Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
703/10.1TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
DEVOLUÇÃO DO SINAL EM DOBRO
ABUSO DE DIREITO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RP20130409703/10.1TVPRT.P1
Data do Acordão: 04/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- Nos termos do art.° 442.°, n.° 2, do Código Civil, se o não cumprimento do contrato for devido ao contraente que recebeu o sinal, o contraente que o constituiu tem direito a receber o dobro do que prestou.
II- Este regime deve ser articulado com o do contrato-promessa, de tal forma que, reconhecido o incumprimento definitivo determinante da resolução daquele contrato, terá de existir fundamento de devolução do sinal em dobro.
III- De qualquer modo, o incumprimento é culposo da parte de quem recebeu o sinal sempre que há "omissão da diligência exigível", aferindo-se a culpa, que se presume, em face das circunstâncias de cada caso.
IV- Não abusa do direito o promitente cessionário que pede a devolução em dobro do sinal que prestou e continuou a usar as fracções prometidas para além da resolução do contrato-promessa de cessão da posição contratual.
V- Inexiste enriquecimento sem causa quando o promitente cessionário utiliza as fracções que lhe foram prometidas ceder pelo promitente cedente e que este prometeu adquirir a um terceiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 703/10.1TVPRT.P1
Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção:

I. Relatório

B......., residente na …., n.º …., Bloco ...., …, Porto, instaurou, em 4/9/2010, nas Varas Cíveis do Porto, onde foi distribuída à 3.ª Vara – 2.ª Secção, a presente acção declarativa com processo ordinário contra C....... e mulher D….., residentes na …., n.º …. – …., …., Vila Nova de Gaia, pedindo que os réus sejam condenados, solidariamente, a pagarem-lhe a quantia de 35.702,34 €, sendo 28.930,28 € de capital e 6.772,06 € de juros de mora vencidos, e os juros vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:
Em 20/11/2000, a sociedade E......., Lda., prometeu vender ao réu, que prometeu comprar-lhe, duas fracções autónomas designadas por “B47” e “FB” do prédio sito na urbanização da F….., Paranhos, Porto, tendo logo acordado que este poderia nomear um terceiro que adquirisse os seus direitos e obrigações daí resultantes.
Em 21/1/2002, os réus prometeram ceder ao autor, que prometeu tomar por cessão, a posição daqueles no referido contrato, tendo este feito logo a entrega, a título de sinal, da quantia de 14.465,14 €, e ficando de pagar os restantes 74.819,68 € no acto da celebração da escritura pública de compra e venda com a promitente vendedora, a realizar no prazo máximo de 60 dias úteis a contar daquela data.
Apesar de ter sido marcada por duas vezes, depois de uma transferência a seu pedido – de 19 de Junho para 23 de Julho e para 9 de Outubro de 2002 -, a escritura pública de compra e venda não chegou a realizar-se, devido à falta de comparência dos réus e dos representantes da referida sociedade.
Insistiu regularmente com os réus pelo cumprimento do contrato e, em 13/10/2004, interpelou-os por escrito para celebrar a escritura pública até ao dia 27 seguinte, sob pena de considerar resolvida a promessa de cessão e eles não responderam.
Com a assinatura do contrato promessa recebeu as chaves da fracção destinada a habitação e na qual efectuou obras e melhoramentos, tendo gasto 6.844,85 €.
A E......., Lda., foi declarada insolvente e as fracções autónomas em apreço foram apreendidas a favor da massa, tendo a destinada a habitação sido vendida a terceiro.

Os réus contestaram por impugnação e alegando, em resumo, que não cumpriram o contrato prometido por culpa da sociedade E......., Lda., bem como deduziram reconvenção invocando o enriquecimento sem causa, por ter utilizado as aludidas fracções após a resolução do contrato, entre 27/10/2004 e 30/9/2009. Concluíram pela improcedência da acção e pediram a condenação do autor a pagar-lhes a quantia de 21.950,00 €, acrescida dos juros de mora vincendos a partir da notificação do pedido reconvencional até integral pagamento.

O autor replicou pugnando pela improcedência das pretensas excepções e da reconvenção, invocando o direito de retenção e concluindo como na petição inicial.

Os réus treplicaram pugnando pela improcedência das “excepções” e concluindo como na contestação.

Por despacho de 1/3/2011, foi declarada a incompetência territorial das Varas Cíveis do Porto e ordenada a remessa do processo para as Varas de Competência Mista de Vila Nova de Gaia, por serem as competentes.
Feita a remessa assim ordenada e distribuídos os autos à 2.ª Vara, foi designada uma tentativa de conciliação, que se frustrou.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e procedeu-se à condensação, com selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória, de que reclamaram, com êxito parcial, os réus.

Prosseguiram os autos para julgamento, ao qual se procedeu com observância do formalismo legal, tendo, no fim da audiência, a matéria de facto sido decidida nos termos constantes do despacho de fls. 238 a 240, de que não houve reclamações.
Seguiu-se douta sentença que decidiu julgar:
1.º- A acção integralmente procedente e condenar os réus a pagar ao autor a quantia de 28.930,28 € (vinte e oito mil e novecentos e trinta euros e vinte e oito cêntimos) acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal e devidos desde 28 de Outubro de 2004 até integral pagamento.
2.º- A reconvenção integralmente improcedente e absolver o autor do respectivo pedido.

Inconformados com o assim decidido, os réus interpuseram recurso de apelação para este Tribunal e apresentaram a sua alegação com as seguintes conclusões:
“1.ª A douta decisão de condenação dos Recorrentes a restituírem ao Recorrido o sinal prestado em dobro fez uma incorreta interpretação e aplicação da lei ao caso sub judice, atentos os factos dados como provados, nomeadamente sob os n.ºs 2.º, 3.º, 7.º, 24.º a 27.º.
2.ª Ficou provado que a escritura de cessão da posição contratual entre os Recorrentes e o Recorrido se realizaria até 60 dias úteis após a data do contrato promessa de cessão da posição contratual, sendo intenção de ambas as partes fazer coincidir a cessão da posição contratual com a outorga da escritura de compra e venda a celebrar entre os ora Recorrentes com a empresa E......., Lda..
3.ª Ficou claro e devidamente expresso entre os ora Recorrentes e o Recorrido, que a celebração da escritura de cessão dependia da outorga da escritura de compra e venda dos Recorrentes com a E…..
4.ª Ficou também provado que o imóvel em causa foi apreendido e vendido no âmbito do processo de insolvência da E....... tendo os Recorrentes insistido junto da E....... para que procedesse à realização da escritura pública, ao distrate das hipotecas e que, inclusivamente, se disponibilizaram para proceder ao pagamento da hipoteca que onerava as frações em causa.
Pelo que,
5.ª A falta de cumprimento por parte dos Recorrentes em relação ao contrato celebrado com o Recorrido, não lhes é de modo algum imputável a título de dolo ou qualquer outra forma de culpa, facto que era do pleno conhecimento do Recorrido.
6.ª Deste modo, mal andou o Meritíssimo Juiz a quo ao aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 442.º do CC, condenando os Recorrentes a pagar ao Recorrido o dobro da quantia prestada a título de sinal, uma vez que a falta de cumprimento, como se referiu, jamais poderá considerar-se imputável aos Recorrentes.
7.ª A decisão a quo fez, assim, uma errada aplicação do estatuído no n.º 2 do artigo 442.º do CC, na medida em que, de acordo com o referido normativo, apenas haveria lugar à obrigação de restituição do sinal em dobro se a causa de incumprimento fosse imputável aos Recorrentes.
Com efeito,
8.ª Os Recorrentes demonstraram, de acordo com o disposto no artigo 790.º do CC, que não tiveram culpa na violação do vínculo obrigacional, ou seja, que não lhes pode ser pessoalmente censurável o facto de não terem adotado o comportamento devido, o que sucederá sempre que esse não cumprimento seja devido a facto de terceiro.
9.ª Acrescente-se, ainda, que a exigência do sinal em dobro tendo em conta o uso efetuado da fração em causa pelo Recorrido, depois da resolução contratual, sem qualquer pagamento aos Recorrentes, fere os mais elementares princípios da boa fé, configurando, no nosso modesto entendimento, um abuso de direito.
10.ª Assim, deverá a decisão a quo ser revogada e substituída por outra que, face à ausência de culpa dos Recorrentes no alegado incumprimento, os condene apenas à devolução do sinal em singelo.
11.ª A douta decisão de que se recorre ao julgar improcedente o pedido reconvencional dos ora Recorrentes não fez uma correta interpretação e aplicação da lei aos factos provados.
12.ª Ficou provado que com a assinatura do contrato promessa de cessão da posição contratual, celebrado em 21/01/2002, o Recorrido recebeu dos Recorrentes as chaves da fração destinada a habitação e que a utilizou para sua habitação até Setembro de 2009, isto é muitos anos depois de ter procedido à resolução do contrato, que ocorreu em 27/10/2004.
13.ª Ficou igualmente provado que o valor das frações em causa entre 2002 e 2009 era de, pelo menos, € 300,00 mensais.
Assim,
14.ª Atentos os factos provados, estão preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 473.º do C.C., pois o Recorrido utilizou a fração em causa, depois de ter procedido motu proprium à respetiva resolução contratual, sem nada pagar aos Recorrentes, de quem recebeu as chaves ao abrigo do contrato promessa de cessão de posição contratual com eles celebrado, locupletando-se à sua custa, na medida em que o próprio direito de retenção foi exercido também perante os Recorrentes e não perante qualquer terceiro!
Pelo que,
15.ª Mal andou o Meritíssimo Juiz a quo, ao não condenar o Recorrido no pagamento aos Recorrentes do valor das rendas entre 27/10/2004 (data da resolução do contrato) e 30/09/2009 (data da entrega da fração), correspondendo a 59 mensalidades/rendas no valor de € 300,00, o que perfaz o montante de € 17.700,00, acrescidos dos respetivos juros de mora.
16.ª Assim, deverá revogar-se a decisão de improcedência do pedido reconvencional, substituindo-a por outra que condene o Recorrido nos termos peticionados e provados.
NESTES TERMOS:
Deverá considerar-se integralmente procedente o presente recurso revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra nos termos constantes das conclusões, com todas as consequências legais.
Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.”

O autor contra-alegou batendo-se pela confirmação da sentença recorrida.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 707.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes (cfr. art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, visto que a propositura da acção é posterior a 1/1/2008 – cfr. art.º 12.º do mesmo diploma), não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consiste em saber:
a) se não há lugar à restituição do sinal em dobro, mas em singelo;
b) e se deve proceder o pedido reconvencional.

II. Fundamentação

1. De facto

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

1- Por contrato celebrado em 20/11/2000, “E…., LDA” prometeu vender ao R. marido, que lhe prometeu comprar, as fracções autónomas designadas por “B47”, correspondente às letras “CH”, destinada à habitação, do tipo T1, localizada no 6.º andar, do corpo B, com entrada pela Rua …., nº 57, e Rua …., nº 165, e “FB”, correspondente a um lugar de estacionamento localizado na cave, designado pelo n.º 22 com entrada pelo n.º15 da Rua …., ambas do prédio urbano sito na urbanização da F….., nas ruas …., n.ºs 15, 37 e 57, …., n.º 22, e …., n.ºs 125, 165 e 203, da freguesia de …. da cidade do Porto.
De acordo com a cláusula 3.ª do referido contrato o preço da venda prometida foi de 22.000.000$00, sendo a quantia de 19.500.000$00 para a fracção autónoma “B47” e a quantia de 2.500.000$00 para o lugar de estacionamento.
A E…, LDA deu . ao R. marido da quantia de 19.000.000$00, como sinal e princípio de pagamento, tendo ficado o remanescente de ser pago no acto da escritura notarial de compra e venda.
Nos termos da cláusula 4.ª, a escritura de compra e venda seria efectuada desde que toda a documentação necessária para o efeito estivesse em ordem, em data, hora e local, a designar pela E…., LDA,
Na mesma cláusula, o R marido reservou o direito de nomear um terceiro que adquirisse os direitos e assumisse as obrigações provenientes do contrato, devendo tal nomeação ser comunicada à promitente vendedora, por escrito, até dez dias antes da celebração da escritura de venda.
Tudo conforme consta do documento de fls. 15 e ss. aqui dado por reproduzido.
2- Por contrato celebrado em 21/01/2002, os RR. prometeram ceder ao A., que, por sua vez prometeu tomar por cessão, a sua posição no contrato-promessa de compra e venda identificado em 1.
De acordo com a cláusula 2.ª desse contrato, celebrado em 21/01/2002, a referida cessão seria efectuada pelo preço de 89.284,82 euros a pagar pelo A..
Na data da assinatura de tal contrato o A. pagou a quantia de 14.465,14 euros, a título de sinal e princípio de pagamento.
Os restantes 74.819,68 euros seriam pagos pelo A. “aquando da outorga da escritura de compra e venda”.
A. e RR. estipularam também que a escritura de compra e venda se realizaria até 60 dias úteis decorridos sobre a data do contrato-promessa de cessão de posição contratual.
Os RR. declararam ao A. já ter pago à E….., LDA os 3.000.000$00 que, segundo o contrato-promessa com ela celebrado, deveriam ser pagos no acto da escritura notarial de compra e venda.
Tudo conforme consta do documento de fls. 12 e ss. aqui dado por reproduzido.
3- A intenção de A. e RR. era fazer coincidir a cessão da posição que estes detinham no contrato-promessa celebrado com a E…., LDA com a outorga da escritura notarial de compra e venda. Assim reciprocamente se garantindo, na medida em que a transmissão da propriedade dos imóveis só ocorreria com o pagamento do preço e vice-versa.
4- Com a assinatura do contrato-promessa de cessão de posição contratual, o A. recebeu dos RR. a chave da fracção destinada a habitação, tendo utilizado as fracções em causa desde então até Setembro de 2009.
5- No dia e hora referidos em 11 só o A. compareceu no cartório notarial em causa.
6- Em 13/10/2004, o A. enviou aos RR., que a receberam, a carta constante de fls. 23, cujo teor aqui se reproduz, aí declarando que ficaria “a aguardar pela realização e outorga da escritura de compra e venda até ao próximo dia 27 de Outubro do corrente ano impreterivelmente, sob pena de após essa data perder definitivamente o interesse na concretização do negócio (a celebração do contrato prometido) e, em consequência, considerar resolvido o… contrato promessa de cessão de posição contratual por incumprimento da vossa parte, exigindo ainda, nos termos legais, a devolução do sinal em dobro…”.
7- A fracção autónoma “CH”, referida em 1, foi apreendida e vendida a um terceiro no âmbito do processo de insolvência da “E…., LDA”.
8- Na sequência da celebração do contrato referido em 2, o A., com o conhecimento dos RR. e da “E…., LDA”, diligenciou, com sucesso, junto do Banco G......., S.A. pela obtenção de financiamento para a aquisição dos imóveis.
9- Tendo ficado entre todos acordado que a escritura pública de compra e venda seria celebrada no dia, hora e cartório notarial da escolha daquela instituição bancária.
10- O Banco G......., S.A. requisitou a escritura pública ao 4.º Cartório Notarial do Porto, onde o acto ficou inicialmente marcado para o dia 19/06/2002, pelas 8h30, sendo que face à inconveniência do dia e hora manifestada pelos RR. e pela “E….., Lda” foi depois adiada para 23/07/2002, pelas 16 horas.
11- Os RR. e a “E......., LDA” foram avisados do dia, hora e local designados, com os quais concordaram, tendo a referida sociedade fornecido a identificação da sua procuradora que outorgaria o acto.
12- A solicitação do A. o Banco G......., S.A. requisitou nova escritura pública ao 4.º Cartório Notarial do Porto, sendo que o acto ficou marcado para o dia 09/10/2002, pelas 14h30.
13- A “E......., Lda” comunicou ao A. que não iria comparecer em tal cartório no dia e hora marcados.
14- No momento referido em 4, a fracção em causa não tinha revestimento e gaveteiros nos dois roupeiros do quarto de dormir, nem electrificação e iluminação da banca de cozinha.
15- No convencimento de que viria a adquirir o imóvel, o A. mandou instalar na dita fracção: acessórios diversos para a casa de banho,
16- Um frigorífico específico para as dimensões consentidas pela cozinha,
17- Um pavimento em parquet flutuante à prova de riscos, perfazendo 35,6 m2,
18- Prateleiras em mogno com 5 cm de espessura,
19- Um móvel para WC com pio em inox e tampo em mármore,
20- Uma estante de pladur com 2 portas em vidro e pintura igual à sala,
21- Um espelho com aplique para WC,
22- Um balcão em granito impala na cozinha, desenhado para a instalação de um conjunto placa e grelhador.
23- Em tais obras e melhoramentos o A. gastou Euros 6.844,85.
24- No âmbito do contrato referido em 2, os RR. só aceitaram estabelecer “que a escritura de compra e venda se realizaria até 60 dias úteis decorridos” sobre a data de celebração do mesmo em virtude de a “E......., LDA.”, ter assentido na realização da escritura de compra e venda naquele prazo.
25- Se tal não tivesse acontecido os RR. não teriam fixado tal cláusula.
26- Os RR. insistiram junto da E.......para que procedesse à realização da escritura pública e ao distrate das hipotecas que incidiam sobre as mesmas.
27- Os RR. chegaram a colocar a possibilidade de procederem ao pagamento da hipoteca que onerava as fracções em causa.
28- O valor locativo das fracções referidas em 2 entre 2002 e 2009 era de, pelo menos, 300,00 euros mensais.

2. De direito

Os factos acabados de transcrever não foram impugnados em sede de recurso, tendo até sido aceites, não havendo fundamento para os alterar nos termos do art.º 712.º do CPC, pelo que se consideram definitivamente assentes.
Resta, pois, aplicar-lhes o direito, tendo em vista a resolução das supramencionadas questões.

2.1. Da restituição do sinal

É pacífico que estamos perante um contrato-promessa de cessão da posição contratual, outorgado em 21/1/2002, nos termos do qual os réus prometeram ceder ao autor a posição que o réu tinha no contrato-promessa de compra e venda que celebrara, em 20/11/2000, com a E.......– Propriedades, Lda., onde esta sociedade prometeu vender-lhe as fracções autónomas designadas por “B47” e pelas letras “CH”, não se suscitando quaisquer questões acerca da validade de tal acordo (cfr. art.º 405.º, n.º 1 e 410.º, n.ºs1 e 2, ambos do Código Civil).
É sabido que o contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, a que são aplicáveis as disposições legais que regulam o contrato prometido, exceptuadas as que, pela sua própria razão de ser, não se devam considerar extensivas àquele contrato (citado art.º 410.º, n.º 1).
Do contrato-promessa emerge como prestação devida a emissão de uma declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido, ou seja, a obrigação de os seus outorgantes realizarem uma prestação de facto que consiste na outorga do contrato que prometeram celebrar.

No caso, trata-se de um contrato-promessa bilateral de cessão da posição contratual, já que se verificam compromissos de ambas as partes que se vincularam a celebrar um contrato definitivo de cessão (cfr. art.º 410.º, n.º 1 do C. Civil e Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, págs. 83 e 84).
Existe uma vinculação a prestações futuras por ambas as partes; vinculação essa de natureza obrigacional, isto é, a de emissão de declarações de vontade correspondentes ao contrato prometido - a cessão da posição contratual.
De acordo com as obrigações assumidas pelas partes, o contrato definitivo de cessão da posição contratual deveria ser efectuado no momento da celebração da escritura de compra e venda, a realizar no prazo de 60 dias úteis, a contar da data do contrato-promessa da cessão, ou seja, 21/1/2002.
Designado o dia 19/6/2002, pelas 8h,30m, para outorga daquela escritura no 4.º Cartório Notarial do Porto, foi a mesma adiada para 23/7/2002, pelas 16 horas, face à inconveniência manifestada pelos réus e pela E........
Apesar de avisados deste novo dia, hora e local e de terem concordado, os réus e a E.......não compareceram, só comparecendo o autor.
Marcado novo dia para 9/10/2002, pelas 14h,30m, a E.......comunicou que não iria comparecer.
E, em 13/10/2004, o autor interpelou os réus para celebrarem a escritura em falta até ao dia 27 seguinte, sob pena de, após essa data, perder definitivamente o seu interesse e, em consequência, considerar resolvido o contrato-promessa de cessão da posição contratual e de exigir a devolução do sinal em dobro.
Com base nestes factos, a sentença recorrida reconheceu ter o autor resolvido justamente o contrato-promessa de cessão e condenou os réus a restituir-lhe o dobro do sinal que dele haviam recebido.
No recurso, os recorrentes aceitam a resolução do contrato, nos moldes em que foi feita, e põem em causa exclusivamente a devolução do sinal em dobro defendendo que o incumprimento não lhes é imputável a título de dolo ou qualquer outra forma de culpa.
Vejamos, então, esta questão suscitada, dando como assente que houve resolução do contrato por incumprimento definitivo dos réus, já que estes se conformaram com este segmento decisório.
O art.º 442.º, n.º 2 do Código Civil dispõe:
“Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não comprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago”.
Aqui, interessa-nos o primeiro segmento da segunda parte deste número.
O regime do sinal deve ser articulado com o regime do contrato-promessa.
Como resulta do art.º 762.º, n.º 1, do Código Civil, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, ocorrendo, consequentemente, o não cumprimento quando a prestação devida não se realiza por causa imputável ao devedor, sem que se verifique qualquer causa de extinção da obrigação.
De acordo com a sistematização do Código, este princípio geral de não cumprimento abrange não apenas as situações em que o devedor culposamente falta ao cumprimento da obrigação (artigos 798.º e seguintes), mas também as situações em que ele impossibilita culposamente a prestação (artigos 801.º e seguintes).
“Em ambas as situações se verifica a não realização da prestação devida por causa imputável ao devedor, sendo que no incumprimento a realização da prestação ainda é possível no momento do cumprimento, mas esta não vem a ocorrer por culpa do devedor, enquanto na impossibilidade culposa já não é possível realizar a prestação no momento do cumprimento, sendo que tal se deve a culpa do devedor” (cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, página 232).
“O não cumprimento pode ainda ocorrer em termos definitivos ou temporários. No primeiro caso, já não é concebível a realização da prestação, ou porque ela se impossibilitou (impossibilidade de cumprimento) ou porque o credor perdeu o interesse nela (incumprimento definitivo). No segundo caso, a prestação não foi realizada no momento devido, mas ainda é possível a sua realização, através de um cumprimento retardado. Nesse caso, sendo o atraso na realização da prestação imputável ao devedor (mora do devedor) o credor pode exigir a indemnização, mas apenas pelo atraso da prestação, já que mantém o seu direito à prestação em falta” (cfr. mesmo Autor, obra e local citados).
Aqui, importa considerar o incumprimento definitivo da obrigação quando o devedor não a realiza no tempo devido por facto que lhe é imputável, mas já não lhe é permitida a sua realização posterior, em virtude do credor ter perdido o interesse na prestação ou ter fixado, após a mora, um prazo suplementar de cumprimento que o devedor desrespeitou (art.º 808.º).
É que não é «justo que o credor – por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento – esteja atido à vontade lassa do devedor» (cfr. Acórdãos do. STJ de 12/1/2010, de 19/5/2010, de 22/6/2010 e de 6/7/2011, respectivamente, processos n.ºs 218/06.2TVPRT.S1, 850/05.1TBLLE.E1.S1, 868/08.2TBCBR.C1.S1 e 6134/05.8TBSTS.P1.S1 in www.dgsi.pt.).
Como já se deixou dito, o incumprimento foi relevante para efeitos de resolução, com a qual se conformaram os réus/recorrentes, os quais questionam aquele incumprimento só para efeitos de devolução do sinal em dobro.
O sinal funciona como fixação das consequências do incumprimento, tal como se depreende da 1.ª parte da norma acima transcrita.
Tendo sido reconhecido o incumprimento definitivo do contrato para efeitos de resolução, também terá que se considerar a sua existência para efeitos de devolução do sinal.
E tal incumprimento não pode deixar de ser imputável aos réus.
Cremos não haver dúvidas de que os réus não cumpriram a obrigação a que se vincularam de outorgar o contrato definitivo, qual seja, o contrato de cessão da sua posição contratual.
Tal contrato deveria ser celebrado no mesmo momento da outorga da escritura pública de compra e venda, no prazo de 60 dias úteis após a data do contrato-promessa de cessão e com a anuência da E......., por ser intenção de autor e réus fazer coincidir a cessão com a compra e venda, assim se garantindo reciprocamente, na medida em que a transmissão da propriedade dos imóveis só ocorreria com o pagamento do preço e vice-versa.
Faltaram por duas vezes à marcação da escritura pública e nada disseram.
Finalmente, e não obstante terem sido interpelados para outorgarem a escritura em falta até ao dia 27 de Outubro de 2004, sob pena de considerar resolvido o contrato-promessa de cessão por incumprimento e de devolução do sinal em dobro, os réus nada fizeram ou disseram.
Apesar de a celebração do contrato definitivo depender da outorga da escritura de compra e venda e não obstante só terem aceite estabelecer o aludido prazo em virtude de a E.......ter assentido na realização da escritura nesse mesmo prazo, o que determinou a sua vontade, as obrigações por si assumidas no contrato promessa apenas vinculam as partes declarantes, por força do princípio axiológico da eficácia dos contratos (cfr. art.º 406.º do Código Civil). Neste sentido, tal como bem se referiu na sentença recorrida, “o risco de incumprimento definitivo do contrato promessa de cessão da posição contratual por factos relacionados com o comportamento de terceiros (face ao A.) corre inteiramente por conta dos RR”.
Estes, entre Julho de 2002 e Outubro de 2004, tiveram demasiado tempo para convencer a E.......a comparecer e a outorgarem todos a escritura pública.
Em vez disso, deixaram passar todo esse tempo e nada fizeram ou, pelo menos, nada alegaram que tivesse feito nesse sentido.
A insistência junto da E.......para que procedesse à realização da escritura e ao distrate das hipotecas que incidiam sobre as fracções, só por si, não basta, já que se desconhecem os motivos por que não tiveram lugar.
E o facto de chegarem a colocar a possibilidade de pagar uma hipoteca é irrelevante, porquanto não o fizeram.
Aliás, desconhece-se o verdadeiro motivo por que a E.......não compareceu à marcação da escritura, o que, de resto, é irrelevante para efeitos de cumprimento do contrato-promessa aqui em causa, por ser mero terceiro relativamente ao autor.
E nada tendo alegado, também não provaram circunstância alguma que justificasse essa sua conduta omissiva.
É que não podemos olvidar que a culpa se presume nos termos do art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil, competindo aos réus provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua.
E sabe-se que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (n.º 2 do art.º 487.º do Código Civil, Prof. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 6.ª ed. págs. 344 e segs. e ac. do STJ de 10/2/2005, proferido no processo n.º 04B3545, disponível em www.dgsi.pt, citado pelos próprios recorrentes).
Ora, face às circunstâncias constantes dos factos provados, um "bom pai de família" honraria os compromissos assumidos pelos réus e teria outra postura relativamente à outorga da escritura em falta, diligenciando junto da E.......para que comparecesse às marcações e a outorgasse.
Não tendo alegado e provado tê-lo feito, os factos acima referidos não são suficientes para ilidir a presunção de culpa prevista no citado art.º 799.º, n.º 1.
A insolvência da E.......também é manifestamente irrelevante, porquanto foi declarada em 22/9/2008, portanto, muito depois de 27/10/2004, último dia concedido para outorga da escritura, fixado na interpelação feita, sob pena de resolução do contrato e de devolução do sinal em dobro. E a venda a terceiros de uma das fracções só ocorreu em Setembro de 2009. Assim, jamais poderiam interferir no cumprimento do contrato aqui em causa, que terminou em 27/10/2004!

Os recorrentes invocam, ainda, o abuso de direito, por o autor exigir a devolução do sinal em dobro, depois de ter estado a utilizar as fracções.
Trata-se de uma questão que os recorrentes suscitam pela primeira vez, a qual só não é indeferida com esse fundamento por ser de conhecimento oficioso.
O abuso de direito assim invocado é o da modalidade de venire contra factum proprium.
Esta modalidade de abuso de direito assenta em três pressupostos, a saber:
- uma situação objectiva de confiança;
- um investimento na confiança;
- boa fé da contraparte que confiou (sobre esta matéria, ver Baptista Machado, “Tutela de Confiança e venire contra factum proprium”, RLJ, anos 117.º e 118.º; Almeida Costa, RLJ n.º 3.863, págs. 61 e segs., anotação ao acórdão do STJ de 28/9/95; e ac. do STJ de 27/4/99, CJ – STJ - ano VII, tomo II, pág. 62).
Como se escreveu neste último aresto, “Subjacente à proibição do venire contra factum proprium está a ideia de que os riscos originados na credibilidade da conduta anterior do agente não devem ser suportados por quem, dentro da normalidade da vida da relação, acreditou na mensagem irradiada pelo significado objectivo da conduta do mesmo agente (Baptista Machado, loc. cit., pág.104).
Existe uma situação objectiva de confiança quando alguém pratica um acto que é apto a despertar noutrem a legítima convicção de que posteriormente não adoptará um comportamento contrário (Baptista Machado, loc. cit., pág. 175).
Por outras palavras, o venire contra factum proprium traduz uma «responsabilidade pela confiança» e não uma responsabilidade pelo incumprimento, ou seja, a análise das suas consequências não se situa a nível do incumprimento do contrato mas sim daquela «responsabilidade pela confiança», o mesmo é dizer, da legítima expectativa que criou no declaratário no sentido de poder agir como agiu”.
Mais concretamente, no dizer do art.º 334.º do Código Civil, “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
No caso dos autos, não se nos afigura que exista abuso de direito.
O pedido de devolução do sinal em dobro é uma consequência da resolução do contrato e do inerente incumprimento definitivo do mesmo. Se continuou a usar as fracções que os réus prometeram ceder-lhe, para além dessa resolução, só à proprietária diz respeito, sem que nenhuma confiança tenha sido frustrada aos réus/recorrentes.

Com já se disse, os regimes do contrato-promessa e do sinal devem ser vistos de forma articulada.
Verificado o incumprimento definitivo para efeitos de resolução do contrato, não pode deixar de funcionar quanto ao sinal.
Este funciona como fixação das consequências do incumprimento, uma vez que, se a parte que constituiu sinal deixou de cumprir a sua obrigação, a outra parte tem o direito de fazer sua a coisa entregue. Se o não cumprimento partir de quem recebeu sinal, tem este que o devolver em dobro (citado art.º 442.º, n.º 2, 1.ª parte).
Daqui resulta que o sinal só pode ser exigido em caso de incumprimento definitivo da obrigação pela outra parte, funcionando como pré-determinação das consequências desse incumprimento.
Demonstrado que o autor entregou aos réus, como sinal, a importância de 14.465,14 € e verificado que houve incumprimento definitivo dos réus por perda de interesse do autor na prestação, resulta que, declarada a resolução do contrato, não podiam os réus deixar de ser condenados, como foram, no pagamento do dobro do sinal, isto é, 28.930,28 €.
A acção tinha, assim, de proceder, como procedeu.

2.2. Do pedido reconvencional

Os réus/reconvintes/recorrentes fundamentam o seu pedido reconvencional no enriquecimento sem causa.
O art.º 473.º do Código Civil consagra o princípio geral deste instituto dispondo:
“1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”
Neste último número estão indicados exemplificativamente três tipos de situações de casos especiais de enriquecimento sem causa, que são:
- o recebimento indevido;
- o recebimento por uma causa que deixou de existir; e
- o recebimento em vista de um efeito que não se verificou.
Qualquer uma destas situações pressupõe uma prestação, pois ninguém pode receber se outrem não pagar.
Porque não está aqui em causa qualquer pagamento efectuado pelos réus ao autor, é manifesto que a situação por aqueles invocada nesta acção não se enquadra em nenhuma das situações previstas no aludido n.º 2, não sendo, por isso, aplicável ao caso destes autos.
Procedendo a uma análise mais cuidada do referido n.º 1, constatamos que dele resulta que, para que haja uma obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, é necessária a verificação cumulativa de três requisitos, a saber:
- a existência de um enriquecimento;
- que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de outrem;
- e que careça de causa justificativa.
É também o que ensinam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, págs. 427 a 429, onde escreveram:
“A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento. […]
b) A obrigação de restituir pressupõe, em segundo lugar, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido. […]
c) A obrigação de restituir pressupõe, finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição”.
Na página seguinte, escreveram “Para que haja lugar à obrigação de restituir é necessário, ainda, que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição”.
E, na pág. 439 da mesma obra, escreveram:
“O objecto da obrigação de restituir é determinado em função de dois limites:
a) Em primeiro lugar, o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial operada (ou o valor correspondente, quando a restituição em espécie não seja possível). Deve restituir apenas aquilo com que efectivamente se acha enriquecido, podendo haver diferença — e diferença sensível — entre o enriquecimento do beneficiado à data da deslocação patrimonial e o enriquecimento actual […].
O enriquecimento assim delimitado corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada […]
b) Em segundo lugar, o objecto da obrigação de restituir deve compreender «tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido».
Além do limite baseado no enriquecimento (efectivo e actual), a doutrina corrente tem aludido a um outro limite da obrigação de restituir, que consistiria no empobrecimento do lesado”.
E, na pág. 440, acrescentam: “O momento em que deve computar-se o montante do enriquecimento é o da verificação de algum dos factos referidos nas alíneas a) e b) do artigo seguinte, ou seja, o da citação judicial para a restituição ou o do conhecimento da falta de causa ou da falta do efeito visado (cfr. n.º 2 do art.º 473.º)”.
O Professor António Menezes Cordeiro, no Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo III, a propósito dos requisitos gerais deste instituto, referindo-se ao enriquecimento e depois de elencar as situações em que ele pode traduzir-se, escreveu que, dado estarmos no campo do direito das obrigações, “o instituto do enriquecimento só pode ser activado quando algo transite de uma pessoa para a outra” (cfr. pág. 226). Referindo-se ao empobrecimento, depois de referir que ele pode traduzir-se nas figuras inversas às apontadas a propósito do enriquecimento e que lhe basta o dano em abstracto, acrescentou, no entanto, que era necessária “a deslocação patrimonial ou o acervo de vantagens que se destinariam ao empobrecido mas que, mercê do fenómeno em estudo, surgem na esfera do enriquecido” (cfr. pág. 228). Quanto à relação entre o enriquecimento e o empobrecimento defende que ela deve existir, por decorrer da expressão “à custa de outrem”, a qual tem utilidade desde que seja devidamente integrada, devendo ser entendida como “uma proposição específica de enriquecimento sem causa, que exprime uma relação entre os futuros credores da obrigação de restituir o enriquecimento e o devedor da mesma” (cfr. págs. 230 e 231). Defende, ainda, que daquela expressão deriva a necessidade da imediação entre o enriquecimento de uma das partes e o empobrecimento da outra e que a relação entre o enriquecido e o empobrecido deve ser directa, já que “Um certo enriquecimento pressupõe uma precisa relação jurídica (logicamente) entre dois sujeitos. Essa relação é determinada por um juízo de valor…”, o qual “vai ter por base a ideia fecunda do conteúdo da destinação” (cfr. pág. 234).
Relativamente à obrigação de restituir, ensina o mesmo Professor que ela está sujeita a três limites, a saber:
“- deve ser restituído todo o enriquecimento (1.º limite);
- (mas) desde que obtido à custa do empobrecido, isto é, nos limites do dano deste” e até ao dano em abstracto (2.º limite);
- ou em concreto (3.º limite), consoante o que se mostre mais elevado (cfr. págs. 246 a 248).
E remata:
“Quando se fala no enriquecimento em concreto, obtido à custa do dano concreto ou abstracto, tem-se em vista uma causalidade. Apenas por essa via se poderá associar um certo enriquecimento a determinado dano. Tal causalidade terá de obedecer a uma lógica de adequação naturalística: um certo enriquecimento terá a ver com determinado dano quando, pelas regras da experiência, seja a causa adequada e normal deste último. Afastamos, com isso, causalidades anómalas, que se prendem com situações hipotéticas. […]
O enriquecimento sem causa trabalha, no terreno, com situações reais. Isso implica afastar cenários subjectivos ou hipotéticos, que nos levam a comparar, em vez de patrimónios (reais) antes e depois do enriquecimento, um património real antes do enriquecimento e um património hipotético depois dele, património esse no qual fosse possível inserir o produto de causalidades anómalas (ainda que, porventura, demonstráveis) ou de decisões totalmente individuais. Não temos qualquer base legal que nos leve a transferir, para o enriquecido (ou para o empobrecido) riscos que não tenham a ver com a causalidade normal” (cfr. pág. 249).
Segundo Pereiro Coelho, o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem, de carácter patrimonial, susceptível de ser encarada, sob dois ângulos, isto é, o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida, e o do enriquecimento patrimonial, que reflecte a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido, e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado (cfr. O Enriquecimento e o Dano, Separata da RDES, 27 e 42 e segs.).
E o enriquecimento carece de causa, quando o Direito o não tolera ou consente (cfr. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2.º volume, reimpressão, 1990, AAFDL, pág. 56), porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios jurídicos, justifique a deslocação patrimonial (cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição reelaborada, Almedina, 2006, 499 e 500), caso em que a lei obriga a restabelecer o equilíbrio patrimonial por ele rompido, por não desejar que essa vantagem perdure, constituindo o accipiens no dever de restituir o recebido (cfr. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1997, 200).
Além destes requisitos que vimos analisando, mostra-se ainda indispensável que inexista outro meio jurídico para obter a restituição, atenta a natureza subsidiária da obrigação de restituir, consagrada no art.º 474.º do mesmo Código, que dispõe:
“Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
É o que geralmente se exprime dizendo que a pretensão de enriquecimento constitui acção subsidiária ou que apresenta carácter residual.
Nas mesmas águas navega a jurisprudência, com mais ou menos desenvolvimentos, de que são exemplo os acórdãos do STJ, de 23/4/1998, no BMJ n.º 476, pág. 370; de 14/5/1996, na CJ-STJ-, ano IV, tomo II, pág. 70; de 28/6/2011, processo n.º 3189/08.7TVLSB.L1.S1 e de 27/9/2011, processo n.º 3149/06.2TBCSC.L1.S1, estes disponíveis em www.dgsi.pt.
Os três requisitos acima aludidos são elementos constitutivos do direito de que o empobrecido se arroga. Por isso, recai sobre ele o ónus da competente prova, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil. Mesmo relativamente ao facto negativo. É que, como discorre Vaz Serra “ … se o direito que se faz valer tem como requisito um facto negativo, deve este facto ser provado por quem exerce o direito, precisamente como os factos positivos que sejam requisitos dos direitos exercidos”( in “Das Provas”, BMJ 110. pág. 120).
Aplicando estes ensinamentos ao caso em apreço, não vemos como é possível estribar a pretensão dos réus/reconvintes no enriquecimento sem causa.
Com o devido respeito por outro entendimento, afigura-se-nos manifesta a ausência dos mencionados requisitos.
Desde logo, porque não houve enriquecimento do autor à custa do empobrecimento dos réus, os quais nem sequer são os proprietários das fracções que prometeram ceder àquele. O facto de terem facultado as chaves das mesmas fracções aquando da assinatura do contrato-promessa de cessão não significa, por si só, que tivessem qualquer direito sobre elas, desconhecendo-se os termos e o título de que eram seus portadores, já que nada foi alegado, muito menos provado, nesse sentido.
Ainda que se considere que houve enriquecimento, o mesmo não foi obtido, com toda a certeza, à custa dos réus que se arrogam o direito à restituição.
Não houve qualquer deslocação patrimonial dos réus, alegados empobrecidos, para o autor.
A ter existido algum empobrecimento pela ocupação das fracções entre 27 de Outubro de 2004 e 30 de Setembro de 2009, ele ter-se-á repercutido na esfera patrimonial do titular do seu direito de propriedade, ou seja, da E......., terceira relativamente ao contrato em causa na acção.
Também inexiste uma relação directa entre o empobrecimento daquela e o pretenso enriquecimento do autor.
E falta a causalidade adequada entre o invocado dano e o alegado enriquecimento.
De resto, não foram alegados factos concretos donde se possa extrair o necessário nexo de causalidade adequada entre o dano e o enriquecimento.
Por isso, tinha de improceder, como improcedeu, o pedido reconvencional.

Sumariando nos termos do n.º 7 do art.º 713.º do CPC:
I-Nos termos do art.º 442.º, n.º 2, do Código Civil, se o não cumprimento do contrato for devido ao contraente que recebeu o sinal, o contraente que o constituiu tem direito a receber o dobro do que prestou.
II-Este regime deve ser articulado com o do contrato-promessa, de tal forma que, reconhecido o incumprimento definitivo determinante da resolução daquele contrato, terá de existir fundamento de devolução do sinal em dobro.
III-De qualquer modo, o incumprimento é culposo da parte de quem recebeu o sinal sempre que há “omissão da diligência exigível”, aferindo-se a culpa, que se presume, em face das circunstâncias de cada caso.
IV-Não abusa do direito o promitente cessionário que pede a devolução em dobro do sinal que prestou e continuou a usar as fracções prometidas para além da resolução do contrato-promessa de cessão da posição contratual.
V-Inexiste enriquecimento sem causa quando o promitente cessionário utiliza as fracções que lhe foram prometidas ceder pelo promitente cedente e que este prometeu adquirir a um terceiro.

Improcede, pois, a apelação, pelo que a sentença impugnada deve ser mantida.

III. Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
*
Custas pelos apelantes.
*
Porto, 9 de Abril de 2013
Fernando Augusto Samões
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo