Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0530834
Nº Convencional: JTRP00038340
Relator: JOSÉ FERRAZ
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
AMBIENTE
QUALIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP200509220530834
Data do Acordão: 09/22/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ANULADO O JULGAMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I- O “a ambiente é o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem;
A “qualidade do ambiente é a adequabilidade de todos os seus componentes às necessidades do homem (artigo 5º, nº 2, a) e e), da LBA).
São componentes do ambiente o ar, a luz, a água, o solo vivo e o subsolo, a flora e a fauna – art. 6º da mesma Lei.
II- Da relação e interpenetração desses diversos componentes depende a melhor ou menor qualidade ambiental que pode mesmo conflituar a localização, o que significa que uma óptima localização nem sempre corresponde, e frequentemente não corresponde, a uma boa qualidade ambiental (dependente de factores como inexistência de ruídos, movimento não intenso, espaços verdes, zonas de lazer, variedade de fauna e flora, bom ambiente social, nível económico e social dos habitantes). Daí que a atribuição de uma elevada percentagem só deve ser conseguida numa zona que reúna muito boas localização e qualidade ambiental e bons equipamentos, o que sucede em poucos centros cívicos dos grandes aglomerados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Por Despacho do Senhor Ministro do Equipamento Social, de 15/03/2001, publicado no DR, II Série, de 05/04/2001, nº 81, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência da parcela 31 da planta parcelar anexa, com vista à construção da obra do IC 1 – Miramar-Madalena (sublanço Madalena – EN 109), parte do prédio descrito sob o nº 00724/010693, da Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia – freguesia de Valadares, em que são expropriante o B............... e expropriados C.......... e esposa D................... .
Realizada a vistoriam “ad perpetuam rei memoriam” e não tendo havido acordo sobre o montante da indemnização a pagar aos expropriados, foi realizada a arbitragem que fixou o valor da indemnização:
- valor da parcela expropriada - € 13.395,00;
- desvalorização da parte sobrante - € 14.592,00 e
- valor das benfeitorias - € 8.421,50.
- valor total - € 36.408,50.

II. Adjudicada à expropriante a propriedade da parcela expropriada e efectuada a notificação da decisão arbitral, desta recorreram os expropriados e a expropriante.
Os expropriados concluíram que a indemnização deve ser fixada:
- parcela expropriada (incluindo a parcela sobrante) – € 194.531,67 e
- benfeitorias - € 8.421,50.
Valor total a indemnização - € 202.952,67.
A expropriante, por sua vez, propõe o valor global de € 23.268,92 para indemnização pela parcela expropriada.

Em instrução, teve lugar uma avaliação efectuada por peritos.
Em laudo maioritário, assinado pelos peritos do tribunal e indicado pelos expropriados, avaliando a parcela como solo apto para construção, concluíram:
- valor da parcela expropriada - € 20.358,05;
- valor das benfeitorias - € 7.000,00.
- desvalorização da parcela sobrante - € 27.695,20 (segundo os peritos nomeados pelo tribunal) e € 91.017,61 (segundo o louvado indicado pelos expropriados).
O perito indicado pela expropriante, seguindo mesmo critério quanto á parcela expropriada, concluiu pelos seguintes valores, sem desvalorização da parcela sobrante:
- terreno expropriado - € 17.625,00,
- benfeitorias - € 7.000,00.
- total - € 24.625,00.

Realizadas as demais diligências de prova (esclarecimentos dos peritos e testemunhal) sentenciou-se pela improcedência do recurso interposto pela expropriante e pelo provimento parcial do recurso interposto pelos expropriados com a fixação da indemnização a pagar aos expropriados no montante de € 55.053,25, valor esse a ser actualizado desde a data da declaração de utilidade pública e corrigido em função dos índices dos preços no consumidor.

III. Desta sentença/acórdão recorreram os expropriados e a expropriante.
III. 1 – Os expropriados fecham a alegação, sintetizando:
“A) - O recurso aos critérios referenciais do art. 26º do Código das Expropriações permitiu aos árbitros fixar o valor do terreno de construção por m2 da parcela em cerca de 11 contos /m2 e aos peritos em 17 contos /m2.
E também permitiria fixá-lo em 150 euro (30 contos/m2) se o índice de ocupação fosse fixado em 1.2 (as construções recentes na área de prédios em altura apontam nesse sentido), e a percentagem fixada no nº 5 desse artigo fosse devidamente valorizada.
B) – O que a Constituição e o Código das Expropriações (art. 23º) exigem é que a indemnização corresponda ao valor corrente ou de mercado do bem expropriado.
Nesse sentido, alegaram os expropriados que o terreno de construção ali, naquela zona de Valadares, tinha um valor venal de pelo menos 150 euros/m2 (30 contos /m2) e que não era possível comprar uma parcela como esta na base de 17 contos /m2.
C) – Prova dessa asserção: duas testemunhas qualificadas que conhecem o local, a escritura de venda de um terreno próximo que os recorrentes fizeram há alguns anos e sobretudo, como facto notório, o facto de toda a gente que ali compra terreno ou casa saber que para terrenos idênticos a preço de 150 euros/m2 é moderado.
D) – O terreno sobrante (1065 m2), que era antes de construção, perdeu a possibilidade construtiva, avaliando-o os peritos a 60 euros (12 contos/m2), no pressuposto de que podia ser utilizado para usos muito comuns na Estrada Porto-Espinho, como exposição e venda de materiais diversos, entre outros de automóveis, pelo que desta forma poderia render por mês 426 € ou 85.200$00 (1.065 x 0,40).
E) – Os terrenos contíguos à estrada 109 não são utilizados para parques de exposição nem é esse aí um “uso muito comum”: entre as instalações da Volvo, junto ao entroncamento da Auto-Estrada nº 1 com o começo da Estrada 109 e a cidade de Espinho, há hoje apenas, junto a essa via 109, um terreno destinado a exposição que vem do tempo em que era possível o acesso directo dessa Estrada 109 aos prédios vizinhos (a tabuleta a publicitá-lo diz que tem mais de 20 anos).
F) – O terreno sobrante em causa fica situado 2m a 3m abaixo do nível da Estrada 109, pelo que, tendo em vista um parque de exposições, havia que fazer um aterro dispendioso, pedir autorização para o fazer e pedir ainda o licenciamento do terreno para essa finalidade, sendo de presumir que a Câmara de Vila Nova de Gaia não concedesse a licença, por violação do disposto no nº 2 do art. 8º do P.D.M..
G) – O acesso directo da estrada 109 ao terreno está hoje proibido, só sendo possível chegar da Estrada ao terreno com dificuldade, através de vias interiores degradadas, o que logo desvaloriza os terrenos contíguos às vias rápidas para funcionarem como parques de exposições, sabendo todos nós, por outro lado, que toda a orientação política é no sentido de evitar que nas vias rápidas os condutores sejam distraídos por exposições nos terrenos adjacentes.
H) – O cálculo feito pelos peritos do Tribunal do possível rendimento mensal de 426 euros (85.200$009 deste terreno de 1.085 m2 não tem nenhum termo de comparação a apoiá-lo nem se baseia em nada – é mero palpite, é a negação do que deve ser uma peritagem.
I) – Se tivesse uma área substancialmente maior, a parcela sobrante valeria como terreno agrícola (sabemos todo que com um valor venal de 5 a 10 euros /m2).
Dada a sua exiguidade, despido da sua capacidade construtiva, o terreno sobrante deixou de ter valor económico minimamente relevante.
J) – A indemnização deverá ser fixada nos valores peticionados pelos recorrentes na sua alegação de recurso: 194.531,17 Euros quanto á parcela (1.300m x 30 contos/m2) e 8.421,50 Euros quanto a benfeitorias, num total de 202.952,67 Euros.
L) – Violou a douta decisão recorrida o disposto no art. 23º, nº 5, do Código das Expropriações.
Termos em que o recurso deve merecer provimento, revogando-se a douta decisão recorrida e fixando-se a indemnização no valor de 202.952,67 Euros, como é de JUSTIÇA!”.
O expropriante não contra-alegou.

III. 2 – A expropriante concluiu a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
“1) A sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, assentou no relatório dos peritos do tribunal, considerando sem qualquer utilidade o relatório do Senhor Perito da Expropriante.
2) Embora o laudo acolha a posição unânime dos Senhores Peritos do Tribunal, esta não pode constituir condição única para servir de suporte à fundamentação da decisão do Meritíssimo Juiz a quo.
3) A douta sentença encontra-se desfasada da realidade factual, porquanto foi, por ela, implicitamente aceite, um enquadramento para a parcela sem que o mesmo estivesse devidamente fundamentado.
4) De salientar as características da parcela:
a) uma faixa estrita com a área de 235 m2, a destacar de um prédio de dimensão superior a 1 000 m2 segundo o registo da Conservatória, 1.300 m2 segundo os Senhores Peritos após medição na planta.
b) Situado a uma quota inferior relativamente à EN 109 e à Rua José Bastos.
c) Inserida no interior do Nó de saída da EN 109 para Valadares, o seu encravamento é um facto notório e indesmentível.
d) Grau de encravamento acrescido pela localização do terreno junto a um “bloco” habitacional de grande volume, o que por si esgotou a capacidade construtiva do quarteirão.
5) Relativamente ao valor da parcela, verifica-se que as diferenças finais não são apreciáveis (Senhores peritos do tribunal e Expropriados: € 86,63/m2; Senhor Perito da Expropriante: € 75,00/m2), embora seja o Senhor Perito da Entidade expropriante aquele que apresenta melhores e mais válidos argumentos.
6) O valor do terreno alcançado pelo Senhor Perito da Entidade Expropriante é já de si um valor generoso, pois é praticamente só um valor potencial face ao Plano Director Municipal (PDM) aplicável
7) O destino mais provável seria mesmo um eventual logradouro, área exterior ou outro similar, aproveitando-se a possibilidade do uso do terreno em áreas complementares de habitação e indústria.
8) Isso mesmo reconhecem os próprios Senhores Peritos do Tribunal quando, no seu Laudo, afirmam a possibilidade do uso do terreno em áreas complementares de habitação e indústria.
9) Divergência acentuada surge, na questão da invocada desvalorização da área sobrante, em virtude de zona “non aedificandi”, porque, não estaria assegurada a edificabilidade do terreno, face às condicionantes invocadas pelo Senhor Perito da Entidade Expropriante no seu Laudo.
10) Os Senhores Peritos do Tribunal e dos Expropriados, apesar de reconhecerem a existência de uma zona “non aedificandi” anterior à Declaração de Utilidade Pública (DUP), não a observaram devidamente, inquinando e precipitando uma sentença adversa à Entidade Expropriante.
11) Há contradições, no parecer dos Senhores Peritos, sobre esta questão e que o Tribunal a quo não procurou esclarecer.
12) Os Senhores Peritos do Tribunal e dos Expropriados referem a situação inicial (antes da declaração da utilidade pública /DUP) com uma limitação de construções a 20 metros do eixo da via - estradas nacionais de 1ª classe, aplicando o disposto no DL 13/71, alterado pelo DL 13/94, chegando a uma área “non aedificandi” inicial de 260 m2.
13) Ao contrário, o Senhor Perito da entidade expropriante refere que a via obriga a um afastamento de 15 metros limite da plataforma da estrada, nunca a menos de 35 metros do eixo, para as construções habitacionais.
14) Considera ainda que não é significativo o alargamento da plataforma da estrada, e, mantendo-se o eixo da via, a zona “non aedificandi” em pouco ou nada vê a sua influência alterada.
15) Atendendo ainda ao uso que estava a ser dado ao terreno, nada leva a crer que sua capacidade e utilização se alteraria no futuro, mesmo não existindo expropriação, razão pela qual não se vêm eventuais desvalorizações a considerar, como bem refere o Senhor Perito da Expropriante.
16) Daí que, deverá ser rejeitada qualquer verba a título de desvalorização “non aedificandi”.
17) As perspectivas construtivas eram já antes da expropriação remotas, face às condicionantes expostas do terreno.
18) A existência de uma zona “non aedificandi” é já anterior à própria Declaração de Utilidade Pública (DUP), face ao confinar com a EN 109, não sendo a sua influência alterada em relação à parte sobrante, situação que o tribunal a quo não logrou esclarecer.
19) Nos termos do artigo 8º do Código das Expropriações (Lei nº 168/99, de 18 de Setembro) não foi alterado o destino actual do prédio nem foi alterada a possibilidade de utilização económica e rentável do terreno.
20) De todo o exposto, se conclui que a douta decisão do Meritíssimo Juiz a quo, não está devidamente fundamentada, pelo que deverá a douta decisão ora posta em crise corrigida em conformidade com o valor calculado com o Senhor Perito da Entidade Expropriante, ou, caso não releve, seja anulada, por forma aos Senhores Peritos do Tribunal e Expropriados observarem em novo relatório de avaliação os critérios legais que lamentavelmente foram preteridos.
Termos em que deve a presente Apelação ser julgada totalmente procedente, concluindo V.Exas pela fixação da indemnização devida aos Expropriados nos termos supra peticionados.
Assim V. Exas. farão inteira JUSTIÇA.”

Os expropriados contra-alegaram no sentido da improcedência do recurso interposto pela expropriante.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

III. O objecto do recurso é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, não sendo conhecidas outras questões, que não sejam do conhecimento oficioso (arts. 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, do C.P.C.) e não visam os recursos criar decisões novas sobre matéria nova, mas reapreciar a decisão de que se recorre, sendo o seu objecto delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Das questões suscitadas pelos expropriados:
- valor da parcela expropriada
- desvalorização da parcela sobrante
- valor das benfeitorias.
E pela expropriante:
- valor da parcela expropriada;
- definição das zonas de servidão e
- inexistência de desvalorização da parcela sobrante.

IV. Vêm provados na decisão recorrida os seguintes factos:
1) A parcela nº 31, com a área de 235 m2, a desanexar de um terreno de maiores dimensões, ocupa uma faixa alongada de terreno, na sua frente para a E.N. 109, e pertence aos expropriados.
2) Localiza-se na freguesia de Valadares, concelho de Vila Nova de Gaia.
3) O prédio de onde a parcela se destaca está inscrito no art.º 1634 da matriz rústica da freguesia de Valadares, concelho de Vila Nova de Gaia e descrito na Conservatória do Registo Predial do mesmo concelho sob o n.º 00724/010693.
4) As confrontações do prédio são as seguintes:
Norte – Rua José Bastos; Sul – E.N. 109; Nascente - E.N. 109; Poente – E............ .
E as da parcela: Norte – Rua José Bastos; Sul – E.N. 109; Nascente – E.N. 109; Poente – O próprio.
5) A parcela expropriada é necessária à construção da "IC1 - Miramar/Madalena - Sublanço Madalena/EN1O9".
6) A utilidade pública e urgência foi declarada por despacho do Ex.mo. Senhor Ministro do Equipamento Social, publicado no DR nº 81, II Série de 05.04.2001.
7) O terreno da parcela tem configuração irregular, formando uma faixa estreita, terminando em bico, a sul.
A sua largura máxima é a norte e tem cerca de 11,00 m.
8) Situa-se a uma cota inferior relativamente à E. N. 109 e à Rua José Bastos.
9) O desnível existente é vencido, a nascente, por um muro de suporte e um talude localizado entre o terreno e a plataforma da E.N. 109 e, a norte, norte por um muro de suporte.
10) O terreno é plano.
Está sujeito ao cultivo de flores e tem algumas árvores de fruto.
Está a ser cultivado graciosamente.
11) Na parcela há um poço que serve para regar o terreno e o jardim da moradia do mesmo proprietário, localizada do outro lado da Rua José Bastos.
12) A parcela tem frente para as vias públicas E.N. 109 e Rua José Bastos.
13) A E.N. 109 é pavimentada a betuminoso, e está dotada com rede de abastecimento domiciliário de água, rede de distribuição de energia eléctrica e rede telefónica.
14) A Rua José Bastos tem, além destas infraestruturas, a rede de esgotos, sendo pavimentada a cubos de granito.
15) A parcela está integrada em zona de edificabilidade intensiva do P.D.M. de Vila Nova de Gaia.
16) Nas proximidades da parcela, além de moradias, há prédios que chegam a atingir a cércea de R/chão e 4 andares.
17) A parcela é toda vedada.
18) Verifica-se, ainda, a existência das seguintes benfeitorias:
a) Muro de suporte e vedação a norte: em alvenaria de granito, com cerca de 11,00 m de comprimento, 0,40m de espessura e hm=1,6m; pela parte exterior da vedação que confina com a R. José Bastos a altura do muro é de 0,9m.
b) Muro de suporte e vedação localizado a nascente e a sul: em alvenaria de granito, com cerca de 55,0 de comprimento, 0,40m de espessura e hm=1,4m.
c) Poço com 4,2 m de diâmetro, em granito, tampo em lage de betão, com cerca de 15,0m de profundidade.
d) Portão de ferro com 2,6x1,1m.
19) No terreno abrangido pela expropriação, há ainda a assinalar:
a) 1 Diospireiro.
b) 1 Pereira de médio porte.
c) 2 Magnólias de médio porte.

V. Do conhecimento do recurso dos expropriados.
A indemnização fixada na decisão recorrida corresponde à soma das parcelas.
- € 7.000,00 - de benfeitorias,
- € 20.358,05 - valor da parcela expropriada,
- € 27.695,20 - desvalorização da parcela sobrante.
Em recurso, renovam os expropriados o pedido de indemnização global de 202.952,67 €, valor já peticionado no recurso interposto da decisão arbitral.
Quer a expropriante que o valor da parcela expropriada deve ser fixado em 17.625,00 €, enquanto que os expropriados pretendem € 194.531,17. São valores deveras discrepantes para se referirem ao mesmo bem, embora a dimensão da discrepância resulta sobretudo dos diferentes entendimentos quanto a existência ou inexistência de desvalorização da parte sobrante, já que apenas foi expropriado parte do prédio dos expropriados.
Como discrepantes são os valores encontrados por diversos “peritos” (neles se incluindo, embora com missão decisória, os árbitros), dotados de conhecimentos técnicos especiais, em quem se presume e exige rigor, objectividade e imparcialidade, sem que os resultados sejam suficientemente motivados de forma a desfazer dúvidas sobre a sua correcção e a convencer as partes da justeza das soluções. Neste sentido, sem considerar a desvalorização da parcela sobrante, por as diferentes posições dependerem da dimensão da servidão preexistente, não é facilmente compreensível que oito técnicos, perante um mesmo terreno que qualificam de apto para construção, concluam por valores que chegam a divergir em mais de cinquenta por cento.

1. Na decisão da arbitragem qualificou-se a parcela expropriada como terreno apto para construção, qualificação igualmente adoptada por todos os peritos na fase contenciosa e na sentença (acórdão!) recorrida, sem que nenhum dos recorrentes, quer da decisão arbitral quer da sentença de primeira instância, haja questionado essa qualificação do solo, apenas divergindo do valor atribuído (apesar da preexistente servidão non aedificandi, condicionante da edificabilidade na parcela expropriada).
Trata-se de questão que, pela posição assumida pelos recorrentes (expropriados e expropriante), não está sob sindicância deste tribunal. Daí que a parcela expropriada deve ser avaliada como sendo terreno apto para construção.

No seu recurso, os expropriados calculam a indemnização (pela parcela expropriada e pela parcela sobrante) como se todo o prédio fosse expropriado, valorando igualmente a indemnização que pretendem para todo ele. Mas não é essa a situação, nem a Declaração de Utilidade Pública abrange todo o prédio nem os expropriados, em momento oportuno, requereram a expropriação total (arts. 55º, nº 1, do Código das Expropriações), verificados que fossem os requisitos previstos no artigo 3º, nº 2, do mesmo código. A servidão non aedificandi não se confunde com a expropriação; apenas afecta alguma/s faculdade essencial (no caso, eventual potencialidade construtiva) do direito de propriedade, com o inerente prejuízo para o titular desse direito e, por isso, susceptível de indemnização, atento o disposto no artigo 62º, nº 2, da CRP, que dispensa protecção ao direito de propriedade. A parte restante continua propriedade dos expropriados e, com maior ou menor desvalorização, não é esta tão intensa que deva valorizar-se como a parcela expropriada, apenas ocorre que à “extinção do direito de propriedade decorrente da mesma expropriação acresce uma essencial diminuição das faculdades do direito de propriedade quanto à parte sobrante” [Ac. do TC 331/99, de 2/6/99].
Expropriados foram apenas 235 m2 do prédio. Em relação à restante parte, só há lugar a indemnização se, por via da servidão non aedificandi resultante da implantação da nova rodovia (e não da já existente), vier a encontrar-se nalguma das situações previstas no artigo 8º, nº 2, do Cód. Expropriações, transformando-se uma área edificável em zona sem essa aptidão e, portanto, determinante de uma desvalorização global da parcela sobrante.

A primeira das questões (valor da parcela expropriada) importa análise dos aspectos - critério da avaliação, definição dos índices de ocupação e localização e qualidade ambiental.
A expropriação de quaisquer bens dá sempre lugar ao pagamento de uma justa indemnização ao expropriado (artigo 62º, nº 2, da CRP), princípio reafirmado no artigo 1º da Cód. Expropriações/99. O preceito constitucional deixa ao legislador ordinário a definição dos critérios que permitem realizar ou concretizar o conceito de "justa indemnização", a determinar com referência à data da declaração de utilidade pública (artigo 24º, nº 1, desse código).
Nos termos do artigo 23º, nº 1, desse diploma legal “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”.
A justa indemnização impõe que o expropriado receba aquilo que conseguiria obter pelos seus bens se não tivesse havido expropriação, ou seja, a indemnização deve corresponder ao valor do mercado do objecto expropriado, de modo a ser reposto no património do expropriado o valor equivalente ao dos bens de que ficou privado. Se bem que a justa indemnização deva corresponder em princípio ao valor real e corrente do bem expropriado, essa equivalência deve ter-se como tendencial.
A indemnização por expropriação desempenha e tem uma função compensatória, o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa se a indemnização corresponder ao valor de mercado do bem [Fernando A. Correia, As garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 1982, 129.], ou seja, a quantia que teria sido paga pelo bem expropriado, por um comprador prudente e conhecedor da realidade do bem, se tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda, não influenciado por factores conjecturais, artificiais ou especulativos.
Embora a Lei Constitucional remeta para a lei ordinária a definição dos critérios de determinação da justa indemnização, esses critérios têm de respeitar os princípios materiais da Constituição (nomeadamente, igualdade e proporcionalidade), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem expropriado [cfr. Gomes Canotilho/V.Moreira, Constituição Anotada, 2ª ed. 1º Vol/337]; pela expropriação, o direito de propriedade transforma-se no direito ao respectivo valor e o proprietário não deve ser discriminado relativamente aos não expropriados.
Da citada norma do CE/99, quanto à determinação do valor do bem expropriado deve atender-se não apenas ao destino efectivo do bem expropriado, à utilização efectiva que está a ser-lhe dada, como também à sua utilização económica normal, atendendo às suas potencialidades na perspectiva duma afectação económica normal e possível (não meramente hipotética). O cálculo do valor deve efectuar-se com base no aproveitamento económico efectivo do bem na data da DUP (da sua publicação), a não ser que não traduza a utilização normal das suas potencialidades, pois, nesta situação, a determinação do valor deve atender ao aproveitamento possível, o que não significa que já estivesse a ser efectuado.

Na espécie submetida a decisão, a parcela expropriada deve ser valorizada em função da sua aptidão construtiva. Por um lado, na data da declaração de utilidade pública, reúne todos os requisitos para assim ser qualificada previstos no artigo 25º, nº 2, a), do CE e, por outro, está integrada em zona de edificabilidade (intensiva) pelo respectivo PDM, e, sendo essa a qualificação atribuída na decisão arbitral e na decisão recorrida, dela não divergem as partes, pelo é questão que não está à apreciação deste tribunal.
Com a classificação dos solos feita pela lei e fixação dos critérios previstos no artigo 26º do CE, procura-se estabelecer critérios orientadores (indicativos) para a avaliação, evitando-se as disparidades não justificadas dos valores dos bens por recurso a critérios não uniformes, reduzindo-se, ao menos tendencialmente, a inevitável subjectividade dos avaliadores e garantindo, no possível, uma maior igualdade no tratamento das várias situações. Esses critérios constituem referências em ordem à determinação objectiva do valor dos bens, limitando-se a subjectividade no tratamento de situações normais, que aqueles critérios pressupõem e reflectem, e garantir a igualdade dos cidadãos, tratando-se de igual modo as situações idênticas. O recurso a esses critérios não pode conduzir a uma indemnização que não reflicta o valor corrente dos bens, a montante sem correspondência com esse valor ou que não seja idónea a ressarcir de forma integral e justa o expropriado pelo dano resultante da expropriação. Os referenciais fixados pelo legislador ordinário para a determinação não devem afectar a justeza da indemnização nem os critérios previstos no artigo 26º do CE impedem a determinação do justo valor dos bens, sendo de atender, quando se justifique, a outras circunstâncias concretas capazes de influir decisivamente no cálculo da justa indemnização ou seguir-se outros critérios com esse objectivo (artigo 23º, nº 5, do CE/99).
Na determinação do valor dos solos para construção atende-se ao critério do valor de mercado (artigo 26º, nº 1, do CE). O expropriante deve pagar ao expropriado o valor que um comprador médio, sem razões especiais para a sua aquisição, estaria disposto a pagar pelo bem, para efectuar o seu aproveitamento económico normal permitido pela lei ou regulamento em vigor [P. Elias da Costa, Guia das Expropriações, 2ª ed/258]. Na determinação do valor do solo é elemento de especial relevância a sua aptidão construtiva, quando verificada em concreto, e a área de construção possível, o índice de ocupação, que depende de diversos factores como área e configuração do terreno dos terrenos, normas do Plano Director Municipal e características das edificações existentes nas zonas envolventes ou a existência de servidões que obstem ou limitem a construção.

Critério do cálculo da indemnização - a determinação do valor do bem expropriado foi feita em função do custo de construção.
Na impossibilidade de recurso ao critério (com base nas declarações fiscais e avaliações fiscais correctivas) previsto no nº 2 do art. 26º do CE/99, é em função do custo de construção, em condições normais de mercado, que se calcula o valor dos solos aptos para construção. Em função do custo de construção foi calculado o valor da parcela expropriada. Os referenciais previstos permitem, nas situações normais e comuns, apurar o correcto e corrente valor dos bens e, por outro lado, não comprometer a uniformidade das indemnizações (em situações idênticas) imposta pelo princípio da igualdade.

Conforme concluem, mesmo os recorrentes entendem que o recurso aos critérios referenciais do artigo 26º permitiria concluir pelo pretendido valor se o índice de ocupação fosse fixado em 1,2 e a percentagem fixada no nº 5 (parece referir-se ao nº 6) fosse devidamente valorada (supondo-se – porque não o explicitam - que, na sua opinião, deveria ser fixada em 15%). Esta mesma posição já a afirmaram no recurso da decisão arbitral (cfr. pontos 10 a 13 desse requerimento).
Podem na avaliação ser atendidos outros critérios para alcançar o justo valor, o de mercado (art. 23º, nº 5, do CE).
Não se trazem ao processo circunstâncias especiais inerentes à parcela ou ao prédio que levassem a concluir justificadamente que o recurso a esses critérios ou apenas a esses critérios não permitem a determinação do valor justo e, para tanto, não basta afirmar-se que o valor do terreno é de 150€/m2. Nem as circunstâncias alegadas pelos recorrentes - “área urbanizada com praticamente todas as infra-estruturas, situada no centro cívico de Valadares e a escassa distância das cidades de V. N. de Gaia e Porto” e em “área de edificabilidade intensiva” - afastam a atendibilidade dos referidos critérios, que também eles visam a obtenção do valor corrente dos bens. Não mostra o processo características excepcionais de edificabilidade ou do local, intensa pressão da procura (não conjectural) fora do normal e com escassa oferta, utilidades do bem não reflectivas nos critérios previstos, ou outras situações que afastem o terreno expropriado do que é comum, geral e normal de terrenos da mesma natureza e, portanto, cujo valor não possa ser determinado com recurso aos referenciais previsto no artigo 26º do CE/99. Não é determinante para desviar esses critérios a alegação de que trocaram há algum tempo um terreno com valor m2 similar do que agora pretendem, desconhecendo-se por completo que factores interferiram no valor, as finalidades da troca, as características do terreno (de muito maior área, a possibilitar aproveitamentos que o expropriado não comporta) nem se tem por assente que os valores declarados no documento respectivo são os reais. Ao ser determinado valor da indemnização de acordo com os critérios previstos no artigo 26º não se mostra afrontada a norma do artigo 23º, nº 5, ambos do CE.

Localização e qualidade ambiental - conforme a norma do artigo 26º, nº 6, do CE, num aproveitamento económico normal, o valor do solo corresponderá a um máximo de 15% do custo de construção, variando, nomeadamente em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, acrescida das percentagens previstas no nº 7º do mesmo normativo.
Na determinação concreta da percentagem deve atender-se, essencialmente, a esses factores. Tendo como finalidade diferenciar os solos em função dos referidos factores, especial atenção deve haver na sua fixação. Como critério geral, a aplicação concreta não dispensa a comparação do solo em causa com os demais solos do país, uma vez que nem todas as zonas apresentam as mesma características em termo de ambiente, localização e equipamentos, não tendo justificação, por não reflectir a situação real, que se fixe ou se pretenda fixar sempre a percentagem de 15%.

O “a ambiente é o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem;
A “qualidade do ambiente é a adequabilidade de todos os seus componentes às necessidades do homem (artigo 5º, nº 2, a) e e), da LBA).
São componentes do ambiente o ar, a luz, a água, o solo vivo e o subsolo, a flora e a fauna – art. 6º da mesma Lei.
Da relação e interpenetração desses diversos componentes depende a melhor ou menor qualidade ambiental que pode mesmo conflituar a localização, o que significa que uma óptima localização nem sempre corresponde, e frequentemente não corresponde, a uma boa qualidade ambiental (dependente de factores como inexistência de ruídos, movimento não intenso, espaços verdes, zonas de lazer, variedade de fauna e flora, bom ambiente social, nível económico e social dos habitantes). Daí que a atribuição de uma elevada percentagem só deve ser conseguida numa zona que reúna muito boas localização e qualidade ambiental e bons equipamentos, o que sucede em poucos centros cívicos dos grandes aglomerados.

Na decisão recorrida, em função do laudo (maioritário) dos peritos, foi atribuída a percentagem de 13% (quase a máxima) que não pode ter-se como desfavorável aos interesses dos expropriados. O bem expropriado situa-se em zona que não pode considerar-se propriamente o centro cívico (como aqueles referem) de Valadares ou, ao menos, nenhum elemento do processo permite essa conclusão, pode ter bons acessos a Gaia e ao Ponto bem como às localidades costeiras e praias da orla marítima (relatório de fls. 151/161), o que não significa localização ideal (qualquer zona junto de vias de boa qualidade – estradas e/ou auto-estradas - e com frequentes e variados transportes acaba por ter bons acessos, mesmo que se situe distante e se tenha de despender considerável tempo em transportes, nomeadamente pela intensidade do tráfego, respeitar horários e programar a vida para beneficiar desses bons acessos e meios de transporte, o que prejudica essa boa localização (para os efeitos aqui em análise). Nem neste aspecto resulta do processo que esses acessos, em meios de transportes, sejam variados e os mais cómodos. Fica situada perto das cidades de Gaia e do Porto, marginada pela EN 109, reconhecidamente de intenso tráfego, que não contribuiu para o melhor ambiente. Nada se contem em explicitação, nomeadamente, do tipo de relações humanas, nível sócio-económico das populações locais, sossego, espaços verdes, como se não alega, nem transparece dos vários elementos que o processo encerra, abundância e/ou diversidade de equipamentos na zona que permita afirmá-la especialmente bem servida. Donde se conclui que a percentagem de 13% considerada não esta aquém da devida. Pelo contrário, em apego ao elementos objectivos revelados (e alegados), é mesmo favorável à pretensão dos recorrentes. E sendo o parecer dos técnicos semelhante (os árbitros, que não actuando como peritos, são técnicos com conhecimentos especiais, habituados a valorar esses factores), apenas o perito da expropriante se afasta (e em pequena medida) dos demais, não se apresentam razões, apoiadas em circunstâncias objectivas, que fundamentem discordância quanto à percentagem em questão. A esta se adita, pelos critérios objectivos expressos e infra-estruturas existentes (art. 26º, nº 7, als. a, c, d, e, i) a percentagem de 6%, perfazendo o total de 19%, percentagem com que se operou na determinação do montante da indemnização.
O índice de ocupação – especificamente não previsto no regulamento administrativo.
O terreno expropriado situa-se em zona de edificabilidade intensiva, caracterizada “por uma ocupação em princípio mais densa, na medida em se baseia e se destina preferencialmente a programas de habitação multifamiliar, à localização de serviços em geral, comércio e ainda indústria em local próprio (desde que compatível); nesta zona a cércea padrão será de rés-do-chão mais três pisos acima do solo, sem prejuízo da aplicação do critério da cércea e alinhamento dominantes, regra que, aliás, é comum a toda a área urbana e urbanizável” (preâmbulo do PDM de V. N. Gaia, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 28/94, de 10/Março, publicado no DR I Série B, de 6/5/94), em vigor na data da publicação da DUP, regulamento que não prevê índices de ocupação possível.
Como se afirma no relatório da arbitragem, a “não utilização na regulamentação das zonas previstas no PDM, dos índices urbanísticos deve-se à sua inadequação, quer à diversidade das situações e dimensões das parcelas a que se aplicam, quer à mistura de funções que caracteriza uma parte significativa das promoções imobiliárias” e, na aplicação casuística e em atenção a prédios unifamiliares existentes na zona, utilizaram o índice de 0,6/m2.
A área de implantação da construção não abrange todo o terreno, mesmo que se trate de área apta para construção, mas apenas a efectivamente ocupada pela construção, que pode ser bem limitada em relação à área total, traduzindo o índice de ocupação a relação entre a área de construção e a área total do prédio. O facto do PDM prever, nas zonas de edificabilidade intensiva, como regra, o padrão de uma cércea de rés do chão mais três pisos, sem prejuízo da cércea dominante, não implica elevado índice de ocupação. O índice de ocupação, que corresponda a um aproveitamento económico normal, depende de diversos factores, como área e configuração do solo, que certamente influem na área de construção possível, as servidões non aedificandi existentes, as normas do PDM, que devem ser objecto de aplicação casuística face à situação concreta do terreno e das suas área e configuração, ou das características das construções existentes nas áreas envolventes. Nem pelo facto da existência de construções de três ou quatro pisos envolve sempre elevado índice de ocupação possível.
Na situação concreta existe, do lado poente do prédio dos recorrentes, uma construção “de certa dimensão” referida no texto do relatório do perito da expropriante (que no dizer deste esgotaria a capacidade construtiva do quarteirão), de quatro pisos (relatório de fls. 153) que, de facto, pode influenciar a capacidade construtiva no prédio dos expropriados. O prédio tem uma configuração algo irregular (trapezoidal – ver plantas de fls. 63 e 69 e relatório dos peritos a fls. 153) e, embora tivesse acesso à EN 109, situa-se a 2/3 metros abaixo da cota da estrada, pelo que se trata de acesso limitado (um acesso pedonal, segundo o relatório do perito da expropriante, a fls. 177). Na zona, dentro do perímetro delimitado pela linha distando trezentos metros da parcela, existem numerosas edificações que vão desde moradias unifamiliares a prédios de rés-do-chão mais quatro pisos, constituindo denso aglomerado habitacional (relatório dos peritos, a fls. 151/161), sendo dominantes as construções de R/C e nadar, em geral moradias (relatório do perito da expropriante – fls. 175/180).
Os peritos (em laudo mairitário), em consideração do tipo de “construções existentes e as que se encontram em construção” na envolvente de trezentos metros, atenderam a um índice médio de 1,0m2/m2 (e 0,9/m2 o perito nomeado pela expropriante). Não atenderam apenas à construções antigas ou às moradias unifamiliares, mas aos prédios construídos e em construção, ainda que aquelas possam ser as construções dominantes. Nem apenas em atenção ás edificações existentes atenderam para o efeito (como se pode ver dos relatórios dos peritos, nomeadamente nos aspectos atrás referidos) para concluir por concreto índice de ocupação, não deixando de atender às variáveis que interferem nas capacidades construtivas. Como técnicos que são, e onerados com os deveres de imparcialidade e objectividade, e não se vê que interesse possam ter em demitir-se dessas obrigações, habituados a fazer a avaliações, melhor podendo comparar as diferentes situações, não se vê razões para não se reconhecer mérito e valor aos seus pareceres, mesmo que deles se discorde.
Foi também considerado um factor correctivo de risco (artigo 26º, nº 10) de 10%, que não foi posto em causa, bem como o valor unitário do custo de construção (€ 582,60/m2) previsto no regime de habitação a custos controlados (portaria 1062-C/2000, de 31/10) que se reporta a área útil, que representa, em média, 85% da área bruta, pelo que o custo reportado a esta é de € 506,61/m2. E, quanto a este, custo de construção, nenhum outro se contem no processo operável para cálculo da indemnização.
Não se mostra postergado critério ou norma legal que induza a índice de ocupação diferente do considerado no relatório dos peritos do tribunal, aceite na decisão recorrida.

2. A) Em consequência da construção do IC1, para que é feita a expropriação, é ampliada a servidão administrativa non aedificandi que influi no aproveitamento económico possível da parte do prédio não expropriada, pois que a expropriação não é total.
Na sentença recorrida, foi atribuída indemnização pela desvalorização decorrente dessa servidão, em consonância e com base no parecer dos peritos nomeados pelo tribunal. Nesse aspecto, entendeu o perito da expropriante não haver desvalorização e o perito dos expropriados que a parcela sobrante ficou sem qualquer valor, salvo uma pequena área de 90 m2 que fica fora da servidão.
No que se refere à parte sobrante do prédio de que foi desanexada a parcela expropriada, discorda a expropriante da atribuição de qualquer valor por – entende – não sofrer desvalorização. E isto, porque, por um lado, já não tinha esta capacidade construtiva e, por outro, ainda que a tivesse, dada a servidão non aedificandi preexistente, inviabilizada estava essa potencialidade.
B) A zona de servidão (questão suscitada pela expropriante no seu recurso) - por se tratar de questão precedente, cabe decidir se a servidão não se alterou ou se a servidão de protecção à EN 109 coincide com a de protecção ao IC1/SCUT, cuja construção justifica a expropriação.
A questão prende-se com a área da servidão preexistente e da que passou a existir exigida pelo IC1. A posição da expropriante, agora trazida em recurso, atem-se ao parecer do perito por si indicado que entende que as zonas non aedificandi se mantém, não sofrendo alteração significativa sem que a recorrente aclare esta questão.
Cabe, pois, clarificar a questão das servidões, sendo certo que só a decorrente da implantação da nova rodovia (IC1) e relacionada com a concreta expropriação é indemnizável neste processo.

Pode adiantar-se que as servidões (preexistente e resultante da expropriação/construção do IC1) não coincidem, o que é demonstrado, nesta parte justificadamente e com clareza, no relatório dos peritos nomeados pelo tribunal e pelos expropriados, a fls. 155/157.
Não se mostra correcta nem a posição dos árbitros nem a do perito nomeado pela expropriante, cuja posição esta adopta. Em sede de servidões de protecção às estradas nacionais regulava o DL 13/94, de 15/01.
Sendo a EN 109 considerada no categoria outras estradas (OE) – artigo 2º, nº 1. a) – e na presença da definição de “zona da estrada” – como “o solo ocupado pela estrada, abrangendo a faixa de rodagem, as bermas, as pontes e os viadutos nela incorporados e, quando existam, as valetas, os passeios, as banquetas e os taludes”– dada pela al. b) desse preceito, que abrange a “zona da estrada” definida no artigo 2º , nº 1. a), do DL 13/71, de 23/01, a servidão non aedificandi ficou fixada em “20 m para cada lado do eixo da estrada e nunca a menos de 5 m da zona da estrada” – artigo 5º, al. c), desse DL 13/94.
Assim, a servidão de protecção à EN 109 era de 20 m para cada lado do eixo da via e nunca a menos de 5 metros da zona da estrada e não, como no laudo do perito indicado pela expropriante é indicado, de 15 metros da plataforma da estrada (“conjunto constituído pela faixa de rodagem e pelas bermas”) e não menos de 35 metros do eixo da via, para construções habitacionais, servidão que se mantém, para chegar à conclusão que já antes da DUP a maior parte do terreno sobrante estaria incluído na servidão, sem viabilidade construtiva e, na sequência, sem desvalorização proveniente da nova via, praticamente coincidindo as servidões antes e depois da DUP.
Mas, dada a conversão da EN 109, no local, em auto-estrada (IC 1) – SCUT (cfr. DL 87-A/2000) – ver DUP, a fls. 65 do processo -, a servidão de protecção a essa via passou ou passa a ser de 40 m da plataforma da auto-estrada, numa menos de 20 m da zona da auto-estrada (que inclui a faixa de rodagem, as bermas, as valetas, os passeios, as banquetas e os taludes) – artº 4º, nº 1. b), desse DL 87-A/2000, e Base II, nºs 1, d) e 2, do respectivo Anexo I.
Como todos os perito entenderam (fls. 157 e 177), os eixos das duas vias (EN 109 e IC1/SCUT) são praticamente coincidentes na zona da expropriação e do prédio.
Daí que a servidão non aedificandi preexistente (de protecção à EN 109) não coincide com a que servidão de protecção ao IC1, sendo muito inferior à que advém para o terreno com a construção deste itinerário (IC1).
Em conclusão, nenhuma razão se descortina para discordar da determinação das áreas abrangidas pelas servidões nos termos em que o fizeram os peritos nomeados pelo tribunal e pelos expropriados, no respectivo laudo. Assim, não havendo divergência da área ou zona da servidão preexistente (260 m2) nem da acrescida resultante da implantação do IC1 (950 m2), não existe fundamento para desconsiderar indemnização, no que às áreas da servidão respeita, ou para anular a perícia (e actos subsequentes – pretensão subsidiária no recurso da expropriante), em ordem à avaliação da parte restante do terreno em atenção a mais vasta zona de servidão preexistente. As servidões, preexistente e decorrente da expropriação, são as atrás referidas, tal como determinadas, quanto às áreas, pelos peritos nomeados pelo tribunal.
Por outro lado, de nenhum elemento se dispõe no processo, para concluir com a expropriante, estar a capacidade construtiva da zona esgotada e não é pelo facto do limitado acesso à EN 109 ou da existência de um prédio (a poente) de certa dimensão que fica a capacidade construtiva fica afastada, se bem que a possam afectar.

C) Nos termos do artigo 8º, nº 2, do CE, aprovado pelo DL 168/99 de 18/9, o aplicável, as servidões (administrativas), decorram da lei ou de acto administrativo, conferem ao onerado com esse encargo direito de indemnização, verificados os requisitos previstos nessa norma.
O direito a indemnização por servidão non aedificandi reporta-se à servidão relacionada com a expropriação e não com outra criada por lei ou acto administrativo (preexistente ou com aquela não relacionada).
O que significa que, em processo de expropriação, para a fixação da indemnização ao expropriado, só são atendidas as servidões resultantes da expropriação, e não outras que já impendam sobre o bem expropriado à data da DUP.
O prédio de que foi desanexada a parcela expropriada, tinha a área de 1 300 m2. A servidão se protecção à EN 109 abrangia 260 m2. Com a expropriação e a construção do IC1 acresce uma área de 950 m2 que fica afectada com a servidão. A parte restante (90 m2) fica sem viabilidade construtiva, sem possibilidade de utilização autónoma para esse fim ou, como se expressam os peritos (salvo o da expropriante), “sem qualquer interesse económico” (fls. 157).
Já antes da DUP, o prédio dos expropriados reunia os requisitos para ser qualificado como solo para construção (pelo menos, além dos limites da servidão preexistente).
O ius aedificandi deve ser perspectivado como um dos factores de valorização dos prédios. Se o prédio tinha aptidão construtiva, a perda ou limitação desse direito decorrente de um acto expropriativo, deve o expropriado ser indemnizado pela correspondente de valor da desvalorização (da perda da faculdade de edificar). A aptidão edificativa dos terrenos sujeitos a expropriação constitui normalmente um dos factores mais relevantes a atender para a fixação do indemnização a atribuir ao expropriado, para ressarcir o dano decorrente da expropriação. O efeito de diminuição do valor patrimonial da parcela não expropriada, que vai implicado na obrigação de não edificar justifica que se faça apelo ao princípio da justa indemnização [Ac. 329/94 do TC, de 13/4/94]. ‘A não indemnização da servidão non aedificandi implicaria uma compressão desproporcionada do direito de propriedade e uma violação da igualdade na tutela desse direito’ [Ac. 331/99 do TC, de 2/9/99].

D) Na situação, surge uma nova servidão por causa da expropriação que afasta a potencialidade construtiva do prédio. A perda da faculdade de construir, com relevância económica, deve ser indemnizada.
Por outro lado, uma parcela restante, directamente não abrangida pela servidão, de cerca de 90 m2, ficou sem valor interesse económico autónomo, cuja desvalorização deve ser atendida do mesmo modo que a decorrente da servidão (arts. 8º nº 2, e 29º, nº 2, do CE).

E) A decisão recorrida, sufragando a posição dos peritos do tribunal quanto ao aproveitamento ou uso da parte do prédio não expropriada como local de exposição e vendas de materiais, nomeadamente automóveis, entendeu que o terreno mantinha um valor de 60,00€/m2, atingindo a desvalorização € (86,63 – 60) = 26,63€/m2.
Como consta do relatório dos peritos do tribunal, “se para fins construtivos a parcela sobrante perde todo o interesse económico, existirão outros usos possíveis, que de algum modo poderão rentabilizar o terreno em causa desde logo a sua integração em prédio vizinhos para usos complementares da habitação ou indústria, como sejam o estacionamento, embora esta utilização envolva uma negociação aleatória. No entanto, os terrenos poderão sempre ser utilizados para usos muito comuns na EN 109 (Porto-Espinho), que são as exposições de materiais e vendas de materiais diversos entre outros de automóveis”.
Já no relatório da arbitragem se expressa, quanto à parte sobrante, “terá a sua utilização condicionada, só podendo ser utilizada como eventual logradouro das edificações que eventualmente venham a ser construídas nos lotes vizinhos”, desvalorizando-a em 80% do valor unitário do terreno.
A douta decisão recorrida, sufragando a posição dos peritos quanto à utilização económica que poderia ser dada à parcela sobrante para determinar a sua desvalorização, acrescenta que essa utilização encontra-se “em conformidade com a realidade geográfica e económica”.

O cálculo do valor dos bens deverá basear-se nas potencialidades actuais do bem e não em eventuais valorizações especulativas futuras. O aproveitamento económico normal é aquele que, de facto, é dado aos bens quando é publicada a DUP, no caso de se tratar de uma utilização normal, explorando as potencialidades que normalmente o bem permite. No caso da aptidão construtiva, o cálculo do valor da indemnização não pode deixar de atender a essa aplicação normal do terreno, o que não depende do seu aproveitamento actual para esse fim.
A valorização do bem em atenção ao seu destino possível (num aproveitamento económico normal) não implica que esse aproveitamento já esteja a ser efectuado. Porém, essa determinação não deverá basear-se em meras eventualidades (quase tudo é possível), mas no que é comum, normal ou habitual. Na avaliação não deve atender-se a meras expectativas de aproveitamento, mas às potencialidades efectivas, numa aproveitamento normal, que o bem poderia ter no presente. No cálculo do valor da indemnização pela desvalorização resultante da perda da capacidade construtiva há-de atender-se à situação em que o terreno fica em consequência da execução da obra que motiva a expropriação.

F) No caso em apreciação, para se determinar o valor da desvalorização, seja, do valor do terreno sobrante (não afectado pela servidão non aedificandi preexistente), considerou-se ser comum a sua utilização para exposições e venda de materiais diversos entre outros de automóveis e assim se encontrou um valor com alguma aproximação ao do terreno expropriado.
Desse aproveitamento discordam os expropriados, nomeadamente por não ser esse um aproveitamento comum na zona, implicar despesas para o possibilitar e dificuldades na afectação do terreno a essa utilização.
No relatório pericial (e na sentença) essa afectação aparece como uma das eventuais utilizações, tão aleatória como os outros aproveitamento aí perspectivados, sem que se esclareça a razão de por ele se optar, pois também não vem provado que essa utilização seja habitual na zona (“em conformidade com a realidade geográfica e económica”).
Não vem assente na matéria de facto (que deveria ser decidida por acórdão motivado, com os factos provados e os não provados) que essa seja a utilização comum, no sentido de normal ou habitual, dos espaços/terrenos como o que está em causa ou que o terreno pode ser (como possibilidade real e concreta e não meramente hipotética) destinado a um local de exposições e vendas de materiais entre outros de automóveis.
Como também não vem assente que, nessa utilização normal ou usual, pudessem os expropriados obter uma renda mensal de 0,40€/m2.
A valorização segundo essa afectação, como parque de exposições e vendas, implica boa visibilidade/exposição dos produtos e boa acessibilidade aos locais para a sua aquisição.
Como consta da descrição do prédio, encontra-se este a uma cota 2 a 3 metros abaixo da EN 109, o que, para os produtos se tornarem visíveis a quem nesta circula, implicava ou o aterro até acima da cota da estrada ou a construção (contrariada pela servidão) de estruturas com a mesma finalidade, o que implicaria a realização de despesas para os expropriados (poderem obter os rendimentos indiciados), que não devem ser desconsideradas para efeitos de indemnização, que seria tanto mais elevado quanto menores as despesas a efectuar.
Por outro lado, não sendo admissível o acesso directo da auto-estrada ao terreno, essa potencialidade fica diminuída pela dificuldade de acesso dos potenciais compradores. Isto sem considerar as condicionantes legais ou administrativas à instalação do “estabelecimento” de exposição e venda de materiais nos termos afirmados.
Torna-se necessário esclarecer estes aspectos – se o terreno, na situação concreta, pode ser utilizado para exposições e vendas de materiais entre outros de automóveis, se, nessa utilização, podem os expropriados obter uma renda mensal de 0,40€/m2, que despesas (se a elas houver lugar) terão os expropriados de efectuar para possibilitar aquela utilização e, não sendo essa a utilização possível ou normal, qual o aproveitamento económico normal e, nessa afectação, o rendimento que é possível obter - ampliando-se a matéria de facto relativamente a essas questões, com novos esclarecimentos dos peritos em complemento da perícia (sem prejuízo de outra prova que o tribunal entenda necessária).
Não se dispondo de todos os elementos probatórios necessários a responder a essas questões, nos termos ao artigo 712º, nº 4, do CPC, deve anular-se a decisão e repetir-se o julgamento para se averiguar as mencionadas questões.
Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelos recorrentes.

VI. Pelo exposto, acorda-se em anular o julgamento e actos subsequentes, nomeadamente o acórdão recorrido, devendo proceder-se à sua repetição com vista a ampliar a matéria de factos nos termos atrás expostos em V. 2. F) da fundamentação.
Custas a fixar a final.
Porto, 22 de Setembro de 2005
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira