de dizer e as regras da experiência comum, não se ficou com qualquer dúvida quanto ao imputar ao arguido a autoria destes factos, já que foi a partir dessa altura que o mesmo entrou na sociedade e com o papel de responsável pela gestão da mesma.
A certidão de teor de matrícula de folhas 36 e 37 habilitou o Tribunal a considerar provado o ponto 1).
Também potenciou a resposta positiva ao ponto 2), aqui em adição ao que resultava do teor de folhas 220 a 222 e de folhas 224 a 226, já acima referido.
A prova relativa aos elementos subjetivos do tipo, constantes dos pontos 8) a 14), baseou-se na forma como os factos objetivamente ocorreram, o que permitiu inferir a verificação dos primeiros.
Quanto à demais factualidade provada:
A realidade retratada no ponto 14) extrai-se da carta rogatória expedida para esse país.
A informação contida no ponto 15), relativa ao património do arguido, foi prestada pelo Serviço de Finanças e junta aos autos em sede de audiência de julgamento.
Por fim e para prova do ponto 16) serviu-se o Tribunal do teor do certificado de registo criminal de folhas 666 a 668.
Os factos não provados assim resultaram na ausência de qualquer prova suscetível de convencer o Tribunal da sua verificação.
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III - Fundamentação Jurídica
III.1 Abuso de confiança relativamente à Segurança Social
Reza o artigo 27º-B do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de janeiro (Regime Jurídico das Infrações Fiscais Não Aduaneiras – doravante RJIFNA), na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de novembro e Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de junho que “as entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações pagas aos trabalhadores o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entregarem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, no período de 90 dias, do mesmo se apropriando, serão punidas com as penas previstas no artigo 24º ”.
Por sua vez este último preceito prevê que “quem se apropriar, total ou parcialmente, da prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar ao credor tributário será punido com pena de prisão até três anos ou multa não inferior ao valor da prestação em falta nem superior ao dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido”.
É o seguinte o conteúdo do artigo 107º do Regime Geral das Infrações Tributárias (doravante RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de junho, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro:
“As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.os 1 e 5 do artigo 105º ”.
Já o artigo 105º do mesmo diploma enuncia que:
“1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.
3 - É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.
4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
(…)
7 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”.
Por sua vez, nos termos do artigo 6º do mesmo diploma:
“1 - Quem agir voluntariamente como titular de um órgão, membro ou representante de uma pessoa coletiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou de mera associação de facto, ou ainda em representação legal ou voluntária de outrem, será punido mesmo quando o tipo legal de crime exija:
a) Determinados elementos pessoais e estes só se verifiquem na pessoa do representado;
b) Que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante atue no interesse do representado.
2 - O disposto no número anterior vale ainda que seja ineficaz o ato jurídico fonte dos respetivos poderes”.
Por outras palavras, o crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social de que o arguido se encontra acusado traduz-se pois na dedução e na não entrega das contribuições para a Segurança Social.
Segue-se a este nível a orientação de que, não obstante no RJIFNA se exigir a apropriação e de no RGIT não constar tal exigência, não se trata de uma diferença de fundo, mas apenas de uma diferente redação – vide, entre muitos outros, o Acórdão da Relação do Porto de 20/6/2012, acessível em www.dgsi.pt com o nº 6651/08.8 TAVNG.P1.
Assim, a apropriação mantém-se no espírito da lei uma vez que não entregando o agente à Segurança Social a prestação que deduziu e que era obrigado a entregar, forçoso é concluir que da mesma se apropriou, dando-lhe uma diferente utilização daquela que a lei impunha.
Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 23/4/2003, acessível na já referida base de dados www.dgsi.pt com o nº 03P620, não se pode dizer “que a apropriação de que antes falava o legislador visava tão só o enriquecimento do património pessoal do agente e já não o desvio das prestações para fins de gestão da empresa (pagamento a fornecedores ou a empregados), pois a lei não faz essa distinção, além de que a ideia fulcral do crime de abuso de confiança, seja ele fiscal ou não, é sempre a de que se dá a valores licitamente recebidos um rumo diferente daquele a que se está obrigado”.
Como referem Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 2º Vol., pp. 686, e é reproduzido pelo mesmo Simas Santos e por Lopes de Sousa, Regime Geral das Infrações Tributárias Anotado, pp. 58, “a não entrega total ou parcial da prestação tributária ou equiparada traduz-se num apropriar-se, num fazer sua coisa alheia”.
E, porque a apropriação implícita no tipo legal de crime “não tem de ser necessariamente material, podendo ser, como quase sempre é, apenas contabilística” e “verifica-se com a não entrega das contribuições à segurança social e respetiva afetação a finalidades diferentes, por parte da entidade empregadora” – vide, entre muitos outros, o decidido pela Relação do Porto no acórdão de 12/3/2003, acessível em www.dgsi.pt com o nº 0210289 – estando o arguido pessoa singular perfeitamente ciente do dever de entrega dos montantes que foram descontados aos salários dos trabalhadores da sociedade que geria a título de contribuições para a Segurança Social, tendo optado, no exercício das suas funções de administração, por destiná-los a outros fins, também é inquestionável que a sua conduta preenche integralmente a previsão do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social por cuja prática foi pronunciado.
Por fim, resta dizer que se concorda com a conclusão feita pela acusação e mantida pela pronúncia, relativa à existência de crime continuado.
Estabelece o artigo 30º do Código Penal:
“1- O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Entende-se que subjacente às retenções das diferentes prestações à Segurança Social estão diversas resoluções criminosas, executadas de forma homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminuiu consideravelmente a culpa do agente, para mais com execução essencialmente homogénea já que os procedimentos de violação eram, mês a mês, sempre repetidos.
Deve pois o arguido ser condenado pela prática do crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social na forma continuada.
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III.2 Responsabilidade civil
O Instituto da Segurança Social, I.P. pretende uma indemnização no valor de € 14.025,62 [€ 8.323,32 (valor deduzido nas remunerações dos trabalhadores no período temporal em causa) + € 5.702,30 (encargos legais calculados nos termos dos artigos 16º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de outubro e 3º do Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de março)] correspondente aos valores deduzidos nas remunerações dos trabalhadores da sociedade “C…” no período aludido na acusação pública/pronúncia e respetivos juros de mora vincendos.
Nos termos do disposto no artigo 128º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil. Este preceito, todavia, deve ser interpretado no sentido de que são as disposições da lei processual penal que definem a atribuição da indemnização por perdas e danos emergentes do crime. A citada disposição legal só remete para a lei civil naquilo que concerne aos pressupostos e ao quantitativo da indemnização.
De acordo com o artigo 483º, nº 1 do Código Civil, para a existência de responsabilidade extracontratual é necessário que haja:
i) um facto ilícito enquanto evento resultante de uma conduta humana voluntária violadora de um direito absoluto;
ii) um nexo de imputação subjetiva revelador da específica ligação psicológica do agente com o facto lesivo e suscetível de traduzir o grau de censurabilidade que merece tal comportamento;
iii) um dano, enquanto desvalor que o facto ilícito inflige em bens jurídicos pessoais e patrimoniais, jurídico-civilmente tutelados; e
iv) um nexo de causalidade, que se revela no juízo de imputação objetiva do dano ao facto de que emerge.
Resultou provado, muito em síntese, que o arguido, estando obrigado a entregar à Segurança Social as contribuições retidas aos trabalhadores da sociedade “C…”, não o fez, incorrendo assim na prática de um ato ilícito.
Nessa medida e sem necessidade de mais considerandos, porque desnecessários, o demandante deve ser ressarcido do montante reclamado e legais acréscimos, nos termos peticionados.
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IV - Escolha e Medida da Pena:
O crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social praticado pelo arguido, nos termos do artigo 27º-B e 24º, nº 1, ambos do RJIFNA, é punido, nos termos do regime aplicável à data da prática dos factos, e considerando o valor mais elevado das prestações retidas [€ 830,01], com pena de prisão até três anos ou multa não inferior ao valor da prestação em falta nem superior ao dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
Atualmente, após entrada em vigor da Lei nº 15/2001, de 5 de junho, o crime em causa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Tendo em atenção a necessidade de proteção do bem jurídico violado e a gravidade dos factos, praticados há perto de quinze anos, não repugna a opção por pena não privativa da liberdade.
Com base nesta opção cumpre agora determinar a pena concreta, recorrendo para tanto ao critério fornecido pelos artigos 12º, 13º e 14º do RJIFNA, na versão dada pela Lei nº 15/2001, cuja aplicação é mais favorável ao arguido atenta a moldura penal, devendo ainda considerar-se os fins de proteção de bens jurídicos com tutela penal e a reintegração social dos agentes e o grau da sua culpa, como limite máximo da reação penal, e às exigências de reprovação e prevenção do facto, como patamar mínimo, sem deixar de atender às concretas circunstâncias agravantes e atenuantes previstas no artigo 71º do Código Penal.
Atuação com dolo direto, que é a modalidade mais intensa de vontade dirigida ao cometimento de crimes;
A nível da ilicitude, ela é de grau baixo, atento o valor global das prestações em falta.
As exigências de prevenção geral são elevadas, na medida em que a fraude e evasão fiscal em Portugal são das mais elevadas no conjunto dos países desenvolvidos, situação que deve ser corrigida[2]: é o próprio Estado que deixa de arrecadar essas receitas, injustificadamente, e, por outro lado, esse comportamento configura concorrência desleal face às demais empresas cumpridoras das suas obrigações fiscais.
O arguido conta com duas condenações pela prática de crime da mesma natureza e tem património suficiente para suportar algum sacrifício económico.
Tudo ponderado, considera-se justa e adequada a pena de 250 dias de multa.
Com base na equidade e nos padrões adaptados pela jurisprudência (cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 28/6/2006, acessível em www.dgsi.pt), sendo certo que devidamente temperados pela circunstância de o arguido ser proprietário de dois prédios urbanos e quatro automóveis, um deles de gama alta, e encontrar-se presentemente no Brasil, fixa-se o montante diário de € 10, o que perfaz assim um total de € 2.500 (artigo 47º, nº 2 do Código Penal).
***
Enunciação das questões a decidir no recurso em apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal [Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ [cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada e Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95].
Assim, face às conclusões apresentadas pelo recorrente importa decidir as seguintes questões:
- Prescrição do procedimento criminal;
- Extinção do pedido indemnizatório;
- Prescrição dos juros de mora calculados até ao ano de 2009;
- Medida da pena.
Passemos a analisar a questão atinente à prescrição do procedimento criminal, que, a proceder, prejudica o conhecimento de algumas das questões suscitadas.
Revestem-se de interesse para a decisão do recurso as seguintes ocorrências processuais:
- O Ministério Público, em 11.01.2005, deduziu acusação contra o recorrente (e outros arguidos), imputando-lhes a prática de um crime continuado de abuso de confiança em relação à Segurança Social, previsto pelos artigos 24º, nºs 1 e 5 e 27º-B do Regime Jurídico das Infrações Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de janeiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de novembro, e o aditamento introduzido pelo Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de junho e, atualmente, a partir de 5/7/2001, previsto pelos artigos 105º, nºs 1 e 5 e 107º, nº 1, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de junho (cfr. fls. 51 a 57);
- O arguido/recorrente foi notificado da acusação em 31 de Março de 2005 (fls. 101 a 103 e 389);
- Em 6 de Julho de 2005 foi proferida decisão instrutória, pronunciando o arguido/recorrente (entre outros) pelos factos e crime constantes da acusação pública de fls. 51 a 57 (cfr. fls. 171 a 176);
- Por decisão de 27 de Julho de 2007 o arguido/recorrente foi declarado contumaz e ordenada a separação de processos (cfr. fls. 348);
- Por despacho proferido em 04.10.2010, na sequência do requerimento apresentado pela ilustre defensora do recorrente, foi indeferido o requerido no que respeita à alegada prescrição do procedimento criminal (cfr. fls. 388 e 389);
- Em 09 de Maio de 2011 foi declarada cessada a contumácia do recorrente (cfr. fls. 489);
- Em 23 de Maio de 2014 foi proferida a sentença recorrida que condenou o recorrente pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, previsto pelos artigos 24º, nºs 1 e 5 e 27º-B do Regime Jurídico das Infrações Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de janeiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de novembro, e o aditamento introduzido pelo Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de junho e, atualmente, a partir de 5/7/2001, previsto pelos artigos 105º, nºs 1 e 5 e 107º, nº 1, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de junho, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros), o que perfaz o total de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), ou, subsidiariamente, em 166 (cento e sessenta e seis) dias de prisão.
- E na qual foi considerado como provado que no período compreendido entre novembro de 1998 e dezembro de 1999, a sociedade, através do arguido, seu responsável, deixou de proceder à entrega no Centro Regional da Segurança Social das contribuições relativas às quantias de 11% do valor das remunerações pagas aos seus trabalhadores, sendo que, através do arguido, reteve a sociedade “C…” e não entregou à Segurança Social, como a tal era obrigada, dentro do prazo legalmente fixado, nem nos noventa (90) dias subsequentes ao termo desse prazo, contribuições cujo montante ascendeu a € 8.323,32 (oito mil, trezentos e vinte e três euros e trinta e dois cêntimos).
- Bem como foi considerado que ao atuar da forma descrita o arguido, agindo em nome, representação e interesse da sociedade, sabia que os montantes deduzidos das remunerações dos trabalhadores e devidos a título de contribuições para a Segurança Social não lhe pertencia nem a ele nem à sociedade da qual era responsável, cabendo apenas a esta entidade deduzir os montantes e entregá-los à Segurança Social, o que até à data não aconteceu, tal como sabia que ao não efetuar a entrega desses montantes à referida instituição, fazendo-os seus e da sociedade, estava a apoderar-se indevidamente de quantias que não lhe pertenciam, agindo livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei.
- E foi ainda considerado que o arguido agiu no quadro da mesma solicitação externa, atento o quadro de dificuldades criadas pela situação económica vivida pelo setor industrial e pelo país e, ainda, devido ao facto da fiscalização não atuar de imediato, ao surgirem os primeiros sinais de não cumprimento destas obrigações contributivas.
Neste contexto, cumpre analisar e decidir da invocada prescrição do procedimento criminal.
O recorrente começa por alegar que “não tendo ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão desde 15 de Janeiro de 2000 (data em que o crime se consumou) a 15 de Janeiro de 2005 (5 anos após a consumação do crime), se encontra prescrito o procedimento criminal relativamente ao crime de que vem acusado e pelo qual foi condenado” (conclusão 10ª).
“Caso assim se não entenda, e se considere que o crime só se consumou em 14 de Abril de 2000 (atento o prazo de 90 dias previsto no artigo 105º, nº 4, alínea a) do RGIT) defende que, ressalvados os períodos em que o prazo de prescrição esteve suspenso (desde 31.03.2005 a 31.03.2008 e desde 27.07.2007 a 09.05.2011), desde a data da consumação do crime em 14.04.2000 (ao considerar o prazo de 90 dias) até 23.11.2013, decorreu o prazo máximo de 7 anos e seis meses, ou seja, prazo normal da prescrição – 5 anos – acrescido de metade, previsto no artigo 121º, nº 3 do Código Penal, pelo que também assim se encontra prescrito o procedimento criminal relativamente ao crime de que vem acusado e pelo qual foi condenado” (conclusão 18ª).
Antes de entramos na abordagem da questão, interessa ter presentes as seguintes normas:
- as disposições do artigo 5º, nº 2 e 3 do Decreto-Lei nº 103/80, de 09.05 e artigo 18º do Decreto-Lei nº 140-D/86 de 14.06 (este último revogado pelo art. 42º nº 1 do DL nº 199/99 de 8/6, que, no entanto, manteve o prazo como prazo geral para o efeito), segundo as quais o recorrente estava obrigado a entregar o montante do imposto devido “até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam as quantias descontadas”;
- o artigo 27º-B do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de janeiro (Regime Jurídico das Infrações Fiscais Não Aduaneiras – doravante RJIFNA), na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de novembro e Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de Junho que estabelece que “as entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações pagas aos trabalhadores o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entregarem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, no período de 90 dias, do mesmo se apropriando, serão punidas com as penas previstas no artigo 24º ”.
Por sua vez este último preceito prevê que “quem se apropriar, total ou parcialmente, da prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar ao credor tributário será punido com pena de prisão até três anos ou multa não inferior ao valor da prestação em falta nem superior ao dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido”.
- o artigo 107º do Regime Geral das Infrações Tributárias (doravante RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de junho, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, dispõe que “As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 105º ”.
- o artigo 105º do mesmo diploma enuncia que:
“1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.
3 - É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.
4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
(…)
7 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”.
- art. 119º nº 1 do Código Penal, aplicável ex vi da al. a) do art. 3º do RGIT, que estabelece que “O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado”. Nos crimes continuados o prazo de prescrição só corre desde o dia da prática do último acto (art.º 119.º, n.º 2, b), do Código Penal);
- o nº1 do art. 5º do RJIFNA, que dispunha que “as infracções fiscais consideram-se praticadas no momento (…) em que o agente actuar, de harmonia com os princípios constantes do Código Penal (…)”. Por seu turno, o art. 3º deste último diploma estabelece que “o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado (…)”. Regra esta que o RGIT manteve, ao estatuir no nº 1 do seu art. 5º que “as infracções tributárias consideram-se praticadas no momento (…) em que (…) o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido (…)”. Nos termos do nº 2 “As infracções tributárias omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários”.
- o artigo 15º, nº 1 do RIFNA e artigo 21º, nº 1 do RGIT, segundo os quais o procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos, sendo que as regras e causas respeitantes à interrupção e suspensão deste prazo são, (para além de algumas específicas) as que vêm estabelecidas no Código Penal (cfr. nº 1 do art. 4º do RJINA e nº 4 do art. 21º do RGIT).
Diante deste quadro legal, tem-se colocado (e foi colocado pelo recorrente), é um facto, na doutrina e na jurisprudência, a questão de saber em que momento se inicia a contagem do prazo de prescrição do procedimento por crime de abuso de confiança fiscal em relação à segurança social: se na data em que termina o prazo para entrega da prestação tributária devida à administração tributária, ou se no termo final do período de 90 dias previsto na alínea a) do n° 4 do artigo 105º do RGIT.
Não se regista uniformidade na jurisprudência, dividida entre uma corrente, pensamos que minoritária, que entende que o aludido prazo se inicia a partir da data em que termina o prazo de entrega da prestação tributária, e uma outra que o conta a partir do termo do período de 90 dias previsto na al. a) do nº 4 do art. 105º do RGIT.
Em defesa da primeira corrente temos, entre outros, os seguintes acórdãos: - Ac. RL 24/2/10, proc. nº 2191/08.3TDLSB-A.L1-3; - Ac. RL 20/3/12, proc. nº 5209/04.5TDLSB.L1-5; - Ac. RC 30/5/12, proc. nº 4/02.9IDMGR.C2; - Ac. RP 10/10/12, proc. nº 163/10.7TAMCD.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Em prol da segunda, temos, entre outros, os seguintes acórdãos: Ac. STJ 20/6/01, proc. nº 1556/01-3; Ac. RG 11/11/02, proc. nº 283/02; Ac. STJ 22/1/03, proc. nº 02P972; Ac. RP 27/4/05, proc. nº 0511393; Ac. RP 22/11/06, proc. nº 0644904; Ac. RC 28/10/08, proc. nº 560/07.5TACBR.C1; Ac. RP 24/9/08, proc. nº 0811683; Ac. RP 25/3/09, proc. nº 0846951; Ac. RP 11/11/09, proc. nº 485/02.0TAVLG.P1; Ac. RP 25/11/09, proc. nº 7497/07.6TDPRT-A.P1; Ac. RP 28/9/11, proc. nº 392/08.3TALSD.P1; Ac. RP 23/2/11, proc. nº 2760/05.3TAVNG.P1; Ac. RP 21/4/10, proc. nº 184/06.4IDPRT.P1; Ac. RP 22/9/10, proc. nº 209/99.8TAVCD.P1; Ac. RP 14/11/2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Na ponderação dos argumentos que se esgrimem a favor destes dois entendimentos antagónicos, perfilamo-nos no âmbito do segundo, entendendo, pois, que o prazo de 90 dias (durante o qual ainda pode ocorrer o pagamento e, através dele, o agente obstar à punição em termos criminais, em que se dá a consumação material, ou seja, a realização completa do conteúdo do ilícito tido em vista pelo legislador) é o que releva para efeitos do artigo 119º do Código Penal (nos crimes continuados o prazo de prescrição só corre desde o dia da prática do último acto).
Em sentido idêntico se pronunciaram Tiago Caiado Milheiro e Frederico Soares Vieira [in Do Erro Sobre a Punibilidade, Quid Juris, 2011, pág. 142 ss.]:
“É nosso entendimento que só com a verificação de pressuposto de punibilidade é que se pode iniciar o prazo de prescrição, já que, afigura-se-nos, a interpretação correcta vai no sentido de se considerar que a consumação relevante para efeitos de contagem de prazos de prescrição é a consumação do crime, entendido como o preenchimento de todos os pressupostos necessários a despoletar uma reacção criminal onde, obviamente, se inclui os elementos de punibilidade, nos crimes condicionados.
Nos delitos condicionados só com a verificação de uma condição objectiva de punibilidade ou inexistência de uma escusa absolutória é que existe a possibilidade de perseguição criminal e portanto só a partir deste momento é que deverá correr o prazo de prescrição.
(...) só faz sentido operar um prazo de prescrição após existir a possibilidade de perseguir criminalmente a acção, ou omissão, típica e ilícita.”.
Assim também Carlos Adérito Teixeira e Sofia Gaspar [in Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol. 2, págs. 468-469]:
“Em matéria de punibilidade da conduta, importa ter presente que o n.° 4 estabeleceu uma condição objectiva de punibilidade ao protelar o momento a partir do qual o facto se torna punível - 90 dias após o decurso do prazo legal de entrega da prestação - circunstância que se revela alheia à actuação e ao dolo do agente. Tal circunstância também tem como consequência que o prazo de prescrição só se inicie no fim daquele “prazo suplementar”, porquanto, em boa verdade, só a partir de tal momento o facto se tornou punível ou passível de pena (…). Assim, a consumação material ocorre apenas no termo do prazo suplementar a que se reporta o n.º 4 do artigo 105.°.
Entretanto, a Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro, veio aditar uma novo elemento, comummente considerado condição objectiva de punibilidade, ao fazer depender a punibilidade de prestação comunicada à administração tributária de uma dilação de 30 dias após notificação para pagamento da prestação, respectivos juros e coima a que haja lugar (AFJ n.° 6/2008, do STJ, de 09-04-2008; Ac. STJ de 20-12-2007, Proc. 3220/07; Ac. STJ de 27-06-2007, Proc. 2050/2007; Ac. RP de 14-02-2007, Proc. 6222/06). No entanto, outra corrente jurisprudencial considerou tal circunstância do tipo pelo que, consequentemente, a sua adição operou a descriminalização das condutas em processos a correr termos (Ac. RC 28-03-2007, relator Gabriel Catarino). Apesar de a consumação material ocorrer apenas no termo do prazo suplementar a que se reporta o n.° 4 do artigo 105.°”
Também a concepção propugnada por Taipa de Carvalho [in “O crime de abuso de confiança fiscal”, Coimbra Editora, págs. 43 ss, onde se tecem acesas críticas ao legislador e à jurisprudência] em relação ao tempus delicti do crime de abuso de confiança fiscal vai desembocar à mesma solução:
“(…) mesmo numa perspectiva meramente literal (…), a afirmação corrente, quer na doutrina ou na jurisprudência, de que o crime de abuso de confiança fiscal se considera cometido, isto é, tem o seu “tempus delicti” «no momento em que termina o prazo legal de entrega da prestação tributária», não se impõe. Pois que o n.° 2 do artigo 5.° diz: «As infracções tributárias omissivas [em que se inclui o crime” de abuso de confiança fiscal] consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários»; fala, portanto, em fim dos prazos para o cumprimento dos respectivos deveres jurídicos tributários, e não em fim do prazo legal de entrega da prestação tributária.
Há, ainda, que não esquecer que este artigo 5.° está inserido nas “Disposições Comuns” aos crimes e às contra-ordenações tributários. E também tem que se ter presente que, mesmo antes da alteração legislativa do crime de abuso de confiança fiscal (operada pela Lei n.° 53-A/2006, artigo 95.°), a responsabilidade por contra-ordenação surgia, e continua a surgir, no termo do prazo legal de entrega da prestação tributária (artigo 114.°/1), ao passo que a responsabilidade penal só nascia (e ainda continua a nascer, relativamente às prestações deduzidas e não comunicadas) no termo do prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo legal de entrega da prestação (artigo 105.º/4).
Donde resulta a conclusão de que são diferentes os momentos em que se devem considerar praticadas as con­tra-ordenações tributárias e os crimes tributários: aquelas, as contra-ordenações, são praticadas (consideram-se praticadas) no momento em que termina o prazo legal de entrega da prestação (artigo 114.º/1); os crimes — no caso de prestações deduzidas e não comunicadas — são praticados (consideram-se praticados) no momento em que termina o prazo de 90 dias contado a partir do termo do prazo legal de entrega da prestação tributária (artigo 105.º/4-alínea o)), e — no caso de prestações deduzidas e comunicadas — são praticados (consideram-se praticados) no momento em que termina o prazo de 30 dias contado a partir da notificação feita pela Administração Tributária (artigo 105.º/4-alínea b)).
Entre o termo do prazo legal de entrega da prestação e o termo do prazo de 30 dias após a notificação (a que se refere a nova alínea b) do n.° 4), não existe uma infracção criminalmente punível, mas apenas uma contra-ordenação.
O n.° 1 do artigo 114.°, cuja redacção não foi alterada pela Lei n.° 53-A/2006, é bastante claro na afirmação (posto que implícita) de que a omissão de entrega da prestação tributária só constitui crime (só se converte de contra-ordenação em crime) no momento em que é ultrapassado o prazo (agora, depois da introdução da alínea b) no n.° 4 do artigo 105.°, prazos) previsto (agora, previstos) no n.° 4 do artigo 105. Efectivamente, o disposto, no n.° l do artigo 114.°, equiparava, e continua a equiparar, as omissões de entrega das prestações deduzidas e não entregues dentro do prazo legal, mas entregues dentro do prazo estabelecido no mencionado n.° 4 do artigo 105.° (90 dias), a «factos [que] não constituem crime».
Antes da entrada em vigor da alínea b) do n.° 4 do artigo 105.°, equiparava e referia-se, obviamente, a quaisquer prestações deduzidas (comunicadas ou não comunicadas) não entregues dentro do prazo de 90 dias contado a partir do termo do prazo legal de entrega da prestação. Com a entrada em vigor desta alínea, em 1 de Janeiro de 2007, a omissão de entrega da prestação deduzida mas não comu­nicada continua a nascer como crime (a converter-se de contra-ordenação em crime) no termo desse mesmo prazo de 90 dias (alínea a) do n.° 4); já a omissão de entrega da prestação deduzida e comunicada passou a só constituir crime (a converter-se de contra-ordenação em crime) no termo do prazo de 30 dias a contar da notificação a fazer pela Administração Tributária, prazo este que, obviamente, pressupõe o esgotamento do prazo dos 90 dias (alínea b) do n.°4).
Assim, quando se invoca o n.° 2 do artigo 5.° do RGIT, para se dizer que o crime de abuso de confiança fiscal se consuma no momento em que termina o prazo legal de entrega da prestação tributária (isto é, para se afirmar que este momento é o seu “tempus delicti”), está-se a esquecer que — embora, lógica e efectivamente, as infracções tributárias devam ser consideradas praticadas «na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários» — há que distinguir entre o dever jurídico contra-ordenacional e o dever jurídico-penal.
A violação do primeiro constitui uma contra-ordenação e situa-se no 1.° dia após o termo do prazo legal de entrega da prestação, determinando a aplicação de uma coima (artigo 114.°/1); a violação do dever jurídico-penal constitui crime e situa-se (isto é, tem o seu “tempus delicti”) no 1.° dia após o termo do prazo de 90 dias estabelecido na alínea a) do n.° 4 do artigo 105.° (caso das omissões de entrega das prestações deduzidas e não comunicadas) ou no 1.º dia após o termo do prazo de 30 dias previsto na alínea b) do n.° 4 do artigo 105.° (caso das omissões de entrega das prestações deduzidas e comunicadas), determinando a aplicação de uma pena (criminal).”
No caso concreto, o arguido/recorrente foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, previsto pelos artigos 24º, nºs 1 e 5 e 27º-B do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro, e o aditamento introduzido pelo Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de Junho e, actualmente, a partir de 5/7/2001, previsto pelos artigos 105º, nºs 1 e 5 e 107º, nº 1, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, por factos ocorridos desde Novembro da 1998 até Dezembro de 1999, inclusive.
Por isso, nos termos legais, o último acto respeita às contribuições do mês de Dezembro de 1999 (o arguido vem condenado pela prática de um crime na forma continuada, que se iniciou em Novembro de 1998 e terminou em Dezembro de 1999), devendo a sua entrega efectuar-se até ao dia 15/1/2000 (dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam as quantias descontadas), acrescendo a esta data os 90 dias acima aludidos que, contados a partir do dia 16/1/2000, terminavam a 14/4/2000.
Porém, o arguido não entregou as contribuições em causa até à referida data de 14.04.2000.
Começou então a correr o prazo de 5 anos de prescrição do procedimento criminal, que terminaria em 15/4/2005, caso não sofresse interrupções e suspensões.
Ora, em 31 de Março de 2005 o arguido foi notificado da acusação em 31 de Março de 2005, o que constitui, simultaneamente, causa de suspensão e interrupção do prazo prescricional, nos termos dos artigos 120, nº 1, alínea b) e 121º, nº 1, alínea b), ambos do Código Penal.
Por outro lado, por decisão de 27 de Julho de 2007 o arguido ora recorrente foi declarado contumaz.
Do que se infere que, quando foi declarada a contumácia, a prescrição se encontrava suspensa. Por sua vez, a declaração de contumácia teve, igualmente, um duplo efeito, já que constitui um facto que, em si, interrompe a prescrição [art. 121.º, n.º1, al. c) do Código Penal] e, simultaneamente, é uma causa de suspensão da prescrição do procedimento [art. 120.º, n.º1, al. c) do Código Penal].
O artigo 121.º, n.º3 do Código Penal determina que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
Ora, o referido artigo 120.º, ao consagrar o regime de causas de suspensão da prescrição, não estabelece qualquer prazo máximo para a suspensão, a não ser no caso da alínea b) do respectivo n.º1, em que se impõe o limite de três anos (cfr. art. 120.º, n.º2).
O n.º2 do artigo 120.º não deixa, a nosso ver, margem para dúvidas, ao dizer: «No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar três anos.»
Não tem razão de ser, por conseguinte, a identificação de qualquer lacuna quanto ao prazo máximo de suspensão, em relação às restantes alíneas do n.º1 do artigo 120.º, que tenha de ser integrada por analogia, já que o legislador, com toda a clareza, não quis estabelecer, para essas situações, o prazo máximo de três anos que expressamente fixou no caso da alínea a). Referindo-se à declaração de contumácia, ensina Germano Marques da Silva (Direito Penal Português, III, Verbo, 2.ª edição, p. 258): «Da conjugação da alínea c) do n.º1 do art. 120.º com a alínea c) do n.º1 do art. 121.º resulta que enquanto vigorar a declaração de contumácia não pode ocorrer a prescrição. Temos assim que em caso de declaração de contumácia e enquanto ela durar os crimes não prescrevem.»
Paulo Pinto de Albuquerque, por seu turno, sustenta (Comentário do Código Penal, UCE, 2008, p. 333, anotação 10 ao artigo 120.º):
«No caso da al.ª a) do n.º1, o prazo máximo para a suspensão da prescrição resulta do disposto no artigo 7.º do CPP, ou seja, um ano. No caso da al.ª b) do n.º1, o prazo máximo é de 3 anos. Nos casos das al.ª c), d) e e) do n.º1 do artigo 120.º, não há prazo máximo para a suspensão da prescrição.
Portanto, verificando-se o facto suspensivo, o processo permanece indefinidamente suspenso até que cesse o facto suspensivo. Esta suspensão do prazo não é inconstitucional, em face do artigo 2.º da CRP, na medida em que se deve a facto imputável ao arguido.»
Fazendo nossos estes argumentos, temos que, com a notificação da acusação ocorreu um facto interruptivo e suspensivo da prescrição, suspensão que, nos termos legais, não podia exceder os três anos, sobrevindo, porém, novo facto com eficácia interruptiva e suspensiva da prescrição, mais concretamente a declaração de contumácia. E enquanto durou a contumácia, manteve-se a suspensão da prescrição, ou seja, o prazo de prescrição não correu até à cessação desse facto suspensivo.
Quer dizer, não podendo a suspensão, quando causada pela notificação da acusação, ultrapassar 3 anos (nº 2 do referido art. 120º), o certo é que antes de terminado esse prazo, nova suspensão ocorreu com a declaração de contumácia, o que equivale dizer que o prazo de prescrição não correu desde 31.03.2005 até 09.05.2011, data em que foi declarada cessada a contumácia do arguido.
Depois dessa interrupção/suspensão começou a correr novo prazo prescricional.
Ora, já o dissemos, o crime em causa é punível com pena de prisão até 3 anos ou multa, pelo que o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos (cfr. artigos 118º, nº 1, alínea c) do Código Penal, 27º-B e 24º, nº 1, ambos do RJIFNA e 21º, nº 1 do RGIT).
Assim, considerando o referido prazo de prescrição, tendo em conta que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, ou seja, sete anos e seis meses, tendo-se iniciado o prazo prescricional em 14.04.2000, decorrido até 31.03.2005, altura em que se interrompeu e suspendeu até 09.05.2011, tendo nesta data começado a correr novo prazo prescricional, verifica-se que tal prazo de 7 anos e 6 meses se esgotou em 23.11.2013.
Efectivamente, desde 14.04.2000 até 31.03.2005 decorreram 4 anos, 11 meses e 17 dias e desde 09.05.2011 até à presente data decorreram 3 anos, 7 meses e 1 dia, no total, 8 anos, 6 meses e 18 dias (desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, já decorreu o prazo normal de prescrição acrescido de metade).
O que significa que, quando o arguido foi julgado nestes autos, já o procedimento criminal se encontrava extinto pelo decurso do prazo de prescrição, o que deveria ter sido declarado.
Pelo que, face a todo o exposto, se entende que em 23 de Novembro de 2013 prescreveu o procedimento criminal pelo crime de abuso de confiança fiscal em relação à segurança social, pelo qual o recorrente vem condenado.
Procede, pois, este fundamento, do recurso.
Passemos à análise da segunda questão supra elencada.
Defende o recorrente que tendo ocorrido a prescrição do procedimento criminal, deve o mesmo ser extinto e, consequentemente ser extinto o pedido cível formulado pelo demandante Instituto da Segurança Social, I.P.
Vejamos então a consequência jurídica da declarada prescrição sobre o pedido de indemnização civil.
Dispõe o artigo 71º, do Código de Processo Penal, que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal, nos casos previstos na lei.
Consagra-se aqui expressamente o princípio da adesão.
No entanto, este regime de adesão não implica uma acção cível qualquer, mas tão-somente um pedido de indemnização civil para ressarcimento de danos causados por uma conduta considerada crime. Ou seja, a indemnização civil que interessa ao direito penal e ao processo penal, só pode consistir na indemnização de perdas e danos emergentes de crime, excluindo-se a indemnização que resulte da responsabilidade meramente contratual.
Nos termos do artigo 129º do Código Penal “a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela Lei Civil”.
Nos termos os do art. 483.º, n.º 1 do Código Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
E acrescenta-se ainda que, mesmo no caso de absolvição pelo crime, pode haver condenação na indemnização civil, sempre que o pedido se revelar fundado - artigo 377º, do Código de Processo Penal -, o que se justifica por claras razões de economia processual.
Importa no entanto melhor definir as situações em que tal conhecimento e apreciação é possível ou, dito de outro modo, “estabelecer a interpretação do que deve entender-se por pedido cível fundado” in Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 17.6.1999, in D.R I Série-A, nº 179, de 3.8.1999.
Ora, é exactamente este acórdão de fixação de jurisprudência que define os limites de apreciação do pedido civil ou, como é o caso destes autos, de extinção do procedimento criminal por prescrição: “Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual”.
Atentemos nas conclusões tiradas neste mesmo acórdão:
“1.ª No nosso direito positivo, a questão da indemnização a fixar pela prática de um crime consiste no sistema da adesão obrigatória da acção civil à acção penal, com algumas excepções expressas na lei (artigos 71.º e 72.º do Código Penal);
2.ª Em face do artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, verifica-se a autonomia entre a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal, mas isso não impede que, mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal, o Tribunal conheça da responsabilidade civil, mas que tem necessariamente a mesma causa de pedir, ou seja, os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal;
3.ª Não pode concluir-se do artigo 129.º do Código Penal que a reparação civil arbitrada em processo penal é um efeito da condenação, mas sim que este normativo apenas remete para o artigo 483.º do Código Civil;
4.ª Esta responsabilidade civil, que poderá exclusivamente ser apreciada em processo penal (se o pedido for aí deduzido), refere-se tão-somente àquela que emerge da violação do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, com dolo ou mera culpa e da qual resultem danos, ficando, portanto, excluída a responsabilidade contratual (artigo 483.º do Código Civil).
Aplicando estas regras, que se afiguram as correctas, à questão dos autos, quanto à pretendida extinção do pedido cível, é bom de ver que, não obstante não se possa manter a condenação do recorrente em termos criminais, por ocorrência da prescrição do procedimento dessa natureza, os factos por ele praticados não deixam de ser factos ilícitos, geradores de responsabilidade civil.
Efectivamente, no caso do pedido de indemnização civil formulado pelo demandante subjaz uma obrigação legal - obrigação jurídica contributiva – cujo incumprimento resulta a violação ilícita do direito das instituições de Segurança Social receberem, nos prazos fixados por Lei, os respectivos montantes descontados nos salários dos trabalhadores ou e, corpos gerentes.
Assim, mostrando-se o pedido cível fundado face à prova produzida, e preenchidos todos os pressupostos constantes do art. 483º do Código Civil, há-de manter-se, atento o disposto no nº 1 do art. 377º do Código de Processo Penal (neste sentido vd. ac. RP de 10.02.2010, disponível em www.dgsi.pt).
Não assiste, pois, razão ao recorrente ao pretender a extinção do pedido cível em causa.
O recorrente defende ainda que a condenação em juros legais abranja apenas os liquidados nos últimos 5 anos, ou seja, desde 2009 a 2014, pois todos os juros de mora liquidados até ao ano de 2009 estão prescritos e, por isso, não são devidos.
Invoca o disposto nos artigos 16º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro e 4º do Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março.
Esta questão que se suscita nos presentes autos encontra a sua resposta no confronto e articulação de vários diplomas legais.
Assim, tem relevo para o problema que nos ocupa:
1) Em primeiro lugar, o preceituado no Decreto-Lei n.º 411/91, de 17 de Outubro (diploma que “estabelece o (…) regime jurídico de regularização das dívidas à Segurança Social”), cujo artigo 16.º dispõe:
“1 – Pelo não pagamento das contribuições à segurança social nos prazos estabelecidos são devidos juros de mora por cada mês do calendário ou fracção.
2 – A taxa de juros de mora é igual à estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado e é aplicada da mesma forma.”
2) Em segundo lugar, o estabelecido na Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL n.º 398/98, de 12 de Dezembro, especialmente nos artigos 3.º (que versa sobre a “classificação dos tributos”) e 44.º (que define as consequências da “falta de pagamento da prestação tributária”).
Dispõe o primeiro que:
“ – Os tributos podem ser:
a) Fiscais e parafiscais;
b) Estaduais, regionais e locais.
2 – Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas.
3 – O regime geral das taxas e das contribuições financeiras referidas no número anterior consta de lei especial.”
E o artigo 44.º dispõe que:
“1– São devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal.
2 – O prazo máximo de contagem dos juros de mora é de três anos, salvo nos casos em que a dívida tributária seja paga em prestações, caso em que os juros de mora são contados até ao termo do prazo do respectivo pagamento, sem exceder cinco anos.
3 – A taxa de juro de mora será a definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”
3) Finalmente, e por último, releva ainda o regime fixado no Decreto-Lei n.º 73/99, de 19 de Março, que alterou o “regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas”, designadamente os seus artigos 1.º, 3.º, 4.º e 5.º, que têm a seguinte redacção:
“Artigo 1.º Incidência
1 – São sujeitas a juros de mora as dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas públicas que não tenham forma, natureza ou denominação de empresa pública, seja qual for a forma de liquidação e cobrança, provenientes de:
a) Contribuições, impostos, taxas e outros rendimentos quando pagos depois do prazo de pagamento voluntário;
(…)”.
“Artigo 3.º Taxa
1 – A taxa de juros de mora é de 1%, se o pagamento se fizer dentro do mês do calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente.
2 – Sobre os juros de mora não recaem quaisquer adicionais quer para o Estado quer para outras entidades públicas.
(…).
“Artigo 4.º Prazo de liquidação
1 – A liquidação de juros de mora não poderá ultrapassar os últimos cinco anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidem, não contando para este efeito os períodos durante os quais a liquidação de juros fique legalmente suspensa.
2 – O disposto no número anterior não prejudica o disposto em legislação especial que fixe prazo diverso.”
Todas estas normas, que se foram sucedendo no tempo, fixam prazos de contagem dos juros de mora e não prazos de prescrição: atente-se que a prescrição extingue o direito de cobrança, ou seja, extingue o direito de exigir e a obrigação jurídica de pagar. Ora, as referidas normas apenas fixam o período pelo qual se podem contar os juros.
Trata-se, portanto, de normas que regulamentam o prazo de contagem deste tipo de juros (de mora) e não de normas que regulem ou estabeleçam quaisquer prazos de prescrição que lhes sejam especialmente aplicáveis:
- quer porque nelas não se faz qualquer referência, directa ou indirecta, a prescrição. Com efeito, se se estivesse perante prazos de exercício de um direito, a falta de referência expressa à prescrição levaria a que se considerasse esses prazos como sendo de caducidade e não de prescrição» (cfr. o disposto no art. 298º, nº 2 do Código Civil);
- quer porque o que se estabelece são limites quantitativos à liquidação de juros de mora: limitação quantitativa dos juros de mora através da fixação de prazos máximos de contagem, não se prevendo, porém, quaisquer prazos para o exercício de um direito de liquidação de juros de mora, pois este não se extingue depois de os prazos referidos se terem esgotado, havendo apenas limitações quantitativas ao direito de liquidação que se pode exercer;
- quer porque a limitação ao montante de juros de mora que podem ser liquidados não deriva de uma actuação negligente do credor ou em exercê-lo, como sucede com os prazos de prescrição: a cobrança dos juros de mora é efectuada quando for efectuada a cobrança da dívida de tributo, tendo prioridade sobre esta (arts. 40°, n° 4, als. a) e c), e 262°, n° 2, do CPPT).
Sendo assim, não havendo regime especial para a prescrição dos juros de mora relativos a dívidas tributárias e sendo eles um dos elementos componentes destas dívidas, ser-lhes-á aplicável, quanto a prescrição, o regime próprio das dívidas tributárias a que se reportam, isto é, prescreverá o direito a recebê-los quando prescrever a dívida principal (no sentido de que a prescrição dos juros de mora ocorrerá quando se verificar a prescrição da dívida de tributo, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 2ª edição, 2000, pags. 148 e segs.; Diogo Leite de Campos e Mónica Leite de Campos, Direito Tributário, 2ª ed., pág. 437, e Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 3ª ed., Vislis Editores, anotação 9ª ao art. 48º, pág. 216).
Ora, na articulação dos vários diplomas legais citados, consideramos que o legislador quis fixar – como fixou em 1991 – para a regularização das dívidas à Segurança Social, um regime jurídico próprio e específico que, com a aprovação da Lei Geral Tributária, em 1998, de modo algum pretendeu revogar ou substituir.
Só assim se compreende que, incluindo no conceito de tributos quaisquer “espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (artigo 3.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária), tenha ressalvado expressamente que “o regime geral dessas taxas e (…) contribuições financeiras (…) consta de lei especial” (preceito citado, n.º 3).
Do que resulta que com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária se manteve plenamente em vigor o Decreto-Lei n.º 411/91, de 17 de Outubro, nomeadamente o artigo 16.º deste mesmo diploma.
Acontece, porém, que em 1991 a Lei Geral Tributária ainda não tinha sido aprovada e, por isso mesmo, a legislação para a qual o regime geral aprovado pelo Decreto-Lei n.º 411/91, de 17 de Outubro, remetia era o Decreto-Lei n.º 49168, de 5 de Agosto de 1969, que no seu artigo 6.º estabelecia precisamente que “a liquidação de juros de mora não poderia ultrapassar os últimos cinco anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidissem” (disciplina esta, aliás, mantida no essencial no n.º 1 do artigo 4.º do já referido Decreto-Lei n.º 73/99, de 19 de Março).
Com a aprovação da Lei Geral Tributária, em 1998, o legislador alterou este quadro normativo no que toca às dívidas de impostos ao Estado, estabelecendo então que o prazo máximo de contagem dos respectivos juros de mora era de 3 anos (artigo 44.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, atrás transcrito), sendo que “a taxa de juro de mora (…) a definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.
A Lei Geral Tributária, no entanto, não revogou o referido Decreto-Lei n.º 49 168, de 5 de Agosto de 1969.
Daí que, em nossa opinião, a remissão constante do artigo 16.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 411/91, de 17 de Outubro, para a taxa de juros de mora “estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado” tem de entender-se efectuada para o regime de tais dívidas em vigor à data, ou seja para a disciplina constante do Decreto-Lei n.º 49 168, de 5 de Agosto de 1969, e, após a revogação deste, para a legislação que o substituiu, o Decreto-Lei n.º 73/99, de 19 de Março.
Em conclusão: em virtude da ressalva contida no artigo 3.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, a remissão do artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 411/91, de 17 de Outubro, para a legislação que regula o cálculo dos juros de mora relativos a “dívidas de impostos ao Estado”, refere-se actualmente ao “regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas”, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 19 de Março, e não à disciplina constante do artigo 44.º da Lei Geral Tributária; daí que o prazo máximo de contagem de juros, no tocante às dívidas à Segurança Social, seja de cinco anos – como pretende o recorrente (vd. neste sentido o ac. RP de 23.04.2008, disponível em www.dgsi.pt).
No entanto, reiteramos que o art. 4º do Decreto-Lei nº 73/99, de 16/3, não se reporta a qualquer prazo de prescrição. Sendo certo que esta norma se refere à liquidação de juros moratórios provenientes de dívidas à Fazenda Nacional por impostos (cf. a al. a) do art. 1º do referido diploma), também é certo que a mesma fixa prazos de contagem dos juros de mora e não prazos de prescrição.
Assim, impõe-se a conclusão de que não se estamos perante um prazo de prescrição, mas de uma limitação quantitativa à liquidação e cobrança de juros de mora embora, em termos práticos, os efeitos sejam, em grande parte dos casos, idênticos aos da prescrição, pois, até ser cobrada ao devedor tributário, extingue-se, a cada dia que passa, o direito de a Administração Tributária liquidar os juros de mora relativos ao tempo decorrido há mais de cinco anos.
Assim, face a todo o exposto, já o dissemos, a liquidação de juros de mora não poderá ultrapassar os últimos cinco anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidem, devendo ser calculados nos termos do disposto no artigo 16.º, do DL n.º 411/91, de 17/10 e 3.º do DL n.º 73/99 de 16.03, até integral pagamento.
Procede, nesta, parte o recurso.
E face à procedência da primeira questão elencada, nomeadamente da declaração da prescrição do procedimento criminal, que se traduz na alteração da sentença recorrida, na parte em que condenou o recorrente em termos criminais, ficando sem efeito a pena de multa que lhe aplicada pelo tribunal a quo, fica prejudicado o conhecimento da última questão suscitada e atinente à dosimetria dessa mesma pena de multa.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência, decidem:
a) declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal pelo crime de abuso de confiança em relação à segurança social pelo qual o arguido havia sido condenado, assim alterando a sentença recorrida, na parte em que o condenou em termos criminais;
b) determinar que, relativamente à condenação do arguido/demandado em termos cíveis, os juros de mora não ultrapassem os últimos cinco anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidem, devendo ser calculados nos termos do disposto no artigo 16.º, do DL n.º 411/91, de 17/10 e 3.º do DL n.º 73/99 de 16.03, até integral pagamento.
c) Manter, quanto ao demais a decisão recorrida.
Sem custas.
Comunique a presente decisão ao Conselho Superior da Magistratura, enviando certidão da mesma.
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Porto, 10 de Dezembro de 2014
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva
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[1] A propósito da motivação de facto, o Tribunal não tomará posição acerca de comentários, conclusões e matéria de direito contida na acusação.
[2] Para o ano de 2010 correspondeu a 24,8% do PIB, cerca de € 42,7 mil milhões de euros, segundo um estudo intitulado “Índice de Economia Não Registada”, criado por Nuno Gonçalves, associado do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) da Faculdade de Economia do Porto, divulgado em 16/1/2012 – vide “Público” de 16/1/2012.