Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | VIEIRA E CUNHA | ||
Descritores: | DIREITO DE PREFERÊNCIA NOTIFICAÇÃO PARA PREFERIR IRREVOGABILIDADE DA PROPOSTA | ||
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Nº do Documento: | RP2018032014589/17.1T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/20/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 817, FLS 191-195) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Alguma doutrina entende que a notificação para preferir não passa de um convite para contratar, isto porque assiste sempre ao convidante a possibilidade de aceitar ou não a proposta do convidado e pode até o vendedor desistir pura e simplesmente do negócio – em tal entendimento, não existirá o postulado da irrevogabilidade da proposta decorrente do disposto no nº1 do artº 230º CCiv. II – Temos por preferível o entendimento de que, enquanto declaração firme, completa e, em certos casos, devidamente formalizada, a comunicação para preferência assume os contornos de uma verdadeira proposta contratual, e é, salvo declaração em contrário, irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida – artº 230º nº1 CCiv, podendo sujeitar o obrigado à preferência à obrigação de indemnizar o preferente, caso venha a recusar posteriormente a celebração do contrato, nos termos do disposto no artº 227º CCiv. III – Assim acontece se existiu uma determinada notificação para preferir, emitida em primeiro lugar pela Ré, enquanto vendedora do prédio, e, em momento ainda anterior ao termo final do prazo para a declaração de aceitação da referida notificação para preferir, a Ré vendedora emitiu uma segunda notificação à Autora, através de escrito em tudo idêntico ao primeiro, apenas dando sem efeito essa primeira notificação, invocando para tal que havia encetado novas negociações com a Ré, e que as partes haviam assumido que a venda seria, não pelos iniciais € 377.500,00, mas antes agora por € 425.000,00. IV – Os danos ocorridos na esfera jurídica da Autora vêm-se a consubstanciar nos danos decorrentes do interesse contratual positivo, isto é, nos danos que não teriam ocorrido caso o contrato se tivesse celebrado com respeito pela proposta de contrato irrevogável, recebida pelo destinatário. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | • Rec.14589/17.1T8PRT.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Desembargadores Maria Eiró e João Proença Costa. Decisão recorrida de 7/12/2017. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Razão do Recurso Recurso de apelação interposto na acção com processo declarativo comum nº14589/17.1T8PRT, do Juízo Central Cível do Porto. Autora – B..., Ldª. Ré – Santa Casa da Misericórdia .... Pedido Que a Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia de € 55.967,50, acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento. Tese da Autora A Ré foi, durante mais de trinta anos, proprietária de um prédio urbano na cidade do Porto, do qual era inquilina a Ré. A Ré publicitou em jornal nacional de grande tiragem a intenção de vender o prédio, através de propostas em carta fechada. Recebidas estas, e identificada a melhor proposta, a Ré efectuou, na pessoa da Autora, comunicação para o exercício do direito de preferência do arrendatário. Todavia, antes do exercício desta preferência pela Autora, como era sua intenção, a mesma Autora recebeu segunda comunicação para preferir, por parte da Ré, informando que o preço tinha passado a ser mais elevado, por força de negociação com a projectada compradora. Discordando da vinculação a esta segunda comunicação, mesmo assim a Autora exerceu o respectivo direito a preferir, sendo ela Autora a actual proprietária do imóvel. À face da lei, a Ré encontrava-se vinculada à primeira proposta apresentada, por irrevogável, incorrendo em responsabilidade pré-contratual e enriquecimento sem causa. Tese da Ré Impugna as consequências juscivilísticas que a Autora deduz dos factos que expôs em juízo. Saneador-Sentença Na sentença proferida pelo Mmº Juiz “a quo”, a acção foi julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido. Conclusões do Recurso de Apelação 1 – O presente processo nasce na certeza e convicção da Apelante de que existiu uma proposta negocial irrevogável efectuada pela Apelada e que foi violada por esta. 2 – Consubstanciam-se as alegações da matéria de facto de que essa proposta negocial irrevogável surge quando da publicação de um anúncio público em jornal, fixando condições essenciais para o negócio pretendido celebrar. 3 – No historial do sucedido é mencionada a existência de uma carta a comunicar a preferência das condições da proposta irrevogável, obviamente comunicação essa e como não poderia deixar de ser, um convite a aceitar a proposta negocial irrevogável. 4 – Ao ter entendido a decisão em recurso que esta carta é que consubstanciava a pretendida e alegada violação de proposta negocial, mal andou, interpretando os factos devidamente alegados de forma defeituosa e não correspondente à realidade factual e alegada. 5 – A Apelada, no anúncio publicado no C... que fez publicar assumiu intenção de vender um prédio, e publicita as condições para a pretendida venda, nomeadamente publicando anuncio público no dia 14 de Abril de 2017, concretizando que venderia o prédio que identificava ao melhor preço de 250.000,00, e prazo para pagamento e realização de escritura. 6 - Da mesma forma e nesse anuncio, fez conhecer que as propostas em carta fechada recepcionadas até às 16 horas do dia 28 de Abril de 2017 seriam abertas pelas 17 horas desse mesmo dia 28 de Abril de 2017, e na sede da Apelada. O que aconteceu. 7 – O valor da melhor proposta de aceitação do convite irrevogável a contratar, foi de € 377.500,00, o que foi devidamente comunicada para a preferência da Apelada, inquilina em carta registada com aviso de recepção expedida a 04 de Maio de 2017. 8 - Certamente que as cartas de preferência são meros convites a contratar e não poderão assumir por si só e na sua essência, o valor de propostas contratuais irrevogáveis cujas condições são simplesmente transmitidas nas comunicações de preferência. 9 - Mas a efectuada com anúncio público e abertura de proposta pública, cumprindo as condições fixadas, essa não pode nunca deixar de ser uma proposta irrevogável nos termos do Código Civil e dos artigos devidamente explanados na PI. 10 - Após a carta de 4 de Maio que comunica o convite à preferência, ainda sem ter terminado o prazo legal de resposta, recebe a Apelante uma outra carta da Apelada e registada C/AR expedida em 08 de Maio de 2017. 11 - Essa outra carta comunicou que a entidade vencedora do direito a adquirir na aquisição do prédio por via de ter apresentado a proposta maior, havia encetado novas negociações com a Ré e haviam assumido que a venda seria, não pelos € 377.500,00, mas antes por € 425.000,00. 12 - Após conhecimento desta nova missiva a Apelante decide mesmo assim assumir o seu direito de preferir, mesmo nas condições, nomeadamente de preço alteradas. 13 - Nesta sequência, a Apelante munida de cheque visado de € 425.000,00, das guias de IMT e Imposto de Selo e acta a deliberar o acto assumido, comparece no cartório marcado e outorga com a Apelada a escritura respectiva. 14 – Tal situação implica um prejuízo para a Apelante no valor da diferença entre o valor proveniente da abertura de propostas e o que acabou por ser o da realização da escritura, além do acréscimo de custos em impostos. 15 – Pelo menos nos articulados 19º, 20º e 21º da PI, não há duvida de que o que foi alegado foi a existência de um anuncio concretizado na sua essência e que consubstanciou uma proposta negocial irrevogável, que acabou por ser indevidamente revogada pela Apelada. 16 – Nomeadamente no articulado 20º e 21º referiu-se “Não haverá dúvida que estamos no âmbito de uma declaração negocial regulada nos artigos 224º e seguintes do Código Civil” e “A declaração e proposta negocial foram devidamente expostas no anuncio efectuado, nomeadamente mencionando um valor mínimo, uma data para aberturas de propostas e escritura, entre outras. 17 - Ao entender a sentença proferida a razão do litígio como sendo a carta de 4 de Maio a assumir a condição de proposta negocial irrevogável, muito mal andou a mesma, não tendo em conta os factos devidamente alegados na PI, que baseia sem margem para duvidas que a proposta negocial irrevogável foi a proveniente do anúncio publico. 18 - Omitiu-se e desconsiderou-se na análise do processo, a verdadeira proposta irrevogável existente e o efectivo objecto do litígio peticionado, porque o que foi efectivamente alegado, como se viu, demonstrado documentalmente e confessado por não contestado, foi a existência de um anúncio público com fixação de condições contratuais mínimas e com abertura de propostas publicas, isso sim a consubstanciar uma proposta negocial irrevogável 19 – O não cumprimento por parte da Apelada das condições da sua proposta negocial, que a lei refere pelas suas características como sendo irrevogável, então concluímos obrigatoriamente pela violação dos pressupostos dessa proposta e do resultado da abertura das mesmas. 20 - Estamos no âmbito de uma declaração negocial regulada nos artigos 224º e seguintes do Código Civil, sendo que essa declaração negocial assumiu a forma de anúncio público a qualquer pretendente – artº 225º do CC, existindo nos termos da lei um direito de preferência. 21 – As condições surgidas dessa proposta irrevogável foram devidamente comunicadas pela Apelada à Apelante na carta datada de 04 de Maio – artº 230º do CC, cumprindo esse direito e a concretização das condições propostas. 22 - A intenção de retratação da proposta inicial plasmada e comunicada na carta de 08 de Maio, posterior à recepção da proposta da carta de 04 de Maio (recebida a 05 de Maio), invalida essa retratação e define a irrevogabilidade da primeira proposta – nº 1 do artº 230º do CC. 23 – Ao não respeitar as normas legais referidas aplicáveis à factualidade e forma que escolheu para a sua proposta negocial, a Apelada não agiu de forma correcta, pelo que terá que ser considerado que agiu com culpa e por tal será responsável pelos prejuízos causados – artº 227º do CC. 24 - Os prejuízos imediatos da Apelante cifram-se na diferença do valor da proposta irrevogável para o valor do que a Apelada efectivamente recebeu, sejam € 47.500,00, acrescidos da diferença do que deveria ter pago a título de IMT e Imposto de selo, nomeadamente 6,5% sobre a diferença (€ 3.087,50) e os 8 por mil sobre a mesma diferença (€ 380,00), seja um prejuízo imediato de € 50.967,50. 25 – A Apelada agiu de má-fé nos preliminares do contrato definitivo que pretendia celebrar e celebrou (a escritura pública), o que levou a um maior endividamento da Apelante para a concretização do negócio, bem como a custos com toda esta demanda, o que leva a estimar como razoável fixar-se uma indemnização de € 5.000,00. 26 - Ainda que outra causa justificativa não existisse, sempre a Apelada teria enriquecido na diferença do preço oferecido na sua proposta irrevogável, para aquilo que recebeu, nessa medida no exacto empobrecimento da Apelante, o que levaria à devolução dessa diferença – artº 473º do CC. 27 - O prejuízo indemnizável para a Apelante cifra-se em € 55.967,50, sendo que a matéria em causa está factualmente límpida, carecendo apenas este tribunal de recurso decidir esta acção sem necessidade de qualquer prova adicional. Por contra-alegações, a Ré/Apelada sustenta a confirmação da sentença recorrida. Factos Provados 1.- A Ré foi, até 14 de junho de 2017, a proprietária do prédio urbano sito ao ..., .../..., no Porto, prédio esse devidamente inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ... sob o artigo 3410, prédio esse composto de casa de 5 pavimentos, conforme caderneta predial junta a fls. 7 e 8, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 2.- Até ao referido dia 14 de junho de 2017, a Autora, mediante contrato de arrendamento com mais de 30 anos, era a inquilina da totalidade do mesmo prédio. 3.- A Ré decidiu publicitar em Jornal de grande tiragem, nomeadamente o C..., a intenção de vender o referido prédio. 4.- Nessa sequência, publicitou as condições para a pretendida venda, através da publicação de anúncio, no dia 14 de abril de 2017, concretizando que venderia o prédio que identificava pelo valor base de € 250.000,00. 5.- Da mesma forma e nesse anúncio, fez conhecer que as propostas em carta fechada rececionadas até às 16 horas do dia 28 de abril de 2017 seriam abertas pelas 17 horas desse mesmo dia, na sede da Ré, conforme documento junto a fls. 2v.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 6.- Chegado o dia e hora comunicados, procedeu-se, perante diversos interessados e proponentes de propostas, à abertura de todas elas. 7.- A Autora recebeu da Ré carta registada com aviso de receção expedida a 04 de maio de 2017, onde é exposto o direito da Autora de preferir e fixar as condições de venda, nomeadamente as explanadas na declaração e proposta negocial publicada, mencionando o preço da melhor proposta, de € 377.500,00 e a identidade da potencial compradora, conforme documento junto a fls. 3 e v.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 8.- Na mesma comunicação, a Ré fixou, para a realização da escritura pública, o dia 14 de junho de 2017, pelas 15 horas, no cartório Notarial de Lamego, e a forma de pagamento. 9.- A Autora rececionou uma outra carta da Ré, registada com AR, expedida em 08 de maio de 2017, a comunicar que a entidade vencedora do direito a adquirir na aquisição do prédio por via de ter apresentado a proposta maior, havia encetado novas negociações com a Ré, e haviam assumido que a venda seria, não pelos € 377.500,00, mas antes por € 425.000,00, conforme documento junto a fls. 13 e v.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 10.- A Autora envia carta registada com AR à Ré, expedida a 11 de maio de 2017, comunicando que exercia a preferência na aquisição assumida na publicitação de vontade negocial decorrente da proposta de € 377.500,00, sendo que na mesma carta e por cautela assume também a preferência na aquisição pelo segundo valor de € 425.000,00, conforme documento junto a fls. 14, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 11.- Nesta sequência, a Autora, munida de cheque visado de € 425.000,00, das guias de IMT e Imposto de Selo e ata a deliberar o ato assumido, compareceu no cartório marcado e outorgou com a Ré a respetiva escritura, em 14 de junho de 2017, encontrando-se a aquisição registada em seu nome, conforme documentos juntos a fls. 14v.º a 20, cujo teor aqui se dá por reproduzido. Fundamentos A questão colocada pelo presente recurso é a de saber se a Ré se mostrava vinculada perante a Autora por proposta irrevogável, consistente na primordial comunicação para preferência, tendo a retractação posterior, constante de uma segunda comunicação para preferência levada ao conhecimento da Autora ainda esta se encontrava em prazo para aceitar ou não a primeira referida comunicação, feito incorrer a Ré, perante a Autora, em responsabilidade pré-contratual e/ou em enriquecimento sem causa. Apreciemo-la seguidamente. I A matéria dos autos prende-se, e permita-se-nos desde já esta abordagem em síntese, com a natureza e possível qualificação juscivil da notificação para preferir. Trata-se de um direito conferido ao arrendatário urbano pelo disposto no artº 1091º CCiv, aplicando-se-lhe o regime dos artºs 416º a 419º e 1410º CCiv) (nº4 do artº 1091º). Não há que discutir nos autos o condicionalismo em que a Ré vendedora e o terceiro conformaram o projectado (entre si) negócio de compra e venda do imóvel arrendado à Autora – é matéria de autonomia privada, res inter alios quanto ao preferente. Devidamente caracterizado este negócio é que se passa à fase da notificação para preferir – artº 416º nº1 CCiv. O que aconteceu nos autos é que existiu uma determinada notificação para preferir, emitida em primeiro lugar pela Ré, enquanto vendedora do prédio. Em momento ainda anterior ao termo final do prazo para a declaração de aceitação da referida notificação para preferir, a Ré vendedora emitiu uma segunda notificação à Autora, através de escrito em tudo idêntico ao primeiro, apenas dando sem efeito essa primeira notificação, invocando para tal que havia encetado novas negociações com a Ré, e que as partes haviam assumido que a venda seria, não pelos iniciais € 377.500,00, mas antes agora por € 425.000,00 – acrescidos € 47.500. Alguma doutrina entende que a notificação para preferir não passa de um convite para contratar, isto porque assiste sempre ao convidante a possibilidade de aceitar ou não a proposta do convidado. Se o vendedor tiver ponderosas razões pessoais para não contratar com o preferente, e se este declara preferir, então o vendedor pode desistir do negócio. E, de todo o modo, pode o vendedor desistir pura e simplesmente do negócio, por exemplo, por ter acedido a meios de fortuna que lhe permitam não necessitar (desistir) da alienação projectada. A vinculação do vendedor limita-se e mantém-se apenas para o caso de vender o imóvel ao terceiro e pelo preço por ele terceiro oferecido. Não existiria assim o postulado da irrevogabilidade da proposta decorrente do disposto no nº1 do artº 230º CCiv. Tudo isto se discorreu, v.g., no Ac.S.T.J. 8/1/09 Col.I/31, relatado pelo Consº Oliveira Rocha, e no Ac.R.C. 25/3/2010 Col.II/22, relatado pelo Consº Hélder Almeida. II No dizer do Prof. Menezes Cordeiro, Da Abertura de Concurso para a Celebração de um Contrato em Direito Privado, Bol.369/43, 44 e 53, o fenómeno contratual encontra-se sujeito a dois princípios básicos sempre presentes: - de um lado, o da autonomia privada, significando que as partes, em matérias dominadas pela liberdade contratual, podem produzir os efeitos jurídicos que entendam, desde que não sejam proibidos por lei; - de outro lado, o da tutela legítima da confiança, no sentido de que, nas áreas dominadas pela autonomia privada, “as pessoas que, mediante condutas adequadas sejam levadas a aderir a certas situações recebem protecção do Direito, mesmo quando, supervenientemente, se venha a apurar a insubsistência ou mesmo a inexistência da situação aderida”. Nesse mesmo artigo doutrinal, o mesmo Autor analisa a proposta contratual enquanto declaração com as seguintes características: firme, completa e, em certos casos, devidamente formalizada, proposta que, sendo aceite pelo destinatário, dá lugar a um contrato. Neste sentido, e repristinando a exposição anterior, a notificação para preferir pode não constituir proposta contratual se não for firme, v.g., se o seu autor deixar claro que se reserva a faculdade de não celebrar qualquer contrato, com ou sem justificação. E também não constituirá proposta contratual se não assumir a forma requerida para o contrato definitivo, de tal modo que o contrato projectado surja, por si só, no seu termo, já que a forma dos contratos mais não é do que a exteriorização assumida pelas declarações que lhe dêem corpo. Se o contrato projectado não surgir desde logo com a aceitação da proposta, nomeadamente por razões de forma, pode porém a relação legal de preferência dar origem a uma relação contratual preliminar, v.g., um contrato-promessa (assim, Prof. Vaz Serra, Revista Decana, 101º/233. 109º/298 e 112º/245, Prof. I. Galvão-Telles, Dtº das Obrigações, 6ª ed., pg. 152, e Prof. Menezes Cordeiro, Tratado, Dtº das Obrigações, II, 2010, pg. 501). Concebida enquanto proposta contratual, a comunicação para preferência é, salvo declaração em contrário, irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida – artº 230º nº1 CCiv, podendo sujeitar o obrigado à preferência à obrigação de indemnizar o preferente, caso venha a recusar posteriormente a celebração do contrato, nos termos do disposto no artº 227º CCiv (cf. Ac.S.T.J. 2/3/99 Col.I/132, relatado pelo Consº Aragão Seia). Para os Autores citados (e para o Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1973, pg. 270 e Revista Decana, 105º/14), a comunicação obrigatória a que alude o artº 416º nº1 CCiv constitui uma verdadeira declaração negocial – é a proposta contratual correspondente ao objecto da venda que o obrigado à preferência leva ao conhecimento do preferente. É claro que tudo dependerá, no fundo, do conteúdo da comunicação para preferir – ela pode constituir ou um mero convite a contratar (v.g., comunicação para preferir meramente verbal, em contrato que exige a formalidade do escrito particular), ou uma proposta contratual que, aceite, torne perfeito determinado contrato (sem necessidade de qualquer acto adicional), ou uma proposta contratual que, aceite, torne perfeito um contrato meramente preliminar (directamente, ou por possível conversão do compromisso contratual – artº 293º CCiv) – cf. Dr. Carlos Lacerda Barata, Da Obrigação de Preferência, 1990, pgs. 105ss. Pesem embora as divergências doutrinais sobre a matéria (ex abundanti referenciadas no Ac.S.T.J. 7/12/2010 Col.III/207, relatado pelo Consº João Camilo, que, todavia, não assumiu posição expressa na divergência), e encurtando razões, não temos dúvida de que a inicial comunicação para preferência, efectuada pela Ré vendedora, na pessoa da Autora, constituiu uma verdadeira proposta ou oferta de contrato, irrevogável, nos termos do disposto no artº 230º CCiv, sujeitando o obrigado à preferência à obrigação de indemnizar o preferente, nos termos do disposto no artº 227º CCiv. Por outro lado, a Autora tinha todo o interesse, como aconteceu, e para afastar a ideia de que, outorgando escritura de compra e venda pelo preço proposto na segunda comunicação, de € 425.000, se encontrava, de algum modo, a reconhecer tacitamente (artº 217º CCiv) que aceitava a revogação da inicial comunicação para preferência, em deixar bem claro que não renunciava ao direito de indemnização fundado na violação pela Ré do dever de outorgar a escritura de compra e venda do imóvel (o contrato definitivo) pela quantia inicialmente proposta de € 377.500 (cf. Ac.S.T.J. 19/10/2010, pº 155/2002.L1.S1, relatado pelo Consº Salazar Casanova). III Os danos ocorridos na esfera jurídica da Autora vêm-se a consubstanciar nos danos decorrentes do interesse contratual positivo, isto é, nos danos que não teriam ocorrido caso o contrato se tivesse celebrado com respeito pela proposta de contrato irrevogável, recebida pelo destinatário (assim, artº 227º CCiv e mutatis mutandis, Prof. Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, II/1345). A indemnização deverá ascender ao montante pago suplementarmente a título de preço - € 47.500, acrescidos dos montantes de IMT e de imposto de selo, que a aplicação de uma regra de três simples e das taxas de imposto invocadas pela Autora confirma serem efectivamente os valores peticionados de € 3.087,50 (IMT) e de € 380 (imposto de selo). Já outros prejuízos invocados não encontram apoio na matéria de facto fixada, a qual não se mostra impugnada pela via do recurso. A indemnização deverá assim ascender a um total de € 50.967,50, acrescido de juros, à taxa legal, a contar da citação. Concluindo: ............................................. ............................................. ............................................. Deliberação (artº 202º nº1 CRP): Julga-se parcialmente procedente, por provado, o recurso de apelação interposto pela Autora e, em consequência, revoga-se a douta decisão recorrida, condenando-se agora a Ré a pagar à Autora a quantia de € 50.967,50, acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento. Custas por Autora e Ré, na proporção de vencido. Porto, 20/III/2018 Vieira e Cunha Maria Eiró João Proença |