Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1353/06.2TMLSB-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
PRESTAÇÕES VENCIDAS E NÃO PAGAS
LEGITIMIDADE PARA AS RECLAMAR
Nº do Documento: RP201307101353/06.2TMLSB-D.P1
Data do Acordão: 07/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O filho maior e o progenitor convivente gozam de legitimidade, substantiva e processual, para reclamar as prestações vencidas e não pagas durante a menoridade do filho: o filho maior, como titular do direito a alimentos “jure proprio”; o progenitor convivente, no caso de invocação de que prestou alimentos para além do que lhe cumpria, por sub-rogação.
II - Porém, se o filho esteve confiado à guarda e cuidados da avó paterna a legitimidade para reclamar as prestações alimentares vencidas e não pagas durante a sua menoridade caberá, por sub-rogação, à avó paterna e não a qualquer dos progenitores, uma vez que ambos estavam obrigados a prestar alimentos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1353/06.2 TMLSB-D.P1
2º Juízo de Família e Menores do Porto – 1ª secção
Apelação
Recorrente: B…
Recorrido: C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
C… veio deduzir oposição à execução que lhe move B…, invocando a ilegitimidade do exequente, uma vez que este não figura na sentença dada à execução como credor da pensão alimentar fixada pelo tribunal.
A sentença fixou como credor da pensão de alimentos o filho D….
A guarda e exercício das responsabilidades parentais foram confiadas à avó do menor que já os vinha exercendo de facto desde que o menor veio para o Porto, pelo que não figurando o exequente na sentença dada à execução como credor da pensão de alimentos e não detendo a guarda do menor, carece de legitimidade para, em nome próprio e não agindo em representação do menor, mover execução especial por alimentos.
Mais refere que mesmo que tivesse agido em representação do menor, também tal poder cessaria com a maioridade do menor, pelo que a condenação no pagamento de prestações vincendas sem limite temporal, geraria ilegitimidade processual para peticionar as prestações vincendas para além do momento da maioridade.
Notificado o exequente, veio este afirmar que actuou no sentido de tornar efectivo o direito de crédito do filho em sua representação e em sua substituição processual e que após a maioridade está a fazer valer um direito próprio que lhe advém do facto de ter cumprido a obrigação alimentar em lugar da progenitora faltosa, uma vez que suportou integralmente todas as despesas com o filho entregando à sua mãe, avó do menor, quantias situadas entre os €500,00 e os € 1.000,00 mensais.
A sua legitimidade decorre de um direito de sub-rogação legal nos termos do disposto no art. 592º, n º 1 do Cód. Civil.
Em sede de despacho saneador, foi proferida decisão que julgou o exequente B… parte ilegítima na presente acção executiva, tendo absolvido a executada C… da respectiva instância.
Inconformado com o decidido, o exequente interpôs recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I- Em processo de alteração de regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor D… requerido pelo progenitor B… foi a progenitora C… condenada por douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto a pagar uma pensão de alimentos de duzentos euros mensais ao seu filho menor e supra identificado.
II- O referido progenitor requerente da alteração tem legitimidade para assumir a posição do exequente na acção executiva baseada na supra referida sentença condenatória e exigir da progenitora faltosa o pagamento das prestações alimentícias a que foi condenado.
III- Tal legitimidade na constância da menoridade do filho afere-se pelo facto de o progenitor actuar em sua representação e substituição processual.
IV- E tal legitimidade mantém-se após a maioridade do filho pelo facto de estar a fazer valer um direito próprio que lhe advém do facto de ter cumprido a obrigação alimentar em lugar da progenitora faltosa, ou seja, a executada.
V- E isto porque conforme foi dado como provado no acórdão foi o progenitor quem tem vindo a suportar integralmente as despesas com o filho entregando à sua mãe - guardiã por acordo do seu neto – quantias situadas entre os 500 e os 1.000 euros.
VI- Não tem legitimidade para assumir a posição do exequente a avó guardiã não só porque não é credora da progenitora, como também pelo facto de não representar o menor.
VII- Inexiste locupletamento do progenitor se este procedeu ao pagamento integral de todas as despesas suportadas pela guardiã sua mãe e avó do menor, não só procedendo ao pagamento da prestação alimentícia que lhe fora fixada como também assegurando a prestação alimentícia devida pela progenitora faltosa.
A decisão recorrida violou a norma do artigo 26º do Cód. do Proc. Civil.
Pretende assim que a mesma seja revogada e que se ordene o prosseguimento da execução até arrecadação das quantias exequendas.
A executada apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Colhidos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 684º, nº 3 e 685º - A, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se o exequente (progenitor) tem legitimidade para intentar contra o outro progenitor acção executiva relativamente ao pagamento de prestações alimentícias vencidas durante a menoridade do seu filho (o qual entretanto atingiu a maioridade), estando este confiado à guarda da avó paterna.
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A 1ª Instância considerou assentes os seguintes factos:
1. No âmbito do processo de que estes são apenso, julgou-se parcialmente procedente o pedido e condenou-se a executada a pagar a título de alimentos a quantia de €65,00 mensais, ao que acresce as prestações em dívida desde a propositura da acção no montante de €2.795,00 - cfr. decisão de fls. 414 e ss. do apenso B.
2. Tal decisão foi alvo de recurso e o tribunal da Relação decidiu alterar o valor da pensão a pagar para a quantia de €200,00 mensais.
3. Em decisão anterior e datada de 6 de Maio de 2008, o então filho menor foi entregue provisoriamente à guarda e cuidados da avó paterna E….
4. Em 4 de Fevereiro de 2010 foi homologado acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tendo o menor ficado definitivamente à guarda e cuidados da avó paterna E…, com responsabilidade parental residual aos progenitores, regime livre de visitas, ficando o progenitor obrigado ao pagamento da pensão de alimentos devidos ao menor de €700,00 mensais a liquidar na conta da avó paterna do menor.
5. Não se chegou a acordo quanto à pensão de alimentos devidos pela progenitora, tendo o processo seguido para julgamento para dirimir somente esta questão, o que fez nos termos supra descritos em 1.
6. O progenitor instaurou a presente acção executiva com base no título descrito em 1, em 8.6.2010, pedindo o pagamento das prestações vencidas de Março a Junho de 2010 e as que já se encontravam em dívida desde a propositura da acção no valor de €2.795,00 e juros - cfr. requerimento executivo de apenso C que se dá por reproduzido.
7. O filho D… nasceu em 15.09.1992 - cfr. assento de nascimento de fls. 4 do apenso A.
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Passemos à apreciação jurídica.
No presente caso, B…, como progenitor de D…, veio deduzir acção executiva contra C… pedindo o pagamento das prestações alimentares, a cargo desta, vencidas entre Março e Junho de 2010 e as que já se encontravam em dívida no valor de 2.795,00€.
Fundou-se, para tal efeito, na sentença proferida no processo de que os presentes autos são apenso.
A acção executiva foi instaurada em 8.6.2010, ainda durante a menoridade do D…, que, porém, pouco tempo depois, em 15.9.2010, atingiu a maioridade.
Dos elementos factuais acima indicados decorre que o exequente não ficou com a guarda do menor. Com efeito, este foi confiado à guarda e cuidados da sua avó paterna E…, ficando o progenitor, ora exequente, obrigado ao pagamento de uma pensão de alimentos ao menor no montante de 700,00€ mensais. Por seu turno, a prestação alimentar a cargo da mãe viria a ser fixada em 200,00€ mensais.
A questão que se acha em discussão neste recurso, como já se enunciou, reconduz-se a saber se o ora exequente (progenitor) tem legitimidade para intentar contra o outro progenitor acção executiva relativamente ao pagamento de prestações alimentícias vencidas durante a menoridade do seu filho (o qual entretanto atingiu a maioridade), estando este confiado à guarda da avó paterna.
Na jurisprudência, as decisões relativas à legitimidade para reclamar judicialmente o pagamento das prestações alimentares vencidas durante a menoridade e não pagas atribuem-na tanto ao progenitor a quem o menor esteve confiado até à maioridade como ao próprio filho maior.
Porém, nessas decisões não se nega a nenhum deles a legitimidade para reclamá-las, limitando-se a reconhecê-la ao requerente, que, nuns casos, é o filho maior e, na maior parte deles, é o progenitor.[1]
Ora, sobre a legitimidade do progenitor neste tipo de situações, escreve Remédio Marques (in “Algumas Notas sobre Alimentos (devidos a menores) «versus» o Dever de Assistência dos Pais para com os Filhos (em especial Filhos Menores), Coimbra Editora, 2000) que “actuando o progenitor convivente (…) como substituto processual do menor – na eventual parte do objecto processual que tange à atribuição de prestações alimentícias (v.g., em acções de divórcio litigioso, regulação do exercício do poder paternal) – o caso julgado formado nessas acções é extensível ao substituído (o filho), pelo que a legitimidade executiva deste credor não é de excluir não obstante não ter sido demandante na anterior acção declarativa.
(…)
Quid juris, se, todavia, o filho maior (maxime, convivente) não requer a realização coactiva da prestação alimentar contra o outro progenitor? Poderá o progenitor convivente executar a decisão judicial condenatória se e quando tenha cumprido (total ou parcialmente) a obrigação (alheia) cuja satisfação incumbia ao outro?
Admite-se que, embora as prestações caibam “jure proprio” ao filho (“in casu”, maior), o progenitor convivente, que tenha custeado (total ou parcialmente) as despesas de sustento e a manutenção que ao outro obrigavam, possa subrogar-se nos direitos (de crédito) do filho.”
É assim de concluir, à semelhança do que se fez no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.1.2013 (p. 344-A/1996, disponível in www.dgsi.pt.), que quer o filho maior, quer o progenitor convivente gozam de legitimidade, substantiva e processual, para reclamar as prestações vencidas e não pagas durante a menoridade do filho: este, como titular do direito a alimentos “jure proprio”; o progenitor convivente, no caso de invocação de que prestou alimentos para além do que lhe cumpria, por sub-rogação, em consonância com o disposto no art. 592º, nº 1 do Cód. Civil.
Há, no entanto, conforme se escreve neste mesmo acórdão, uma gradação a ter em conta quanto à legitimidade substantiva para reclamar as prestações vencidas e não pagas durante a menoridade do filho: o progenitor só poderá promover a cobrança dos alimentos, em caso de inactividade do seu titular (o filho) e mediante a invocação da sucessão no crédito (por sub-rogação), alegando que cumpriu para além do que lhe competia, em lugar do outro progenitor. [2]
Sucede, porém, que no presente caso não se verifica nenhuma das duas situações a que se tem vindo a fazer referência.
A acção executiva, com vista ao pagamento de prestações alimentares vencidas e não pagas, não é proposta nem pelo filho, que entretanto atingiu a maioridade, nem pelo progenitor convivente.
Com efeito, o filho encontrava-se confiado à guarda e cuidados da avó paterna e não ao seu pai, aqui exequente.
Deste modo, verificando-se uma situação de incumprimento, era a avó paterna, a quem o menor estava confiado, que tinha legitimidade para reclamar judicialmente do progenitor faltoso o pagamento das prestações alimentares vencidas durante a menoridade e que estivessem em dívida.
É esta que, após a maioridade, se pode sub-rogar nos direitos de crédito do neto.[3]
Não o pai, que não sendo progenitor convivente, se encontra em posição similar à da mãe, estando ambos obrigados a prestar alimentos ao seu filho. O pai no montante de 700,00€ mensais e a mãe no de 200,00€ mensais (cfr. nºs 2 e 4, supra).
Como tal, neste caso, o ora exequente (pai) não tem legitimidade para em sede de acção executiva vir exigir do progenitor faltoso (mãe) o pagamento das prestações alimentares vencidas durante a menoridade do filho e que não foram pagas, uma vez que não se pode sub-rogar nos direitos de crédito do seu filho.
Ilegitimidade que, conforme se entendeu na decisão recorrida, constitui excepção dilatória e conduz à absolvição da instância executiva (cfr. arts. 493º, nºs 1 e 2, 494º, al. e) e 288º, nº 1, al. d) aplicáveis “ex vi” do art. 466º, nº 1 todos do Cód. do Proc. Civil).
Improcede, por conseguinte, o recurso interposto pelo exequente.
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Sintetizando a argumentação:
- O filho maior e o progenitor convivente gozam de legitimidade, substantiva e processual, para reclamar as prestações vencidas e não pagas durante a menoridade do filho: o filho maior, como titular do direito a alimentos “jure proprio”; o progenitor convivente, no caso de invocação de que prestou alimentos para além do que lhe cumpria, por sub-rogação.
- Porém, se o filho esteve confiado à guarda e cuidados da avó paterna a legitimidade para reclamar as prestações alimentares vencidas e não pagas durante a sua menoridade caberá, por sub-rogação, à avó paterna e não a qualquer dos progenitores, uma vez que ambos estavam obrigados a prestar alimentos.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso interposto pelo exequente B…, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Porto, 10.7.2013
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Márcia Portela
Manuel Pinto dos Santos
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[1] Cfr., por ex., Ac. Rel. Coimbra de 23.6.2009, p. 238-A/2001; Ac. Rel. Lisboa de 12.9.2008, p. 7602/2008; Ac. Rel. Lisboa de 4.3.2010, p. 20002-D/1996, todos disponíveis in www.dgsi.pt e Ac. Rel. Lisboa de 5.12.2002, CJ, ano XXVII, tomo V, págs. 90/1.
[2] Cfr. também Ac. Rel. Coimbra de 12.6.2012, p. 21-E/1997, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Durante a menoridade, a avó paterna, como guardiã do menor, actuaria em sua representação.