Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0040947
Nº Convencional: JTRP00030437
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
CASO JULGADO
SALÁRIOS EM ATRASO
RESCISÃO DE CONTRATO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP200101220040947
Data do Acordão: 01/22/2001
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Tribunal Recorrido: T TRAB V N GAIA 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 503/99
Data Dec. Recorrida: 03/27/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: CCIV66 ART334.
L 17/86 DE 1986/06/14 ART3 ART6 A.
CPEREF98 ART44 ART48 N8 ART49 N3.
Jurisprudência Nacional: AC RL DE 1993/05/20 IN BMJ N427 PAG574.
AC RP IN PROC0010355 DE 2000/05/22.
Sumário: I - Para efeitos de caso julgado, não há identidade entre um processo de recuperação de empresa e uma acção emergente de contrato individual de trabalho.
II - Os efeitos da reclamação dos créditos no processo de recuperação restringem-se à constituição da Assembleia de Credores.
III - Constitui abuso do direito a rescisão do contrato de trabalho feita ao abrigo da lei dos salários em atraso, tendo o trabalhador conhecimento da pendência de um processo de recuperação da empresa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação do Porto:

1. Joaquim...... propôs no tribunal do trabalho da ..... a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma ordinária, contra H......, Ldª pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 1.074.040$00 de retribuições em atraso e 3.059.200400 de indemnização por ter rescindido o contrato ao abrigo da lei dos salários em atraso, acrescidas dos juros de mora, desde a citação.
No essencial, alegou ter sido admitido ao serviço da ré em Fevereiro/77 e ter rescindido o contrato de trabalho por carta de 6.5.98, para produzir efeitos no dia 18 do mesmo mês, ao abrigo da lei dos salários em atraso, com fundamento na falta de pagamento das retribuições referentes ao período de Janeiro a 6 de Março de 1997.
Contestando, a ré impugnou parcialmente os factos alegados pelo autor, excepcionou a incompetência territorial do tribunal, a prescrição dos créditos peticionados, a caducidade do direito de rescisão, o caso julgado e o abuso do direito e, em reconvenção, pediu que o autor fosse condenado a pagar-lhe a importância de 156.000$00, a titulo de indemnização por rescisão do contrato sem aviso prévio.
A excepção de incompetência territorial foi julgada procedente e o processo remetido ao tribunal do trabalho de ......
O autor respondeu à contestação e à reconvenção, impugnando as excepções deduzidas pela ré e sustentando ter rescindido o contrato com justa causa, não tendo, por essa razão, de dar aviso prévio.
No despacho saneador, o Mmo Juiz julgou improcedente a reconvenção e as excepções da prescrição, da caducidade do direito de rescindir o contrato e relegou para final o conhecimento das excepções do caso julgado e do abuso do direito.
Realizado o julgamento, o Mmo Juiz julgou procedente a excepção do caso julgado e absolveu a ré do pedido.
O autor recorreu, suscitando as questões que adiante serão referidas.
A ré não contra-alegou.
Nesta Relação, o Ex.mo relator mandou ouvir as partes nos termos do artº 715º do CPC, por ter considerado que o recurso era de proceder e que o processo continha os elementos necessários para conhecer do pedido.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Os factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
a) A ré dedica-se à indústria de cosméticos.
b) Possui e explora por sua conta e risco um estabelecimento industrial sito no lugar......, Espinho.
c) No exercício dessa sua actividade industrial admitiu o autor ao seu serviço.
d) Prestando serviço no aludido estabelecimento da ré onde sempre desempenhou funções de especialista.
e) Categoria que, de resto, lhe era atribuída pela ré.
f) O autor é sócio do Sindicato dos Trabalhadores da Química, Farmacêutica, Petróleo e Gás do Norte, pelo menos desde Janeiro/96.
g) Sindicato que, por seu turno, está e sempre esteve filiado na Federação Intersindical da Metalurgia, Metalomecânica, Minas, Química, Farmacêutica, Petróleo e Gás.
h) A ré é associada da Associação dos Industriais de Cosmética, Perfumaria e Higiene Corporal.
i) O autor vinha auferindo desde Abril/96 o salário base mensal de 93.600$00.
j) A ré não pagou ao autor os salários relativos aos meses de Janeiro a 6 de Março/97.
l) Por tal motivo, o autor, em 6.5.98, comunicou à ré e à IGT, através de cartas com AR recebidas em 8.5.98 e 7.5.98 respectivamente, que nos termos da Lei nº 17/86 rescindia, com justa causa, o contrato que os vinculava, com efeitos a partir do décimo dia posteriores à data da sua recepção.
m) Contrato que, por esse razão, cessou em 18.5.98.
n) Até à data, a ré não pagou ao autor qualquer indemnização como não lhe pagou os salários relativos aos meses de Janeiro a 6 de Março/97 e de 1 de Abril a 16 de Maio/98, o mesmo sucedendo com as férias e subsídio de férias vencidas em 1.1.97.
o) Do mesmo modo não lhe pagou também as férias e respectivo subsídio de férias vencidas em 1.1.98, o subsídio de Natal relativo ao ano de 1997, como não lhe pagou as férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao tempo de trabalho prestado durante o ano de 1998.
p) Não lhe pagou ainda o subsídio de refeição relativo ao período de Janeiro a 6 de Março/97 e de 1 de Abril a 18 de Maio/98.
q) A ré possuía mais de 50 trabalhadores ao seu serviço.
r) Entre Janeiro e 6 de Março/97 e 1 de Abril e 18 de Maio/98, o autor prestou 77 dias de trabalho efectivo.
s) Entre 7/73/97 e 31/3/98, o autor esteve de baixa por doença.
t) Até à data, a ré não lhe pagou também o respectivo complemento de subsídio de doença, correspondente a 25% da retribuição por si auferida à data da baixa.
u) Em 27.1.97, a ré pagou ao autor a quantia de 44.000$00.
v) Em 6/10/97, a ré requereu acção especial de recuperação nos termos e para os efeitos do estatuído no CPEREF.
x) No âmbito desse processo foi proferido despacho de prosseguimento em 3.12.97.
z) O autor reclamou o seu crédito no âmbito daquele processo.
aa) Por deliberação da Assembleia de Credores de 22.10.98 foi aprovada a medida de recuperação de empresa proposta pelo gestor judicial que foi homologada por sentença transitada em julgado.
bb) Nos termos dessa proposta ficou decidido que em relação aos trabalhadores a ré teria de pagar 50% do capital em dívida em seis anos, após o período de carência de dois anos contados a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória da deliberação, em oito prestações semestrais constantes, vencendo-se a primeira seis meses após se completar o período de carência.
cc) No que respeita a juros vencidos e vincendos foi deliberada a sua inexigibilidade.
dd) A ré admitiu o autor em Fevereiro/97, o qual, sob as suas ordens e direcção, sempre exerceu com zelo, assiduidade e competência a respectiva actividade profissional.
ee) Os factos supra descritos em aa), bb) e cc) são do conhecimento do autor.
A matéria de facto não foi impugnada nem há razões para a alterar, mas importa aditar-lhe o seguinte facto que se mostra relevante para conhecer da excepção do abuso do direito e que se mostra provado pela certidão judicial de fls. 75 e seguintes:
ee) Em 19.1.98, o autor reclamou no processo de recuperação de empresa os créditos referidos na certidão de fls. 75 e seguintes.
3. O direito
São duas as questões suscitadas pelo recorrente:
- inexistência de caso julgado,
- eficácia da deliberação da Assembleia de Credores relativamente aos créditos do recorrente.
3.1 Do caso julgado
Como já foi referido, o Mmo Juiz julgou procedente a excepção do caso julgado. Fê-lo com o fundamento de que os créditos do recorrente já tinham sido reclamados e reconhecidos na acção no processo especial de recuperação da empresa recorrida que correu termos no -º juízo do Tribunal de Recuperação da Empresa e Falências de Vila de Nova de ...., estando, por isso, sujeitos às modificações aprovadas pela Assembleia de Credores e homologadas por sentença.
Salvo o devido respeito, tal decisão não é a melhor. Vejamos porquê.
A excepção dilatória do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa já anteriormente decidida por sentença transitada em julgado e, tal como a litispendência, visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artº 497º do CPC).
Por sua vez, para que haja repetição da causa é necessário que a acção proposta seja idêntica a outra já decidida, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes numa e noutra acção são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, identidade de pedido quando numa e noutra acção se pretende obter o mesmo efeito jurídico e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (artº 498º do CPC).
Ora, sendo assim, como realmente é, a presente acção está longe de ser uma repetição do processo de recuperação, por nela não se verificar aquela tríade identidade, de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
Com efeito, na presente acção os sujeitos são o recorrente e a recorrida, o pedido é o pagamento de vários créditos de natureza laboral e a causa de pedir é a rescisão do contrato de trabalho com justa causa e o não pagamento de determinadas retribuições e subsídios.
Por sua vez, no processo de recuperação, os sujeitos foram a recorrida e os seus credores, o pedido foi a adopção de uma medida de recuperação da empresa e a causa de pedir foram as dificuldades económicas da empresa. É caso para perguntar, em que é que as duas acções são idênticas?
O Mmo Juiz deixou-se impressionar com o facto de o recorrente ter reclamado créditos no processo de recuperação e de estes aí terem sido reconhecidos, mas isso não chega para concluir pela verificação do caso julgado. A reclamação de créditos no processo de recuperação não corresponde a um pedido de condenação da empresa, nem esta foi efectivamente condenada a pagar seja o que for ao recorrente ou aos demais credores. Não se não atentou devidamente no disposto nos artigos 44º, nº 1, 48º, nº 8 e 49º, nº 3 do CPEREF, no termos dos quais o objectivo da reclamação dos créditos é tão só o de permitir que os credores nisso interessados possam participar na assembleia de credores e os efeitos da sua aprovação pela assembleia provisória de credores são restritos à constituição definitiva da assembleia de credores. O disposto no nº 8 do artº 48º é inequívoco a tal respeito:
“A aprovação dos créditos, para a qual vale a simples maioria de votos presentes, só produz efeitos relativamente à constituição definitiva da assembleia de credores.”
Como se escreveu no acórdão desta Relação, de 22.5.2000, proferido no processo nº 355/2000, da 1ª secção, “ao contrário do que acontece no processo de falência, o objectivo da reclamação de créditos no processo de recuperação de empresa não é a verificação judicial do passivo da empresa, apenas visa permitir a participação dos credores na assembleia de credores e, consequentemente, na aprovação da medida de recuperação a adoptar.”
A eficácia da sua aprovação limita-se a isso; não tem quaisquer efeitos fora do processo de recuperação e não constitui título executivo de que os credores possam lançar mão para cobrança dos créditos aprovados. (Luís A. Carvalho Fernandes, Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, 3ª ed., anotação nº 8 ao artº 48º).
E compreende-se que assim seja, uma vez que a empresa, no processo de recuperação, não é condenada a pagar seja o que for. Naquele processo nenhuma decisão de mérito é proferida sobre a existência, montante ou natureza dos créditos reclamados, em cuja aprovação, em princípio, o juiz nem sequer interfere. A aprovação dos créditos compete aos credores, bastando para isso a maioria simples de votos dos presentes (nº 8 do artº 48º). O juiz só intervém se houver reclamações, mas estas são decididas através de prova meramente perfunctória, não havendo lugar a julgamento nem a um verdadeiro exercício do contraditório, ao contrário do que sucede com a verificação do passivo no processo de falência (artº 188º e seguintes). Por isso, a aprovação dos créditos não faz precludir a possibilidade de os credores discutirem, mais tarde, a existência, montante e a natureza dos respectivos créditos (vide o citado ac. RP, ac. RL de 20.5.93, BMJ, 427º-574 e Parecer da PGR de 9.5.94, DR, II Série, de 18.6.94).
E mais. Processando-se a aprovação dos créditos nas circunstâncias referidas, seria uma violência atribuir outros efeitos à deliberação da assembleia de provisória ou à decisão do juiz sobre as reclamações, sabendo-se que esta nem é passível de recurso (artº 49º, nº 3).
E nem se diga que o reconhecimento judicial dos créditos aprovados constitui um efeito da sentença homologatória proferida no processo de recuperação, dado que, como decorre do disposto no artº 56º, a sentença homologatória só incide sobre o meio de recuperação aprovado e, mesmo aí, a intervenção do juiz não envolve nenhum juízo de valor sobre a bondade ou oportunidade da solução aprovada pelos credores, destinando-se apenas a controlar a observância das disposições legais aplicáveis (Luís Carvalho Fernandes, ob. citada, anotação nº 2 ao artº 56º). A sua eficácia limita-se a isso e, em princípio, só os credores comuns ficam sujeitos às medidas homologadas (artªs 70º e 92º do CPEREF).
Face ao exposto, temos de concluir pela não verificação da excepção do caso julgado e pela procedência do recurso nesta parte, com a consequente revogação da douta sentença recorrida.
3.2 Da eficácia da deliberação da Assembleia de Credores relativamente aos créditos do recorrente
As medidas aprovadas no processo de recuperação compreendem a redução dos créditos dos trabalhadores em 50%, o seu pagamento em seis anos, em prestações semestrais e após o período de carência de dois anos e a inexigibilidade dos juros.
Invocando o disposto nos artº 62º, 70º e 92º do CPERF, o recorrente considera que aquelas medidas não abrangem os seus créditos, pelo facto de os mesmos gozarem de garantia real a que ele não renunciou e pelo facto de os mesmos não poderem ser reduzidos sem o seu acordo, acordo que também não deu.
A questão em epígrafe extravasa do pedido formulado na presente acção, não cabendo, por isso, dela conhecer-se. Além disso, trata-se de uma questão que só foi suscitada no recurso, o que obstaria a que este tribunal dela pudesse conhecer, em virtude de a função dos recursos ser a reapreciação de questões já apreciadas na instância inferior e não o conhecimento de questões novas.
4. Do mérito da causa
Nos termos do artº 715º do CPC, a revogação da sentença implica que a Relação passe a conhecer do mérito da causa, dado que o processo contém todos os elementos necessários para tal. É o que passaremos a fazer.
4. 1 Do pedido do recorrente
4.1.1 Das retribuições salariais e do complemento de subsídio de doença
Na presente acção, o recorrente pediu que a recorrida fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 3.133.240$00, sendo 2.059.200$00 de indemnização por rescisão do contrato com justa causa, 355.680$00 de salários relativos aos meses de Janeiro e Fevereiro e seis dias de Março/97, 187.200$00 da retribuição e subsídio das férias vencidas em 1.1.97, 187.200$00 da retribuição e subsídio das férias vencidas em 1.1.98, 93.600$00 de subsídio de Natal/97, 117.000$00 de proporcionais de férias, de subsídio de férias e de Natal referentes ao ano de 1998, 36.960$00 de subsídio de refeição referente a 77 dias de trabalho prestados no período de Janeiro a 6 de Março.97 e de 1 de Abril a 18 de Maio.98, 70.200$00 de complemento de subsídio de doença referente ao período de 7 de Março a 31 de Dezembro/97 e 70.200$00 de igual complemento referente ao período de 1 de Janeiro a 31 de Março.98.
Fundamentou tal pedido na existência de um contrato de trabalho com a recorrida, com início em Fevereiro/97 e termo em 18 de Maio.98, data em que foi por ele rescindido com fundamento na falta de pagamento das retribuições relativas ao período de 1 de Janeiro a 6 de Março.97.
A existência do contrato de trabalho não foi posta em causa pela recorrida e a matéria de facto dada como provada atesta essa existência. Do contrato de trabalho decorre para o empregador a obrigação de pagar ao trabalhador as retribuições a que o mesmo tem direito nos termos da lei ou do próprio contrato (artº 19º, al. b) da LCT). Nenhuma dúvida se suscita acerca do direito do recorrente às retribuições e subsídios que peticiona. O direito à retribuição mensal emerge do próprio contrato de trabalho, o direito à retribuição e subsídio de férias resulta do disposto no artº 6º do DL nº 874/76, de 28/12, o direito ao subsídio de Natal advém do disposto no artº 2º do DL nº 88/96, de 3/7, o direito ao complemento do subsídio de doença e ao subsídio de refeição é conferido respectivamente pela cláusula 86ª e 89ª-A do CCTV/PRT aplicável, o CCTV/PRT para as indústrias químicas publicado no BTE nº 28/87, com alterações nos BTEs nº 4/79, 31/80, 3/82, 16/83, 8/84, 10/86, 10/87, 10/88, 10/89, 9/90, 20/91, 20/92, 19/93, 29/94, 17/95, 16796, 15/97 e 15/98 e portarias de extensão publicadas nos BTEs no 17/78, 28/81, 29/84, 24/85, 17/86, 25/87, 16/88, 17/89, 18/90, 33/91, 28/92, 26/93, 29/94, 30/95, 24/96, 25/97 e 36/98.
A única dúvida que se podia levantar era acerca do direito ao complemento do subsídio de doença, face ao disposto na lei que regula as relações colectivas de trabalho, o DL nº 519-C1/79, de 29/12, que no seu artº 6º, alínea e), proíbe que os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho possam “estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelo sistema de segurança social, salvo se ao abrigo e nos termos da legislação relativa aos regimes profissionais complementares de segurança social ou equivalentes, bem como aqueles em que a responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições seguradoras.”
Todavia, como já foi decidido pelo TC no seu acórdão nº 966/96 (processo nº 22/93) de 11.7.96, publicado no DR, II Série, de 31.1.97, aquela norma é materialmente inconstitucional, por constituir uma limitação ao direito de contratação colectiva que a lei constitucional reconhece às associações sindicais, no nº 3 do seu artº 56º. Dada a inserção sistemática deste artigo (Título II - direitos, liberdades e garantias - da Parte II da Constituição), hoje não subsistem dúvidas de que aquele é um direito fundamental dos trabalhadores e das suas associações sindicais, sendo-lhe, por isso, aplicável o regime do artº 18º, por força do artº 17º da CRP.
Ora, dispondo o artº 18º, no seu nº 2 que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, parece evidente que o DL nº 519-C1/79, ao proibir no seu artº 6º, al. e), que os instrumentos de regulamentação colectiva possam estabelecer e regular benefícios previdenciais complementares dos assegurados pelo sistema da segurança social, salvo nas situações referidas na sua segunda parte que não tem cabimento no caso em apreço, introduz uma efectiva limitação àquele direito fundamental, sem que se vislumbre um direito ou interesse que a imponha ou justifique.
Como se escreveu no citado acórdão do TC, da incumbência imposta ao Estado no artº 63º da Constituição (“2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema se segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.”) não decorre uma proibição de prestações previdenciais privadas, nem que o legislador constitucional tivesse pretendido excluir, nessa matéria, o regra do favor laboratoris.
Concluindo esta questão, diremos que o recorrente tem efectivamente direito às retribuições e subsídios que discriminadamente peticionou e que perfazem o total de 1.118.040$00 e, sendo o pagamento um facto extintivo daquele direito, competia à recorrida fazer a prova do seu pagamento, nos termos do nº 2 do artº 342º do CC. Estando provado, apenas, o pagamento de 44.000$00, em 27.1.97, a recorrida tem a pagar a quantia de 1.074.040$00.
4.1.2 Da indemnização pela rescisão do contrato e do abuso do direito
O contrato de trabalho cessou por iniciativa do recorrente. A rescisão foi feita ao abrigo da lei dos salários em atraso (Lei nº 17/86, de 14/6) que, como é sabido, atribuiu ao trabalhador o direito de rescindir o contrato de trabalho com justa causa, com direito à chamada indemnização de antiguidade, quando a falta de pagamento da retribuição se prolongue por mais de 30 dias, devendo a rescisão ser notificada à entidade patronal e à Inspecção-Geral do Trabalho através de carta registada com aviso de recepção, expedida com a antecedência mínima de dez dias (artºs 3º e 6º, al. a)da Lei 17/86).
Como se constata dos documentos juntos a fls. 15 a 18, o recorrente observou o referido formalismo e alegou como fundamento da rescisão “a falta de pagamento de salários de Janeiro/97 a 6 de Março/97, diferenças salariais retroactivas de Janeiro/96 a Março/96 e férias e subsídio de férias vencidas em 01.01.97”.
Ficou provado que a recorrida não pagou as retribuições de Janeiro a 6 de Março/97, o mesmo sucedendo com a retribuição das férias vencidas em 1.1.97 e respectivo subsídio. À data da rescisão do contrato, aquelas retribuições já estavam em dívida há mais de 30 dias, o que à primeira vista permitiria concluir que a rescisão foi feita com justa causa, tendo o recorrente, por isso, direito à indemnização de antiguidade que reclama, independentemente de a falta de pagamento ser ou não imputável a culpa da recorrida.
Acontece, porém, que quando a rescisão do contrato foi feita (6.5.98) já o processo de recuperação da empresa recorrida estava pendente (foi proposto em 6.1.97), facto que o recorrente bem conhecia, uma vez que, em 19.1.98, tinha reclamado os seus créditos naquele processo.
Quer isto dizer que o recorrente não se coibiu de rescindir o contrato de trabalho, apesar de saber que a recorrida atravessava graves dificuldades económico-financeiras, o que consubstancia um manifesto abuso do direito, por ter excedido os limites impostos pela da boa fé, o que torna ilegítima a rescisão do contrato de trabalho (artº 334º do CC).
Por via disso, o recorrente não tem direito à reclamada indemnização de 2.059.200$00 pela rescisão do contrato, improcedendo a acção nessa parte. Apenas tem direito aos restantes créditos reclamados que somam a quantia de 1.074.040$00 (1.118.040$00-44.000$00), acrescida dos juros de mora, contados desde a citação, consoante pediu.
4.2 Da reconvenção
A recorrida pediu que o recorrente fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 156.000$00, alegando que o mesmo só dera dez dias de aviso prévio, quando devia ter dado 60.
A recorrente tem razão. A rescisão do contrato feita ao abrigo da lei dos salários em atraso foi julgada ilegítima, mas não deixou de produzir os seus efeitos, passando a ser, por isso, uma rescisão imotivada. A lei permite tal forma de rescisão do contrato, mas obriga o trabalhador a dar um aviso prévio de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade, ficando o trabalhador obrigado a pagar à entidade empregadora uma indemnização de valor igual à remuneração de base correspondente ao período de aviso prévio em falta (artº 38º e 39º do regime aprovado pelo DL nº 64-A/89, de 27/2).
Ignora-se a data em que o recorrente começou a trabalhara para a recorrida, mas está provado que vinha auferindo ao seu serviço, desde Abril. 96, o salário base mensal de 93.600$00. Daí resulta que à data da rescisão (18.5.98) já tinha mais de dois anos de serviço, estando, por isso, obrigado a dar um aviso prévio de 60 dias. Tendo a recorrida recebido a carta de rescisão em 8.5.98 e tendo esta produzido efeitos a partir de 18 seguinte, há 50 dias de aviso prévio em falta. Auferindo o recorrente a retribuição de base de 93.600$00, a recorrida tem direito à indemnização correspondente àquele período de aviso prévio em falta, no valor de 156.000$00 (93.600$00:30x50).
5. Decisão
Nos termos expostos, decide-se revogar a douta sentença recorrida, julgar parcialmente procedente a acção e totalmente procedente a reconvenção, condenar a recorrida a pagar ao recorrente a importância de 1.074.040$00, acrescida dos juros de mora, contados desde a citação e condenara o recorrente a pagar à recorrida a quantia de 156.000$00.
Custas na proporção do vencido.
PORTO, 22 de Janeiro de 2001
Manuel Joaquim de Sousa Peixoto
Carlos Manuel Pereira Travessa
João Cipriano Silva (voto vencido – Declaração de voto: Com efeito, neste processo, o autor é a mesma pessoa que reclamou créditos no processo de recuperação, a ré neste processo é a mesma sociedade que figura no processo de recuperação, o pedido neste processo é o mesmo que foi reclamado naquele processo e a causa de pedir é a mesma: o facto jurídico de que emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer - artº 498º, nº1 do CPC - ou seja, o contrato de trabalho que vincula as partes.
Temos assim, que estão verificados os requisitos do caso julgado previstos no artigo citado: a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir .