Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00034815 | ||
Relator: | FONSECA RAMOS | ||
Descritores: | PREVIDÊNCIA REGIME CRÉDITO CONTRIBUIÇÃO PARA A PREVIDÊNCIA JUROS DE MORA PRIVILÉGIO CREDITÓRIO INCONSTITUCIONALIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP200209230250950 | ||
Data do Acordão: | 09/23/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | 6 V CIV PORTO | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR OBG. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART733 ART734 ART751 ART686 N1. DL 512/76 DE 1976/07/03 ART2. DL 103/80 DE 1980/05/09 ART11. CONST97 ART2. | ||
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Sumário: | As normas constantes dos artigos 2 do Decreto-Lei n.512/76, de 1976/07/03 -créditos pelas contribuições do regime geral de previdência e respectivos juros de mora- e 11 do Decreto-Lei n.103/80, de 1980/05/09 -créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição e os respectivos juros de mora- enquanto interpretadas no sentido de que o privilégio imobiliário nelas previsto prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751 do Código Civil, são inconstitucionais por violarem o artigo 2 da Constituição da Republica. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto Por apenso ao autos de Execução Para pagamento de Quantia Certa com processo ordinário, pendentes na actual ... Vara Cível da Comarca do ....., intentados pelo: “Banco .........”, oportunamente substituído pela “Caixa ........”, contra: Olga ....... e Fernanda ........., O Banco ........., [substituído pela Caixa .........], reclamou os seguintes créditos: 1) - 6.013.271$00, relativo a capital (capital 5.021.579$00), juros e imposto de selo em dívida pela executada/reclamada/Olga ......., nos autos ..../.. do .. Juízo, .. secção deste Tribunal. 2)- 34.565.482$00, correspondente ao capital em dívida (capital de 24.475.926$00) e juros em dívida pela executada/reclamada/Olga ......., com garantia de hipoteca constituída, a favor deste reclamante, sobre o imóvel penhorado na execução a que os presentes autos estão apensos e registada igualmente a seu favor. 3) - 2.602.256$00 relativo a capital (capital 2.020.000$00), juros e imposto de selo em dívida pela executada/reclamada/Olga ......., nos autos .../.. do .. Juízo, .. secção, deste Tribunal. 4) -1.937.056$00 relativo a capital (capital 1.500.000$00), juros e imposto de selo em dívida pela executada/reclamada/Olga ........, nos autos ../.. da .. Vara, .. secção, deste Tribunal. “C........., SA”, reclamou o seguinte crédito: 1) - 1.503.383$00 relativo a capital - 1.000.000$00 - e juros em divida pela executada/reclamada, nos autos ..././.. do .. Juízo do Tribunal Judicial de ......., bem como, juros vincendos desde a apresentação da presente reclamação. O Centro Regional de Segurança Social do Norte reclamou, também, o seguinte crédito: 1) - 742.268$00 relativo a contribuições normais para a segurança social, relativamente aos salários pagos aos seus empregados pela co-executada/reclamada Olga ........, enquanto entidade patronal, correspondente aos meses de Outubro a Dezembro de 1996; Janeiro a Outubro de 1997. Admitidas, liminarmente, as aludidas reclamações, deu-se cumprimento ao disposto no art. 866°, nº2, do Código de Processo Civil, sem que tivesse havido qualquer oposição. Considerando que tais créditos foram reclamados dentro do prazo legal, se encontravam devidamente documentados e não foram impugnados, nos termos do art. 868°, n°4, do Código de Processo Civil, foram julgados verificados. A favor do reclamante Banco, ora Caixa, foi definitivamente registada, em 14.1.1997, hipoteca, para garantia do seu crédito reclamado em 2), incidente sobre o prédio rústico denominado “S..... da B......”, com área de 11.000 m2 onde, ao tempo do empréstimo concedido à executada Olga, se encontrava em construção um prédio urbano para habitação de cave, rés-do-chão e andar sito no ........., inscrito na matriz sob o art. 182 - cfr. fls.15 a 25 e certidão de fls. 29/30. Nos autos de execução foi efectuada, em 20.5.99, a penhora do imóvel identificado a fls.41. *** A final, foi proferida sentença que graduou os créditos verificados do seguinte modo:1º - O crédito do Centro Regional de Segurança Social do Norte, reclamado nos autos. 2° - O crédito reclamado nestes autos em 2), pelo Banco ........, oportunamente substituído pela Caixa ......... 3° - O crédito exequendo. 4° - O crédito reclamado nestes autos em 1), pelo Banco ......., oportunamente substituído pela Caixa ........... 5° - O crédito reclamado nestes autos em 3), pelo Banco ......., oportunamente substituído pela Caixa .......... 6° - O crédito reclamado nestes autos em 4), pelo Banco ......., oportunamente substituído pela Caixa ........ 7° - O crédito reclamado nestes autos por “C........, S.A.. *** Inconformada recorreu a Caixa que, alegando, formulou as seguintes conclusões:1ª - As normas constantes dos artigos 2° do Decreto-lei nº512/76, de 3 de Junho, e 11° do Decreto-lei nº 103/80, de 9 de Maio, interpretadas no sentido de que o privilégio imobiliário geral nelas conferida prefere à hipoteca, nos termos do art. 751° do Código Civil são inconstitucionais por violação do princípio da confiança consagrado no art. 2° da Constituição da República. 2ª - Consequentemente deve conceder-se provimento ao recurso declarando-se inconstitucionais as referidas normas e revogar-se a sentença de graduação de créditos em causa que deve ser alterada por forma a que o crédito da recorrente no valor de 172.411,89 Euros (34.565.482$00) passe a anteceder o crédito do CRSS. Fundamentação: A questão objecto do recurso, aferida pelo teor das conclusões do recorrente, que delimita o respectivo âmbito de conhecimento, consiste em saber se os créditos previdenciais do CRSS, relativos a contribuições devidas por empregador, gozando de privilégio imobiliário geral, devem ser graduados à frente de crédito garantido por hipoteca voluntária, a favor da actual Caixa, o que coloca a questão da inconstitucionalidade dos normativos que assim estabelecem - DL. 512/76, de 3.6, e 11º do DL. 103/80, de 9 de Maio. O art. 733º do Código Civil define privilégio creditório como “a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros”. O art. 734º do mesmo diploma consagra a existência de duas espécies de privilégios creditórios, definindo o respectivo regime: “1. São de duas espécies os privilégios creditórios: mobiliários e imobiliários. 2. Os privilégios mobiliários são gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente; são especiais, quando compreendem só o valor de determinados bens móveis. 3. Os privilégios imobiliários são sempre especiais”. Nos termos do art. 751º do citado Código: “Os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores”. A hipoteca, nos termos do art. 686º, nº1, do Código Civil: “Confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo”. Para produzir efeitos, mesmo inter-partes, a hipoteca tem de ser registada - art. 687º do citado diploma. O registo é, pois, constitutivo - condição de validade e eficácia do acto hipotecário. Nos termos dos arts. 2º do DL. 512/76, de 3.7 e 11º do DL. 103/80, de 9 de Maio, os créditos pelas contribuições devidas à Segurança Social gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do devedor: É a seguinte a redacção de tais preceitos: Dispõe o DL. 512/76: Art. 2° -“Os créditos pelas contribuições do regime geral de previdência e respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748° do Código Civil”. Por sua vez, o DL nº103/80, de 9 de Maio, no seu art. 11º estabelece: “Os créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição, e os respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748° do Código Civil”. A questão da constitucionalidade destes normativos já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, entre outros nos Acórdãos nº160/2000, de 22.3.2000 – Proc. 843/98, in D.R. II Série de 10.10 –, e nº354/2000, de 5.7.2000, disponíveis no “site” do Tribunal Constitucional – “http.//www.tribunal constitucional.pt/Acordaos”. O Tribunal Constitucional abordou a problemática da inconstitucionalidade dos citados normativos, à luz do “princípio da confiança” implicado no art. 2º da Constituição da República, tecendo as seguintes considerações que integralmente se subscrevem: No aludido Ac.160/2000 pode ler-se: “[...]Com efeito, o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar (cfr. inter alia, os Acórdãos nos. 303/90 e 625/98, publicados no Diário da República, 11 Série, de 26 de Dezembro de 1990 e 18 de Março de 1999, respectivamente). A esta luz, pergunta-se [...] que segurança jurídica, constitucionalmente relevante, terá o cidadão, perante uma interpretação normativa que lhe neutraliza a garantia real (hipoteca) por si registada, independentemente de o ter sido em data posterior ao início da vigência das normas em causa. É que, por um lado, o registo predial tem uma finalidade prioritária que radica essencialmente na ideia de segurança e protecção dos particulares, evitando ónus ocultos que possam dificultar a constituição e circulação de direitos com eficácia real sobre imóveis, bem como das respectivas relações jurídicas - que, em certa perspectiva, possam afectar a segurança do comércio jurídico imobiliário (cfr. Oliveira Ascensão, Direito Civil. Reais, Coimbra, 1993, pág. 333; Isabel Pereira Mendes, "Repercussão no Registo das Acções dos Princípios do Direito Registral e da Função Qualificadora dos Conservadores do Registo Predial”, in – “O Direito”, Ano 123, 1991, págs. 599 e segs., maxime, pág. 604; Paula Costa e Silva, "Efeitos do Registo e Valores Mobiliários. A Protecção Conferida ao Terceiro Adquirente", in - Revista da Ordem dos Advogados, Ano 58, 1998, II, págs. 859 e ss., maxime pág. 862). Por outro lado, o princípio da confidencialidade tributária impossibilita os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedoras ao Estado ou à Segurança Social. Ora, não estando o crédito da Segurança Social sujeito a registo, o particular que registou o seu privilégio, uma vez instaurada a execução com fundamento nesse crédito privilegiado, ou que ali venha a reclamar o seu crédito, pode ser confrontado com uma realidade - a existência de um crédito da Segurança Social - que frustra a fiabilidade que o registo naturalmente merece. Acresce que, não se encontrando este privilégio sujeito a limite temporal e atento o seu âmbito de privilégio "geral", e não existindo qualquer conexão entre o imóvel onerado pela garantia e o facto que gerou a dívida (no caso à Segurança Social), ao contrário do que sucede com os privilégios especiais referidos nos artigos 743° e 744° do Código Civil, a sua subsistência, com a amplitude acima assinalada, implica também uma lesão desproporcionada do comércio jurídico. Finalmente, ainda se dirá não se surpreender suporte razoável adequado para esta desproporcionada lesão na tutela dos interesses da Segurança Social e no destino das contribuições que esta deixou de receber, pois a Segurança Social dispõe de meios adequados para assegurar a efectividade dos seus créditos, sem frustração das expectativas de terceiros: bastar-lhe-à proceder ao oportuno registo da hipoteca legal, nos termos do artigo 12° do Decreto-Lei nº 103/80. A interpretação normativa em sindicância viola, em conclusão, o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2° da Constituição da República.”. Também o S.T. Autor, a propósito do mesmo tema, sentenciou: “I – De acordo com a pronúncia do Tribunal Constitucional, o artigo 11º, do Decreto-Lei nº 103/80, interpretado no sentido de que o privilégio imobiliário nele conferido prefere à hipoteca, nos termos do artigo nº 751º, do Código Civil, é inconstitucional. II – Por outro lado, tem sido decidido neste Supremo Tribunal que o privilégio concedido pelo citado artigo 11º, do Decreto-Lei nº 103/80, deve ser tratado como privilégio imobiliário geral. III – Nestes termos, e nos termos do artigo nº 686º, do Código Civil, os créditos garantidos por hipoteca só poderão ser preteridos por créditos que gozem de privilégio especial ou de prioridade do registo, devendo ser graduados logo a seguir aos indicados no artigo 748º, do mesmo Código”- Ac. do STA de 29.11.2000 , in “Acórdãos Doutrinais do STA”, 476-477, 1156. Também assim o Douto Tribunal em decisão de 16.9.1999, in “Acórdãos Doutrinais do STA”, 457, 44. Procedem, assim, as conclusões do recurso da apelante, pelo que, o seu crédito hipotecário, graduado em 2º lugar na sentença recorrida, passará a ser graduado em 1º lugar, por troca com o crédito do CRSSN. Decisão: Nestes termos, acorda-se em julgar inconstitucionais por violarem o art. 2º da Constituição da República as normas constantes dos arts. 2º do DL. 512/76, de 3.7 e 11º do DL. 103/80, de 9.5, enquanto interpretadas no sentido de que o privilégio imobiliário nelas previsto prefere à hipoteca, nos termos do art. 751º do Código Civil, e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, graduando-se, em primeiro lugar o crédito hipotecário do Banco/Caixa e, em 2º lugar, o do reclamante CRSSN. Sem custas. Porto, 23 de Setembro de 2002 António José Pinto da Fonseca Ramos José da Cunha Barbosa José Augusto Fernandes do Vale |