Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | NETO DE MOURA | ||
Descritores: | PROVA MEIOS ENGANOSOS PERGUNTAS SUGESTIVAS PRINCÍPIO DA ORALIDADE PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20141029800/12.9TAVNF.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/29/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A prova é indiferente para os fins do artº 340º CPP, quando não tem interesse para a decisão da causa por respeitar a factos estranhos ao objecto do processo ou incidir sobre factos que mesmo provando-se não influem na decisão, e como tal não deve ser admitida. II - O uso de meios enganosos na obtenção das provas a que se refere o artº 126º1 e 2 a) CPP que tornam nula a prova, são aqueles que comportam uma perturbação da liberdade de vontade e de decisão. III - E não se confundem com o desrespeito pelas regras de inquirição de testemunhas mormente a realização de perguntas impertinentes ou sugestivas, actuação que deve ser apreciada no âmbito da livre apreciação da prova, por poder contender com a espontaneidade e genuinidade da resposta. IV - O Tribunal de recurso não tem possibilidade de sindicar a aplicação concreta na apreciação da prova testemunhal dos princípios da oralidade e da imediação. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 800/12.9 TAVNF.P1 Recurso Penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 800/12.9 TAVNF, corre termos pelo 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, B…, devidamente identificada nos autos, foi submetida a julgamento por tribunal singular, acusada pelo Ministério Público e, no termo da instrução que requereu, pronunciada por factos susceptíveis de integrarem a prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de dano e outro de introdução em lugar vedado ao público. C…, com os sinais dos autos, deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida. Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença, datada de 01.04.2014 e depositada no dia 02.04.2014, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, e ao abrigo dos citados preceitos legais, julga-se procedente a acusação pública e, em consequência: 1- A) Condena-se a arguida B… pela prática de prática de um crime de dano, p. e p. pelo artº 212º, nº1, do C.P., na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de 5 (cinco) euros. Condena-se a arguida B… pela prática de prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público p. e p. pelo artº 191º do C.P. na pena de 25 (vinte e cinco) dias de multa, à razão diária de 5 (cinco) euros. Operando o cúmulo das penas aplicadas, condena-se a arguida B… na pena única de 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa à razão diária de 5 (cinco) euros, no montante global de 825 euros. (…) 2- Julga-se parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado pela demandante C… contra a demandada B… e, em consequência, condena-se a demandada a pagar à demandante a quantia de 1544 euros (mil quinhentos e quarenta e quatro euros, acrescida de juros de mora sobre a quantia de 1044 (mil e quarenta e quatro) euros desde a notificação para contestar e desde a presente data sobre a quantia de 500 (quinhentos) euros, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a demandada do demais peticionado”. Inconformada, a arguida veio interpor recurso da sentença condenatória para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral): “Questão Prévia, 1. A Recorrente mantém o interesse no recurso por si interposto e que se encontra a fls. 254 e seguintes dos autos (art. 412.° n.° 5 do Cód. Proc. Penal). Isto Posto, 2. O documento de fls. 11 dos autos que a Denunciante/Demandante juntou sob o n.° 8 com a participação criminal por si apresentada nos presentes autos contra a Arguida, e que serviu como fundamento expresso na decisão do Tribunal “a quo” para determinar que no dia 11 de Junho de 2012 a Arguida provocou danos no veículo automóvel da Denunciante/Demandante no valor de €. 1.044,00, e desse modo condenar a mesma pela prática dos crimes de que vinha acusada, vem datado de 15 de Maio de 2012, tendo sido por isso elaborado em data anterior à que consta na acusação pública como sendo a data dos factos, data esta que resultou provada na sentença proferida pelo Tribunal "a quo". 3. Assim, padece a decisão recorrida do vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no art.º 410.° n.° 2 alínea b) do Cód. Proc. Penal, o qual deve ser conhecido e declarado, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal "a quo", com todas as devidas e legais consequências. 4. A produção da prova testemunhal pressupõe a obediência às regras e procedimentos constantes da lei processual que, se não forem aplicadas, colocam em causa o resultado que ficará sujeito a livre apreciação do Tribunal. 5. A prova testemunhal produzida no que concerne às circunstância de tempo e local dos factos, foi obtida através da utilização de métodos enganosos, os quais consistiram em fazer-se crer às testemunhas que tais factos eram dados como assentes, obtendo apenas o seu assentimento e não uma declaração, ou indicando-se previamente os factos que se pretendia provar, para que os mesmos apenas fossem confirmados, e não declarados pelas mesmas. 6. Deste modo, padece essa mesma prova do vício de nulidade, nenhum efeito podendo decorrer da mesma para a sentença a proferir nos presentes autos, o qual deve ser conhecido e declarado pelo Tribunal “ad quem”. No entanto, caso assim não se entenda, 7. Da prova resultante dos depoimentos da Denunciante/Demandante, C…, e das testemunhas de acusação D…, E… e F…, inquiridas ao longo da audiência de julgamento, e as quais se encontram integralmente gravadas, no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso na sala 1 do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, conforme consignado na Acta de Audiência de Julgamento de 05.03.2014, não podem resultar demonstrados os factos constantes de números 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 12 da matéria de facto dada como ”Provada". 8. Concatenando a forma como foi produzida a prova testemunhal, e a forma mais do que sugestiva como as questões foram colocadas às respectivas testemunhas de acusação, indicando-lhes expressamente que a ocorrência dos factos foi no dia 11 de junho de 2012, o local e até o bem alegadamente danificado pela Arguida e atendendo até que existem documentos juntos aos autos, em particular o documento de fls. 11, junto sob o n.° 8 com a participação criminal apresentada pela própria Denunciante/Demandante, que demonstram o contrário do que foi, mais do que sugerido, indicando-o às testemunhas como facto assente e sem margem para dúvidas, não poderia nunca o Tribunal “a quo” dar como provada nem a data dos factos constantes da acusação proferida nos presentes autos, nem o local em que os mesmos ocorreram, por simples referência ao depoimento prestado pelas testemunhas de acusação, as quais não declaram os respectivos factos mas simplesmente concordaram com a pergunta conclusiva que lhe foi repetidamente colocada. 9. Também o depoimento prestado relativamente à identificação da Arguida por parte das testemunhas de acusação é manifestamente insuficiente para se determinar como provado que a mesma se tratava do vulto alegadamente avistado por estas testemunhas no local e data reportados na Acusação, o qual se deslocava em direcção contrária à das testemunhas e que as mesmas identificaram simplesmente como sendo “baixo e forte”. 10. Resultando assim demonstrando que não existe prova testemunhal suficiente que, de forma inequívoca e sem contradições ou hesitações, evidencie a ocorrência dos factos indicados na Acusação Pública, devendo lançar-se mão do Princípio "In dubio pro reo”, uma vez que o Princípio da livre apreciação da prova não pode ser um princípio imutável que justifique dar-se como provados factos sobre os quais não existem provas certas e credíveis. Acresce que, 11. As contradições apontadas na sentença do Tribunal “a quo” entre o depoimento da testemunha G… e as declarações prestadas pela Arguida não existiram. 12. Confrontando o depoimento da Arguida B… gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso na Sala 1 do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, conforme consignado na Acta da Audiência de Julgamento de 05.03.2014, com o da testemunha G… gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso na Sala 1 do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, conforme consignado na Acta da Audiência de Julgamento de 20.03.2014, verifica-se que os mesmos foram absolutamente coerentes. 13. Resulta dos depoimentos supra indicados que a Arguida nunca afirmou que a testemunha G… lhe pagou pela ajuda que a mesma lhe prestou, nem que ficou fechada durante a tarde do dia 12 de Junho na casa da testemunha G…, ao contrário do que vem referido na sentença do Tribunal “a quo”. 14. Deste modo, padece a sentença do Tribunal “a quo” do vício de erro notório na apreciação da prova, o qual deve ser conhecido e declarado pelo Tribunal "ad quem”. Acresce que, 15. A Arguida não poderia estar à data dos factos no local constantes da acusação pública e que resultou da matéria de facto dada como Provada pelo Tribunal “a quo”, pela singela razão de se encontrar a pernoitar em casa do seu amigo, G…, conforme por ambos foi referido em audiência de julgamento. 16. O facto da testemunha G…, pessoa invisual, a determinado ponto da audiência de julgamento ter mencionado que tem o hábito de, antes de se deitar, fechar a porta da sua casa à chave e colocar essa mesma chave no bolso das calças que pendura no seu quarto, justificando assim o porquê de ter a certeza de que a Arguida não se poderia ter ausentado de sua casa na madrugada do dia 11 de Junho de 2012 resulta lógico, entendível e facilmente perceptível pelas simples regras de experiência comum. 17. Tanto mais que, a testemunha referiu este facto, não de forma espontânea, sem que tal lhe fosse perguntado, não quando instado pela Defensora Oficiosa da Arguida, não quando instado pela senhora Procuradora-Adjunta, mas apenas quando questionado directamente pelo Mandatário da Denunciante/ Demandante, e de forma espontânea e segura. 18. Resultando assim das próprias regras de experiência comum, que o depoimento da testemunha G… foi credível, certo, espontâneo e seguro e que do mesmo resulta inequívoco que a Arguida não se ausentou da sua habitação sita na cidade do Porto na madrugada do dia 11 de Junho de 2012. 19. Devendo, por todas as razões supra mencionadas, o Tribunal "ad quem” alterar as respostas dadas pelo Tribunal “a quo”, declarando como "Não Provada” a factualidade constante de números 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 12 do elenco da matéria de facto dada como ”Provada". Finalmente, 20. Em razão de tudo o supra exposto, deve igualmente o pedido de indemnização civil ser julgado improcedente, por não provado, uma vez que a Arguida não pode ser condenada no pagamento de €. 1044,00 concernentes a reparação de danos que lhe foram imputados como tendo sido cometidos em 11 de Junho de 2012, servindo como base para a decisão a proferir um orçamento datado de 15 de Maio de 2012 - ou seja, data anterior à ocorrência dos factos —, nem resultou provado que a Denunciante/Demandante ficou chocada e transtornada em razão de qualquer facto passível de ser imputado á Arguida. 21. Pelo exposto, a douta Sentença recorrida, violou e, ou, interpretou erradamente o conjugadamente disposto nas supra citadas normas legais e, designadamente, nos arts. 125.°, 126.° n.° 1 e n.° 2 alínea a), 127.º, 138.° n.°2 e 410.° n.° 2 alíneas b) e c) do Cód. Proc. Penal”. * Admitido o recurso (despacho a fls. 379) e notificados os sujeitos processuais por ele afectados, apenas o Ministério Público no tribunal recorrido apresentou resposta que sintetizou assim:1. “Considera-se que a versão dada como provada tem total apoio na prova testemunhal e documental produzida na audiência de julgamento, está devidamente fundamentada e é, face às regras da experiência comum e à livre convicção do julgador, uma leitura mais do que razoável dessa prova. 2. O princípio in dúbio pro reo tem um campo de aplicação limitado àquelas situações de dúvida por parte do julgador. 3. In casu, crê-se que na audiência de discussão e julgamento foi produzida prova suficiente para se concluir que o recorrente praticou o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade pelo qual foi condenado, não pairando relativamente a tal questão qualquer incerteza ou estado de dúvida. 4. A decisão recorrida fez uma correcta e criteriosa aplicação do direito, não violou qualquer norma legal, pelo que deve ser mantida”. * Como resulta da conclusão 1.ª da motivação do recurso da sentença, a arguida, não se conformando com o despacho (fls. 244) pelo qual não foi admitida a inquirição das testemunhas, inspectores da Polícia Judiciária, que arrolou na sua contestação, já havia interposto recurso desse despacho, com os fundamentos que expôs na respectiva motivação e que “sintetizou” no seguinte quadro conclusivo (em transcrição integral):A) “Vem o presente recurso interposto do douto despacho que indefere a inquirição dos Inspectores da Polícia Judiciária H… e I…, indicados como testemunhas pela arguida na sua contestação. B) O Tribunal a quo indeferiu a inquirição das referidas testemunhas “nos termos do disposto no art. 340.º, n.º 1, a.c.s.s, e n°4, b), atenta a absoluta irrelevância da factualidade indicada a fls. 239 nos presentes autos". C) Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo não julgou concretamente a matéria de facto nem interpretou e aplicou correctamente as normas legais atinentes. D) Desde logo, na Contestação e em requerimento posterior a recorrente referiu que as testemunhas indicadas tinham conhecimento e fizeram parte da investigação do desaparecimento do Sr. J…, ex-marido da recorrente e alegado companheiro da queixosa. E) Tal facto é de elevada relevância uma vez que a ofendida e o seu filho D… (testemunha de acusação) nos seus depoimentos em fase de inquérito afirmaram que a arguida alegadamente praticou os factos pelos quais vem acusada, pelo facto da queixosa ser companheira do ex-marido (Sr. J…) da arguida, pelo que torna-se relevante saber se o Sr. J… estava ou não desaparecido e era ou não companheiro da queixosa à data dos factos. F) Tais elementos são absolutamente relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa. G) Ainda que assim não se entendesse, não deve o Tribunal indeferir os meios de prova indicados pelos sujeitos processuais, sem que estes encaixem no n°4 do artigo 340° do Código de Processo Penal, ou seja, quando: a) as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; b) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou c) 0 requerimento tem finalidade meramente dilatória;” H) Pelo acima exposto claramente se extrai que as testemunhas indicadas pela arguida, ora recorrente, não preenchem os requisitos dos meios de prova que devem ser indeferidos. I) Mais ainda, mesmo que a arguida não tivesse justificado a indicação de ambas as testemunhas, o Tribunal a quo não consegue determinar a relevância ou ausência dela sem as ouvir. J) Ora, não pode o Tribunal ab initio negar à arguida/recorrente o seu direito à defesa e indeferir as testemunhas indicadas pela mesma, apenas pelo facto das testemunhas serem inspectores da Policia Judiciária, e sem ter um conhecimento mais aprofundado da importância destas. K) Mais grave se torna quando essa relevância é mostrada ao Tribunal e ainda assim este opta pelo indeferimento das testemunhas. L) Por outro lado, ao decidir pelo indeferimento das testemunhas indicadas pela recorrente, o Tribunal violou manifestamente o princípio constitucional plasmado no art. 32° da Constituição da República Portuguesa, concretamente o princípio da igualdade de oportunidade. M) O tribunal a quo ao indeferir as testemunhas indicadas pela arguida, ora recorrente, manifestamente não permitiu que fosse assegurada a defesa da arguida. N) Assim, salvo melhor opinião, a decisão recorrida foi proferida em desconformidade com os preceitos legais aplicáveis, nomeadamente violando o art. 340°, n° 1 e 4°, b) do C.P.P e o n° 1 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa. O) A decisão recorrida deve, pois, ser revogada e, em consequência, ser deferida a prova testemunhal indicada pela arguida, concretamente a inquirição dos Inspectores da Policia Judiciária H… e I…”. * Admitido o recurso (despacho a fls. 265) e notificado o Ministério Público, veio este apresentar resposta em que defende a irrecorribilidade da decisão, por se tratar de despacho de mero expediente, pelo que deve ser rejeitado.* Nesta instância, na intervenção a que alude o n.º 1 do art.º 416.º do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência de ambos os recursos. * Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, tendo a recorrente apresentado extensa resposta em que reafirma o alegado na motivação do recurso da sentença.* Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir. II – Fundamentação O recorrente tem de enunciar especificamente os fundamentos do recurso, ou seja, dizer por que discorda da decisão que impugna e essa enunciação deve culminar com a formulação de conclusões que, sendo (devendo ser) uma síntese das razões do(s) pedido(s), têm de se conter nos limites dos fundamentos invocados. É, geralmente, aceite que são essas conclusões, que o recorrente extrai da motivação, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[1] e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Não pode dizer-se que as conclusões dos recursos respeitam aquela exigência de serem proposições sintéticas, pois, em ambos, mas sobretudo no recurso intercalar, a recorrente limita-se a reproduzir, quase na íntegra, o que é alegado no corpo da motivação. Mas, visando as conclusões, em primeira linha, habilitar o tribunal superior a conhecer as razões (de facto e de direito) da discordância do recorrente relativamente à decisão recorrida, a indicação especificada dos fundamentos do recurso tem, também, uma função garantística: que seja o recorrente a seleccionar as questões que pretende sejam examinadas e decididas, e não que se deixe ao livre arbítrio do tribunal essa selecção. Por isso temos entendido e, na prática, reiteradamente seguido o entendimento de que, quando as razões da discordância do recorrente sejam facilmente identificáveis, há que ter alguma maleabilidade na apreciação do cumprimento das mencionadas exigências legais. A recorrente censura a decisão em matéria de facto, invocando a existência de vícios decisórios e erro de julgamento por incorrecta apreciação e valoração da prova, em que teria sido violado o princípio da livre apreciação da prova[2] e se impunha lançar mão do princípio “in dubio pro reo”. Além disso, a recorrente sustenta que a prova testemunhal foi obtida “através de métodos enganosos” e por isso padece do vício da nulidade. Por último, a recorrente põe em causa a condenação no pedido de indemnização. Impõe-se, porém, começar por apreciar o recurso interlocutório, pois a consequência da sua procedência será a reabertura da audiência para que sejam ouvidas as testemunhas oferecidas pela recorrente. A questão que aí se coloca está em saber se o despacho que incidiu sobre o requerimento de prova apresentado pela arguida (e que, recorde-se, indeferiu a pretendida inquirição, como testemunhas, de dois inspectores da PJ, H… e I…) afectou o seu direito de defesa, por serem relevantes para a descoberta da verdade e, logo, para a boa decisão da causa, os depoimentos dessas testemunhas, ao contrário do que foi o entendimento do tribunal a quo. * Mesmo que a apreciação do recurso da sentença fique prejudicado pela procedência do recurso interlocutório, importa conhecer a factualidade que o tribunal considerou provada e na qual assenta a decisão condenatória.Factos provados 1. No passado dia 11 de Junho de 2012, cerca das 04:00 horas, a arguida, dirigiu-se até junto da residência da ofendida C…, com quem o seu ex-marido mantinha ou tinha mantido um relacionamento afectivo, residência essa sita na Rua …, nº …., …, Vila Nova de Famalicão. 2. Uma vez junto de uma tal residência, a arguida, aproveitando o facto ali não se encontrar ninguém àquela hora, transpôs o portão de vedação do logradouro da referida habitação, espaço esse completamente vedado e cujo portão de acesso se encontrava, na altura, fechado com chaves e assim conseguiu aí entrar, pese embora bem soubesse que não estava autorizada a fazê-lo. 3. Já no interior do referido logradouro, a arguida abeirou-se do veículo automóvel da marca “Seat”, modelo “…” e matrícula ..-..-EN, da propriedade da ofendida e que aí se encontrava então aparcado e coberto com uma capa e logo derramou sobre a respectiva parte frontal e tejadilho um líquido cujas exactas características não foi possível apurar, mas que provocou a corrosão da pintura do veículo nas zonas assinaladas. 4. Ao actuar da forma descrita em 3), a arguida agiu com a intenção concretizada e com a perfeita consciência de estar a danificar, como danificou, a pintura do veículo automóvel da propriedade da ofendida, querendo à mesma provocar, como provocou, prejuízos patrimoniais, que ascenderam ao valor global de, pelo menos € 1.044,00, que a mesma terá que despender com a respectiva reparação. 5. Para além do exposto, ao proceder da forma descrita em 2), a arguida agiu também com a intenção de se introduzir no logradouro da residência da ofendida, o que concretizou, apesar de bem saber que um tal local, por pertencer àquela e por se encontrar completamente vedado, não era de livre acesso e de que não tinha autorização para aí entrar. 6. Actuou sempre a arguida de modo livre e voluntário e apesar de bem saber que as suas condutas eram criminalmente puníveis. 7. A arguida não tem antecedentes criminais. 8. Está desempregada há mais de 10 anos e faz face às suas despesas que para além das habituais são as que tem com medicamentos no que despende cerca de 100 a 120 euros por mês, com a ajuda de familiares. 9. Reside sozinha em casa própria. 10. A arguida é uma pessoa solidária e generosa. 11. Sofre há anos de vários problemas de saúde, nomeadamente de fibromialgia. 12. Em consequência da conduta da arguida a ofendida sentiu-se transtornada e chocada. Factos não provados Com relevância para a decisão da causa, não se provou: 1. Que à data dos factos a ofendida era companheira do ex-marido da arguida. 2. Que para entrar no logradouro da ofendida a arguida saltou o muro ou o portão de vedação. 3. Que líquido derramado provocou a corrosão da capa de tecido e plástico que estava sobre o veículo. 4. Que desde a tarde do dia 9 de Junho de 2012 à tarde de 12 de Junho do mesmo ano a arguida permaneceu ininterruptamente na Rua …, nº .., .º esq.º, Porto. 5. Que os problemas de saúde de que a arguida padecia à data dos factos a impediam de transpor o portão da ofendida e danificar o veículo. 6. Que o ex-marido da arguida não mantém qualquer relacionamento com a ofendida desde 2011. 7. Que em consequência da conduta da arguida, a ofendida teve dificuldades em adormecer e deixou de conseguir dormir descansada, acordando várias vezes sobressaltada durante a noite com receio de a arguida repetir a acção. 8. Que em consequência da conduta da arguida e da ansiedade provocadas, a ofendida teve dificuldades no funcionamento social e ocupacional. 9. Que em Agosto de 2012 a arguida voltou a introduzir-se no logradouro da ofendida e a derramar líquido sobre o veículo. * O direito a oferecer e a produzir prova é uma componente fundamental do direito de defesa em processo penal.O chamado procedimento probatório inicia-se com a proposição da prova, que é o acto pelo qual o sujeito processual oferece os meios de prova. A regra é a de que as provas sejam propostas na acusação (pública ou particular) e, no caso do arguido, com a contestação ou no prazo desta. No requerimento de produção de meios de prova (ou de meios de obtenção de prova), o proponente deve indicar o(s) facto(s) que pretende provar. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 340.º do Cód. Proc. Penal, o tribunal ordena a produção de todos os meios de prova (requeridos pelos sujeitos processuais ou da iniciativa do tribunal, antes ou durante a audiência) que se lhe afigurarem necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. Sem aquela indicação, o tribunal fica impedido, não só de formular um juízo sobre a necessidade dos meios de prova requeridos, mas também de apreciar a sua legalidade. Na contestação que apresentou, a recorrente requereu, entre outros meios de prova, a inquirição das já referidas testemunhas, inspectores da PJ. Estranhando essa proposição, a Sra. Juiz proferiu o seguinte despacho: “Considerando o objecto do processo, delimitado pela acusação deduzida a fls. 49 a 51, e pelo pedido de indemnização civil formulado, antes de mais, notifique-se a arguida para no prazo de 5 dias esclarecer qual a factualidade sobre que deverá versar a inquirição das testemunhas H… e I…, identificados como inspectores da PJ, pois não resulta dos autos que aquela polícia tenha tido qualquer participação nos mesmos”. A arguida veio, então, esclarecer que os referidos H… e I… são os inspectores da PJ Porto que investigaram “o desaparecimento do Ex.mo Sr. J…, que a denunciante alegou o sobredito ser seu companheiro à data constante dos factos” (requerimento a fls. 239). Em face desse esclarecimento, a Sra. juiz proferiu a seguinte decisão (fls. 244): “Admite-se contestação e o rol de testemunhas apresentado, com excepção das pessoas ali id. Como Inspectores da Polícia Judiciária, cuja inquirição se indefere nos termos do disposto no art.º 340º, n.º 1, a.c.s.s. e n.º 4, b), atenta a absoluta irrelevância da factualidade indicada a fls. 239 nos presentes autos”. Tendo a arguida insistido na inquirição daquelas testemunhas (requerimento a fls. 248), a Sra. Juiz proferiu, ainda sobre a mesma questão, o seguinte despacho: “Notifique-se ao defensor a decisão já proferida a fls. 244, sem prejuízo do que a prova efectuada na audiência vier a revelar”. Momento característico do procedimento probatório é, também, o da admissão da prova, acto pelo qual o juiz defere a proposição (admite os róis de testemunhas e os documentos, defere a realização de perícia, etc.). Ao proferir decisão sobre a admissão da prova, o juiz não exerce um poder discricionário. Muito menos é um despacho de mero expediente, como defende o Ministério Público na sua resposta. Trata-se, isso sim, do exercício de um poder vinculado[3] e sindicável e, portanto, o despacho é recorrível. A Sra. Juiz do tribunal a quo não admitiu a inquirição, como testemunhas, dos referidos inspectores por ter considerado que os seus depoimentos seriam provas irrelevantes ou supérfluas. Tal fundamento não se confunde com uma antecipação do resultado da prova que, nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque (Op. Cit., 855), “constituiria uma restrição inadmissível do direito de acesso ao tribunal” e por isso esteve bem a Sra. Juiz ao não afastar definitivamente a possibilidade de ouvir as testemunhas indicadas, fazendo-a depender de a prova a produzir revelar que os seus depoimentos seriam relevantes. A propósito dos critérios materiais de admissibilidade da prova que se encontram dispersos pelos preceitos do Código de Processo Penal, nomeadamente pelo citado artigo 340.º, distingue a doutrina entre a prova essencial ou indispensável (cuja omissão acarreta uma nulidade dependente de arguição, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. d), daquele Código), a prova necessária, útil ou relevante (cuja omissão constituirá mera irregularidade) e a prova conveniente, mas a essencialidade, a utilidade ou relevância e a conveniência da prova são sempre aferidas em função do objecto do processo. Assim, irrelevante é a prova indiferente, sem interesse para a decisão da causa, quer porque respeita a factos estranhos ao objecto do processo, quer porque incide sobre factos que, mesmo provando-se, não teriam qualquer influência na decisão. Volvendo ao caso concreto, não se antoja a possibilidade de os inspectores referidos estarem em posição de esclarecer se o Ex.mo Sr. J… era, à data dos factos, companheiro da denunciante C…. Mas o que importa realçar é que o facto de o Sr. J… ser, ou não, à data dos factos, companheiro, concubino ou amante da denunciante C… é, completamente, inócuo para o efeito que aqui nos interessa. Mesmo que viesse a provar-se (e não foi o que aconteceu, pois provou-se que o aludido J… mantinha ou tinha mantido um relacionamento afectivo com a denunciante) que (já) não existia esse relacionamento, isso não teria qualquer influência na decisão sobre a prova dos factos essenciais que constituem o objecto deste processo. Por isso, os depoimentos dos referidos inspectores seriam patentemente irrelevantes e, portanto, nenhuma censura merece a decisão recorrida. Improcede, pois, o recurso intercalar. * Passando à apreciação do recurso interposto da sentença, diremos que, como já ficou aflorado, as questões a decidir são as seguintes:● se o tribunal baseou a sua decisão em provas nulas; ● se a sentença está afectada pelos vícios do erro notório na apreciação da prova e da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão; ● se o tribunal recorrido incorreu erro de julgamento em matéria de facto, com violação do princípio da livre apreciação da prova; ● se é devida indemnização reparatória e compensatória à ofendida C…. * As alegadas nulidades de provaAlega a recorrente que “não pode ser utilizada a prova testemunhal obtida para determinar a data e o local descritos na acusação”, referindo-se à data e ao local em que foram praticados os factos que lhe são imputados e que consubstanciam os crimes de dano e de introdução em lugar vedado ao público. Para tanto, discorre assim: Nos termos do artigo 126.º, n.os 1 e 2, al. a), do Cód. Proc. Penal, são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante ofensa à integridade moral das pessoas e como tal (ofensivas da integridade moral) são as provas obtidas através da utilização de métodos enganosos. Os depoimentos das testemunhas de acusação foram orientados por forma que deles “resultasse de acordo com as circunstâncias de tempo e local constantes da acusação proferida contra a arguida nos presentes autos”, tendo sido indicados, expressamente, às testemunhas “quais os factos que as mesmas deviam, ou não, declarar, ou até simplesmente confirmar…!”. Padecendo essa prova do vício da nulidade, nenhum efeito pode decorrer dessa mesma prova para a sentença a proferir. A recorrente acaba, a final, por pedir a revogação da sentença condenatória, “com todas as legais consequências”. Importa esclarecer, desde já, que a nulidade da prova proibida utilizada na fundamentação da decisão afecta a validade da própria sentença, tornando-a nula e a consequência é esta: o mesmo tribunal tem de proferir nova sentença, sem a valoração da prova proibida[4]. Mas a recorrente incorre num outro equívoco, pois confunde violação ou desrespeito das regras de inquirição de testemunhas com métodos enganosos. Estes, os meios enganosos, porque redundam em proibições de prova, constituem limites à descoberta da verdade, ou seja, na expressão legal, as provas atingidas pela nulidade insanável “não podem ser utilizadas”. São enganosos os meios que importam uma perturbação da liberdade de vontade e de decisão. Sem a preocupação de sermos exaustivos, são, geralmente, considerados meios enganosos, informar dolosa e mentirosamente, o arguido da existência de provas avassaladoras contra si (p. ex., a existência de uma confissão de um co-arguido), a colocação na cela do arguido de um agente de autoridade com ocultação da sua identidade e profissão para provocar uma confissão daquele, a utilização de imitadores que simulam a voz do arguido, de um comparticipante ou de pessoa muito próxima, a gravação oculta (e, portanto, não consentida) de uma conversa entre um arguido e um agente de autoridade, a utilização de um agente provocador, etc.[5]. Diversamente, as regras de produção de prova são “meras prescrições ordenativas” que visam dirigir o curso da obtenção da prova, melhor dizendo, têm a função de disciplinar os processos e modos como a prova deve ser regularmente levada a cabo, sem a excluir[6]. É manifesto que não ocorreu, no caso, a utilização de qualquer meio enganoso na inquirição das testemunhas. Às testemunhas não devem ser feitas perguntas impertinentes ou sugestivas, perguntas que sugerem ou insinuam determinadas respostas, ”que provocam, inspiram ou simplesmente facilitam determinada resposta”[7] (artigo 138.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal). Mas, como é bem sabido, constitui prática corrente o desrespeito dessas regras, quer no interrogatório do arguido em audiência, quer na inquirição do assistente, do demandante civil e das testemunhas. Desrespeito que acontece do lado da acusação, como por parte da defesa. Umas vezes, intencionalmente, são feitas perguntas cavilosas e capciosas. As mais das vezes, sobretudo por inépcia do inquiridor, as perguntas são sugestivas. O juiz, no uso dos poderes de disciplina e de direcção da audiência, deve impedir que sejam formuladas essas perguntas e advertir quem prevarica. Se a advertência for ignorada, então, na valoração desse depoimento, não pode deixar de ter em conta que faltou espontaneidade e genuinidade nas respostas. Neste caso, como bem revelam as transcrições efectuadas pela recorrente, foram formuladas à denunciante/demandante civil e às testemunhas algumas perguntas sobre a data dos factos que podem ser consideradas sugestivas e nada mais que isso. Improcede, assim, a arguição de nulidade de prova. Os vícios decisórios Além de arguir a nulidade de prova, a recorrente censura a decisão em matéria de facto, invocando a existência de vícios da decisão e erro de julgamento por incorrecta apreciação e valoração da prova, em que teriam sido violados os princípios da livre apreciação da prova[8], da presunção de inocência e do “in dubio pro reo”. É bem sabido que existem duas vias legalmente possíveis para o recorrente impugnar a decisão em matéria de facto: invocando algum ou alguns dos vícios da sentença enunciados no n.º 2 do art.º 410.º do Cód. Proc. Penal (a designada impugnação de âmbito restrito) ou a existência de erro de julgamento, detectável pela análise da prova produzida e valorada na audiência de 1.ª instância[9]. A recorrente vislumbra na sentença os vícios da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova. O primeiro desses vícios traduzir-se-ia no facto de o documento de fls. 11 dos autos “que serviu como fundamento expresso na decisão do Tribunal “a quo” para determinar que no dia 11 de Junho de 2012 a Arguida provocou danos no veículo automóvel da Denunciante/Demandante no valor de €. 1.044,00, e desse modo condenar a mesma pela prática dos crimes de que vinha acusada, vem datado de 15 de Maio de 2012, tendo sido por isso elaborado em data anterior à que consta na acusação pública como sendo a data dos factos, data esta que resultou provada na sentença proferida pelo Tribunal "a quo" (conclusão 2.ª). Daí o “vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no art.º 410.° n.° 2 alínea b) do Cod. Proc. Penal, o qual deve ser conhecido e declarado, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal "a quo", com todas as devidas e legais consequências” (conclusão 3.ª). O segundo concretizar-se-ia no seguinte: na sentença são apontadas contradições entre o depoimento da testemunha G… e as declarações prestadas pela Arguida. No entanto, tais contradições não existiram, pois que, “confrontando o depoimento da Arguida B… (…) com o da testemunha G…, verifica-se que os mesmos foram absolutamente coerentes”, pelo que “padece a sentença do Tribunal "a quo” do vício de erro notório na apreciação da prova, o qual deve ser conhecido e declarado pelo Tribunal "ad quem” (conclusões 11.ª, 12.ª e 14.ª). Os termos em que os invoca evidenciam, s.d.r., o equívoco da recorrente sobre o que sejam vícios decisórios em matéria de facto, previstos naquele n.º 2 do artigo 410.º do Cód. Proc. Penal, já porque não se cinge ao texto da decisão recorrida, já porque não extrai a consequência “normal” da verificação desses vícios (em regra, o reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento). * Os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP são de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, ou, como é afirmação recorrente, são “anomalias decisórias” ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, apreensíveis pela simples leitura do respectivo texto, sem recurso a quaisquer elementos externos a ela, impeditivos de bem se decidir, tanto ao nível da matéria de facto, como de direito.Tais vícios (ou, como também são designados, erros-vícios) não se confundem com errada apreciação e valoração das provas. Embora em ambos se esteja no domínio da sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. O modo de valoração das provas, e o juízo resultante dessa mesma valoração, efectuado pelo ”tribunal a quo”, ao não coincidir com a perspectiva do recorrente nos termos em que este as analisa, e consequências que daí derivam, não traduz qualquer vício da decisão. Aqueles (vícios decisórios) examinam-se, indagam-se, através da análise do texto da sentença; esta (a errada apreciação e valoração das provas), porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, verifica-se em momento anterior à elaboração do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas, do que resulta a formulação de um juízo que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício não se estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto (cfr. acórdão do STJ, de 15.09.2010, www.dgsi.pt/jstj; Cons. Fernando Fróis). * A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão ocorrerá quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável i) entre os meios de prova invocados na fundamentação como base dos factos provados ou ii) entre a fundamentação e o dispositivo da decisão.Dizendo de outro modo, haverá contradição insanável entre a fundamentação e a decisão quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica(va) decisão oposta, ou não justificava a decisão. Ou seja, “a fundamentação pode apontar para uma dada decisão e a decisão recorrida nada ter a ver com a fundamentação apresentada” (Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 2.ª edição, 2000, pág. 339). Neste caso, na perspectiva da recorrente, a contradição ocorreria entre um documento que está datado de 15.05.2012 e a decisão do tribunal de, com base nesse documento, dar como provado que, no dia 11 de Junho de 2012, a arguida provocou danos no veículo automóvel da Denunciante/Demandante no valor de € 1.044,00. Aparentemente, existe uma discrepância entre a data do documento e a data dos factos, que é posterior, divergência que pode ter várias explicações, mas sobre as quais não vamos deter-nos. O que importa agora sublinhar é que na fundamentação da sentença, apenas, se refere que “quanto à factualidade alegada no PIC que resultou provada, tomou-se em consideração para além da prova testemunhal já referida os documentos juntos aos autos, nomeadamente o documento de fls. 11”, que é coisa bem diferente de dizer (e é a recorrente quem o afirma, não o tribunal) que esse documento “serviu como fundamento expresso na decisão do Tribunal “a quo” para determinar que no dia 11 de Junho de 2012 a Arguida provocou danos no veículo automóvel da Denunciante/Demandante no valor de €. 1.044,00, e desse modo condenar a mesma pela prática dos crimes de que vinha acusada”. Por outro lado, resulta bem claro da motivação do recurso que para invocar este vício a recorrente não se cinge ao texto da decisão recorrida, antes se socorre de um elemento que lhe é exterior. * Há erro notório “... quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida” (acórdão do STJ, de 04.10.2001, CJ/Ac STJ, IX, T. III, 182)[10].Numa formulação de síntese, pode dizer-se que o “erro notório na apreciação da prova” é uma deficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação do homem médio. Como já se assinalou, a recorrente descortina um erro notório na apreciação da prova na circunstância de o tribunal ter apontado contradições entre as suas declarações e o depoimento da testemunha G…, mas que, na avaliação que ela própria faz, não existiram. Fica, pois, bem claro que, também aqui, a existir algum erro, ele não resulta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois é de primeira evidência que a recorrente apela a elementos exteriores à sentença (as declarações que prestou em audiência e o depoimento da testemunha G…, de que transcreveu algumas passagens) para invocar aquele vício. Frequentemente, o que o recorrente pretende é contrapor a apreciação que faz da prova e a convicção que ele próprio alcançou sobre os factos (que é irrelevante) à convicção que o tribunal de 1.ª instância formou sobre os mesmos factos, alicerçada na livre apreciação das provas, mas segundo as regras da experiência, e invoca os vícios do n.º 2 do art. 410.º do Cód. Proc. Penal, sobretudo o erro notório na apreciação da prova, assim confundindo os vícios decisórios (que, repisa-se, são, essencialmente, vícios de raciocínio na apreciação das provas, que a simples leitura do texto da decisão evidencia) com o erro de julgamento, logicamente anterior. É o que, claramente, aqui acontece, pois a recorrente manifesta a sua divergência ou discordância em relação à análise e à valoração da prova (testemunhal) que o tribunal fez e considera que a prova produzida, apreciada e valorada de acordo com os critérios subjectivos que, na sua perspectiva, deviam ter sido seguidos, conduziria a outro resultado. Impõe-se, pois, concluir que a sentença recorrida não está afectada pelos vícios decisórios invocados. O alegado erro de julgamento em matéria de facto A recorrente censura a decisão em matéria de facto porque considera que o tribunal não fez uso correcto do princípio da livre apreciação da prova. Em termos simples e sintéticos, o princípio da livre apreciação da prova pretende exprimir a ideia de que no ordenamento jurídico que o acolhe, e particularmente no processo penal, não existe prova tarifada (portanto, não há regras de valoração probatória que vinculem o julgador, como acontecia no sistema da prova legal), pelo que, por regra, qualquer meio de prova deve ser analisado e valorado de acordo com a livre convicção do julgador (também designada por íntima convicção). Por isso que o juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração: pode dar crédito às declarações do arguido ou do ofendido/lesado em detrimento dos depoimentos (mesmo que em sentido contrário) de uma ou várias testemunhas; pode mesmo absolver um arguido que confessa, integralmente, os factos que consubstanciam o crime de que é acusado (v.g. por suspeitar da veracidade ou do carácter livre da confissão); pode desvalorizar os depoimentos de várias testemunhas e considerar decisivo na formação da sua convicção o depoimento de uma só[12]; não está obrigado a aceitar ou a rejeitar, acriticamente e em bloco, as declarações do arguido, do assistente ou do demandante civil ou os depoimentos de testemunhas, podendo respigar desses meios de prova aquilo que lhe pareça credível. O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada. Mas a liberdade[13] do convencimento que conforma o modelo da livre apreciação não significa ausência de obstáculos ou limites na amplitude da actividade de investigação e valoração do juiz, que não é inteiramente livre de valorar, adquirir, admitir e escolher a prova. A liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova não visa criar um poder arbitrário e incontrolável nem a valoração da prova é uma operação emocional ou intuitiva[14]. Como salienta o Professor G. Marques da Silva (“Curso de Processo Penal”, II, Verbo, 5.ª edição revista e actualizada, 185), do que se trata é de uma “liberdade para a objectividade” (não a objectividade científica, sistemático-conceitual e abstracto-generalizante, mas antes uma racionalização de índole prático-histórica, a implicar menos o racional puro do que o razoável, proposta não à dedução apodíctica, mas à fundamentação convincente para uma análoga experiência humana, e que se manifesta não em termos de intelecção, mas de convicção[15]), o mesmo é dizer, “por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”. A convicção do julgador é, sempre e necessariamente, uma convicção pessoal, mas também “uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros” (J. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal, I, 1974, pág. 203). Os limites da liberdade valorativa da prova no âmbito penal são as já mencionadas regras da lógica e da razão, as máximas da experiência e os conhecimentos técnicos e científicos. Por isso é absolutamente fundamental que o juiz explique e fundamente a sua decisão e deve preocupar-se em ser claro, racional e objectivo na motivação da sua decisão (e não escudar-se em meras impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação), de modo que se perceba o raciocínio seguido e este possa ser objecto de controlo. É este o entendimento há muito sedimentado no âmbito da jurisdição constitucional (cfr., por todos, o Acórdão n.º 1165/96, acessível em www.dgsi.pt) e na jurisprudência do STJ (cfr., entre muitos outros, o acórdão de 12.05.1999, Rec. n.º 406/99, 3.ª secção, parcialmente reproduzido e comentado por Eduardo Maia Costa na Revista do Ministério Público n.º 78, 144 e segs.). A leitura da fundamentação probatória da sentença revela que o tribunal alicerçou e objectivou a sua livre convicção em meios de prova pessoal e documental e explicitou, não só as razões por que lhe mereceram crédito os depoimentos da ofendida e das três testemunhas arroladas na acusação, mas também porque acolheu a versão dos acontecimentos que aquela relatou em audiência em detrimento da versão que a arguida transmitiu no mesmo acto. Apesar da sua extensão, vale a pena transcrever aqui a análise crítica da prova que a sentença contém porque permite perceber, perfeitamente, o iter lógico e racional que conduziu o tribunal a esse juízo probatório: “Assim, analisando toda a prova produzida o tribunal decidiu conceder credibilidade à versão sustentada pela ofendida e pelas testemunhas que no essencial e de forma coerente corroboraram a mesma, logrando convencer o tribunal pela forma objectiva como relataram os factos, salientando-se o desinteresse da testemunha F…, que nenhuma relação tem com a ofendida ou a arguida e reconheceu a arguida como a pessoa que viu nas circunstâncias de tempo e local em causa, sendo que nas fotografias juntas aos autos visualizam-se as manchas no veículo da ofendida, as quais estavam húmidas quando a ofendida e as testemunhas seu filho e namorada as viram, de onde resulta, em face da prova produzida (e para mais, em pleno mês de Junho, de calor), que terão sido causadas na noite em causa pela arguida, que não sendo vista a derramar o líquido, foi vista a abandonar o local, com um objecto na mão, para o que a arguida não deu qualquer explicação, pois negou sempre ter estado no local dos factos (não se nos afigura relevante se a capa do veículo ficou ou não estragada, pois se por um lado, a mesma pode ter sido levantada, por outro, tudo depende do líquido que foi derramado, que não tendo sido apurado qual foi, pode ter efeitos diversos consoante o local onde é derramado). E a convicção do tribunal, formada nos termos expostos, não foi infirmada ou sequer eficazmente abalada pela demais prova produzida, nomeadamente pelas declarações da arguida, ainda que conjugadas com os depoimentos das testemunhas G… e J… (testemunhas que revelaram grande proximidade à arguida, o que, como se referirá, condicionou o seu depoimento) e bem assim com os documentos juntos aos autos referentes aos problemas de saúde da arguida. Começando por estes, se não questionamos em face da prova documental e das declarações da arguida que a arguida tenha vários problemas de saúde, o certo é que os mesmos não a impossibilitam, como não a impossibilitaram de praticar os factos que resultaram provados, salientando-se que se por um lado não se nos afigura necessário grande agilidade para transpor o portão da residência da ofendida, atentas as características do mesmo, nomeadamente a sua largura e altura (bastando para tal colocar-se de lado, levantar uma perna e depois a outra… sem propriamente se saltar…), por outro lado, das próprias declarações da arguida e do depoimento da testemunha G… resulta que esta, à data dos factos, era capaz de fazer um sem número de actividades do quotidiano, como andar a pé, deslocar-se de comboio, ou até passar a ferro ou limpar a casa, o que, não invalidando que a mesma tenha algumas limitações de ordem física, reforça a nossa convicção quanto à sua capacidade para a prática dos factos. Acresce que a versão da arguida de que nem sequer estava em Famalicão, sendo aparentemente corroborada, quanto ao essencial, pelo depoimento da testemunha G…, foi contraditória em alguns pormenores com o depoimento desta testemunha, o qual, em boa verdade se nos afigurou em alguns aspectos pouco verosímil, pois se não gerou dúvidas ao tribunal a grande amizade que os une e bem assim que a arguida lhe presta auxílio (pois sendo a testemunha invisual, não obstante a extraordinária autonomia que tem, há naturalmente dificuldades inultrapassáveis), já causou muita estranheza e foi pouco credível o relatado pela testemunha quanto à porta de casa ficar fechada durante a noite sem acesso à chave pela arguida, e bem assim o relatado pela arguida quanto a ter ficado fechada durante o dia, no que não foram coincidentes (de forma muito espontânea a testemunha até referiu que seria um absurdo deixar a arguida fechada em casa durante o dia!). Com efeito, e a esse propósito é de salientar a conveniência de a testemunha contar que ficava com a chave de casa no quarto durante a noite (hábito compreensível em quem mora sozinho, mas pouco credível quando se tem um hóspede, que por qualquer motivo até de força maior pode ter de sair de casa), de forma a atestar, como atestou, sem no entanto convencer o tribunal, que a arguida não poderia ter saído de casa na noite em causa e assim praticar os factos que resultaram provados. Em suma, afigurou-se ao tribunal que a grande amizade entre ambos condicionou o depoimento da testemunha (outras contradições houve, como à arguida receber ou não pagamento pelos serviços que prestou-cfr. supra) E assim, sendo que ademais a arguida sempre poderia ter estado no Porto, no fim de semana e ter-se deslocado de noite de táxi a Famalicão (até sem que a testemunha referida se ter apercebido, para mais tendo em conta as suas limitações), o depoimento da testemunha J… mostrou-se irrelevante, pois se nada sabia do que se passou na noite em causa, em Famalicão no logradouro da casa da ofendida (ou até no Porto na casa da testemunha G…), quanto ao mais por si relatado nomeadamente quanto à data já não manter um relacionamento com a ofendida, é de referir que sendo verdade que a mesma referiu que esse relacionamento ainda existia, também referiu que o J… já não pernoitava lá diariamente, de onde resulta poder não existir uma verdadeira contradição entre ambos e que é aquela quem está a mentir, sendo certo que, como é sabido, muitas vezes as relações não terminam em dia e hora certo, antes vão acabando (e às vezes, sem que um dos intervenientes saiba ou se aperceba disso. Veja-se até que após o depoimento do J… a própria arguida, alegando que o J… tem lapsos de memória, referiu que “ele esteve simultaneamente com a K… e a C…!”). E assim, sem que se tenha apurado que à data dos factos a ofendida era companheira do ex-marido da arguida e se o relacionamento que existiu se mantinha ou não, e bem assim o que a arguida sabia ou pensava sobre isso (e claro está, o que terá determinado a prática dos factos, sendo que o elo de ligação entre a ofendida e a arguida era inequivocamente o J…), formou-se no tribunal a convicção serena e segura de que a arguida praticou os factos que resultaram provados. Consideraram-se as declarações da arguida quanto à sua situação sócio económica, e o depoimento da testemunha G… quanto ao apurado sobre a sua personalidade. Quanto à factualidade alegada no PIC que resultou provada, tomou-se em consideração para além da prova testemunhal já referida os documentos juntos aos autos, nomeadamente o documento de fls. 11, e as regras de experiência comum e do normal acontecer em face dos factos praticados pela arguida. A factualidade a este propósito não provada decorre de não ter sido produzida prova da sua verificação. Valorou-se ainda o certificado de registo criminal junto aos autos”. Uma coisa é apreciação arbitrária, caprichosa ou não motivada da prova, que, manifestamente, aqui não ocorreu; outra coisa, bem diferente, é a divergência em relação à apreciação e valoração da prova efectuada pelo tribunal, que é o que, no caso, se verifica. * Quando o recorrente pretende impugnar a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de especificar (cfr. n.º 3 do citado art.º 412.º):● os concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido (obrigação que “só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida”[16]); ● as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ónus que só fica satisfeito “com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida”[17]). Além disso, o recorrente tem de expor a(s) razão(ões) por que, na sua perspectiva, essas provas impõem decisão diversa da recorrida, constituindo essa explicitação, nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque (Loc. Cit.), “o cerne do dever de especificação”, com o que se visa impor-lhe “que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado”. É com base na citada norma que se tem defendido, sem discrepâncias, que o recurso em matéria de facto não implica uma reapreciação, pelo tribunal de recurso, da globalidade dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida. Duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa direito a novo (a segundo) julgamento no tribunal de recurso, asserção que é consensual, mas também é frequentemente ignorada por quem recorre. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para tanto, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre este ponto, cfr. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, e de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, disponíveis em www. dgsi.pt). O ónus de especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida exige do recorrente que, por referência ao consignado na acta, indique concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (sendo que, pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2012, de 08.03.2012, DR, I, n.º 77, de 18.04.2012, o STJ manifestou o entendimento de que, para o efeito, basta “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”), pois são essas que devem ser ouvidas, lidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.ºs 4 e 6 do artigo 412.º do Cód. Proc. Penal). A recorrente considera incorrectamente julgados os factos vertidos nos n.os 1 a 6 e 12 do elenco factual descrito na sentença recorrida, ou seja, todos os que constituem o suporte fáctico da imputação dos crimes de dano e de introdução em lugar vedado ao público. Quanto às concretas provas que imporiam decisão diversa da recorrida, basicamente, o que a recorrente defende é que a opção do tribunal devia ter sido o oposto daquela que fez, ou seja, devia ter acolhido a sua versão dos factos, que é corroborada pelo depoimento da testemunha G…, ou, quando menos, devia aplicar o in dubio pro reo. Sendo o in dubio pro reo imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar em favor do arguido/réu quando, produzida a prova, não estiver seguro sobre a realidade de um ou mais factos, como poderemos saber se, num caso concreto, a regra foi violada? Tal como acontece com os vícios da sentença a que alude o n.º 2 do art.º 410.º do Cód. Proc. Penal, a eventual violação do in dubio pro reo há-de resultar, claramente, do texto da decisão recorrida, ou seja, quando se puder constatar que o tribunal decidiu contra o arguido apesar de tal decisão não ter suporte probatório bastante, o que há-de decorrer, inequivocamente, da motivação da convicção do tribunal explanada naquele texto[18]. Ora, resulta bem claro do texto da sentença recorrida que o tribunal não teve quaisquer dúvidas de que os factos aconteceram, no essencial, como vêm narrados na acusação e explicitou, de forma cristalina e perfeitamente perceptível para quem a leia, as razões dessa firme convicção. Se o tribunal recorrido, analisada e valorada a prova produzida, não ficou na dúvida em relação a qualquer facto, não pode dizer-se que, na dúvida, decidiu contra o arguido. Coisa diversa é saber se o tribunal a quo, em face do material probatório de que dispôs, devia ter ficado em estado de dúvida sobre os factos e se o arguido os praticou, se o resultado do processo probatório deveria ser uma dúvida insanável, o que nos remete para o processo de formação da convicção e para o erro na apreciação e valoração da prova. O que pode, então, discutir-se em sede recursiva é se há algo a censurar no processo lógico e racional que subjaz à formação dessa convicção (“um procedimento cognoscitivo complexo que se desenvolve segundo directivas jurídicas e racionais e acaba num juízo racionalmente justificado”, nas palavras de Michele Taruffo, “La Prueba de los Hechos”, Ed. Trotta, Madrid, 2005, 69) e se pode considerar-se suficiente a fundamentação, ou se o tribunal errou na apreciação e valoração da prova produzida na audiência. Ou, como se expende no acórdão do STJ, de 14.03.2007, disponível em www.dgsi.pt (relator: Cons. Santos Cabral), pode-se analisar um depoimento, um esclarecimento de um perito, as declarações de um arguido ou de um ofendido e outros meios de prova e, a partir daí, controlar o raciocínio indutivo efectuado, pois já não é essencial a imediação e do que se trata é de “uma questão de verosimilhança ou plausibilidade das conclusões contidas na sentença”. Como refere Paulo Saragoça da Matta (“A livre apreciação da prova e o dever de fundamentação da sentença” in “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, Coord. de Maria Fernanda Palma, Almedina, 253), ao tribunal de recurso cabe “…aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração”. * Quando há duas versões antagónicas (ou, pelo menos, claramente divergentes) do mesmo acontecimento, é corrente a afirmação de que é inevitável ou imperioso concluir por um non liquet e, consequentemente, por força do in dubio pro reo, pela absolvição do arguido.Porém, não é - nem tem que ser - necessariamente assim: na maioria dos casos em que há duas versões contraditórias o resultado do processo probatório não é uma dúvida insuperável que imponha a absolvição do arguido. O que se impõe nessas situações é que o tribunal explicite e motive (com especial cuidado) a convicção formada[19] para que não possa ser acusado de apreciação arbitrária e subjectiva da prova. Como já tivemos oportunidade de verificar, o tribunal a quo motivou, longa, exaustiva e doutamente, a sua decisão. Ora, perante uma sentença devidamente fundamentada, para que possa (deva) ser revogada ou alterada, não basta apontar o error in judicando, “impõe-se que sejam rebatidos, com base em razões materiais minimamente persuasivas, os seus fundamentos materiais, o mesmo é dizer, ou a legalidade dos meios de prova utilizados, ou o conteúdo das declarações ou de outros meios de prova valorados pela sentença, ou a inconsistência, á luz dos princípios legais atinentes, da análise crítica e da apreciação em que repousa a decisão” (acórdão da Relação de Coimbra, de 30.03.2010, disponível em www.dgsi.pt/jtrc). Importa sublinhar este ponto: não basta que as provas, simplesmente, permitam ou até sugiram conclusão diversa; exige-se que imponham decisão diversa daquela que o tribunal proferiu. A arguida/recorrente delineou a sua estratégia de defesa no sentido de fazer crer que não podia ter praticado os factos que lhe são imputados porque, exactamente no dia e à hora em que ocorreram, estava em casa do seu amigo G…, na cidade do Porto, para seleccionar a roupa que este devia usar, visto que é invisual. Foi para lá no dia 09.06.2012 e tencionava regressar a sua casa no dia seguinte, mas no dia 10 havia greve na CP e por isso acabou por ficar lá até ao dia 12 seguinte (como se não houvesse outros meios de transporte do Porto para Famalicão…). Mas, como é sabido, quem se encontra na cidade do Porto, fazendo-se transportar em viatura automóvel, num lambisco, está em Famalicão. Por isso, a permanência da arguida na cidade do Porto na noite de 10 para 11 de Junho não afastava a possibilidade de ela ter-se deslocado a Famalicão, precisamente, com o objectivo de praticar os factos cuja autoria lhe é atribuída. Importa lembrar que, de acordo com a queixa apresentada pela ofendida C…, os factos ocorreram às 04H:00 da madrugada do dia 11.06.2012 e nas declarações que prestou em audiência ela confirmou ter visto a arguida, que conhecia e que reconheceu, já a sair do logradouro da sua casa, levando na mão algo que aparentava ser uma vasilha. Por seu turno, a testemunha F… (que apresentou uma justificação perfeitamente verosímil para o facto de, àquela hora, estar a pé e no local) afirmou ter visto uma senhora baixa e forte (que reconheceu como sendo a arguida), em passo estugado, com um objecto na mão, a olhar para trás e a afastar-se da casa da C…, dirigindo-se para um veículo automóvel, que lhe pareceu um “táxi”, no qual entrou. A arguida é uma pessoa esclarecida (a audição da gravação das declarações que prestou em audiência permitem perceber que se exprime muito correctamente e que tem um discurso com um vocabulário que está longe de ser pobre) e por isso teria a clara percepção de que a circunstância de, na noite de 10 par 11 de Junho de 2012, ter ficado no Porto não a ilibava da acusação que contra si impendia. Por isso aditou que, nessa noite, na saiu de casa do seu amigo G… e até se recordava da hora (03H:27) a que desligou o computador. A corroborar esta sua versão dos factos teve o testemunho do referido G… que afirmou a impossibilidade de a arguida, naquela noite, ter saído de casa, visto que trancou a porta da sua casa e retirou a chave, à qual ela não tinha acesso porque a guardava no seu quarto de dormir. Um dos critérios de fiscalização ou verificação dos meios de prova tem a ver com as características da declaração ou atendibilidade intrínseca, em que a sindicância se exerce sobre o conteúdo narrado, procurando aferir-se da sua credibilidade. Factores como a espontaneidade e tempestividade da declaração, a sua constância e coerência interna, a sua completude e verosimilhança decorrente da ausência de contraste com outros elementos probatórios constituirão importantes elementos de avaliação da credibilidade dessa declaração. O tribunal expressou muitas reservas quanto à credibilidade, quer da arguida, quer do depoimento da testemunha G… e há, realmente, razões para um tal juízo negativo, há motivos ponderosos para concluir que a narrativa da arguida não é verosímil porque não corresponde ao id quod plerumque accidit, ao normal acontecer, àquilo que são as regras da lógica, da razão e da experiência. É difícil acreditar que a arguida, residindo (há muitos anos) na mesma freguesia (…) da ofendida C…, não soubesse onde era a casa desta, como afirmou em audiência. Menos credível ainda é a afirmação de que não conhecia a C…. Tanto mais que esta teve uma relação afectiva com o seu ex-marido, J…. Relacionamento que era do seu conhecimento porque, segundo afirmação da própria arguida, o ex-marido (que, mesmo depois do divórcio, continuou a residir na mesma casa) informou-a desse facto e até “torcia” por que a relação do ex-marido com a C… fosse bem sucedida e se consolidasse (“ela nem imagina o que eu fiz por ela durante anos; queria que ficasse com ela, sempre tinha uma família estruturada”). Não é crível que a arguido tenha ido para o Porto com o (único) objectivo de dar apoio na escolha da roupa ao seu amigo C…, preparada para aí permanecer, apenas, por um dia e tenha acabado por ficar três dias, ininterruptamente, fechada em casa daquele, porque o seu amigo e hospedeiro nem sequer lhe disponibilizou uma chave da casa que lhe permitisse entrar e sair quando lhe aprouvesse. E, padecendo ela de vários males nos membros inferiores que tanto a limitariam fisicamente, estivesse todo esse tempo a passar a ferro e a tratar da roupa do C…. E que dizer do depoimento desta testemunha? Ele só teria a virtualidade de impor decisão diversa da recorrida se fosse absolutamente fiável, se se revelasse de tal modo coerente, consistente e verosímil que não fosse possível formular reservas sobre a sua credibilidade, se tivesse uma força de convicção tal que se sobrepusesse ao depoimento de três testemunhas (sendo que uma delas não tem, manifestamente, qualquer interesse no desfecho deste processo) que afirmaram ter visto a arguida, nas referidas circunstância de tempo e lugar, a sair e a afastar-se da casa da ofendida C… levando na mão algo que poderia ser uma vasilha. Como, impressivamente, se refere no acórdão da Relação de Guimarães, de 22.09.2008 (Proc. n.º 272/08-2.ª; Des. Ricardo Silva), disponível em www.dgsi.pt, “Para que, num caso concreto, o testemunho de alguém se possa sobrepor aos demais, por forma a que os factos se provem apenas com base nele e em detrimento dos que o contraditem, já que nada na lei o impede, forçoso se torna que esse depoimento se revista de uma força convictória irresistível, ou por uma patente superioridade moral, ou por uma clareza na descrição dos factos, coerência interna e plausibilidade – adequação dos factos relatados a uma realidade que se desenvolve sem discrepâncias da que a nossa experiência comum os faz idealizar”. Porém, não é isso que se pode dizer do depoimento da testemunha G…. Quando se aprecia a prova testemunhal e se pondera sobre o peso que pode ter na formação da convicção do julgador o depoimento de uma testemunha, é importante e necessário conhecer com precisão a posição dessa testemunha e as suas relações de interesse, de amizade ou de parentesco com os sujeitos processuais para descobrir qual é a possível vantagem que procura obter com um depoimento mentiroso. O tribunal considerou, e com razão, que a relação de grande amizade que existia (e supõe-se que ainda existe) entre a testemunha e a arguida afectou a sua objectividade e isenção. É normal que o G…, à noite, tranque a porta de entrada do seu apartamento e compreende-se que guarde a chave em local que, para si, seja facilmente acessível. É difícil entender por que, tendo duas, não entregou uma das chaves da porta de entrada à sua hóspede e amiga B…. É inverosímil que, pelo menos, não tenha deixado uma das chaves da porta em local que fosse do conhecimento da arguida, obrigando-a a permanecer, ininterruptamente, em casa, durante três dias consecutivos. Qualquer pessoa de normal discernimento e minimamente perspicaz dirá que, com o seu depoimento, a testemunha G… quis ajudar a sua amiga a livrar-se da acusação que contra ela impendia. A lógica e a razão levam-nos a concluir, como concluiu o tribunal a quo, que a narrativa da ofendida C… é bem mais verosímil do que a da arguida. O documento de fls. 11, no qual tanta esperança depositou a recorrente, teve uma importância menor na formação da convicção do tribunal, como bem se depreende do trecho da fundamentação da sentença supra transcrito. Em jeito de conclusão, diremos que, inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à decisão condenatória, e não tendo esse juízo factual por fundamento uma inversão do ónus da prova[20] (inversão constitucionalmente proibida por força da presunção de inocência), antes resultando do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, subordinadas ao princípio do contraditório (art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República), fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência (acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj). É fundamental ter presente que, quando a opção do julgador se centra em elementos directamente interligados com os princípios da oralidade e, sobretudo, da imediação, o tribunal de recurso não tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tais princípios. Como se ponderou no acórdão do STJ, de 27.02.2003 (Cons. Carmona da Mota), disponível em www.dgsi.pt, “a credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais características e atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detectáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através do contacto pessoal e directo com as pessoas”. Por isso que “o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido”[21]. * Não havendo fundamento para qualquer alteração da decisão sobre matéria de facto, também se impõe a confirmação do enquadramento jurídico-penal da factualidade apurada.Por outro lado, nada há a censurar no procedimento de determinação da medida pena, que a recorrente, aliás, não põe em causa. Pedido de indemnização civil A recorrente contesta, ainda, a obrigação de indemnizar a demandante C… pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que esta alega ter sofrido. Importa referir que o valor do pedido de indemnização formulado pela lesada é de € 1.844,00 (sendo € 1.044,00 por danos patrimoniais e € 800,00 por danos não patrimoniais) e a arguida/demandada foi condenada a pagar-lhe a quantia de € 1 544,00 (mil quinhentos e quarenta e quatro euros). Ora, em matéria de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, o artigo 400.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal estabelece regras idênticas às do processo civil. Assim, o recurso só é admissível se: a) o valor do pedido for superior ao da alçada do tribunal recorrido e b) a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada. Tendo em consideração que a alçada do tribunal de comarca é de € 5 000,00 (artigo 24.º da LOTJ, na redacção do Dec. Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, e 31.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto; agora, artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), não se verifica, no caso, nenhum dos apontados requisitos. Nesta parte, é inadmissível o recurso. III – Dispositivo Em face do exposto, acordam os juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em: a) rejeitar, por legalmente inadmissível, o recurso interposto da sentença na parte relativa ao pedido de indemnização civil; b) negar provimento ao recurso da sentença em matéria penal e confirmar, integralmente, a decisão recorrida. c) negar provimento ao recurso interlocutório e confirmar o despacho recorrido. A recorrente pagará taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UC´s (artigos 513.º, n.º 1, e 514.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais). (Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas). Porto, 29-10-2014 Neto de Moura Maria Luísa Arantes _________ [1] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995. [2] Diz o recorrente que a sentença “não é resultado de uma livre apreciação”, mas antes “fruto da apreciação livre da prova”, o que se nos afigura ser, exactamente, o mesmo. Admite-se, no entanto, que o que o recorrente pretende dizer é que a apreciação da prova foi arbitrária, sem respeito pelos critérios legais. [3] Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, UCE, p. 853), considera até que “a admissão da prova constitui o poder mais vinculado do juiz no processo penal”. [4] No entanto, há quem entenda que, se a sentença condenatória assenta, exclusivamente, em meio de prova de valoração proibida, a consequência será a absolvição. [5] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Op. Cit., 325 e Susana Aires de Sousa, “Agent provocateur e meios enganosos de prova. Algumas reflexões” in “Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias”, Coimbra Editora, 2003, p. 1220-1221. [6] Sobre este ponto, cfr. o comentário ao artigo 126.º do Sr. Conselheiro Santos Cabral, in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2014, p. 450. [7] Conselheiro Santos Cabral, Op. Cit., 566. [8] Diz a recorrente que “o princípio da livre apreciação da prova não pode ser um princípio imutável que justifique dar-se como provados factos sobre os quais não existem provas certas e credíveis” (conclusão 10.ª). [9] Como se pode ler no acórdão do STJ de 27.05.2010 (www.dgsi.pt/jstj), “a partir da reforma de 1998 passou assim a ser possível impugnar (para a Relação) a matéria de facto de duas formas: a já existente revista (então cognominada de ampliada ou alargada) com invocação dos vícios decisórios do artigo 410º, nº 2, com a possibilidade de sindicar as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão e uma outra, mais ampla e abrangente, porque não confinada ao texto da decisão, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, permitindo um efectivo grau de recurso em matéria de facto, mas impondo-se na sua adopção a observância de certas formalidades. [10] Para uma exaustiva delimitação (negativa e positiva) do erro notório na apreciação da prova, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, 1102-1103. [11] Uma das poucas excepções é a prova pericial. [12] Como se fez notar no acórdão do STJ de 11.07.2007 (www.dgsi.pt/jstj), a prova produzida avalia-se pela sua qualidade, pelo seu peso na formação da convicção, e não pelo seu número. [13] Nas palavras do Prof. Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, I vol, 199 e ss.), “uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada “verdade material”. [14] A prova não pode nunca basear-se numa intuição da verdade de uma proposição. [15] A. Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, Coimbra, 1968, pág.52 [16] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, 2.ª edição actualizada, 1131. [17] Idem [18] Neste sentido, o acórdão do STJ de 29.05.2008 (Relator: Cons. Rodrigues da Costa), disponível em www.dgsi.pt/jstj . [19] Cfr., entre muitos outros, os acórdãos do TRP, de 15.10.2003 e do TRG, de 31.05.2004, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. [20] Embora, em bom rigor, não se possa falar em ónus da prova em processo penal. [21] No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 06.12.2000, Proc. n.º 733/2000 (Des. Maio Macário): “O tribunal superior só em casos de excepção poderá afastar o juízo valorativo pelo tribunal a quo, pois a análise do valor daquele depende de atributos (carácter, probidade moral) só verdadeiramente apreensíveis pelo julgador de 1.ª instância”. |