Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
727/10.9TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO LIMA COSTA
Descritores: DECISÃO PENAL CONDENATÓRIA
ACÓRDÃO CRIMINAL DE ABSOLVIÇÃO
PRESUNÇÃO PROBATÓRIA
VALOR PROBATÓRIO
Nº do Documento: RP20150409727/10.9TVPRT.P1
Data do Acordão: 04/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O acórdão criminal que absolve o arguido da prática de um crime de furto que igualmente constitui a causa de pedir em acção cível, não tem a virtualidade de presunção probatória prevista no art. 623 do Código de Processo Civil – com a epígrafe “oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória” –, pelo que não se verifica presunção probatória oponível à ré seguradora dessa acção cível.
II - Mas o acórdão criminal de absolvição só será uma decisão de absolvição relevante, para os efeitos de extensão de eficácia probatória previstos no art. 624 do Código de Processo Civil – com a epígrafe “eficácia da decisão penal absolutória” –, quando se apoia na demonstração positiva de que o crime não ocorreu, ou que, tendo ocorrido, na demonstração positiva de que tal crime não foi praticado pelo arguido.
III - A absolvição criminal fundada na falta de prova não tem a eficácia de extensão probatória ao litígio cível, na forma de presunção probatória prevista no dito art. 624.
IV - Mas o acórdão criminal, fora das presunções legais de prova dos arts. 623 e 624 do Código de Processo Civil, tem sempre valor probatório atendível pelo tribunal cível, dentro do princípio de livre apreciação da prova e segundo a obrigação que impende sobre o tribunal de apreciar todas as provas produzidas, tal como essa obrigação consta no art. 413 do Código de Processo Civil.
V - Na dimensão de valor probatório, o acórdão criminal traduz uma apreciação de factos pertinentes fundada na correspondente reconstituição, feita dentro de ordenamento legal e institucional que se reputa como equilibrado quanto à possibilidade de contribuição contraditória para tal reconstituição, ordenamento esse orientado para a verdade e comandado por agentes que se querem perspicazes e que são isentos, tendo acesso a razões de ciência especificamente condicionadas para reproduzirem a verdade – a verdade é unívoca e não se adjectiva com o epíteto “material”, nem com qualquer outro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 727/10.9TVPRT
Juiz Relator: Pedro Lima da Costa
Primeiro Adjunto: Pedro Martins
Segundo Adjunto: Judite Pires

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
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No dia 13/9/2010, B… intentou a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra C…, Companhia de Seguros, Sociedade Anónima, hoje denominada D…, Sociedade Anónima, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 274.571,70€, acrescida de juros contados desde 24/11/2008, os quais incidem sobre o capital de 256.210€.
Sumariamente, alega o autor:
Em 18/8/1997 o autor e a ré celebraram contrato de seguro, o qual cobriria o sinistro furto ocorrido na habitação do autor;
No dia 21/11/2008, quando entrou na habitação, o autor constatou que desconhecidos se haviam introduzido na mesma e furtado jóias, de que se apropriaram e que jamais foram recuperadas, estando as mesmas guardadas dentro de uma gaveta da cómoda de um dos quartos;
Esse furto foi objecto do inquérito criminal 1250/08.7PRPRT, o qual veio a ser incorporado no inquérito 1324/08.4PPPRT;
Conforme consta na acusação deduzida em 5/2/2010 contra 21 arguidos, foram furtadas jóias no valor de 256.210€, sendo também esse o montante que em 24/11/2008 o autor tinha reclamado à ré;
Os autores do furto entraram na habitação pela introdução de película radiográfica ou outro objecto de plástico, assim abrindo o trinco da porta;
A ré nada pagou.
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Na contestação, a ré conclui que a acção deve improceder, por não provada, e a ré absolvida do pedido.
Sumariamente, alega a ré:
A ré constatou nas suas averiguações a inexistência de prova da ocorrência do furto invocado pelo autor;
Só com sentença transitada em julgado confirmando a prática do furto já descrito na acusação se provará esse furto e operará o seguro, mas isto dentro das condições contratuais do mesmo seguro;
Ou seja, quando subscreveu o seguro o autor não identificou jóias e objectos de ouro e quanto ao específico quarto da habitação onde se alega ter sido finalizado o furto limitou o valor do recheio ao equivalente a 24.939,89€, acrescendo a esse montante uma quantia de reforço no valor líquido de 30.874,79€, mas esses montantes adicionados de 55.814,68€ estão reduzidos em 70% por força da não discriminação inicial dos objectos ora invocados, pelo que a responsabilidade da ré, descontada a franquia de 25€, sempre estará limitada a 16.719,40€.
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Na réplica o autor conclui como na petição inicial.
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Na tréplica a ré conclui como na contestação.
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No dia 22/4/2013 transitou em julgado a decisão que tinha sido proferida em primeira instância no referido processo criminal 1324/08.4PPPRT.
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No despacho saneador definiu-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas de prova.
Procedeu-se ao julgamento.
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Na sentença julgou-se a acção parcialmente procedente e condenou-se a ré a pagar ao autor a quantia de 256.185€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos até efectivo pagamento.
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A ré apelou da sentença, a fim de a mesma ser revogada e a ré absolvida do pedido.
A ré formula as seguintes conclusões:
1 A recorrente não se conforma com os fundamentos de facto e de direito explanados na sentença;
2 A sentença viola o disposto, entre outras, das disposições constantes nos artigos 342 do Código Civil e 623 do Código de Processo Civil;
3 A matéria de facto constante dos pontos 5, 6 e 7 da sentença devia ter sido julgada não provada;
4 O MM.º Juiz do Tribunal “a quo” fundou a resposta positiva a tal factualidade exclusivamente no teor do acórdão condenatório, já transitado em julgado, proferido no processo 1324/08.4PPPRT, que correu seus termos pela 2ª Vara Criminal do Porto, no qual foram os arguidos aí identificados condenados pela prática do crime de furto de jóias e artefactos de ouro, no valor global de 256.210€, pertencentes ao recorrido, que se encontravam no interior da sua residência sita na …, …, hab. . e ., no Porto;
5 Concluiu o MM.º Juiz que, à luz do disposto no artigo 623 do Código de Processo Civil, competia à recorrente ilidir os factos subjacentes à decisão penal condenatória, designadamente demonstrar que não foram os arguidos os autores do furto ocorrido na residência do autor;
6 Com o devido respeito pelo entendimento do MM.º Juiz, todo o raciocínio que lhe está subjacente [no tocante à fundamentação da demonstração da factualidade dos pontos 5, 6 e 7 da sentença] encontra-se suportada num dado errado;
7 Os arguidos do processo crime a que a sentença alude não foram condenados pela prática do crime de furto de jóias e artefactos de ouro pertencentes ao recorrido;
8 O referido acórdão, cuja certidão se encontra junta aos presentes autos, transitado em julgado em 22/4/2013, condenou cinco dos seis arguidos pela prática de vinte e oito crimes de furto qualificado e um crime de furto qualificado tentado [vd. página 637 e seguintes do acórdão], sendo certo que nenhum desses vinte e nove crimes se reporta ao inquérito 1250/08.7PRPRT;
9 Ainda no acórdão, no elenco dos factos não provados [páginas 399 e seguintes] verifica-se a menção expressa à ausência de demonstração que qualquer um dos arguidos tenha praticado os factos relativos ao inquérito 1.250/08.7PRPRT;
10 A recorrente não foi parte no citado processo crime, pelo que o teor do acórdão não constitui, quanto a si, caso julgado, nem do mesmo deriva, na ausência de condenação relativamente aos factos em causa nos presentes autos, qualquer presunção;
11 A decisão penal não consubstancia uma verdadeira decisão penal condenatória e encontra-se fundamentada, quanto aos factos relativos ao evento dos presentes autos, exclusivamente no depoimento do ora recorrido e da sua filha, não tendo sido inquirido o agente da PSP que elaborou o auto de notícia, tal como não é realizada qualquer referência a qualquer indício recolhido pelo Núcleo de Investigação Criminal ou sequer ao depoimento de qualquer profissional desse NIC que tenha intervindo no apuramento dos factos;
12 Encontrando-se afastada a aplicação do disposto no artigo 623 do Código de Processo Civil, competia ao recorrido, à luz do disposto no artigo 342 do Código Civil, fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado e susceptíveis de fazerem funcionar as garantias do contrato de seguro;
13 O recorrido não fez qualquer prova da factualidade ínsita nos pontos 5, 6 e 7 da sentença;
14 A recorrente arrolou duas testemunhas, E… e F…, cujos depoimentos confirmaram a inexistência de quaisquer vestígios da ocorrência dos factos participados;
15 A recorrente impugnou a parte do auto de notícia em que à frente da questão “a PSP deslocou-se ao local e detectou indícios claros da prática dos factos?” se encontra a resposta “sim”;
16 Impugnou-o porque, na fracção segura, não existiam quaisquer indícios da prática dos factos, mas também porque tal referência consta de um campo do documento de preenchimento informático, com relevância para efeitos estatísticos, sem que sejam referidos ao longo de todo o documento que tipos de indícios foram encontrados no local;
17 A recorrente alegou desconhecer se os bens reclamados pelo recorrido se encontravam na fracção segura e se foram objecto do alegado furto, invocando desconhecer se tais bens teriam o valor que o recorrido lhes atribui, impugnando expressamente o teor do caderno a que o recorrido se refere no artigo 18 da petição inicial;
18 Não foi produzida na audiência final qualquer prova, designadamente testemunhal, que confirmasse terem sido aqueles os bens alegadamente furtados da fracção segura, nem qual o respectivo valor;
19 O recorrido não logrou demonstrar a ocorrência de qualquer facto na fracção segura susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato de seguro, sendo certo que não tendo ocorrido qualquer sinistro não há lugar a responsabilidade da recorrente.
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Nas contra-alegações, o autor formula as seguintes conclusões:
1 Do acórdão, transitado em julgado, proferido nos autos 1324/08.4PPPRT da 2ª Vara Criminal do Porto, bem como dos factos assentes sancionado pelo Supremo Tribunal de Justiça (fls. 155 do acórdão) está fixado que os objectos do autor ali identificados foram furtados da sua residência por indivíduos concretamente não identificados, que fizeram seus, não mais sendo restituídos ao autor e tinham o valor ali descrito.
2 Da prova testemunhal produzida, designadamente pelo depoimento da testemunha G…, resulta provado, também, que os bens indicados na petição inicial foram furtados, por terceiros, da residência do autor e não mais foram recuperados.
3 Os temas de prova fixados na audiência prévia transitaram em julgado e como consta da acta, as partes ficaram a saber que o Mmo. Juiz a quo considerou o acórdão condenatório proferido no processo 1324/08.4PPPRT e que haveria a ter em consideração o disposto no artigo 623 do CPC.
4 Não houve reclamação na audiência prévia e as partes avançaram para o julgamento cientes que o autor gozava da presunção do art. 623 do CPC, cabendo à ré ilidir essa presunção.
5 Por via disso é que foi alterado o regime de produção da prova testemunhal, começando-se pelo depoimento das testemunhas arroladas pela ré.
6 E também por via disso, não tendo a ré feito a prova no sentido da ilisão da presunção, é que o autor prescindiu do depoimento das testemunhas arroladas por si.
7 A vingar a tese da ré, as partes foram induzidas em erro por força do douto despacho proferido na audiência prévia e, assim, foram colhidas de surpresa, surpresa essa que obrigava o Mmo. Juiz a notificar o autor para usar da faculdade de requerer o depoimento das testemunhas que arrolou para a produção da prova dos factos alegados na petição inicial.
8 A vingar a tese da ré, deve ser concedida ao autor a faculdade de produzir a prova testemunhal quanto ao tema de prova I reproduzido na acta da audiência prévia e assim, ordenar a repetição do julgamento quanto a tal tema.
9 Em qualquer caso, devem improceder as conclusões da recorrente/ré.
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Foram colhidos os vistos legais.
A questão a apreciar prende-se com a eficácia probatória do acórdão proferido na matéria penal e na definição dos factos provados e não provados.
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Na sentença consideraram-se provados os seguintes factos:
1 Em 18/8/1997, o autor e a ré celebraram, pelo prazo de um ano e seguintes, em vigor até hoje, um contrato de seguro denominado C1…, titulado pela apólice ……… e regulado pelas respectivas condições particulares, gerais e especiais, nos termos que constam de fls. 309 a 316 e 324 a 351.
2 Nos termos dessas condições, pela celebração do contrato de seguro, a ré, mediante o pagamento anual de prémio pelo autor, obrigou-se a indemnizá-lo pelas perdas e danos resultantes de um dos riscos contemplados no mesmo, causados ou sofridos pelos bens que integram a habitação do autor sita na …, …, hab. . e ., no Porto.
3 Nomeadamente obrigou-se a indemnizar o autor pela perda dos bens móveis e recheio que integram tal habitação em resultado de furto ou roubo.
4 Desde então, e até hoje, o autor sempre pagou à ré a quantia que se obrigou a pagar por força de tal contrato de seguro.
5 No dia 21/11/2008, indivíduos concretamente não identificados dirigiram-se à residência do autor referida em 2, acedendo, de forma não apurada, ao interior do prédio, e, com um pedaço de plástico com que previamente se muniram, lograram franquear a porta dessa residência, aí se introduzindo.
6 Uma vez lá dentro, os mesmos dirigiram-se aos quartos, remexeram o interior dos móveis e escolheram, subtraíram e levaram:
- um par de brincos em ouro branco com aro em brilhantes e duas águas marinhas, no valor de 1.500€;
- um par de brincos em ouro branco cravejado a brilhantes, no valor de 4.000€;
- um par de brincos em ouro com a forma de laço, no valor de 500€;
- um par de brincos em ouro com a forma de moeda e joaninhas, no valor de 2.300€;
- um par de brincos com um coração em brilhantes e uma rede em ouro com pedra cinzenta, no valor de 5.000€;
- um par de brincos em coral, rodeados a ouro e com as formas de sol e lua, no valor de 1.500€;
- um par de brincos em ouro com uma pedra turmalina com quatro brilhantes e um rubi, no valor de 7.500€;
- um par de brincos em madrepérola com um cristal de rocha, no valor de 400€;
- um par de brincos em ouro com duas pérolas de ónix, no valor de 1.200€;
- um par de brincos em pérola barroca com espigão em ouro, no valor de 300€;
- um par de brincos com duas pérolas de cultura japonesa, no valor de 800€;
- um par de brincos/argolas em ouro com pérolas, rubis, lápis-lazúli, no valor de 1.500€;
- um par de brincos em ouro amarelo e branco, no valor de 1.200€;
- um par de brincos com a forma de estrela, em ouro e brilhantes, no valor de 4.000€;
- um par de brincos com pérola barroca, em forma de pêra e com aros com brilhantes, no valor de 8.500€;
- um par de brincos em coral, talhados com a forma de rosa, no valor de 200€;
- um par de brincos com turquesas talhadas em forma de rosa e espigão em ouro, no valor de 1.300€;
- um par de brincos com turquesas talhadas em forma de cão, no valor de 150€;
- um par de brincos/argolas, grandes, em ouro, no valor de 1.500€;
- um par de brincos em ouro com argolas e pendentes em forma de bola, no valor de 700€;
- um par de brincos em forma de bola, contas de Viana, no valor de 300€;
- um par de brincos em ouro batido e com uma água marinha, no valor de 500€;
- colar em ouro com pedras e pérolas, avaliado em 1.000€;
- colar de pérolas australianas barrocas com fecho em brilhantes, no valor de 12.000€;
- colar de esferas em ónix intercaladas com bolinhas de ouro e com fecho em forma de bola, rodeado de brilhantes, avaliado em 5.000€;
- colar em ouro em forma de cadeado e com três moedas com joaninhas, no valor de 6.000€;
- colar em ouro debruado a filamento e com quatro moedas de Macau, no valor de 5.000€;
- colar em ouro branco com uma cruz toda em brilhantes, avaliado em 7.500€;
- fio em ouro branco com três corações em brilhantes, no valor de 5.000€;
- fio em ouro com esmaltes náuticos, avaliado em 4.000€;
- um conjunto de dois fios em ouro com um coração, uma cruz e uma chave em brilhantes, no valor de 4.000€;
- colar de pérolas japonesas com um fecho em ouro, no valor de 2.200€;
- colar de pérolas de água doce enfiadas em ouro, no valor de 500€;
- colar em cadeado de ouro, no valor de 7.000€;
- colar de pérolas com fecho em ouro em forma de gancho, avaliado em 450€;
- colar de pérolas com fecho em ouro na forma de urso, no valor de cerca de 400€;
- colar de pérolas com estrelas em lápis-lazúli, avaliado em 1.000€;
- colar com figuras de frutos em ouro, no valor de 600€;
- colar em bolas de coral divididas por argolas em ouro, avaliado em 500€;
- colar em ouro com turquesas e raízes de coral, no valor de 1.500€;
- colar em forma de cadeado com cinco nós, em ouro, avaliado em 4.000€;
- colar em ouro com um coração em lápis-lazúli, este com a inicial “J” com brilhantes, no valor de 4.000€;
- colar de duas voltas com pedras de coral, turquesas, jade e lápis-lazúli, avaliado em 700€;
- colar com um pendente em forma de cadeado e uma chave, em brilhantes, no valor de 2.000€;
- colar (aro) em ouro, no valor de 500€;
- anel em ouro branco com estrelas, tudo com brilhantes, no valor de 5.000€;
- anel com uma pérola rodeada de brilhantes e com um brilhante maior ao meio, avaliado em 8.500€;
- anel em ouro com pérolas, no valor de cerca de 800€;
- anel em ouro coberto a brilhantes, com uma esmeralda e dois rubis, no valor de 15.000€;
- anel em ouro branco com uma safira rodeada de brilhantes, no valor de 20.000€;
- aliança em ouro branco com brilhantes incrustados à volta, avaliado em 5.000€;
- aliança em ouro (união de duas), avaliada em 500€;
- dois anéis em ouro com filamento, no valor global de 1.000€;
- aliança grossa em espinha, no valor de 3.000€;
- aliança em ouro unida em elos, no valor de 400€;
- relógio de marca Rolex em aço e ouro, no valor de 5.500€;
- relógio de marca Cartier em aço e ouro, avaliado em 4.200€;
- relógio de marca Swatch em cor prateada, no valor de cerca de 60€;
- pendente em ouro com a forma de coração cravejado a brilhantes e com um brilhante no meio, também em forma de coração, avaliado em 17.000€;
- pendente em ouro em forma de coração numa argola com brilhantes, no valor de 2.500€;
- pendente em forma de cruz, em ouro e com uma pérola ao centro, avaliado em 500€;
- medalha em madrepérola com rebordo em ouro, no valor de cerca de 200€;
- pendente em ouro com a forma de barra e seis brilhantes, avaliado em 4.000€;
- um par de pendentes com a forma de elefante, em lápis-lazúli, no valor global de cerca de 150€;
- pendente em forma de medalha em ouro amarelo e branco, com imagem, no valor de 300€;
- pendente em forma de medalha em ouro amarelo e branco com outra imagem, no valor de 300€;
- pulseira em ouro com duas correntes e com a palavra “Love” em brilhantes, no valor de 2.400€;
- pulseira na forma de cadeado grosso e com sete medalhas, em ouro, no valor de 2.500€;
- pulseira em ouro com pérolas, rubis e lápis-lazúli, avaliada em 900€;
- pulseira em ouro com cinco pérolas, no valor de 800€;
- pulseira em aro com um nó, em ouro, avaliada em 5.000€;
- pulseira em ouro com duas argolas de brilhantes e duas bolas em ónix, avaliada em 2.800€;
- pulseira em ouro com duas argolas de brilhantes e duas bolas em ouro, no valor de cerca de 2.800€;
- pulseira de pérolas com estrelas e corações em lápis-lazúli, avaliada em 800€;
- pulseira em ouro com a gravação “H…”, no valor de 4.000€;
- pulseira em ouro com as iniciais “J” e “V” gravadas, no valor de 5.000€; e
- duas pulseiras em ouro com uma chapa em forma de rectângulo, no valor global de 600€;
tudo no valor de cerca de 241.210€.
7 Os objectos referidos em 6 não foram recuperados e restituídos ao autor.
8 Ao constatar o facto referido em 6, o autor contactou de imediato e telefonicamente a Polícia de Segurança Pública através do número 112, a qual fez deslocar à habitação uma patrulha que tomou conta da ocorrência, lavrando o respectivo auto de notícia.
9 Em 24/11/2008 o autor participou à ré o furto das jóias e dos artefactos de ouro e pediu-lhe o pagamento da quantia de 256.210€ correspondente ao valor dos bens furtados, tendo para tanto o autor entregue à ré caderno com a identificação e as fotos das jóias e dos artefactos de ouro furtados,
10 tal como indicou o valor de cada peça furtada, bem como o seu valor total, o qual ascende a 241.210€.
11 O autor solicitou à ré o pagamento de 256.210€ por diversas vezes, designadamente em 24/11/2008, 30/6/2009, 24/5/2010, 15/7/2010 e 2/9/2010.
12 O autor participou à ré, no dia 5/9/2008, um sinistro que se traduziu na entrada de águas pluviais para a garagem situada na cave da fracção daquele, em consequência do que resultaram danificados diversos bens que aí se encontravam, tendo esta indemnizado o autor com a quantia de 5.473€.
13 O autor participou à ré, em 7/10/2008, um sinistro que se traduziu na entrada de águas pluviais para a garagem situada na cave da fracção daquele, em consequência do que resultaram danificados diversos bens que aí se encontravam, tendo esta indemnizado o autor com a quantia de 13.532€.
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Na sentença não se consideraram provados outros factos com relevo para a decisão da causa, mormente os factos alegados pela ré na tréplica, isto é que tenham sido comunicadas e explicadas ao autor as condições gerais e especiais do contrato de seguro celebrado entre as partes, mormente coberturas e exclusões aplicáveis e bem assim que as condições gerais e especiais da apólice tenham sido entregues ao demandante.
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A ré reúne os requisitos para ver reapreciada a matéria de facto considerada provada nos pontos 5 a 7 que antecedem, ou seja e resumidamente que no dia 21/11/2008 indivíduos concretamente não identificados se dirigiram-se à residência do autor, acedendo de forma não apurada ao interior do prédio, e, com um pedaço de plástico com que previamente se muniram, lograram franquear a porta dessa residência, aí se introduzindo, bem como que uma vez lá dentro, os mesmos se dirigiram aos quartos, remexeram o interior dos móveis e escolheram, subtraíram e levaram jóias e relógios no valor global de cerca de 241.210€ e, ainda, que essas jóias e relógios não foram recuperados e restituídos ao autor.
Quanto aos factos provados dos pontos 5 a 7, na respectiva fundamentação exarou-se o seguinte:
”””No concernente à factualidade plasmada nos pontos 5, 6 e 7 teve-se primordialmente em consideração o acórdão condenatório, já transitado em julgado, proferido no âmbito do processo 1324/08.4PPRT, que correu termos na 2ª Vara Criminal do Porto, no qual foram os arguidos aí identificados condenados pela prática, para além do mais, do crime de furto de jóias e artefactos de ouro, no valor global de 256.210€, pertencentes ao autor, que se encontravam no interior da sua residência sita na …, …, hab. . e ., no Porto.
Ora se é certo que em relação aos aí arguidos a referida decisão penal condenatória constitui, quanto a eles, caso julgado no que concerne à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação do seu agente, já com relação a terceiros, categoria na qual se integra a ré, a mesma não possui eficácia erga omnes.
Com efeito, tal como emerge do art. 623 do Código de Processo Civil, aí se estabelece apenas a relevância reflexa do caso julgado penal condenatório em subsequentes acções de natureza civil, materialmente conexas com os factos apurados no processo penal, já que se entendeu que, por exigências decorrentes do princípio do contraditório – corolário lógico da proibição da indefesa ínsita nos arts. 2 e 20 da Constituição da República –, a eficácia atribuída ao caso julgado penal condenatório não poderia ser considerada em relação a quem não teve intervenção naquele processo, não podendo, por isso, as partes em acção cível ser prejudicadas por decisão proferida em processo em que não foram partes.
Daí que o legislador tenha procurado conciliar a força e autoridade do caso julgado da sentença penal condenatória com as acções civis conexas com elas, transformando-a em mera presunção iuris tantum em relação a terceiros, que se confrontam com a decisão penal condenatória, sendo certo que, como alguns autores vêm salientando (cfr. neste sentido e por todos, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 692), o que está em causa no referido normativo não é, propriamente, a eficácia do caso julgado penal, mas antes a definição da eficácia probatória legal extra processual da própria sentença penal condenatória transitada em julgado, com recurso ao estabelecimento de uma presunção ilidível dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação.
Assim sendo, certo é que, no caso sub judice, a ré não logrou demonstrar que não tenham sido os arguidos os autores do furto ocorrido na residência do autor, do interior da qual retiraram objectos em ouro no valor de 256.210€, dado que, a este respeito, não produziu qualquer tipo de prova destinada a afastar a mencionada presunção relativa.
Porque assim, por funcionamento dessa presunção, ter-se-ão, pois, de considerar provadas as afirmações de facto referidas em 5, 6 e 7”””.
Como se acaba de evidenciar, a sentença conferiu predomínio probatório absoluto ao acórdão criminal dos autos 1324/08.4PPPRT, confrontando-o com a ausência de qualquer tipo de prova por banda da ré para demonstrar positivamente que os arguidos não foram os autores do furto em causa.
Mas não se pode conferir tal predomínio ao acórdão pela razão básica de os 6 arguidos aí versados terem sido absolvidos da prática do crime de furto ora em causa, crime este que, a um tempo, constava na acusação, e, a outro tempo, constitui a causa de pedir nestes autos.
Vejamos.
O furto que constitui causa de pedir nos presentes autos tem na acusação e no acórdão criminal a referência 1250/08.7PRPRT.
A acusação foi formulada contra 21 arguidos.
Conferindo na acusação o furto 1250/08.7PRPRT (fls. 129vº a 131vº), não se especificam quais de entre os 21 arguidos praticaram tal furto, mas todos os 21 arguidos foram acusados da prática de um crime de associação criminosa, associação esta cujo objecto se corporizou na prática de todos os outros crimes relatados na acusação.
Os 21 arguidos também são acusados da prática, em co-autoria, de 218 furtos qualificados consumados, sendo o furto 1250/08.7PRPRT, na tese da acusação, um desses furtos qualificados consumados.
Sucede que depois de ter sido formulada a acusação se procedeu à separação de processos quanto a 15 de entre os 21 arguidos, já que em relação a esses 15 arguidos decorreram actos de declaração de contumácia.
Os restantes 6 arguidos foram julgados no processo 1324/08.4PPPRT, sendo condenados por alguns dos crimes que constavam na acusação.
Sucede que esses 6 arguidos foram absolvidos da prática do furto 1250/08.7PRPRT (e ainda foram absolvidos da prática do crime de associação criminosa).
É importante destacar que no acórdão se julga provada a ocorrência do furto 1250/08.7PRPRT (fls. 541 a 547), mas a respectiva prática é imputada a “indivíduos concretamente não identificados”, expressão que é decisivamente distinta (para efeitos penais) das circunstâncias de autoria criminosa relatadas na acusação, ou seja mencionam-se na acusação “elementos do citado grupo”, estando esta menção contextualizada no grupo criminoso formado pelos 21 arguidos acusados.
O acórdão não considera que os tais “indivíduos concretamente não identificados” fossem os 6 arguidos sob julgamento, uma vez que dá como não provado “que qualquer um dos arguidos praticou os factos provados relativos” ao “inquérito 1250/08.7PRPRT” (fls. 891 e 893).
Note-se que relativamente a 12 dos inquéritos apensados, o acórdão estabelece que as circunstâncias de furtos descritos na acusação correspondem a factos não provados, conforme menções J1 a J12 dos factos não provados (fls. 898 a 910). Esta diferença quanto a 12 inquéritos confirma que o colectivo de Juízes se convenceu que o furto 1250/08.7PRPRT ocorreu, embora sem entender como provado que os correspondentes autores foram os 6 arguidos sob julgamento, ou algum (ns) de entre os seis. Para esta convicção, conforme consta na fundamentação dos factos provados e não provados, concorreu o depoimento de uma filha do autor, H… – constituída assistente no processo crime (cfr. fls. 393), mas sem ter deduzido pedido de indemnização –, a qual declarou no julgamento criminal confirmar o assalto à sua residência – também é a residência do autor – nas condições de tempo, lugar e modo descritas na acusação, especificando que nada foi recuperado e confirmando a lista de objectos furtados e o seu valor, lista essa entregue na polícia após o assalto (fls. 953 e 954). Ainda consta na mesma fundamentação que também o ora autor depôs nos mesmos termos em que tinha deposto a sua filha, revelando conhecimento pessoal dos factos que relatou (fls. 954).
É errada a transcrita fundamentação da sentença – factos provados 5 a 7 – ao considerar que os arguidos foram condenados pelo furto 1250/08.7PRPRT: repete-se que os 6 arguidos julgados foram absolvidos da prática do furto 1250/08.7PRPRT.
O alcance do acórdão criminal é só o de considerar provado que o furto 1250/08.7PRPRT ocorreu, sendo seus autores ou autor “indivíduos concretamente não identificados”.
Quanto à causa de pedir dos presentes autos, o acórdão criminal só estabeleceria presunção (ilidível) contra a ré seguradora se os 6 arguidos julgados, ou algum (ns) de entre os seis, fosse (m) condenado (s) pela prática do furto 1250/08.7PRPRT.
Como todos os seis foram absolvidos, resta afirmar que no âmbito probatório dos presentes autos não se aplica o disposto no art. 623 do novo Código de Processo Civil (CPC, com a epígrafe “oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória”), pelo que não se verifica presunção probatória oponível à ré seguradora (essa presunção pode ser ilidida pela ré).
Mas também cumpre deixar claro que o acórdão criminal não é uma decisão de absolvição dos 6 arguidos para os específicos efeitos de extensão de eficácia probatória previstos no art. 624 do CPC, o qual tem a epígrafe “eficácia da decisão penal absolutória”.
O alcance desta norma não se apoia na absolvição por falta de prova quanto à autoria, mas sim na demonstração positiva de que o crime não ocorreu, ou que, tendo ocorrido, na demonstração positiva de que tal crime não foi praticado pelo arguido.
Não é o caso dos autos, uma vez que o acórdão criminal estabelece que o furto 1250/08.7PRPRT ocorreu.
Ou seja, também o art. 624 citado não se aplica ao presente assunto.
Como já se referiu que não tem aplicação a norma probatória do art. 623 do CPC, é o autor, nos termos gerais do art. 342 nº 1 do Código (CC), quem está obrigado a provar que ocorreu o furto em causa.
É correcta a conclusão 12 da apelação, mas importa salvaguardar que basta ao autor demonstrar a prática do furto, não tendo ainda de demonstrar quem são os concretos autores desse furto, uma vez que o contrato de seguro em causa garante indemnização pelo sinistro furto praticado por desconhecidos.
Em contraponto à obrigação probatória do autor, como não se verifica presunção probatória oponível à ré também não tem esta de demonstrar positivamente que não ocorreu o furto. A ré não está onerada com a – quase sempre difícil – prova de facto negativo, como se exigiu na sentença, não tendo aplicação no assunto a norma do art. 344 nº 1 do CC.
Mas não se conclua que pelo facto de o acórdão criminal não estabelecer presunção probatória legal vigente para estes autos acaba tal acórdão por não ter qualquer eficácia probatória.
Realmente o acórdão não tem a eficácia probatória fundamental que lhe é reconhecida na sentença, mas está muitíssimo longe de ser uma irrelevância probatória.
Ou seja – e sem esquecer que a ré seguradora não teve qualquer intervenção nos autos criminais – o acórdão criminal é um elemento de prova permitido por lei.
Apreciado no contexto de demonstração a cargo do autor da ocorrência do furto invocado na petição inicial, o acórdão criminal é um elemento de prova lícito e sujeito à livre apreciação deste tribunal cível, estando integrado na obrigação de o tribunal apreciar todas as provas produzidas, tal como essa obrigação consta no art. 413 do CPC.
Ora, o acórdão criminal traduz uma apreciação de factos pertinentes fundada na correspondente reconstituição, feita dentro de ordenamento legal e institucional que se reputa como equilibrado quanto à possibilidade de contribuição contraditória para tal reconstituição, ordenamento esse orientado para a verdade e comandado por agentes que se querem perspicazes e que são isentos, tendo acesso a razões de ciência especificamente condicionadas para reproduzirem a verdade – a verdade é unívoca e não se adjectiva com o epíteto “material”, nem com qualquer outro.
Por outro lado e no caso concreto, o acórdão retrata um juízo crítico e transparente quanto à reconstituição dos factos no trecho em que os agentes decisores exararam que para a sua convicção concorreu o depoimento de uma filha do ora autor, H…, a qual declarou confirmar o assalto à sua residência nas condições de tempo, lugar e modo descritas na acusação, especificando que nada foi recuperado e confirmando a lista de objectos furtados e o seu valor, lista essa entregue na polícia após o assalto, bem como que o ora autor depôs nos mesmos termos em que tinha deposto a sua filha, revelando conhecimento pessoal dos factos que relatou.
No âmbito de livre apreciação probatória e quanto à revelação do sinistro furto 1250/08.7PRPRT, não obstante a correspondente absolvição dos 6 arguidos o acórdão criminal é importante, sustentando o acerto dos factos provados 5 a 7.
Esta asserção não é prejudicada pela circunstância de o acórdão não ter identificado os autores do furto, os quais caracteriza como “indivíduos concretamente não identificados”, expressão que transitou para o facto provado do ponto 5, replicando, no confronto entre esse facto provado do ponto 5 e o artigo 13 da petição inicial, uma inflexão – crucial para efeitos criminais, mas irrelevante na responsabilização cível da ré seguradora, uma vez que o seguro garante indemnização pelo sinistro furto praticado por desconhecidos – que já se tinha verificado entre a acusação criminal – ao escrever-se “elementos do citado grupo” – e no acórdão – ao escrever-se “indivíduos concretamente não identificados”.
Mas não basta o acórdão criminal para que o autor demonstre o furto, sob pena de se incorrer em erro aproximado àquele que se apontou à sentença, tanto mais que no assunto criminal a ré não teve intervenção alguma.
O autor arrolou uma testemunha, efectivamente inquirida, para demonstrar que ocorreu o furto.
Foram ouvidas as gravações de todos os depoimentos.
Aquela testemunha é a mulher do autor, G…, e é tão interessada quanto o autor no desfecho da acção.
Mesmo assim foi credível no seu depoimento e revelou boa razão de ciência.
Basicamente foi credível ao descrever as circunstâncias em que verificou ter ocorrido um furto na sua casa, relatando que foi buscar a parte de trás [um elemento de fecho] de uns brincos à cómoda do quarto da sua filha e constatou, ao abrir as gavetas dessa cómoda, que tinham desaparecido todas as jóias.
Foi particularmente credível ao assinalar que muito a admirou “que só tenham levado realmente tudo o que havia naquele quarto [o quarto da filha], porque quem passou [o autor ou autores do furto], passou por um salão onde há realmente peças com interesse”.
Este trecho espontâneo indicia que o furto não foi evento encenado pelo autor ou por pessoas que lhe estão ligadas para burlar a ré seguradora, uma vez que nessa eventualidade o mais plausível é que fossem dadas como furtadas peças muito valiosas e exuberantes, transportáveis por uma única pessoa, as tais “peças com interesse” que saltariam à vista de um ladrão e seriam objecto quase evidente de um furto.
A testemunha G… não foi questionada sobre o valor de jóias e relógios e não foi questionada sobre o valor total furtado. Alude difusamente a “jóias de qualidade” e relaciona essas jóias com um seguro cujo capital se quis alto, revelando que é alto quanto alto é o valor das jóias, o que, a outro tempo, revela noção clara do risco de furto das jóias (disse “nesta casa há jóias de qualidade e foi com essa finalidade que o seguro era um seguro alto”).
A exemplo do que consta no acórdão criminal, refere a testemunha G… que nada foi recuperado, o que releva para o ponto 7 dos factos provados (nessa asserção pondera-se que no elenco das jóias do ponto 6 não é mencionada a pulseira que no acórdão criminal consta como tendo caído aos assaltantes na fuga da casa, a qual foi encontrada nas escadas comuns do prédio).
Por outro lado, no ano de 1997 o autor indicou na proposta de seguro um recheio da casa no valor (já convertido para euros) de 548.677€, com capital total seguro de 698.317€.
O autor não indicou uma única jóia ou relógio para sustentar aquele valor de 548.677€. Note-se, lateralmente, que esta omissão acaba por não ser questionada na apelação para justificar uma redução da indemnização de 241.210€ para 164.603€, ou seja 30% do valor do recheio, conforme cláusula 7 nº 2 das condições especiais (164.603€=548.677€x0,3).
Os montantes de 548.677€ e 698.317€ foram aceites pela ré e nunca ela os reputou – mesmo depois de inspeccionar a casa do autor na averiguação do presente sinistro – como verbas de sobre seguro, nomeadamente para limitação da sua responsabilidade à luz do art. 435 do Código Comercial.
A preços de 2008, o valor total de 241.210€ para jóias e 3 relógios é muito elevado como recheio plausível da casa de uma família, por abastada que essa família seja, tudo sem que as jóias e dois dos relógios fossem guardadas num cofre ou fosse acautelada a sua mera dispersão física por vários locais discretos, de molde a dificultar a sua apropriação em conjunto.
Não se estranha o valor de 20.000€ para uma única jóia, mas estranha-se o valor global de 241.210€, tanto mais que na participação policial inicial só se estimou o valor do furto em 100.000€.
Mas em bom rigor essas interrogações não são interrogações postas pela ré, a qual verdadeiramente só discute, a propósito do ponto 6 dos factos provados, a própria ocorrência do furto, sem salvaguardar a tese de que a ter ocorrido o furto também não foram furtadas as muitas dezenas de jóias aí descritas, nem o valor do agregado furtado chegaria a 241.210€.
O valor de 241.210€ não é incompatível com o valor – nunca questionado – de 548.677€ para recheio, tal como não é totalmente improvável que numa família abastada quase metade do valor do recheio da respectiva casa de habitação se encontre na forma de jóias e de dois relógios.
Nessa decorrência e conferindo ainda a prova fotográfica de muitas jóias e de desenhos de outras – apresentada na Polícia de Segurança Pública oito dias depois da participação policial inicial –, ultrapassa-se a estranheza anunciada quanto ao valor agregado de 241.210€ e confirmar-se-á no ponto 6 dos factos provados tanto o elenco dos objectos furtados, como os seus valores parciais e ainda o próprio total de 241.210€.
Regressando ao ponto 5 dos factos provados, a testemunha E… foi o elemento da Polícia de Segurança Pública que acorreu à casa do autor assim que a polícia teve notícia do furto.
Não é estranho que não tenha constatado sinal físico de intrusão na casa, sendo vulgaríssimos os furtos em habitações fechadas e até trancadas em que não existe o mais pequeno indício de interferência em portas, janelas e fechaduras.
Com o mesmo sentido, não foi particularmente valorado que um perito de averiguação de sinistros a cargo da ré também não tenha divisado algum indício desses.
Aliás, mais plausível é que surjam indícios desses em encenações de furtos com intuitos de burla a seguradoras.
Concluindo, entendem os Juízes que o autor provou, como lhe incumbia, todos os factos que constam nos pontos 5 a 7, sendo esta asserção apoiada no acórdão criminal – despojado de presunção legal de prova e livremente apreciado –, no depoimento da mulher do autor – o qual é totalmente interessado no desfecho do assunto mas mesmo assim é credível –, na prova fotográfica e por desenhos que foi presente à Polícia de Segurança Pública e na prova documental que atesta seguro realizado em 1997 com recheio da casa de 548.677€ e capital total seguro de 698.317€, sem que a ré alguma vez tenha questionado estes montantes como sobre seguro.
Ainda que com uma perspectiva jurídica do direito probatório muito distinta daquela que foi seguida na sentença, nada há a alterar nos factos provados 5 a 7, improcedendo a apelação nessa parte.
Na vertente jurídica, a apelação apoiava-se totalmente na alteração da matéria de facto provada e não provada.
A exemplo da sentença, mas com uma visão antagónica do alcance do art. 623 do CPC no caso em apreço, a apelação apoia-se essencialmente nessa norma.
Embora sejam correctas algumas objecções da ré quanto ao valor probatório absoluto conferido na sentença ao acórdão criminal, ainda assim entende-se que esse acórdão tem importante valor probatório, despojado como está de presunção legal de prova e sujeito a livre apreciação probatória, tal como se entende que com o contributo de outras provas o autor cumpriu o seu ónus probatório na sustentação do acerto dos factos provados dos pontos 5 a 7, em suma na demonstração da ocorrência do furto e nos bens e valores que indicava, ainda que concluísse com um excesso de 15.000€.
Improcedendo a alteração quanto à não ocorrência do sinistro furto, a apelação terá de improceder também na abordagem estritamente jurídica do assunto.
Em todo o caso, na condenação rectificar-se-á o valor do capital da condenação da ré para 241.185€, uma vez que o montante de 256.185€ que consta na decisão da sentença corresponde a lapso aritmético
Sumário:
1- O acórdão criminal que absolve o arguido da prática de um crime de furto que igualmente constitui a causa de pedir em acção cível, não tem a virtualidade de presunção probatória prevista no art. 623 do Código de Processo Civil – com a epígrafe “oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória” –, pelo que não se verifica presunção probatória oponível à ré seguradora dessa acção cível.
2- Mas o acórdão criminal de absolvição só será uma decisão de absolvição relevante, para os efeitos de extensão de eficácia probatória previstos no art. 624 do Código de Processo Civil – com a epígrafe “eficácia da decisão penal absolutória” –, quando se apoia na demonstração positiva de que o crime não ocorreu, ou que, tendo ocorrido, na demonstração positiva de que tal crime não foi praticado pelo arguido.
3- A absolvição criminal fundada na falta de prova não tem a eficácia de extensão probatória ao litígio cível, na forma de presunção probatória prevista no dito art. 624.
4- Mas o acórdão criminal, fora das presunções legais de prova dos arts. 623 e 624 do Código de Processo Civil, tem sempre valor probatório atendível pelo tribunal cível, dentro do princípio de livre apreciação da prova e segundo a obrigação que impende sobre o tribunal de apreciar todas as provas produzidas, tal como essa obrigação consta no art. 413 do Código de Processo Civil.
5- Na dimensão de valor probatório, o acórdão criminal traduz uma apreciação de factos pertinentes fundada na correspondente reconstituição, feita dentro de ordenamento legal e institucional que se reputa como equilibrado quanto à possibilidade de contribuição contraditória para tal reconstituição, ordenamento esse orientado para a verdade e comandado por agentes que se querem perspicazes e que são isentos, tendo acesso a razões de ciência especificamente condicionadas para reproduzirem a verdade – a verdade é unívoca e não se adjectiva com o epíteto “material”, nem com qualquer outro.
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Em face do exposto, acordam os Juízes em julgar a apelação improcedente e confirmam a sentença, mas rectificam na parte decisória da sentença o capital de 256.185€ para 241.185€ (duzentos e quarenta e um mil cento e oitenta e cinco euros).
Custas pela ré, com base no valor tributário de 241.185€.

Porto, 9/4/2015
Pedro Lima Costa
Pedro Martins
Judite Pires