Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00044027 | ||
| Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
| Descritores: | INJUNÇÃO COMPETÊNCIA TERRITORIAL | ||
| Nº do Documento: | RP20100614178185/08.7yiprt-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 06/14/2010 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA. | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I- O processo de injunção só é remetido para distribuição caso haja oposição pelo que só após esta o contestante terá conhecimento do Tribunal para onde foi remetido o processo, pelo que só em momento posterior à contestação poderá ser arguida a eventual incompetência em razão do território. II- As regras da competência em razão do território podem ser afastadas, alvo nos casos mencionados no art. 110º do CPC, sendo que um dos casos previstos no nº1 diz respeito às acções mencionadas na 1ª parte do art. 74º ou seja, as acções em que o demandado é uma pessoa singular; em relação às pessoas colectivas não se verificam as razões que estiveram na base da opção do legislador. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Apelação178185/08.7yiprt-A.P1 Apelante: B………………, Lda Apelada: C……………., S.A. (Tribunal Judicial de Matosinhos – 3.º Juízo Cível) Acordam neste Tribunal da Relação do Porto SUMÁRIO I- O processo de injunção só é remetido para distribuição, caso haja oposição, pelo que só após esta, o contestante terá conhecimento do Tribunal para onde foi remetido o processo. Logo, o contestante só poderá arguir a eventual incompetência do tribunal, em momento posterior à contestação, não podendo ser julgada extemporânea. II- As regras da competência em razão do território podem ser afastadas, salvo nos casos a que se refere o art.º 110.º do CPC. Um dos casos que o art.º110.º prevê é o tipo de acções previsto na 1.ª parte do art.º 74.º ou seja as acções em que o demandado é uma pessoa singular. Em relação às pessoas colectivas não se verificam as razões que estiveram na base da opção do legislador. I- RELATÓRIO No âmbito da injunção instaurada por B…………., Lda. contra C…………., S.A. veio a ser apresentada contestação por esta, o que determinou a distribuição como acção declarativa com processo ordinário, no Tribunal Judicial de Matosinhos. No articulado que apresentou após a remessa dos autos para distribuição, veio a ré invocar a excepção da incompetência territorial daquele Tribunal. Alega para o efeito que a acção deveria ter sido intentada no Tribunal Judicial de Lisboa, por força do pacto de aforamento expressamente convencionado pelas partes, no contrato do que emerge a obrigação que constitui a causa de pedir. Na réplica, a Autora defende a intempestividade da invocação de tal excepção uma vez que a sede da defesa por excepção é a contestação e não em articulado superveniente. Na tréplica, a Ré pugna pela tempestividade da referida arguição uma vez que só após a distribuição, posterior à contestação, é que teve conhecimento do foro no qual a acção foi distribuída. O Tribunal de Matosinhos considerou tempestiva a arguição da excepção e julgou-a procedente, decidindo pela incompetência daquele Tribunal, em razão do território, por violação do pacto de aforamento e ordenou a remessa dos autos às Varas Cíveis de Lisboa. Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: 1- A excepção da incompetência territorial foi invocada num articulado superveniente (não em sede de contestação), como tal intempestivamente; 2- O pacto de aforamento invocada pela Ré é nulo, por força do art.º100.º, n.º1 do CPC. 3- Também é nulo por força do regime do D.L. n.º446/95; 4- O Tribunal a quo é competente, face ao art.º 74.º n.º 1 do CPC. Nas suas contra - alegações, a Apelada pugnou pela confirmação da decisão recorrida, concluindo do seguinte modo: A) Inconformada com o Douto Despacho do Tribunal a quo - que conhece a excepção deduzida pela Ré e julga o Tribunal incompetente, em razão do território - veio agora a Autora interpor recurso, cujo objecto se pode delimitar ao conhecimento de duas questões: a pretensa intempestividade da excepção de incompetência territorial, e a alegada nulidade do pacto de aforamento. B) A notificação, enviada à Ré pelo Balcão Nacional de Injunções, utiliza um formulário standard, típico das injunções, que não se faz acompanhar do requerimento de injunção, e nenhuma referência contém ao Tribunal para o qual será remetido para distribuição, caso seja deduzida oposição. C) Por isso, no momento em que a Ré deduz oposição, não tinha conhecimento do Tribunal para onde o requerimento de injunção seria remetido, e não podia, nesse momento, invocar a excepção em causa. D) Nas acções originárias de processo de injunção, e por força do seu regime processual especial, a fase de distribuição opera-se num momento diferente do que numa acção condenatória em processo comum: nesta, o processo é distribuído e depois citado o réu, ao passo que na injunção o processo só é distribuído depois de contestado. E) A Ré, ora Recorrida, deduziu a excepção de incompetência territorial logo que tomou conhecimento da distribuição; em menos de 10 dias contados dessa distribuição. F) A dedução desta excepção, pela Ré, não causou nenhum incómodo nem perturbação na marcha do processo, nem diminuiu qualquer direito da contra-parte, que respondeu à excepção, exercendo o contraditório. G) É correcta a aplicação - nos termos em que a faz o Tribunal a quo - da segunda parte do n.º 1 do art. 109 CPC, uma vez que é pressuposto do elemento de previsão da norma que o réu tenha conhecimento do facto que origina a incompetência relativa a arguir. Também a ratio legis do mesmo preceito é estabelecer um momento próprio para o réu arguir as excepções que dependem de factos que conheça, ou deva conhecer. H) Pelo exposto, bem decidiu o Douto Despacho recorrido, concluindo pela tempestividade da excepção de incompetência territorial. I) Quanto à alegada nulidade da cláusula contratual que constitui pacto de aforamento, a Recorrente não pode querer dar como boa a cláusula do preço e invalidar a cláusula de aforamento, como se pudesse escolher só aquilo que agora lhe convém no contrato e enjeitar as cláusulas que não lhe convenham, não obstante as tenha aceite, assinado, e até à data nunca posto em causa; porque tal actuação é contrária à regra pacta sunt servanda e viola o princípio da boa fé, consagrado no art. 334.º C. Civil; para além de comprometer os pressupostos essenciais de formação do negócio jurídico, pois que as partes só acordaram aquelas condições (e aquele preço) no pressuposto e na convicção que as mesmas são válidas. E são, de facto, válidas. J) Como primeiro fundamento dessa alegada nulidade, a Recorrente invoca o art. 100, n.º 1, do CPC. Contudo, só agora, em sede de recurso, a Autora suscita essa questão, uma vez que a mesma não fora alegada anteriormente da Réplica. Tratando-se de uma questão nova, ou fundamento diferente, como bem tem sustentado o Supremo Tribunal de Justiça "o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre matéria não alegada perante o tribunal recorrido" (Ac. STJ de 06-07-2006), que é o caso dos autos. L) Na verdade, na réplica, havia a Autora/Recorrente alegado a invalidade do pacto de aforamento, mas com outros fundamentos completamente distintos, a saber: porque o contrato teria sido assinado por funcionário da Autora, não gerente, e porque alegadamente tais condições não tinham sido negociadas e explicadas à gerência da Autora (sic). Como nesses dois fundamentos não cabe a questão nova que a Recorrente vem agora em recurso invocar (do art. 100, n," 1, do CPC) não deve esta matéria do recurso ser conhecida por este Venerando Tribunal. M) Sem prescindir, sendo a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações de um contrato, se não tivessem as partes estabelecido o foro exclusivo do Tribunal da comarca de Lisboa, pela regra geral (art. 74/1 CPC) a acção poderia ser proposta em Matosinhos ou em Lisboa. N) Por isso" não colhe a tese sustentada pela Recorrente, nas suas alegações, a propósito do conhecimento oficioso da incompetência territorial. .. mas qual incompetência? Se não tivesse existido pacto de aforamento, o Tribunal de Matosinhos seria competente, não havendo, assim, incompetência alguma a conhecer oficiosamente. O) Nem, de igual modo, a referida cláusula do contrato "afastou as regras definidoras da competência territorial", porque, por essas regras (art. 74/1 CPC), o foro de Lisboa sempre seria competente, por ser o domicílio da Ré. P) A Douta Jurisprudência citada pela Recorrente - em especial o Ac. RP 5.6.08 - decide sobre pressupostos diferentes dos do caso dos autos, pois que aí o réu não tinha deduzido qualquer excepção, e o pacto de aforamento violava tais regras definidoras da competência, ao passo que no caso dos autos a factualidade é diametralmente oposta (a Ré invocou a excepção, e o pacto de aforamento não viola as regras de competência). R) O art. 100 do CPC, com a epígrafe "Competência Convencional", admite que as partes possam afastar a aplicação das regras de competência em razão do território. No preceito legal, o vocábulo "afastar" significa "contrariar; dispor de forma diferente". Ora, no caso dos autos, esta cláusula compromissória em concreto, acordada pelas Partes, não afasta, não contraria, as regras de competência. Pois que, a regra geral de competência (74/1 CPC) permitia foros alternativos (Matosinhos ou Lisboa), e o que as partes fizeram, no contrato, foi apenas escolher um desses foros (Lisboa). Por isso, se verifica que, neste caso concreto, a cláusula contratual acordada pelas Partes não afasta nem contraria as regras de competência territorial. S) A segunda alegada razão, apresentada pela Recorrente, para invocar a invalidade da cláusula, prende-se com o regime das Cláusulas Contratuais Gerais, em especial a al. g) do art. 19 desse diploma (Dec.-Lei 446/85). T) Ora, da análise dos vários documentos que constituem o contrato (Doc. 1 junto à contestação ordem de compra, condições gerais, e detalhe da ordem de compra, com condições especiais) conclui-se que as duas páginas de condições gerais tinham - em concreto - um papel diminuto, de mera aplicação supletiva em relação às extensas 8 páginas de detalhe e condições especiais. Por isso, neste contrato não predomina o elemento contratual geral em relação ao elemento contratual especial, o que desqualifica a natureza de contrato de adesão, prevista no Dec.-Lei n.º 446/85. U) Além disso, se a ratio legis do legislador é impedir a inserção nos contratos de certas cláusulas "nocivas ou injustas" (citando o preâmbulo do Dec.-Lei n.º 446/85), da leitura das condições gerais, no caso dos autos, antes se verifica o seu teor meramente instrumental, complementar e supletivo em relação a todo o detalhe das condições especiais; não se podendo dizer, portanto, serem estas cláusulas "nocivas ou injustas". V) Termos em que se deve concluir pela não aplicação Dec-Lei n," 446/85 ao contrato em causa. X) Sem prescindir ... ainda que fosse de aplicar o Dec.-Lei n.º 446/85 ao contrato em causa, a alinea g) do art. 19 tão-somente proíbe cláusulas que estabeleçam um foro que envolva graves inconvenientes para uma das partes, circunstância que não foi invocada pela Autora/Recorrente, nem faria sentido sequer colocar, não se tratando o foro convencional de nenhum local longínquo, nem desconexo com o domicílio das partes. Em suma, o que as partes acordaram foi o critério do domicílio do réu, que - sendo, aliás, o critério basilar na determinação da competência territorial em processo civil - é inteiramente válido e deve ser cumprido, conforme a isso se comprometeram ambas as partes. II- OS FACTOS Para além da factualidade que consta do precedente relatório, destacam-se os seguintes elementos que resultam do processo e relevam para a decisão: 1- A presente acção foi distribuída em 22-10-2008. 2- Com data de 24-10-2008, foi remetida à ré pelo Balcão Nacional de Injunções, a notificação de que “ em 21-10-2008, o procedimento de injunção (…) foi enviado à secretaria judicial do Tribunal de Matosinhos, para ser submetido a distribuição (…)”. 3- Do contrato celerado pelas partes consta a cláusula 19.º com o seguinte teor:”todas as nossas encomendas se regem pela lei portuguesa. Para resolução de qualquer litígio será competente o Tribunal de Lisboa com expressa renúncia a qualquer outro.” 4- A Ré tem a sua sede na Av.ª ……….., em Lisboa. III- O DIREITO Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa conhecer neste recurso são as seguintes: 1- Intempestividade da arguição da excepção da incompetência; 2- Validade da cláusula de aforamento. 1- Quanto à primeira questão, defende a Apelante que a dedução da excepção da incompetência relativa do Tribunal é extemporânea, por não ter sido feita na contestação, mas em articulado superveniente. O Tribunal a quo entendeu que a invocação foi tempestiva, baseando-se nas características especiais do processo de injunção. Quid juris? Estabelece o art.º 109.º n.º 1 do CPC, quanto ao regime de arguição da incompetência relativa que ela será arguida no prazo “fixado para a contestação, oposição ou resposta ou, quando não haja lugar a estas, para outro meio de defesa que tenha a faculdade de deduzir.” No caso presente, é evidente que o réu não arguiu a excepção no articulado de oposição à injunção. Porém, tal como foi entendido na decisão recorrida, afigura-se-nos que essa circunstância não determina a intempestividade da arguição da excepção. Com efeito, por força do regime aplicável aos processos especiais de cumprimento de obrigações pecuniárias, os requerimentos de injunção devem ser apresentados no Balcão Nacional de Injunções que, por sua vez, tem competência para notificar o requerido, além do mais, para, em quinze dias, pagar o montante peticionado ou deduzir oposição, sob pena de ser concedida força executiva ao requerimento de injunção. Tal notificação nenhuma referência faz ao tribunal para o qual este requerimento será remetido para distribuição, em caso de dedução de oposição. Na verdade, o Balcão Nacional de Injunções utiliza um modelo de formulário standard típico das injunções que não contém qualquer indicação do Tribunal para onde a acção será remetida. Na verdade, o processo só será remetido para distribuição, caso venha a ser apresentada oposição, ou seja, o processo só é distribuído depois de contestado, ao contrário do que sucede no processo comum. Esta especificidade própria do processo de injunção terá de ser considerada na apreciação deste problema. Não faria sentido que ao contestante fosse imposto que arguisse excepção da incompetência do Tribunal num momento em que o processo ainda não foi distribuído em qualquer tribunal. O contestante só pode arguir a incompetência do Tribunal no momento em que lhe for comunicado que o processo foi distribuído nesse Tribunal. Antes desse momento, o Réu não tem conhecimento do facto que constitui a excepção, pelo que, logicamente, não a pode invocar. Como se depreende da leitura do art.º 109 n.º1 do CPC, pressuposto da invocação da excepção é que o réu tenha conhecimento do facto que origina a incompetência relativa a arguir. Se o réu só tomar conhecimento do facto que constitui a excepção decorrido o prazo da contestação, só depois desta poderá arguir a excepção, em regra no prazo geral de dez dias a contar do conhecimento. E foi o que fez a Apelada. Bem decidiu, portanto, o Tribunal de primeira instância ao julgar tempestiva a arguição da excepção. Improcedem nesta parte as conclusões da Apelante. 2- Cumpre agora apreciar do mérito da excepção invocada, que passa pela análise da questão da invocada nulidade da cláusula de aforamento que constitui a cláusula 19.ª do contrato a que os autos de referem. A presente acção teve origem num requerimento de injunção que, perante a oposição da requerida, se transformou em acção declarativa com processo ordinário. O litígio tem na sua base a execução de um contrato escrito, celebrado entre as partes. Nesse contrato, na página das “Condições Gerais” consta a cláusula 19.ª com o seguinte teor: “Lei e Jurisdição Aplicáveis: Todas as nossas encomendas se regem pela lei portuguesa. Para resolução de qualquer litígio será competente o Tribunal de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro.” Vejamos qual o quadro normativo aplicável ao caso: Antes da entrada em vigor da Lei 14/2006 de 26 de Abril, o art. 74 nº1 do CPC dispunha que a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento seria proposta, à escolha do credor, no tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu. Por sua vez o art. 100º do mesmo diploma estabelecia, e estabelece, que as regras de competência em razão do território podem ser alteradas por convenção expressa salvo os casos referidos no art. 110.º. Com a entrada em vigor da Lei 14/2006, o art. 74 nº1 passou a ter a como redacção "A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana." E o art. 110º foi alterado passando a determinar que é do conhecimento oficioso a incompetência em razão do território "nas causas a que se referem o artigo 73º, a primeira parte do nº 1 e o nº 2 do artigo 74.º, os artigos 83.º, 88.º e 89.º nº 1 do artigo 90.º, a primeira parte do nº 1 e o nº 2 do artigo 94.º". Por sua vez, o art.º 6.º da Lei n.º 4/2006, de 26-04, contém uma norma transitória especial onde se estabelece que a lei se aplica apenas às acções e aos requerimentos de injunção instaurados ou apresentados depois da sua entrada em vigor que ocorreu em 1 de Maio de 2006. É o caso da presente acção instaurada em 2008. Definido o enquadramento legal da questão importa proceder à respectiva aplicação. Nos termos do já mencionado art.º 74.º n.º1 do CPC, tratando-se a ré de uma pessoa colectiva e abstraindo agora do pacto de aforamento celebrado, competente para a apreciação desta causa seria o tribunal do domicílio da Ré (ou seja Lisboa), ou o tribunal do lugar onde a obrigação deveria ser cumprida. Tratando-se de uma obrigação pecuniária, esta deveria ser cumprida, nos termos do art.º 774.º do Código Civil, no lugar do domicílio do credor, ao tempo do cumprimento, ou seja, na comarca de Matosinhos. Conforme resultado do disposto no art.º 74.º n.º 1 do CPC, competente para a apreciação da causa seria o Tribunal de Lisboa, ou o Tribunal de Matosinhos, à escolha do credor. Como face à lei aplicável, quer o Tribunal de Lisboa, quer o Tribunal de Matosinhos seriam competentes, tem mesmo de ser analisada a questão da validade do pacto de aforamento firmado pelas partes, questão que estaria prejudicada, caso resultasse da lei a exclusiva competência do Tribunal de Lisboa. Há então que apurar se, no caso em apreço, está vedado o afastamento por convenção das regras de competência territorial, o que só pode ocorrer se estivermos perante uma causa referida no art.º 110.º n.º1 do CPC, em que a incompetência relativa é susceptível de conhecimento oficioso. Conforme estabelece o art.º110.º n.º 1 a) do CPC “ a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal (…) nas causas a que se referem (…) a primeira parte do n.º1 e n.º2 do art.º 74.º.” Ora esta referência à 1.º parte do art.º 74.º não pode senão referir-se às pessoas singulares, já que a 2.º parte se refere aos casos em que o demandado é uma pessoa colectiva[1]. Se assim não entendermos fica sem conteúdo lógico a referência à primeira parte do art.º 74.º n.º1. Não só o elemento literal da norma conduz à interpretação que ora se preconiza como para a mesma concorre o seu elemento histórico e teleológico. Na verdade, se observarmos o contexto em que o legislador aprovou a lei n.º 14/2006, verificamos que “a adopção das medidas ali consignadas assentavam na constatação de que grande parte da litigância civil se concentrava nos principais centros urbanos de Lisboa e Porto, onde se concentravam as sedes dos litigantes de massa, ou seja, as empresas que, com vista à recuperação dos seus créditos provenientes de situações de incumprimento contratual, recorrem aos tribunais de forma massiva e geograficamente concentrada”[2]. Mas não só: a defesa do consumidor foi o valor primordial que o legislador visou salvaguardar com a alteração introduzida em matéria de atribuição da competência em razão do território nas enunciadas acções[3]. É, pois, considerando estas duas vertentes – descongestionamento dos tribunais das comarcas de Lisboa e Porto e o reforço do “valor constitucional da defesa do consumidor”[4] que se há-de encontrar o sentido da lei. Claramente o legislador pretendeu estabelecer uma diferença de regimes conforme o demandado seja pessoa singular ou pessoa colectiva. Na 1.ª parte do art.º 74.º n.º 1 do CPC estabeleceu a competência do tribunal do domicílio do réu, caso este seja pessoa singular. Excepcionalmente, o credor pode optar entre o tribunal do domicílio do réu ou do lugar onde a obrigação deva ser cumprida, caso o demandado seja pessoa colectiva. Segundo o art.º 100.º do CPC, “as regras da competência em razão do território podem ser afastadas, salvo nos casos a que se refere o art.º 110.º” E um dos casos que o art.º 110.º prevê é, justamente, o tipo de acções previsto na 1.º parte do art.º 74.º, ou seja, as acções em que o demandado é pessoa singular. Ficam, logicamente, excluídos os casos em que o demandado é uma pessoa colectiva. Na verdade, em relação às pessoas colectivas não se verificam as razões que estiveram na base da opção do legislador. Por um lado, a razão do descongestionamento dos tribunais das comarcas de Lisboa e Porto. Regra geral, não são as pessoas colectivas os destinatários dos litigantes de massa. São fundamentalmente as acções contra os consumidores singulares, para cobrança de dívidas provenientes de incumprimento contratual, que congestionam os tribunais. Por outro lado, é a estes consumidores que a lei visou proteger, evitando que a sua defesa ficasse prejudicada, em consequência da distância que os separava da comarca onde era proposta a acção. Flui do exposto que o presente caso é um daqueles em que a incompetência relativa em razão do território não é de conhecimento oficioso, logo não está vedado às partes o afastamento das regras de competência territorial. Importa salientar que no caso presente, as partes não afastaram as regras da competência territorial, pois o Tribunal da comarca de Lisboa sempre seria competente para a acção, por força da lei aplicável. As partes limitaram-se a restringir a possibilidade de o credor optar entre a comarca de Lisboa e a comarca de Matosinhos. A Apelante invoca ainda a nulidade do pacto de aforamento por força do disposto no art.º 19.º g) do DL n.º 446/85. Estabelece aquela norma que “ são proibidas as cláusulas contratuais gerais que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.” Sucede que teria de ter sido alegada pela Autora, ora Apelante, a verificação de tais graves inconvenientes que não se vislumbram, tanto mais que sempre o foro de Lisboa seria o competente para a acção, como ficou sublinhado supra. Por outro lado, não se verifica igualmente o pressuposto constante da parte final do preceito, ou seja, a ausência de interesse da outra parte. No caso em apreço, é óbvio o interesse da Ré em ser demandada no foro da sua sede, como é notório por uma questão de facilidade de deslocações e custos relacionados com a gestão do contencioso. Não há assim qualquer fundamento para concluir pela nulidade da cláusula em apreço, à luz do referido preceito legal. A Autora/Apelante invoca o facto de o contrato ter sido assinado por “engenheiro da Autora, responsável pela obra, seu trabalhador dependente, mas não gerente” e que este “devolveu rubricada a ordem de compra da Ré, escrita em inglês, com as respectivas condições gerais, em português, em sinal de recepção da encomenda e de aceitação de execução dos trabalhos, nos termos que tinham sido definidos previamente”. E acrescenta a Apelante que “ o teor das condições gerais de compra e da ordem de compra não foi negociado previamente, nem explicado nem informado a esse trabalhador da Autora que dele não tomou conhecimento nem a ele aderiu, nem ao pacto de competência referido.” Parece a Autora/ Apelante pretender dizer que a cláusula de aforamento em questão não a vincula porque o contrato em que se insere foi assinado por um funcionário seu e não por um gerente. Contudo, a Autora nunca invocou a falta de poderes de representação por parte de quem subscreveu o contrato em causa. De tal modo que propôs a acção tendo como causa de pedir a celebração desse contrato, sem qualquer dúvida quanto à sua validade. A Autora aceitou, portanto, a sua vinculação ao contrato dos autos. Logo, ao abrigo do disposto no art.º 376.º n.º 2 do Código Civil, tem de aceitá-lo no seu todo. Outra questão suscitada pela Apelante é a da falta de comunicação da cláusula de aforamento. Dispõe o art.º 5.º do D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro[5] que “1- as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com antecedência necessária para que tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.” Dos documentos constantes dos autos resulta que a Ré enviou à Autora a ordem de compra nº. 333000030, acompanhada de uma comunicação da qual consta que "Todos os requisitos gerais e específicos definidos na presente encomenda e seus anexos, os códigos, normas e legislação aplicável para o cumprimento integral do fornecimento e as nossas condições gerais de compra são parte integrante desta encomenda", mais referindo que "A presente encomenda é enviada em dois exemplares devendo um deles ser-nos devolvido, devidamente assinado e carimbado, no prazo de cinco (5) dias úteis, em sinal de aceitação sem reservas das condições estabelecidas", A referida ordem de compra foi devolvida à Ré pela Autora, ora Apelante depois de em cada uma das folhas, incluída aquela em que se mostram apostas as condições gerais de venda, ter aposto o seu carimbo e uma rubrica, alegadamente do referenciado engenheiro responsável e acompanhada da carta que constitui o documento onde se lê: “Assunto: Aceitação Documentação", referindo que "Junto envio a vossa encomenda em referência, assinada e carimbada pela B………….". Do teor dos documentos referidos resulta que a Ré cumpriu o dever de comunicação a que estava obrigado, disponibilizando o documento onde se encontra exarada a cláusula em discussão, com a suficiente antecedência para que a Autora procedesse à sua análise e ponderação. A Autora remeteu à Ré o contrato, assinado e carimbado, sendo portanto de presumir que só o fez depois de ter lido todas as cláusulas e por não lhe terem suscitado quaisquer dúvidas. Atento todo o circunstancialismo envolvente, não é verosímil que a Autora não tenha tido conhecimento da cláusula em discussão ou que não tenha compreendido o seu teor. Não há assim, qualquer fundamento para a invocada nulidade. Improcedem, assim, todas as conclusões da Apelante. Bem decidiu, portanto, o Tribunal a quo. IV- DECISÃO Em face do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar o recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida. Custas pela Apelante. Porto, 14 de Junho de 2010 Maria de Deus Simão da Cruz Silva D. Correia Maria Adelaide de Jesus Domingos Ana Paula Pereira de Amorim _______________ [1] Ao contrário do que entendeu o Tribunal da Relação do Porto nos acórdãos de 15-03-2007 e 26-01-2010, in www.dgsi.pt [2] Acórdão da Relação do Porto de 15-03-2007, já citado, cujas premissas acompanhamos, não podendo porém concordar com a conclusão final. [3] Vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 22-04-2008, in www.dgsi.pt. [4] Vide a “Exposição de motivos” da proposta de Lei n.º 47/X (Diário da Assembleia da República, de 15 de Dezembro de 2005, pp.11-15, proposta que esteve na base da Lei n.º 14/2006, onde se pode ler: "1- O Programa do XVII Governo Constitucional assumiu como prioridade a melhoria da resposta judicial, a consubstanciar, designadamente, por medidas de descongestionamento processual eficazes e pela gestão racional dos recursos humanos e materiais do sistema judicial. A necessidade de libertar os meios judiciais, magistrados e oficiais de justiça para a protecção de bens jurídicos que efectivamente mereçam a tutela judicial, e devolvendo os tribunais àquela que deve ser a sua função constitui um dos objectivos da Resolução do Conselho de Ministros n. o 100/2005, de 30 de Maio de 2005, que, aprovando um Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, previu, entre outras medidas, a «introdução da regra de competência territorial do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações, sem prejuízo das especificidades da litigância característica das grandes Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. A adopção desta medida assenta na constatação de que grande parte da litigância cível se concentra nos principais centros urbanos de Lisboa e do Porto, onde se situam as sedes dos litigantes de massa, isto é, das empresas que, com vista à recuperação dos seus créditos provenientes de situações de incumprimento contratual, recorrem aos tribunais de forma massiva e geograficamente concentrada. Ao introduzir a regra da competência territorial do tribunal da comarca do demandado para este tipo de acções reforça-se o 'valor constitucional da defesa do consumidor - porquanto se aproxima a justiça do cidadão, permitindo-lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo - e obtém-se um maior equilíbrio da distribuição territorial da litigância cível. O demandante poderá, no entanto, optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o demandado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na Área Metropolitana de Lisboa ou do Porto, o demandado tenha domicílio nessa mesma área. No primeiro caso, a excepção justifica-se por estar ausente o referido valor constitucional de protecção do consumidor; no segundo, por se entender que este intervém com menor intensidade. Com efeito, nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto não se afigura especialmente oneroso que o réu ou executado singular continue a poder ser demandado em qualquer das demais comarcas da área metropolitana em que reside, nem se descortinam especiais necessidades de redistribuição do volume processual hoje verificado em cada uma das respectivas comarcas." [5] Alterado pelo D.L. n.º 220/95 de 31-08 , D.L. n.º 249/99 de 07-07 e D.L. n.º 323/2001, de 17-12. |