Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
242/09.3TBCPV.P1
Nº Convencional: JTRP00043469
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: RECURSO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO
Nº do Documento: RP20100127242/09.3TBCPV.P1
Data do Acordão: 01/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 614 - FLS 187.
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 59º/3 do RGCO, o recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima “é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido (…)”.
II - Este prazo de recurso da decisão de aplicação de coima não é um prazo judicial, pois decorre antes da entrada do processo no tribunal, quando ainda não existe qualquer processo judicial. Assim, e para a contagem do prazo de interposição do recurso de impugnação judicial, há apenas que atender ao disposto no art. 60º do DL 433/82, na redacção dada pelo DL 244/95, de 14/09.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 242/09.3TBCPV.P1
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:


I – RELATÓRIO:

No processo n.º 242/09.3TBCPV.P1, do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo de Paiva, foi proferida decisão judicial (fls.83ss), que rejeitou o recurso de impugnação judicial enviado por B………., da decisão da Câmara Municipal ………, que o condenou pela prática de uma contra-ordenação p.p. pelos art. 98º nº1 al. e) e nº5 do DL555/99, na sua redacção em vigor, na coima de 498.80 E, correspondente ao mínimo legal.
É o seguinte o teor dessa decisão judicial:
(Fundamentação de facto e de direito
De acordo com os documentos juntos aos autos considera-se provada a seguinte factualidade:
1) Por decisão datada de 26-03-2009, o Município de ………. condenou o recorrente pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 98.º, n.º1 al. e) e n.º5 do DL n.º 555/99, de 16-12, na redacção do DL n.º 177/2001, de 04-06 na coima de €498,80, conforme decisão constante de fls. 48 e ss. cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
2) O recorrente foi notificado da decisão mencionada em 1) por carta registada com aviso de recepção assinado em 11.05.2009.
3) O recorrente apresentou a impugnação judicial no Município de ………. aos 09.06.2009.
Do direito.
A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial, devendo o recurso ser feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de vinte dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões. - art. 59.º, ns.1 e 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCOC), instituído pelo DL n.º 433/82 de 27-10, alterado pelo DL n.º 244/95, de 14-09 e Lei n.º 109/2001, de 24-12.
O prazo previsto nesta norma tem natureza administrativa e não judicial, não se aplicando, por isso, as especificas regras processuais. A este propósito veja-se a jurisprudência maioritária citada por Oliveira Mendes e Santos Cabral em Notas ao Regime Gera/ das Contra- Ordenações e Coimas, 3.ª ed., Almedina, a fls. 213 e ss. e Manuel Ferreira Antunes, Contra-ordenações e Coimas, anotado e comentado, Livraria Petrony editores, pp. 385 e ss..
Com efeito, conforme se elucida o sumário do ACRE de 10/01/2006:
"I _ O recurso de impugnação faz parte da fase administrativa do processo, não da fase judicial, pelo que nunca a interposição de um tal recurso pode ser considerado, seja para que efeito for, como acto praticado em juízo.
II _ Com efeito, tal recurso é deduzido num processo contra-ordenacional e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade administrativa revogar a decisão, até ao envio do processo ao tribunal (cf. Art. 62, nº. 2 do RGCO)."
Também o ACRC de 16-01-2008 afirma que:
III_ Não colide com os princípios da legalidade. da unidade do sistema e do acesso ao direito, o facto de não ser aplicável ao prazo de impugnação da decisão da autoridade administrativa o regime de dilação da prática de actos processuais para além dos prazos preclusivos fixados nos ordenamentos processuais penais e civis. (...)"
Assim acontecendo é aplicável o disposto no art. 72.º do Código de Procedimento Administrativo, a que se soma a regra do art. 60.º do RGCOC, não se incluindo na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr; começando o prazo a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados e, finalmente, se o termo do prazo cair em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte. Isto posto, tendo o recorrente sido notificado da decisão administrativa por carta registada com aviso de recepção assinado no dia 11-05-2009, o inicio do prazo para a impugnação judicial tem lugar no dia 12-05-2009, e, contando-se 20 dias úteis a partir dessa data, o seu fim é no dia 08-05-2009.
Considerando que a entrada da impugnação judicial ocorreu no dia 09-06-2009, é a mesma intempestiva.
Pelo exposto, rejeita-se a impugnação judicial apresentada por B………., por ser a mesma intempestiva.
Custas a cargo do recorrente. Notifique.…)
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Inconformado, com essa decisão vem o recorrente B………. interpor recurso da mesma, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
(I- O recurso de impugnação dos actos da autoridade administrativa que aplica uma contra-ordenação pode ser remetida pelo correio nos termos do artº 150º, 2, b) do CPCivil, aplicável ex vi artº 104º nº1 do CPPenal e artº 41º, 1, DL 433/82, 27/10.
II- Utilizado o meio de apresentação por via postal, sob registo, o acto processual é considerado praticado na data do registo postal e não na data da recepção pela autoridade administrativa;
III- No caso concreto, tendo o recorrente sido notificado da decisão do Município de ………. em 11/5/2009, o prazo de contagem de 20 dias úteis para apresentação do recurso terminou em 8/6/2009, data da prática do acto pelo recorrente que, nesse dia, remeteu o requerimento de recurso pelo correio, sob o registo postal RC……….. …)
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O Magistrado do Ministério Público não apresentou resposta.
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Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento face à tempestividade da impugnação, atento o envio da mesma sob registo em 8/6/2009.
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Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, as questões a decidir são se a norma do artº150º2al.b) do CPC é aplicável ao recurso dos actos da autoridade administrativa e como tal se o acto processual é considerado praticado na data do registo postal.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
Vistas as questões a decidir importa ter presente para além da factualidade provada na decisão recorrida, o seguinte:
●O recurso de impugnação judicial foi enviado à Câmara Municipal de ………. por correio registado em 8/6/2009, conforme talão de registo de fls.95.
Nos termos do artº 59º nº3 do RGCO o recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima “é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido (….)”
A questão relativa à natureza do prazo de interposição de recurso da decisão administrativa, tem vindo a merecer tratamento unânime da jurisprudência por nós conhecida no sentido de não se trata de um prazo judicial. [1] Esta é também a posição que vem sendo expressa pela doutrina, no sentido de que “O prazo de recurso da decisão de aplicação de coima não é um prazo judicial, pois decorre antes da entrada do processo no tribunal, quando ainda não existe qualquer processo judicial.
Com efeito, o recurso da decisão de aplicação de coima é deduzido num processo contra-ordenacional que tem natureza administrativa e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade administrativa revogar a decisão, até ao envio do processo ao tribunal (artº 62º nº2, do R.G.C.O).”[2]
Aliás, já anteriormente à actual redacção do artº 60º introduzida pelo Decreto–Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, o Acórdão de fixação de Jurisprudência nº2/94, do Supremo Tribunal de Justiça, de 10/3/99 [3] se havia pronunciado no sentido de que o prazo do então artº 59º nº3 do Decreto lei nº433/82 de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº356/89 de 17 de Outubro, não tinha natureza Judicial, porquanto o recurso de impugnação diz respeito à fase administrativa do processo de contra-ordenação.
Assim, e para a contagem do prazo de interposição do recuso de impugnação judicial há apenas que atender ao disposto no artº 60º do decreto Lei nº433/82, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº244/95, de 14 de Setembro, que estabelece uma forma específica de contagem do prazo de interposição do recurso, que se assimila à do artº 72º do Cód de Procedimento administrativo.
Nos termos do artº 60º do RGCO, “1- O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administratva suspende-se aos sábados domingos e feriados.” e “2- O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.”
Porém, e ainda assim, no que concerne ao momento em que se considera apresentado o recurso à autoridade administrativa, decidiu-se no Assento 1/2001, DRI-A d 20/4/2001. “Como em processo penal, também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima – artº 41º nº1 do Decreto Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, 4º do Código de processo penal e 150º nº1, do Código de processo civil e Assento do Supremo Tribunal de Justiça nº2/2000, de 7 de Fevereiro de 2000.”
E na fundamentação do mesmo assento escreveu-se que o problema de saber se à semelhança do que se passa em processo civil e em processo penal também em processo contra-ordenacional, valerá como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessas do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima, “nada tem a ver, pois com a forma e prazo da impugnação judicial (artº 59º do Regime Geral das Contra-Ordenações) nem com a contagem do prazo para a impugnação artº 60º) mas singelamente, com a equiparação (ou não), à apresentação material do recurso à autoridade administrativa, da sua remessa pelo correio registado (apresentação postal), como se os serviços postais funcionassem – tal qual no processo civil- como postos de recepção dos «articulados, requerimentos, respostas e peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo»”
Daí que como se decidiu no ac. desta Relação de 2/10/2002, a aplicação do disposto no artº 150º segunda parte do nº1 do CPC, ao envio pelo correio, sob registo, à autoridade administrativa, de requerimentos de impugnação judicial, não colide “com o facto de o prazo para a impugnação judicial ter natureza administrativa e de o respectivo requerimento ter de ser apresentado aquela autoridade.”[4]
Esta interpretação mantém plena validade face à actual redacção do artº 150 nº2 al.b) do CPC, em tudo idêntica à segunda parte da anterior redacção do nº1 do CPC.
Anota-se ainda que era ao Tribunal, que competia verificar se o recurso foi atempadamente interposto, diligenciando por saber junto da autoridade administrativa a via usada para o envio do mesmo e a data em que tal envio foi feito.[5]
Assim sendo, e face ao disposto no artº 60º do RGCO, considerando que o recorrente foi notificado da autoridade administrativa, por carta registada com aviso de recepção, em 11/5/2009, o prazo de 20 dias a que se refere o artº 59º nº3 do RGCO terminava em 8/6/2009, surgindo a referência no despacho recorrido, a 8/5/2009, como mero lapso, como bem salienta o Exmº Sr Procurador Geral Adjunto nesta Relação. Uma vez que o recurso de impugnação foi apresentado por via postal sob registo em 8/6/2009, face à actual redacção do artº 150 nº2 al.b) do CPC, há pois que concluir pela tempestividade do mesmo e pela procedência do recurso.
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III – DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em julgar o recurso procedente e consequentemente revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que pressuponha a tempestividade do recurso de impugnação judicial apresentada pelo recorrente.
Sem tributação
Elaborado e revisto pela relatora
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Porto, 27/1/2010
Lígia Ferreira Sarmento Figueiredo
José Manuel da Silva Castela Rio

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[1] Cfr. entre outros os Ac. Rel. Do Porto de 7/1/98, proc. nº9711055, (relator Manuel Braz), 27/6/2007 no proc. 0742042 (relator Luís Gominho) e 16/12/2009 proc. 243/09.1TBCPV.P1 (relatora Adelina Barradas).
[2] Manuel Simas Santos, Jorge Lopes de Sousa, CONRA-ORDENAÇÕES, Anotações ao Regime Geral, 2ª edição 2002 pág.359
[3] In DR, Isérie, de 7/5/94.
[4] Proferido no proc.02406609 (relatora Conceição Gomes).
[5] Neste sentido ARL de 15-05-2002, Proc nº3504/02 4, (relator Simão Quelhas) onde se decidiu “Não tendo sido junto o sobrescrito que capeou o recurso, competia ao tribunal verificar se foi interposto atempadamente e, em caso de duvidas, diligenciar no sentido de saber da autoridade administrativa a via usada para a interposição e a respectiva data.”