Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0847067
Nº Convencional: JTRP00042160
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: FURTO
CONSUMAÇÃO
Nº do Documento: RP200902040847067
Data do Acordão: 02/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 352 - FLS 259.
Área Temática: .
Sumário: Há consumação do furto se o agente se introduziu na casa de residência do ofendido e aí se foi apoderando de objectos, guardando-os numa bolsa, e, depois de se aperceber que, no exterior, o seu comparticipante fora interceptado por agentes policiais, escondeu os objectos de que se apoderara debaixo de um colchão, num quarto da casa, abandonando esta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I

1. No processo comum n.º …./07.6PAESP, do ..º juízo do Tribunal Judicial de Espinho, após julgamento, perante tribunal colectivo, por acórdão de 12/09/2007, foi decidido, no que, agora, releva:
1.1. Condenar o arguido B………., pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alíneas e) e f), do Código Penal[1], na pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/06, de 23.02, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão e pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art.º 97.º, da Lei n.º 5/06, de 23.02, na coima de 1.000 (mil) euros;
Em cúmulo jurídico, condenar o arguido B………. na pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão e na coima de 1.000 (mil) euros.
1.2. Condenar o arguido C………., pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alíneas e) e f), do CP, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/06, de 23.02, na pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática um crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, n.os 1 e 2, do CP, na pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática de um crime de falsificação, p. e p. pelo artigo 256.º, n.os 1, alíneas d) e e), e 3, do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo artigo 97.º, da Lei n.º 5/06, de 23.02, na coima de 1.000 (mil) euros.
Em cúmulo jurídico, condenar o arguido C………. na pena única de 7 (sete) anos de prisão e na coima de 1.000 (mil) euros.
2. Ambos os arguidos interpuseram recursos do acórdão.
2.1. O arguido B………. formulou as seguintes conclusões:
«1.ª – A fundamentação do acórdão é determinada nos termos do artigo 374.º n.º 2 do CPP e é integrada pela (1) enumeração dos factos provados e não provados; por uma (2) exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão e pela (3) indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal;
«2.ª – O acórdão, para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova há-de conter, também, os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, permitiram que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação ou seja, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido;
«3.ª – O exame crítico das provas visa impor ao julgador que esclareça os elementos probatórios que o elucidaram e porquê, na decisão tomada, de forma a possibilitar objectivamente a compreensão da produção dessa mesma decisão;
«4.ª – Entende o recorrente que o exame crítico das provas tem de assentar em critérios de razoabilidade, de forma completa e clara, que permita avaliar o processo lógico efectuado pelo tribunal na ponderação e correlacionamento das provas, no sentido de objectivamente se poder credibilizar a decisão de facto tomada nos termos em que ficou decidida;
«5.ª – O que a lei exige é que não basta uma mera referência dos factos às provas, torna-se necessário um correlacionamento dos mesmos com as provas que os sustentam, de forma a poder concluir-se quais as provas e em que termos, por que razão ou com que fundamento, garantem que os factos aconteceram ou não da forma apurada;
«6.ª – Não basta no entender do recorrente que, relativamente a si, a motivação da decisão de facto aponte que o apuramento dos factos se formou com base na referência (identificação) genérica aos elementos de prova indicados sem que (como acontece na decisão ora censurada) fosse feito o seu correlacionamento com os (concretos) factos apurados;
«7.ª – Ao que acresce que não foram sequer indicados os factos demonstrados através dos aludidos documentos;
«8.ª – A motivação da decisão de facto não pode deixar de contemplar, para além da indicação das provas a partir das quais se formou a convicção do tribunal, também os motivos que levaram aquele a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras e, bem assim, os critérios utilizados na apreciação daquelas e o substrato racional que conduziu à convicção concretamente estabelecida;
«9.ª - Lida a motivação da matéria de facto, entende o recorrente que a mesma omite, desde logo, a fundamentação de toda a factualidade (conjugada) e dada como provada em 5, 6, 7, 8, 36 e 37 dos factos provados. «10.ª – A qual sempre deverá ser levada à matéria de facto não provada;
«11.ª – Na verdade, escapa ao entendimento do recorrente como é que o tribunal «a quo» dá como assente a materialidade (conjugada) descrita em 5, 6, 7, 8, 36 e 37 da matéria de facto provada tanto mais que, conforme resulta da própria motivação de facto, (1) as declarações do recorrente não foram tidas em conta no que à mesma diz respeito (é dito que «(…) apenas não pode referir o que sucedeu após o C………. ter escalado o muro por ter ficado em vigilância e não se ter apercebido que se passava no interior do muro e da residência. (…)»), (2) as declarações do co-arguido C………. não foram consideradas minimamente credíveis (é referido que as mesmas apenas foram valoradas «(…) na parte em que disse ter preparado o mesmo com o B………. (…)»)e, (3) por outro lado, como também resulta daquela motivação, as indicadas testemunhas nada esclareceram quanto à referida matéria;
«12.ª – A referida materialidade de facto dada como provada assume incontestável relevo para a decisão da causa, bastando para tanto atentar que a mesma serviu, no essencial, para concluir que a conduta do recorrente preencheu, como co-autor, a prática, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º n.º 1 e n.º 2 alíneas e) e f) do CP;
«13.ª – Atenta a motivação constante da decisão ora censurada, entende assim o recorrente que não será possível proceder – se ao exame lógico ou racional que esteve na base do decidido já que, por um lado, (1) não se indicam em concreto as provas e, por outro lado, (2) não se fez o respectivo exame crítico;
«14.ª – Entendendo-se, por isso, por todo este conjunto de razões, ser nula a decisão ora censurada, nos termos conjugados dos artigos 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 al. a) do CPP, nulidade essa que deverá ser declarada com todas as consequências legais;
«15.ª – Entende o recorrente que, da análise de toda a prova globalmente produzida, não ficou minimamente demonstrada a factualidade (conjugada) e dada como provada em 5, 6, 7, 8, 36 e 37 dos factos provados;
«16.ª – Não tendo ficado, como resultou claramente da prova produzida em audiência de julgamento, contrariamente ao decidido, demonstrado que o arguido C………. se tivesse apoderado, nas descritas circunstâncias, dos objectos pertencentes à ofendida;
«17.ª – Tendo em conta que não foi produzida qualquer prova sobre as circunstâncias da «posse» do referido arguido no interior da residência, somente se tendo apurado que o mesmo foi encontrado no telhado da residência;
«18.ª – Com efeito, relativamente à dita matéria, conforme aliás os depoimentos transcritos supra do recorrente – vide acta de fls. (…) dos autos de 04.09.2008 – gravação de 00:00:01 a 00:27:47 – do co – arguido C………. – vide acta de fls. (…) dos autos de 04.09.2008 – gravação de 00:00:01 a 00:19:33 - e da testemunha D………. – vide acta de fls. (…) dos autos de 04.06.2008 – gravação de 00:00:01 a 00:12:37 -, não vislumbra como poderá o tribunal «a quo» ter concluído da forma como o fez;
«19.ª – Não resulta assim da prova testemunhal produzida – quer globalmente considerada quer apreciada individualmente atento o facto de que as restantes testemunhas nada terem esclarecido quanto à mesma – suficiente matéria para se concluir aquela que ora se impugna e que permita a conclusão de que o recorrente cometeu em co-autoria o aludido crime, na forma consumada, conforme foi considerado pelo douto acórdão recorrido;
«20.ª – Entende o recorrente que as doutas decisões jurisprudenciais indicadas no acórdão ora censurado não auxiliam o juízo decisório quanto à mesma, tendo em conta que, ao contrário do que das mesmas resulta, não foram apuradas quaisquer circunstâncias de facto que permitam concluir que o co-arguido C………. efectivamente se apoderou dos objectos encontrados: (1) o recorrente não sabe o que se passou no interior da residência, (2) o arguido C………. negou que estivesse na posse dos referidos objectos, não tendo nenhum dos mesmos sido encontrado na sua posse e (3) a testemunha D………. (objectivamente) limitou-se a referir que encontrou este último no telhado da casa;
«21.ª - A referida prova produzida impõe assim decisão diversa daquela obtida e pela qual concluiu o tribunal «a quo», indicando-se os mencionados depoimentos nos termos e para os efeitos do artigo 412.º n.º 3 alíneas a) e b) e n.º 4 do CPP;
«22.ª – Desta forma violou o tribunal «a quo», de entre outros, o artigo 32.º n.º 2 da CRP e os artigos 97.º n.º 5, 127.º, 340.º e 374.º n.º 2, estes últimos todos do CPP, devendo a referida factualidade ser levada à matéria de facto não provada, com a consequente alteração da qualificação jurídica dos mesmos;
«23.ª - Restando assim a prática do mencionado crime de furto qualificado na forma tentada;
«24.ª – Nos termos conjugados dos artigos 22.º n.º 1, 23.º e 72.º n.º 1 e 73.º n.º 1 alíneas a) e b), todos do CP, a moldura penal do crime de furto qualificado na forma tentada situa-se entre o mínimo (legal) de um mês (artigo 41.º n.º 1 do CP) e o máximo de cinco anos e quatro meses;
«25.ª - Considerando (1) os factos provados sobre as circunstâncias da prática do crime e a confissão do recorrente, as escassas considerações quanto (2) ao grau de ilicitude do facto e seu modo de execução e gravidade, (2.1) intensidade do dolo, (2.2) sentimentos manifestados no seu cometimento e os fins ou motivos que o determinaram, (2.3) conduta anterior e posterior à prática dos factos, (2.4) personalidade do agente, (2.5) integração social, (2.6) as suas condições pessoais, nomeadamente familiares, (3) às exigências da prevenção geral e especial e (4) as consequências da sua conduta ter sido de pouco relevo, uma vez que, de facto, nenhum objecto foi efectivamente furtado entende o recorrente que, em face desta factualidade, a pena (parcelar) de prisão adequada a aplicar pela prática deste crime na forma tentada nunca poderá ser superior a dois anos;
«26.ª – Tendo em conta que o crime de furto qualificado está numa situação de concurso de crimes com o crime de detenção de arma proibida, conforme ao previsto no artigo 30.º do CP, com as consequências apontadas no artigo 77.º do mesmo diploma legal, há que formar uma pena única;
«27.ª – Assim, fazendo apelo às considerações aludidas supra na conclusão 25.ª e que aqui se consideram por reproduzidas, ao que acresce o facto de que a pena mínima deverá (como entende o recorrente) ser de dois anos e a máxima de três anos e nove meses (correspondente à soma das parcelares), a pena única (cúmulo) deverá encontrar o seu ponto de adequação nos dois anos e nove meses de prisão;
«28.ª - Pena única esta que (assim como as parcelares, caso seja esse o entendimento) atentas as mesmas considerações (sem prejuízo do que se alega infra) sempre deverá ser suspensa na sua execução por igual prazo;
«29.ª – Com base nos factos provados, o Tribunal «a quo» formulou a sua convicção e decidiu, tendo julgado bastante e suficiente a prova produzida para, desse modo, condenar o recorrente nas referidas penas;
«30.ª – Na fixação da medida da pena é necessário ordenar, relacionando-as, a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, para isso, em conta os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção;
«31.ª – A graduação da medida concreta da pena é efectuada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção no caso concreto (artigo 71º, n.º 1), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2);
«32.ª – Dispõe o artigo 40.º n.º 1 do CP que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva);
«33.ª – Sendo que das exigências de prevenção já cuidou o legislador quando estabeleceu a moldura punitiva;
«34.ª – Na determinação da medida da pena há que, num primeiro momento, escolher o fim da pena, depois há que fixar os factores que influem no seu doseamento, tecendo-se, por fim, os considerandos que fundamentam a pena concreta aplicável;
«35.ª – A manterem-se os factos provados na decisão censurada e a esses (neste caso e para os pretendidos efeitos) teremos que nos reportar, há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do agente e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção;
«36.ª – Na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos das penas;
«37.ª – Entende o recorrente que o Tribunal «a quo» violou o disposto no artigo 71.º do CP por incorrecta e imprecisa aplicação dos seus pressupostos;
«38.ª – Considerando, como referido supra, (1) os factos provados sobre as circunstâncias da prática do crime e a confissão do recorrente, as escassas considerações quanto (2) ao grau de ilicitude do facto e seu modo de execução e gravidade, (2.1) intensidade do dolo, (2.2) sentimentos manifestados no seu cometimento e os fins ou motivos que o determinaram, (2.3) conduta anterior e posterior à prática dos factos, (2.4) personalidade do agente, (2.5) integração social, (2.6) as suas condições pessoais, nomeadamente familiares, (3) às exigências da prevenção geral e especial e (4) as consequências da sua conduta ter sido de pouco relevo, uma vez que, de facto, nenhum objecto foi efectivamente furtado entende o recorrente que, considerada toda esta factualidade, as penas parcelares aplicadas e consequente cúmulo são, na sua perspectiva, algo excessivas;
«39.ª - Mostrando-se, porém, perfeitamente ajustada a coima aplicada pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo artigo 97.º da Lei n.º 5/06;
«40.ª – Assim, atenta a referida factualidade (conclusão 38.ª), (1) quanto ao crime de furto qualificado, a pena (parcelar) de prisão aplicada deveria ter encontrado o seu ponto de adequação nos dois anos e seis meses de prisão e (2) no que diz respeito ao crime de detenção de arma proibida, a pena (parcelar) de prisão aplicada deveria ter encontrado o seu ponto de adequação nos dezassete meses de prisão;
«41.ª – Tendo em conta que estamos perante um concurso de crimes, conforme ao previsto no artigo 30.º do CP, com as consequências apontadas no artigo 77.º do mesmo diploma legal, há que formar uma pena única;
«42.ª – A qual, fazendo apelo às mesmas considerações aludidas supra na conclusão 38.ª e que aqui se consideram por reproduzidas, a mesma deverá encontrar o seu ponto de adequação nos três anos de prisão;
«43.ª - Pena única esta que (assim como as parcelares, caso seja esse o entendimento) atentas as mesmas considerações, sempre deverá ser suspensa na sua execução por igual prazo;
«44.ª – O tribunal «a quo» ao condenar o recorrente nas indicadas penas (parcelar e única) violou assim o disposto no artigo 71.º do CP, traduzindo-se a pena aplicada numa pena demasiado severa e excessiva considerada toda a factualidade dada como provada, devendo assim ser revogada e substituída por aquela que se entende ser a adequada, suspensa na sua execução;
«45.ª – O recorrente respeita a livre apreciação da prova e a convicção do tribunal «a quo» sem descurar o facto de que lhe assiste o direito de exigir que o douto acórdão que determina a sua condenação seja criteriosamente fundamentado e se sustente em factos que permitam, só por si, valorar o grau de ilicitude e a intensidade do dolo;
«46.ª – O que, como se verifica do mesmo, não aconteceu;
«47.ª – Apesar da pena de prisão aplicada ao recorrente se ter situado nos quatro anos e nove meses, atenta a actual redacção do artigo 50.º do CP, entendeu o tribunal «a quo», pelas razões constantes de fls. 43 e 44 do acórdão, não suspender a sua execução;
«48.ª – Discorda o recorrente do juízo subjacente a esta mesma decisão, entendendo que a pena de prisão que lhe foi aplicada deveria ter sido suspensa na sua execução, não obstante reconhecer o alarme social que os crimes contra o património quase sempre provocam;
«49.ª – Pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é o de que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento futuro;
«50.ª- Em que a simples censura do facto e a ameaça da prisão bastarão para o afastar da criminalidade, sem que com isso se frustrem as finalidades da punição;
«51.ª - O regime de suspensão da execução da pena de prisão instituído no artigo 50.º do CP enquadra-se na filosofia consagrada no sistema punitivo do actual Código Penal, no sentido de que a pena de prisão constitui a «última ratio» da política criminal, devendo sempre que possível ser aplicadas penas não detentivas da liberdade;
«52.ª - A medida de substituição realiza, assim, de modo determinante, um programa de política criminal, que tem como elemento central a não execução de penas curtas de prisão, na maior medida possível e socialmente suportável pelo lado da prevenção geral, relativamente a casos de pequena e mesmo de média criminalidade;
«53.ª - E, deste modo, as penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos devem ser, por princípio, suspensas na execução, salvo se o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresentar claramente desfavorável, e a suspensão for impedida por prementes exigências geral – preventivas, em feição eminentemente utilitarista da prevenção;
«54.ª – Entende o recorrente que a natureza do instituto e as finalidades de política criminal que prossegue e as condições e pressupostos de aplicação permitem, contrariamente ao decidido, concluir que a suspensão da pena é adequada à sua situação concreta;
«55.ª - Na verdade, como aludido supra, considerando (1) os factos provados sobre as circunstâncias da prática do crime e a confissão do recorrente, as escassas considerações quanto (2) ao grau de ilicitude do facto e seu modo de execução e gravidade, (2.1) intensidade do dolo, (2.2) sentimentos manifestados no seu cometimento e os fins ou motivos que o determinaram, (2.3) conduta anterior e posterior à prática dos factos, (2.4) personalidade do agente, (2.5) integração social, (2.6) as suas condições pessoais, nomeadamente familiares – é casado com uma cidadã romena e tem uma filha de seis anos - (3) às exigências da prevenção geral e especial e (4) as consequências da sua conduta ter sido de pouco relevo, uma vez que, de facto, nenhum objecto foi efectivamente furtado,
«56.ª - Verifica-se que, pela medida da pena aplicada, a injunção da lei vai no sentido da suspensão da execução, o prognóstico sobre o desempenho futuro não é desfavorável ao arguido e, nas condições que vêm provadas, a simples censura do facto e a ameaça da execução prefiguram-se suficientes para prevenir a prática, por aquele, de futuros crimes;
«57.ª - Motivo esse pelo qual entende encontrarem-se verificados os pressupostos do artigo 50.º do CP;
«58.ª - Para além destes factos, entende o arguido ser de considerar os factos que resultam também do seu Relatório Social realizado em Maio deste ano, constante de fls. (…) dos presentes autos como sejam: (1) «B………. entrou em Portugal em Junho de 2007, com intenção de aqui se inserir e, nos cinco meses seguintes, até ser preso, estabeleceu uma relação de amizade com uma portuguesa, que o ajudou no processo e nas relações sociais e fez contactos profissionais com vista à exploração de um estabelecimento de restauração ou similar quer à comercialização de viaturas usadas provenientes de países da união europeia. (…);» (2) «(…) O agregado sobrevivia com o apoio económico da família de origem do cônjuge, residente em França e da verba auferida na venda de um terreno no país de origem, pois nenhum dos elementos estava laboralmente activo (…);» (3) «A filha foi inscrita e começou a frequentar um infantário em Gaia, que veio a abandonar após a reclusão do arguido. (…); (4) «(…) o arguido terá a possibilidade de trabalhar, se aceitar as condições propostas pelo empregador em entrevista a realizar, numa empresa de lavagem de automóveis situada no parque de estacionamento “E……….” no horário das 09 às 18 horas, com vencimento correspondente ao salário mínimo nacional.» e (5) no cumprimento da medida de coacção «(…) Não regista infracções disciplinares e, conforme solicitou, foi colocado no exercício de uma actividade ocupacional, auferindo uma compensação pecuniária, que lhe permite suprir despesas de primeira necessidade.»;
«59.ª - Da mesma forma, entende o recorrente ser de considerar o seguinte facto que resulta do seu Relatório do Exame de Avaliação Psicológica Forense, realizado em Agosto deste ano, constante de fls. (…) dos presentes autos como seja «(…) Não se registou a presença de um quadro de psicopatologia ou de desordem de personalidade, nomeadamente de tipo psicopático.»;
«60.ª – Factos estes que, por resultarem de documentos autênticos, elaborados por determinação judicial, sempre deverão ser levados à matéria de facto provada;
«61.ª - Tais circunstâncias, conjugadas com a total ausência de antecedentes criminais do recorrente registados em Portugal permitem, contrariamente ao decidido, pese embora a gravidade dos factos perpetrados pelo arguido, entende-se que ainda assim é possível fazer um juízo de prognose favorável no sentido de que o mesmo no futuro vai adequar a sua conduta às regras da convivência em sociedade, afastando-se da prática de novos ilícitos criminais;
«62.ª - Considerando globalmente todos os referidos factos, entende o recorrente que é de suspender a pena que lhe foi aplicada, porquanto a censura do facto e ameaça da prisão realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
«63.ª - Deve assim e também nesta parte ser revogada a decisão ora censurada e substituída por outra que ordene a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ou a aplicar ao arguido.»
2.2. O arguido C………. formulou as seguintes conclusões:
«I
«Vem o presente recurso da douta decisão proferida a 12 de Setembro de 2008, que condenou o Recorrente pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203º, nº 1 e 204º, nº 2, als. e) e f) do Cód. Penal na pena de 4 anos de prisão; pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p e p. pelo artº 86º, nº 1., al. d) da Lei 5/06 de 23/2 na pena de 2 anos de prisão; pela prática de um crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo artº 359º, nºs 1 e 2 na pena de 2 anos de prisão; pela prática de um crime de falsificação, p. e p. pelo artº 256º, nºs 1 e 3 do Cód. Penal na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo artº 97º da Lei 5/06 de 23/2 na coima de 1000 euros; em cúmulo jurídico na pena única de 7 anos de prisão e 1000 euros de coima.
«II
«Quando interceptado pelos agentes policiais, o Recorrente não trazia consigo quaisquer objectos propriedade da ofendida F………., os quais foram totalmente recuperados no interior da casa daquela.
«III
«Os objectos pertencentes à ofendida F………. nunca saíram do domínio de facto da mesma, não tendo sequer saído fisicamente da sua casa, local onde se encontravam.
«IV
«Não se pode, por isso, falar de furto no caso em apreço, na forma consumada, mas apenas e tão só na forma tentada – nesse sentido vide o Ac. do STJ de 16/1/2008, proferido no processo nº 07p3485, disponível in www.dgsi.pt e Ac. da Relação do Porto de 14/5/2008, proferido no processo nº 0841211, disponível in www.dgsi.pt [2].
«V
«Os bens propriedade da ofendida F………. não chegaram a entrar na esfera patrimonial do Recorrente, que em momento algum os chegou a deter e poder dispor livremente dos mesmos.
«VI
«A não se entender deste modo – o que não se concede e apenas por hipótese se refere – sobraria muito pouco (ou mesmo nenhum…) espaço para a figura jurídica da tentativa nos crimes de furto, o que claramente não foi o desiderato que o legislador pretendeu alcançar.
«VII
«Não chegou a existir qualquer consumação do crime de furto qualificado, mas apenas a existência de uma “resolução criminosa”, acompanhada da prática de alguns actos de execução, verificando-se o preenchimento dos requisitos para a existência da figura jurídica da tentativa.
«VIII
«Face ao supra exposto, o Recorrente apenas poderia ter sido condenado pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, condenação que teria imediatos reflexos na medida da pena a aplicar, a qual teria necessariamente que ser especialmente atenuada, de harmonia com o disposto no artº 23º do Cód. Penal.
«IX
«Ao não decidir deste modo violou o douto Tribunal “a quo” o disposto nos artºs 22º, 23º, 203º, nº 1 e 204º, nº 2, als. e) e f) e 72º do Cód. Penal .
«X
«Sem prescindir do exposto, entende ainda o Recorrente que a medida da pena que lhe foi aplicada é inadequada, por excessiva, não se conformando com as penas parcelares e, consequentemente com o cúmulo jurídico efectuado, pelos motivos que infra explanará.
«XI
«Na determinação da medida concreta da pena, deve o julgador atender à culpa do agente, às exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social daquele e ainda às exigências decorrentes do fim preventivo geral, atendendo aos critérios previstos nos artºs 40º e 71º do Cód. Penal.
«XII
«Considera o Recorrente, no seu modesto entendimento, que a pena que lhe foi aplicada é injusta, por exagerada, atento, nomeadamente, o fim ressocializador das penas.
«XIII
«Resultou provado que o Recorrente vive em união de facto com uma cidadã polaca, não tendo antecedentes criminais conhecidos em Portugal, factos que terão que reverter a seu favor, revelando boa integração familiar e social, sendo certo que a mera circunstância do Recorrente ser cidadão estrangeiro e ter antecedentes criminais na Roménia datados de 1994 não poderá de modo algum constituir factor de relevo na determinação da medida concreta da pena a aplicar, tanto mais que se trata de uma situação ocorrida há 14 anos, tendo desde então o Recorrente mantido um percurso de vida estável, afastado de quaisquer actividade ilícitas, pelo que a uma situação isolada no seu passado não poderá servir como condição agravante na determinação das penas aplicadas ao Recorrente.
«IX[3]
«O Recorrente confessou os factos pelos quais veio a ser condenado, circunstância que releva a seu favor em matéria de determinação da medida concreta da pena, sendo que, para além do mais, a maioria dos factos que resultaram como provados não teriam assento probatório em qualquer outra prova, à excepção da aludida confissão do arguido.
«X
«Os bens objecto da tentativa de furto foram totalmente recuperados, sendo, para além do mais, de diminuto valor.
«XI
«No seguimento do disposto no nº. 2 do artº. 71º do Cód. Penal, na determinação da medida concreta da pena, deve ainda o Tribunal atender às circunstâncias que depuserem a favor do agente, como sejam as supra transcritas, sendo que as mesmas, não fazendo parte do tipo de crime, depõem, naturalmente, a favor do Recorrente, pelo que face ao supra exposto e conjugando os factos dados como provados acima explanados, conclui-se que são diminutas as exigências de prevenção especial no que diz respeito ao Recorrente, sendo ainda de concluir que uma pena fixada no limite mínimo da moldura penal abstracta de cada tipo legal, seria suficiente para se atingir os fins insertos nas normas incriminadoras, bem como a ressocialização do Recorrente.
«XII
«No que ao crime de furto qualificado concerne para além de no caso concreto os alegados prejuízos terem sido integralmente reparados, com a entrega dos bens ao seu proprietário, circunstância que superiormente terá que relevar para o caso sub judice, o certo é que o douto Tribunal “a quo” nada refere ainda quanto às condições pessoais do Recorrente e necessidades de prevenção especial, por exemplo, questões de enorme relevância na questão de determinação da medida concreta da pena, sendo certo que quanto às necessidades de prevenção especial e ressocialização do Recorrente, conforme se aludiu, apesar de ser cidadão estrangeiro, o Recorrente encontra-se perfeitamente inserido familiar e socialmente.
«XIII
«Tendo em conta tudo o exposto, parece inequívoco que, a manter-se a punição do Recorrente pela prática de um crime de furto qualificado na forma consumada, uma pena fixada junto do limite mínimo da moldura penal abstracta aplicável ao tipo legal, seria suficiente para realizar as finalidades de punição relativamente ao Recorrente, sendo que a fixada - quatro anos -, é, salvo melhor opinião, manifestamente exagerada.
«XIV
«Atento o disposto no artº 206º e o facto dos objectos em apreço foram avaliados em € 750,00, tendo sido integralmente recuperados, deveria ainda a pena aplicável ao Recorrente ter sido especialmente atenuada, o que implicaria desde logo a escolha de uma pena concreta dentro de uma moldura penal abstracta francamente mais favorável ao Recorrente
«XV
«O Recorrente foi condenado na pena de 2 anos de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida, o artº 86º, nº 1, al. d) da Lei 5/06 de 23/02, o qual prevê uma moldura abstracta de pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias, pena acima do meio da pena abstractamente aplicável, e que, de harmonia com o supra exposto, é manifestamente exagerada, tanto mais quando o tipo legal em causa prevê a condenação em pena de multa até 360 dias.
«XVI
«Tendo em atenção a relativa gravidade do tipo legal em questão, verifica-se que uma pena de multa seria perfeitamente adequada às necessidades de prevenção geral e especial que o caso exige.
«XVII
«Tendo em conta que no caso em apreço a moldura penal para tal crime prevê a pena de multa, atentas as necessidades de prevenção geral e especial e o fim inserto na norma incriminadora, verifica-se que a pena de multa assegura perfeitamente as finalidades de punição.
«XVIII
«Recorrendo ao critério previsto no artº. 71º, nº. 1 do Código Penal e atendendo-se a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depõem a favor do agente ou contra ele, concluímos que uma pena de multa seria suficiente para alcançar as finalidades de punição ou, se assim não se entender, uma pena de prisão muito próximo do limite mínimo previsto por lei.
«XIX
«No que concerne aos crimes de falsidade de declaração e falsificação, pelos quais o Recorrente foi condenado na pena de 2 anos e 2 anos e 6 meses de prisão, respectivamente, (sendo a moldura penal abstracta para tais crimes é de até 3 anos de prisão ou pena de multa para o crime de falsidade de declaração e de 6 meses de prisão até 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias de multa para o crime de falsificação), por idênticas asserções, tais penas são manifestamente exageradas ao caso concreto.
«XX
«Dando-se aqui por totalmente reproduzido o que acima se expôs relativamente aos demais crimes, parece-nos, de igual modo, que aos crimes aludidos caberia uma pena de multa, a qual acautelaria as necessidades de prevenção inerentes ao caso, ou, se assim não se entendesse, uma pena de prisão muito próxima do limite mínimo abstractamente aplicável.
«XXI
«As penas parcelares em que o Recorrente foi condenado pelos crimes de falsidade de declaração e de falsificação de documento, ultrapassando o limite da culpa do Recorrente e não correspondendo aos critérios previstos para determinação da medida concreta da pena são exageradas e excessivas, devendo ser fixadas nos termos que supra se expuseram, o que necessariamente terá efeito no cúmulo jurídico das penas parcelares, devendo a pena única aplicável à situação ser em medida manifestamente inferior àquela que o Recorrente foi condenado.
«XXII
«Por último que, mesmo na hipótese, que não aceita e apenas por mero exercício de raciocínio equaciona, das penas parcelares em que foi condenado se manterem, o cúmulo jurídico operado e a pena única em que, em consequência, foi condenado, é excessiva, não cumprindo o legalmente estabelecido, nomeadamente, no artº 77º do Código Penal.
«XXIII
«Relativamente à pena única a aplicar, entende o Recorrente, salvo o devido respeito por melhor opinião, que as suas condições pessoais e demais circunstancialismo inerente ao caso sub judice permitiam e exigiam mesmo, a determinação de pena única manifestamente inferior.
«XXIV
«Seguindo o critério, justo e adequado, a nosso ver, que vem sendo seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça, temos como conveniente, no cálculo da pena conjunta, adicionar à pena mais elevada, in casu, 4 anos, 1/5 do somatório das demais penas parcelares, fixando-se, deste modo e no presente caso, a pena única de 5 anos e 3 meses – neste sentido vide Ac. STJ de 13/05/2004 no Processo nº 4206/03/1ª secção.
«XXV
«Em conclusão, e no que concerne à pena única a aplicar, entende o Recorrente, salvo o devido respeito por melhor opinião, que as circunstâncias que militam a seu favor, e que supra se aludiram, e o entendimento supra aludido do Supremo Tribunal de Justiça, sempre impunham uma pena única inferior àquela a que foi condenado, nunca superior a 5 anos e 3 meses de prisão.
«XXVI
«Face ao supra exposto, conclui-se que o Meritíssimo Tribunal “a quo” ao não decidir deste modo, violou as disposições conjugadas dos artºs. 40º, 70º, 71º, nº. 1 e 2, 77º, 203º, nº 1, 204º, nº 2, al. e) e f), 206º, 256º e 359º todos do Código Penal e 86º, nº 1, al d) da Lei 5/06 de 23/03.»
3. O Ministério Público respondeu a ambos os recursos, sustentando a sua improcedência.
4. Admitidos os recursos, foram os autos remetidos a este tribunal.
5. Na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[4], o Ministério Público foi de parecer de que os recursos não merecem provimento.
6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, ambos os arguidos vieram responder, reafirmando as posições sustentadas nos respectivos recursos.
7. Não tendo nenhum dos recorrentes requerido a realização da audiência (artigo 411.º, n.º 5, do CPP), foi, no exame preliminar, decidido julgar os recursos em conferência.
Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, procedeu-se ao julgamento do recurso em conferência, da mesma procedendo o presente acórdão.
II

1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do CPP, que: «A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.»
As conclusões devem ser, por isso, um resumo explícito e claro dos fundamentos do recurso, indicando, com precisão, as razões por que se pede o seu provimento.
Como tem sido repetidamente afirmado, são as conclusões da motivação que definem e delimitam o âmbito do recurso, ou seja, as questões que o recorrente quer ver discutidas no tribunal superior. «São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar.»[5]
Se o recurso tiver por objecto a impugnação da decisão sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar as normas jurídicas violadas, o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, e, em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada (artigo 412.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP).
Versando o recurso matéria de facto, deve ser estruturado nos termos definidos pelos n. os 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, com a seguinte redacção:
«3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
«a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
«b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
«c) As provas que devem ser renovadas.
«4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.»
Na consideração das conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações, pelas quais se define e delimita o objecto dos recursos (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), as questões que são trazidas à discussão, neste tribunal, são as que passaremos a enunciar.
1.1. Recorrente B……….:
– a da nulidade do acórdão prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), com referência ao artigo 374.º, n.º 2, do CPP, por deficiente explicitação da convicção do tribunal;
– a do erro de julgamento da matéria de facto, relativamente aos factos dados como provados nos pontos 5, 6, 7, 8, 36 e 37;
– na procedência desta, a de não se verificar consumação do crime de furto, mas, tão só, tentativa desse crime e a da determinação da pena parcelar, pelo crime de furto [na forma tentada], e única, em harmonia com essa alteração de qualificação jurídica;
– a da medida das penas parcelares e única, no quadro da qualificação jurídica feita no acórdão recorrido;
– a da suspensão da execução da pena.
1.2. Recorrente C……….:
– a da qualificação jurídica dos factos provados, por não conformarem consumação mas tão só tentativa do furto;
– a da verificação dos pressupostos do artigo 206.º do CP para a atenuação especial da pena;
– a da opção pela pena de multa, quanto aos crimes punidos, em alternativa, com pena de prisão ou com pena de multa;
– a da medida das penas parcelares e única.
2. Começaremos por analisar o acórdão no que interessa na perspectiva das questões postas nos recursos.
2.1. Foram dados por provados os seguintes factos:
«1 – Os arguidos B………. e C………. encontram-se a residir em Portugal desde, pelo menos, Agosto de 2007 e, em conjugação de esforços e na execução de plano previamente elaborado entre ambos decidiram assaltar a residência sita no n.º …, na Rua .., em ………., que pertence a F………., com o propósito de se apoderarem dos objectos de valor e dinheiro que ali encontrassem;
«2 - Assim e no propósito de se apoderarem de dinheiro e objectos de valor que ali encontrassem, no dia 24 de Novembro de 2007, pelas 19h00, os arguidos B………. e C………. dirigiram-se à referida residência;
«3 - Ali chegados, o arguido B………. permaneceu no exterior em vigilância, munido de um “walkie-talkie” para se manter em comunicação com o arguido C………. e alertá-lo de imediato da aproximação de alguém que se dirigisse à residência ou de alguma entidade policial;
«4 - Por sua vez, o arguido C………., conforme acordado com o arguido B………., munido de um “spray” paralisante, marca “Anti-Hund”, que continha oleoresina de capsicum, vulgamente conhecida como “gás pimenta”, dirigiu-se à residência e, na parte traseira da casa, subiu o muro e acedeu a um pátio, sito no ..º andar. Ali, o arguido partiu um vidro existente na marquise e entrou na casa;
«5 - No interior da casa, o arguido C………. percorreu diversas divisões e apoderou-se dos seguintes objectos: um fio em metal, com argolas douradas e metalizadas e com um chifre/corno de cor branca; par de brincos, em pechisbeque, com pedra preta; um anel em ouro amarelo com pedra preta; uma aliança em ouro amarelo, com a inscrição “G………. 3-07-82”; um anel, em metal prateado, com duas flores e brilhantes; um anel, em metal prateado, com brilhantes encrostados; três brincos em metal prateado em forma de máscaras e coração; um par de brincos em ouro amarelo, com três pedras pretas, cada; um alfinete de gravata em ouro amarelo, com desenhos triangulares; um pedaço de metal amarelo em forma de ferradura; um par de brincos em pechisbeque com duas pedras azuis, que se encontravam num porta-jóias existente num dos quartos, tudo avaliado em 750€;
«6 - O arguido C………. colocou tais objectos no interior de uma bolsa de cintura preta que trazia consigo, objectos de que se apoderou e fez coisa sua;
«7 - Entretanto, no exterior da residência, o arguido B………. foi interceptado por agentes policiais, facto de que o arguido C………. se apercebeu. Por tal motivo e de imediato, o arguido C………. saiu da casa através de uma janela que dava acesso ao telhado, fugindo através dos telhados das habitações contíguas àquela em que tinha entrado;
«8 - Com o intuito de não ser encontrado com nenhum artigo que o ligasse à prática dos factos acima descritos, o arguido C………., antes de sair da residência sita no n.º … da Rua .., escondeu debaixo de um colchão num quarto os seguintes artigos: um “walkie-talkie”, uma embalagem de “spray” paralisante, marca “Anti-hund”; um capuz; uma chave de fendas; uma lanterna; uma bolsa de cintura preta contendo no seu interior os seguintes objectos:
«um telemóvel da marca, “Sharp”; uma ponta de uma chave de fendas com 20cm; um fio em metal, com argolas douradas e metalizadas e com um chifre/corno de cor branca; par de brincos, em pechisbeque, com pedra preta; um anel em ouro amarelo com pedra preta; uma aliança em ouro amarelo, com a inscrição “G………. 3-07-82”; um anel, em metal prateado, com duas flores e brilhantes; um anel, em metal prateado, com brilhantes encrostados; três brincos em metal prateado em forma de mascaras e coração; um par de brincos em ouro amarelo, com três pedras pretas, cada; um alfinete de gravata em ouro amarelo, com desenhos triangulares; um pedaço de metal amarelo em forma de ferradura; um par de brincos em pechisbeque com duas pedras azuis;
«9 - Todavia, o arguido C………. foi, logo depois, interceptado pelos agentes policiais, no telhado de uma das habitações contíguas à sita no n.º …, da Rua ..;
«10 - Na altura em que foi interceptado, o arguido B………. tinha na sua posse: uma pistola de alarme com carregador, 5 munições e uma sovaqueira; um par de luvas da marca “Racing”; um “walkie-talkie”, da marca “Lexibook”, com auricular que se encontrava ligado no canal .; um passaporte emitido pela Roménia em nome de B………., com o n.º ……..; uma folha com o preçário de um ginásio do grupo H……….; um conjunto de chaves, entre elas, a do veículo de marca “Audi”, modelo .., com a matrícula ….VD..;
«11 - A pistola de alarme e munições que o arguido B………. trazia consigo é da marca “ME 38 P”, de calibre 8mm, cor preta com platinas em plástico da mesma cor, tem carregamento por carregador com capacidade para cartuchos metálicos sem projéctil, é de percussão central, tem cão e capacidade para 10 cartuchos calibre 8mm, encontrando-se operacional. As munições são 5 cartuchos metálicos carregados, com carga propulsora de pólvora, sem projéctil, de percussão central (auto de exame de fls. 21, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
«12 - As armas e munições acima descritas pertenciam ao arguido B………., que não é titular de licença de uso e porte de arma, nem as armas e munições em causa se encontram registadas e manifestadas;
«13 - Por sua vez, nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, quando foi interceptado, o arguido C………. trazia consigo um par de luvas com a inscrição “Berg”; um porta-chaves com a inscrição “Rover”, uma chave de veículo e cinco outras chaves diversas;
«14 - Com a sua actuação os arguidos partiram o vidro existente na marquise, causando, de forma directa e necessária, estragos avaliados em 97,01€;
«15 - No dia 25 de Novembro de 2007 foi efectuada uma busca à residência do arguido B………., sita na Rua ………., n.º .., fracção .., ………., V. N. de Gaia, tendo ali sido encontrados os seguintes artigos:
«- na sala, no interior de uma armário: uma balança de precisão, marca “Rattler”, e respectiva bolsa; uma balança de precisão, marca “Beurer”; um óculo próprio de ourives, de marca “Carton” e respectiva bolsa; um par de brincos, em metal de cor amarelo; um estojo, com inscrições “Azzaro Paris”, contendo onze colheres pequenas de cor cinzenta; um carregador duplo, próprio para carregar baterias de rádios E/R; uma nota de 10, nº …B……., do I……….; uma nota de 50, nº …A……., do I……….; uma nota de 100, nº …A……., do I………; dois pares de botões de punho, ambos em metal cinzento; um broche, em metal de cor amarela;
«- no quarto de criança, no interior de uma estante: uma carteira profissional, com crachá, de uso exclusivo da PSP; um par de brincos em metal amarelo (tipo argola); um par de brincos em metal amarelo, com pedras brancas e uma pedra azul; um brinco em metal de cor amarela; um gancho próprio para o cabelo, com várias pedras de diversas cores; 6 munições de gás;
«- no mesmo quarto, numa prateleira existente sobre a cama: um relógio próprio para senhora, de marca “Tissot”, com nº ….., com pulseira em pele de cor castanha;
«- no quarto do arguido B……….:
«no guarda-fatos, encontrava-se de um blusão em pele de cor preta, tendo nos bolsos o seguinte: um fio em metal amarelo, malha grossa, com uma cruz em metal cinzento, com as inscrições “Para adi com amor J………. 12-XI-05” e uma medalha rectangular em metal amarelo, com inscrições “Mi maravillosa hermosa – J……….”; um telemóvel de marca “Samsung”, de cor preta e cinzento, com o IMEI …………../. ..; um porta-chaves da BMW, com comando electrónico de viatura, e três chaves; uma carteira em pele de cor preta, contendo 2 ingressos do K………., uma nota de 5€ do BCE, um cartão PT Card, um cartão cliente do Carrefour, em nome de L………., um cartão Jack Club, do K………., com nº ……….., em nome de L………., um cartão Cinebank, um cartão provisório nº …., do Centro de Actividades Físicas H………., um cartão de visita da firma M………., um papel, com as seguintes inscrições “(Porto) ………., …-… - TEF: ……… (Povoa do Varzim) junto ao N………. TEL: ………”.
«No mesmo local, encontrava-se ainda, um volume de 50 moedas de 20 cêntimos, 60 moedas de 5 cêntimos, 44 moedas de um cêntimo e 21 moedas de 10 cêntimos, embrulhados em dois papéis. Avulso havia ainda, 48 moedas de 10 cêntimos, 11 moedas de 20 cêntimos, 6 moedas de 50 cêntimos, 9 moedas de 2 cêntimos, 2 moedas de 5 cêntimos e uma moeda de 2€.
«Debaixo da cama encontrava-se um saco de cor castanho, contendo no seu interior: uma máquina fotográfica, marca “Nicon”, modelo “Coolpix”, respectivo estojo e cartão de memória; 2 notas de 100€ do BCE; 31 notas de 50€ do BCE; 17 notas de 20€ do BCE; uma nota de 10 ………. emitido pela I……….; várias moedas da Roménia; um relógio com mostrador e bracelete de cor preta, com as inscrições “Cerruti 1881”; um relógio com mostrador em metal prateado e com bracelete em pele de cor vermelha, sendo que ambos possuem as inscrições “D&G”; um relógio com o mostrador de cor preta, de marca “Tissot”, com a bracelete em pele de cor castanha; um relógio com o mostrador de cor preta, de marca “Tissot”, com bracelete da mesma cor; um relógio com o mostrador transparente, s/marca, com a bracelete em pele de cor castanha da marca “Reacel”; um relógio com o mostrador de cor preto, de marca “Swatch”, com a bracelete em metal de cor cinzento com uma lista de cor preta; um relógio com o mostrador em metal, da marca “Seiko”, com bracelete em metal; um relógio com o mostrador e bracelete em dourado, da marca “Seiko”; um relógio com o mostrador de cor amarela, da marca “Citizen”, com bracelete em dourado; uma pulseira em malha amarela; uma pulseira em metal de cor amarela; uma pulseira com pedras de cor lilás; uma pulseira com pedras de cor pretas; uma pulseira em metal de cor cinzenta com as inscrições “……….”; uma pulseira em metal cinzento com a inscrição “………..”; uma pulseira em malha de cor cinzenta; uma pulseira em metal de cor cinzenta com a inscrição “………..”; duas cruzes em metal cinzento; uma cruz, tipo “marfim”; uma cruz em metal cinzento com brilhantes brancos; uma cruz em metal amarelo; uma medalha de cor amarela, com a inscrição “……….”; uma medalha rectangular em metal cinzento, com desenho de baptismo; uma medalha rectangular, em metal amarelo, marcada com nº …..; um conjunto de quatro miniaturas em metal amarelo; uma medalha em metal cinzento, com uma pedra colorida, com desenho no interior; uma medalha em metal de cor cinzenta, tipo escultura em forma de mulher; um anel em metal amarelo com uma pedra azul; um anel em metal amarelo; um anel em metal cinzento, com inscrição “..”; um anel em metal de cor cinzento, com desenho tipo nó; um anel de cor cinzento com pedra de cor bordeaux; um par de brincos em metal de cor amarelo, formando quase um círculo e com pedra brancas; um par de brincos em metal amarelo, com desenhos em fundo preto; um par de brincos em metal amarelo e cinzento, desenho tipo três arames; um par de brincos em metal amarelo, com três pedras brilhantes de tamanho diferentes; um par de brincos em metal cinzento com pedras, desenho tipo estrela com oito pontas; um par de brincos em metal cinzento, desenho tipo meia-lua; um brinco em metal amarelo, com uma pedra de cor azul; um brinco em metal de cor cinzento, desenho tipo folha em malha; uma peça em metal de cor amarela, com várias pedras, tipo elo de pulseira ou fio; um brinco em metal amarelo; um par de brincos (argolas) em metal de cor cinzento e pedras brilhantes; um fio em metal amarelo, com pedras brilhantes, com uma pequeníssima medalha, com inscrição “……….” e iniciais “..”; um colar em metal amarelo com pedras rochas; um colar em metal amarelo, com pedras vermelhas; um fio em metal amarelo, com pedras de várias cores; um fio em metal amarelo, com uma cruz mesmo metal com pedras vermelhas; um fio em metal amarelo, com pedras brancas e verdes, tendo uma pequena medalha junto ao fecho, com inscrição “……….”; um fio em metal amarelo (elos simples); um fio em metal amarelo, com pendente pequeno com pedra brilhante, branca; um fio em metal amarelo, malha; um fio em metal de cor cinzenta; um fio em metal de cor cinzenta, com uma cruz; um fio em metal de cor cinzento, com um trevo de cor azul e uma chave em metal de cor cinzenta, com uma pedra azul/verde; um fio em metal de cor cinzenta; um anel em metal de cor cinzenta, imitação de cobra; um fio em metal de cor cinzento, com uma medalha, tipo desenho de uma boneca, de cor azul e rosa; um fio em metal de cor cinzento, duas malhas diferentes, e com pendente, tipo três círculos de cor branca; um colar com pérolas brancas, e uma em metal amarelo; um colar com pérolas de cor verde, azuis e brancas; uma bolsa em veludo de cor azul com cordão dourado.
«Também debaixo da cama uma bolsa em veludo de cor preta, com o dizer “……….”, contendo: um relógio próprio para senhora, em metal amarelo, com mostrador de cor branca, de marca “A Steger”, tendo no verso nº …… 1.. uma pulseira, em metal amarelo; uma pulseira em malha de cor amarela, com medalha com a inscrição “Deus te guie”; uma pulseira em metal amarelo, com bolas de cor rosa; uma pulseira em metal de cor amarela de malha grossa; uma pulseira em metal de cor amarela; um anel em metal amarelo, com desenho de flor; um anel em metal amarelo, com desenho tipo fivela; um anel em metal amarelo com brilhantes brancos e três pedras de cor azul, amarela e roxa; um anel em metal amarelo, com rectângulo com brilhantes; um anel em metal amarelo, com uma pedra de cor azul; um anel em metal amarelo, com brilhantes pequenos de cor brancos e uma pedra maior de cor roxa; um anel em metal amarelo e cinzento, com um brilhante (solitário); um anel de cor amarela, com desenho tipo hexágono, com brilhante de cor branca; um anel em metal amarelo, com brilhantes brancos, círculos de cor preta; um anel em metal amarelo, com brilhantes aos pares; um anel em metal amarelo, de três aros, com pedras brilhantes, brancas e verdes; um anel em metal amarelo, de dois aros, sendo que um deles tem brilhantes brancos; um anel em metal amarelo, com brilhantes interligados; um anel em metal amarelo, com brilhantes brancos; um anel em metal amarelo, com três brilhantes pequenos; um par de brincos em metal de cor amarelo, com uma pérola oval, de cor branca; um par de brincos, com haste em metal de cor amarela, com uma bola de cor azul; um par de brincos em metal de cor amarelo, com pérola redonda, de cor branca; um par de brincos em metal amarelo, com três pérolas, com uma esfera na extremidade; um brinco em metal amarelo, com brilhante branco (um desenho tipo pintainho); um brinco em metal amarelo, com três pedras transparentes, em forma de cubo; uma medalha em metal amarelo, com desenhos de flores.
«No interior de um pequeno móvel, que serve de suporte para televisão: um relógio próprio para senhora, em metal de cor cinzenta e amarelo, de marca “Seiko”, modelo kinetic, com a referência …………. e respectiva caixa; uma ferramenta própria para cortar vidro; duas embalagens de Snack (comida para cão); um rolo de fita-cola incolor; um carregador duplo, próprio para carregar baterias de rádios E/R.
«Na mesa-de-cabeceira: uma nota de dólar americano, nº ……….; um anel em metal cinzento, com brilhantes pequenos e uma pérola branca; um anel em metal cinzento, com um brilhante e uma pérola branca; um anel em metal cinzento; um brinco, em metal cinzento, (tipo argola) com brilhantes brancos; um par de brincos em metal amarelo, constituídos por argola e cinco fios pendente, os quais têm nas extremidades um coração cada; um isqueiro em metal de cor amarela, de marca “Dupont” com nº C4DR.
«16 - Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em “15”, o arguido B………. detinha ainda em sua casa duas embalagens de aerossol, que lhe pertenciam e que não possuía autorização para deter: na cozinha, dentro da gaveta de um armário tinha uma embalagem de aerossol, marca “PERFECTA 110 ANIMAL STOP”, contendo oleoresina de capsicum, vulgarmente conhecido como “gás pimenta”; e outra embalagem, com inscrição “CANNON”, contendo também oleoresina de capsicum, dentro de um saco debaixo da cama (cfr. relatório de exame de fls. 600, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
«17 - Também no dia 25 de Novembro de 2007, foram encontrados os seguintes artigos no interior do veículo marca “Audi”, modelo .., com a matrícula ….VD.., em que os arguidos B………. e C………. se deslocaram à casa sita no n.º … da Rua ..:
«- debaixo do tapete do condutor: um gorro, vulgo passa montanhas, em tecido de cor preta;
«- na porta da frente lado esquerdo: uma chave de fendas, de marca “Merkur”, com 37cm comprimento; uma faca, de cabo preto, com 20cm comprimento;
«- na porta da frente lado direito: um rolo de fita-cola de cor castanha; um alicate com cabo de cor amarela;
«- no porta-luvas: uma carta de condução, emitida em nome de L………., n.º …….., pelos respectivos serviços da Hungria;
«- na pala do sol, lado esquerdo: certificado de matrícula do veículo ….VD.., de marca “Audi”, emitido pela República Francesa, em nome de O……….; certificado de seguro do mesmo veículo, em nome de O……….; declaração de participação amigável de acidente automóvel, ocorrido em 24-10-07, em Famalicão;
«- na mala: um gorro, vulgo passa-montanhas; um pé de cabra metálico; uma chave de fendas, com comprimento total de 35 cm; um rolo de fita adesiva de marca “Leukoplast”; um boné de cor azul, com inscrição “Reebok”; um boné de cor vermelha; bastão de baseball, com o logotipo desenhado; um talão de compras da Sport Zone; uma chave de fendas, com 18 cm de comprimento; uma chave de fendas, com comprimento total de 25cm; uma mala plástica, contendo ferramentas diversas; um saco de viagem, tipo desportivo, com a inscrição “Lacoste”, contendo no seu interior uma pistola de alarme com carregador e 10 munições e uma chave de fendas;
«18 - Esta pistola de alarme e respectivas munições pertenciam aos arguidos B………. e C………., é de marca “Valtro”, modelo “Libera Vendita”, de calibre 8mm, cor preta com platinas em plástico da mesma cor, tem carregamento por carregador com capacidade para cartuchos metálicos sem projéctil, é de percussão central, tem cão e capacidade para 12 cartuchos calibre 8mm, encontrando-se operacional. As munições são 10 cartuchos metálicos carregados, com carga propulsora de pólvora, sem projéctil, de percussão central (cfr. auto de exame de fls. 20, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
«19 - Os arguidos B………. e C……….. não são titulares de licença de uso e porte de arma, nem as armas e munições em causa se encontram registadas e manifestadas;
«20 - Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em “17” foi encontrada no interior do veículo com a matrícula ….VD.. uma “carta de condução” emitida em nome de L………., a qual pertencia ao arguido C………. que a utilizava para se identificar. Tal documento é falso, tratando-se de uma reprodução em suporte de papel integralmente obtida por jacto de tinta policromático, com excepção da assinatura do titular (cfr. relatório de exame de fls. 686 a 689, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
«21 - O arguido C………. entrou na posse deste documento, em data, local e por forma não apurados, arrogando-se o titular da mesma, visando criar a convicção de que aquele documento era autêntico, que lhe pertencia e que os elementos de identificação nele apostos eram os seus, o que sabia não corresponder à verdade;
«22- No dia 26 de Novembro de 2007, pelas 04h02, foi ainda apreendido o veículo marca “BMW”, modelo …., com matrícula WP….., que pertence ao arguido C………. e que se encontrava estacionado junto à casa do arguido B………., na ………., em V. N. de Gaia;
«23 - No interior do referido veículo foi encontrado:
«- na porta da frente lado esquerdo: dois aerossóis, sendo um de marca “PERFECTA 110 Animal Stop”, e outro de marca “PFEFFER KO JET”, ambos contendo oleoresina de capsicum, vulgarmente conhecida como “gás pimenta” (cfr. relatório de exame de fls. 600, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) e ambos pertencentes ao arguido C………., que não tinha autorização para os deter; e um cordão em nylon com 1,30 mts de comprimento.
«- no porta-luvas: uma carteira, contendo no seu interior duas notas de 20€ do BCE, documentos do veículo de marca BMW, matrícula WP-….., emitidos em nome de P……….; uma chave de fendas; um papel manuscrito com um desenho (croqui) em tudo semelhante a Ruas;
«24 - No dia 26 de Novembro de 2007 foi ainda realizada uma busca à residência do arguido C………., sita na Rua ………., n.º ., ………., Braga, tendo ali sido encontrados:
«- na varanda sita nas traseiras da residência: um par de joalheiras; uma mochila, marca “Nike” a qual continha um par de caneleiras, uma t-shirt, uma sweat, uma luva, marca “Berg”.
«- na sala, num móvel, numa gaveta: uma declaração amigável de acidente de viação automóvel, em que um dos intervenientes é L……….; um documento provisório da DGCI, emitido em nome de J………. . Próximo deste móvel encontrava-se um CPU, de marca HP, modelo ………., com nº NL…….. .
«- no quarto do visado, nas gavetas de uma mesinha de cabeceira: um tradutor electrónico de línguas, de marca “Zer”; uma caderneta da Q………., da conta n.º …………, em nome de J……….; um relógio de cor dourado, marca “Cartier”, com nº …….., com pulseira em pele de cor castanha; uma chave de viatura; uma carteira, contendo 9 notas de 1 dólar americano, 2 notas de 5 dólares americanos, 2 notas de 20 dólares americanos; um colar com pedras de cor rosa e dourado; um colar em metal de cor amarelo, com brilhantes brancos incrustados; um colar com pedras de cor castanho e bolas douradas; um bastão extensível de cor preto; um multi-tester, marca “Presidium”, com respectivo estojo de acondicionamento (identificador de pedras preciosas); um óculo próprio de ourives; duas chaves de cor dourada com o n.º .. gravado em ambas; um anel em metal de cor amarelo e prateado no núcleo; um par de alianças em metal de cor cinzento, com respectivo estojo de acondicionamento; um par de brincos em metal de cor amarelo, com brilhantes brancos incrustados; três moedas em metal de cor amarelo; um par de algemas em metal de cor cinzento; uma balança de precisão, de marca “Joshs”, respectivo estojo e caixa; um passaporte nº ………, em nome de L………., emitido pelos respectivos Serviços da Hungria.
«- na mesma dependência e no interior de outra mesa da cabeceira: um anel em metal de cor cinzenta, com brilhantes; um brinco em metal de cor amarela; uma pulseira em borracha de cor preta, com metal de cor amarela; uma caderneta do S………., do Balcão de ………. - Espanha, com nº ………., em nome de J……….; uma caderneta do Banco “T……….”, do Balcão de ………. – Espanha, nº ………., emitido em nome de J………. .
«- no quarto de arrumos contíguo à sala, no chão: um cofre de marca “Ancora”, contendo um relógio em metal de cor cinzenta, de marca “Cartier”, modelo Roadster, nº …………, com pulseira em pele de cor castanha; um relógio em metal de cor cinzenta, de marca “A.Lange & Sohne”, referência ……..; um relógio em metal de cor amarela de marca “Franck Muller”, nº …….., com pulseira em pele de cor castanha; um relógio em metal de cor cinzenta, de marca “IWC”, com pulseira pele de cor preta; um relógio em metal de cor cinzenta, com brilhantes, de marca “Ómega”, modelo Speedmaster, com pulseira em pele de cor castanha; uma cruz em metal amarelo; um par de brincos em metal de cor cinzento com brilhantes; um broche em metal de cor cinzento com brilhantes (de forma circular); um par de brincos em metal de cor cinzenta, com uma pérola branca; um par de brincos em metal de cor cinzento, com brilhantes; uma moeda em metal amarelo ano 1730, que serve de broche; uma moeda de cem escudos do Banco de Portugal de 1990; uma medalha em metal de cor cinzenta, com imagem de Nª. SRª. Fátima; um anel em metal de cor cinzenta com brilhantes; uma medalha em metal de cor branca/vermelha (cruz de Cristo); um fio em metal de cor cinzenta, com um pendente em metal de cor cinzento, com várias pérolas e brilhantes; um recipiente em plástico contendo vinte e nove pedras de várias cores; um pequeno saco em plástico contendo vinte e uma pedra de várias cores; um estojo em cartão de cor laranja e castanho, contendo cinquenta e duas moedas antigas.
«- em cima de uma cómoda: um relógio, de cor cinzenta, da marca “Bulgari”, com uma pulseira de cor preta; um relógio, em metal de cor amarela, da marca “Omega”, modelo “De Ville”, com o n.º ….; 37 moedas de colecção, de cor prateada; um broche, em metal prateado, com um pedra de cor rubi; um broche, de cor prateado, com uma pérola de cor branca; um par de brincos, em metal de cor cinzenta e dourada, com uma pérola branca; uma caixa própria para acondicionar jóias, de cor preta, com os dizeres “……….”;
«- no chão ao lado da cómoda: um álbum, com uma colecção de selos. Em cima de um saco plástico, encontrava-se um coração com dois cães de peluche, envolvidos por dois fios em metal amarelo, sendo que um tem onze pedras cor de rosa, com medalha da imagem da N. Sra. de Fátima e um crucifixo e o outro tem onze esferas da mesma cor do fio, uma medalha e um crucifixo; uma medalha em metal, de cor prateada, com um anjo e uma criança. Foi ainda encontrado um saco plástico contendo uma capa com as inscrições “Moedas Comemorativas Portuguesas” com várias moedas de colecção; 10 moedas de colecção acondicionadas em estojo de plástico; 5 moedas, acondicionadas em papel; 83 moedas de colecção, de vários tamanhos.
«- no interior de uma das gavetas da cómoda: uma peruca cabeleira de cor preta; uma peruca com cabeleira de cor loiro; 4 bigodes; um frasco, contendo um líquido incolor com as inscrições “Mastix Remover”; um frasco com um líquido amarelo, da marca “Kryolan”.
«- no interior de outra gaveta: uma caixa com uma colecção de cruzes; uma agenda de cor amarela; uma carteira, contendo vários papéis e cartões tipo “visita”; um colar de pérolas brancas; três documentos tipo contrato em nome da J……….; 50 notas de notas de 1000 escudos do U……….; uma caderneta do Banco ``T……….´, do Balcão de ………. – Espanha, n.º ………., emitido em nome de J………. .
«- em cima do móvel do hall da entrada: um relógio em metal de cor cinzenta de marca “Patek Philippe”, com bracelete em pele de cor preta; uma caderneta do Banco ``T……….´´, do Balcão de ………. – Espanha, n.º ………., emitido em nome de J………., com data de 18NOV2004.
«- no interior das gavetas do móvel do hall da entrada: um par de brincos em metal de cor amarela com pedras de cor rubi; um colar em metal de cor amarela com pedras de cor rubi; 4 moedas em metal de cor amarela; uma moeda em metal de cor branca; 26 notas, de diversos países; um par de luvas, de cor preta, de marca “Adidas”.
«25 - Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em “24”, foram encontradas na casa do arguido C………., numa gaveta da cómoda, três embalagens de aerossol, de marca “PFEFFER KO JET”, contendo oleoresina de capsicum, vulgarmente conhecido como “gás pimenta” (cfr. relatório de exame de fls. 600, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), que pertenciam ao arguido C………., o qual não tinha autorização para os deter;
«26 - Ainda nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em “24”, foi encontrado no quarto do arguido C………., numa gaveta da mesinha de cabeceira o passaporte n.º ………, emitido em 14.07.05, da Hungria, passaporte este que pertence ao arguido C………. e que este utilizava para se identificar;
«27 - Este passaporte apesar de ser autêntico, a fotografia do titular nele impressa não é a original (cfr. relatório de exame de fls. 686 a 689, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), tendo aposta uma fotografia do arguido C……….;
«28 - O arguido C………. entrou na posse deste documento, em data, local e por forma não apurados, no qual foi substituída a fotografia do titular por uma fotografia do arguido C………., arrogando-se titular do mesmo, visando criar a convicção de que aquele passaporte lhe pertencia e que os elementos de identificação nele apostos eram os seus, o que sabia não corresponder à verdade;
«29 - No dia 26 de Novembro de 2007, pelas 17h05, foi ainda apreendido o veículo marca “Rover”, modelo …, com matrícula ..-..-BV, que pertence ao arguido C………., tendo sido encontrado no seu interior: uma navalha; um rolo de fita adesiva; o livrete, o título de registo de propriedade e ficha de inspecção do veículo; um telemóvel de marca “Samsung”; um pé de cabra.
«30 - No dia 26 de Novembro de 2007, pelas 19h10, o arguido C………. foi apresentado a primeiro interrogatório judicial, neste Tribunal e no âmbito dos presentes autos;
«31 - Tendo sido dado início ao acto, a Mma. Juiz que presidiu à diligência advertiu o arguido C………. que a falta ou falsidade de resposta sobre a sua identidade e os seus antecedentes criminais o fazia incorrer em responsabilidade penal, tendo-lhe então perguntado o nome, ao que o arguido referiu chamar-se L………. . De seguida, perguntou-lhe a nacionalidade, tendo o arguido referido ser húngaro. Depois, perguntou-lhe qual o nome do pai e da mãe, referindo o arguido ser órfão. Questionado pela Mma. Juiz sobre a sua data de nascimento, o arguido C………. referiu ter nascido em 30.12.68;
«32 - O arguido C………. sabia que tais elementos de identificação não eram os seus, visando com o seu comportamento evitar que se apurasse a sua real identidade, ou seja que se chamava C………., ser filho de V………. e de W………., ser de nacionalidade romena e ter nascido em 12.11.76;
«33 - Após ler o auto com as referidas declarações, o arguido C………. confirmou-as e assinou-as, apondo o nome SL………;
«34 - No âmbito dos presentes autos, o arguido C………. assumiu sempre (até ao julgamento) uma identidade que sabia não ser a sua, identificando-se em todos os documentos como L………., de nacionalidade húngara, e com os restantes elementos de identificação já referidos, com vista a impedir a obtenção da sua real identidade;
«Assim:
«- no dia 26 de Novembro de 2007, o arguido C………. prestou termo de identidade e residência, a fls. 77-78 dos autos, identificando-se como L………., de nacionalidade húngara, nascido em 30.12.68, e assinou tal documento apondo o nome L………., factos que sabia não corresponderem à realidade;
«- no dia 27 de Novembro de 2007, o arguido C………. identificando-se como L………. constituiu seu mandatário nestes autos, o Dr. X………. – cfr. fls. 128, e assinou tal documento apondo o nome L………, facto que sabia não corresponder à realidade;
«35 - Os arguidos B………. e C………., desde, pelo menos Agosto de 2007, nunca exerceram qualquer actividade profissional remunerada;
«36 - Os arguidos B………. e C………. actuaram em conjugação de esforços e na execução de um plano previamente acordado, querendo aceder à residência da ofendida, partindo, para o efeito, uma janela, com o propósito de se apoderarem dos objectos supra descritos e deles fazer coisa sua;
«37 - Agiram de forma livre e consciente, sabiam que os referidos objectos não lhes pertenciam e que actuavam sem autorização do respectivo dono, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei;
«38 - Os arguidos B………. e C………. agiram ainda livre e conscientemente, bem sabendo que não podiam deter as armas, munições e aerossóis em causa sem serem titulares da respectiva licença, manifesto e registo, e sem estarem autorizados para o efeito;
«39 - O arguido C………. actuou também, conforme supra descrito, de forma livre e consciente, com a intenção concretizada de, na qualidade de arguido, prestar falsas declarações sobre a sua identidade, após ter sido advertido das consequências penais da falsidade das mesmas;
«40 - O arguido C………. agiu livre e conscientemente, detendo e utilizando a carta de condução e o passaporte acima identificados como se fossem seus, sabendo que os mesmos eram falsos e que os elementos de identificação neles constantes, designadamente o nome e a data de nascimento não correspondiam aos seus;
«41 - Mais sabia que ao assinar o termo de identidade e residência e a procuração com um nome que sabia não ser o seu era fazer constar falsamente desses documentos facto juridicamente relevante, visando obter benefícios ilegítimos encobrindo a sua actuação;
«42 - Sabia ainda que com o comportamento descrito colocava em causa a credibilidade merecida por tais documentos, sendo a carta e o passaporte documentos autênticos;
«43 - Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei;
«44 – O arguido B………. tem a nacionalidade romena, tem o 12º ano de escolaridade, é casado com uma cidadã romena e tem uma filha de 6 anos de idade;
«45 – O arguido C………. tem também a nacionalidade Romena, vive em união de facto com uma cidadã Polaca e não tem filhos;
«46 – O arguidos não têm antecedentes criminais registados em Portugal;
«47 – No entanto, o arguido B………. já foi condenado pela prática de crime de furto na Roménia, ocorrido em 2004, em pena de 4 anos de prisão, tendo cumprido efectivamente 2 anos e 5 meses de prisão, tendo sido libertado em 4 de Julho de 2007;
«48 – Também o arguido C………. já foi condenado pela prática de crime de furto na Roménia, ocorrido em 1994, tendo sido condenado a 2 anos e meio de prisão, de que cumpriu efectivamente 1 ano e meio.»
2.2. Foi dado por não provado:
«1 – Que desde Agosto de 2007, em conjugação de esforços e na execução de plano previamente elaborado entre ambos, os arguidos têm-se se vindo a dedicar à prática de crimes contra o património;
«2 - Que os arguidos fizeram, durante alguns dias, algumas vigilâncias à residência em causa, situação em que utilizavam o veículo marca “Audi”, modelo .., com a matrícula ….VD.., com o intuito de melhor perceberem os hábitos das pessoas que nela residiam e assim evitarem ser detectados no assalto que iam efectuar;
«3 - Que os arguidos se dedicassem à prática de crimes de furto e de roubo, de forma habitual e reiterada, fazendo dessa actividade o seu modo de vida e único garante da sua subsistência;
«4 – Que um indivíduo chamado “Y……….” ou qualquer outro para além dos arguidos tivesse qualquer participação no assalto.»
2.3. A motivação da decisão de facto é a seguinte:
«Em relação aos factos atinentes ao assalto, a convicção do Tribunal alicerçou-se antes de mais nas declarações do arguido B………. que confirmou quase na íntegra os factos constantes da acusação, sendo que apenas não pôde referir o que sucedeu após o C………. ter escalado o muro, por ter ficado em vigilância e não se ter apercebido que passava no interior dos muros e da residência. Tais declarações foram absolutamente credíveis e sinceras, daí que tenham sido integralmente valoradas em relação aos factos que lhe eram imputados e ao arguido C………. .
«Em relação assalto valoraram-se também as declarações do arguido C………., mas tão só na parte em disse ter preparado o mesmo com o B………., sendo absolutamente inverosímeis as suas declarações no que concerne à existência de uma terceira pessoa envolvida no assalto (um tal Y……….), que teria sido quem entrou na casa e não ele que se ficou pelo telhado. Ora tal é, como vimos, desmentido frontalmente pelo aludido co-arguido e pelas testemunhas que a seguir se referem.
«Em primeiro lugar temos o depoimento de Z………., vizinha, que da janela de sua casa pôde assistir e descreveu as movimentações dos arguidos, designadamente como o B………. rondava a casa, como saltou o muro e abriu a marquise, entrando na casa;
«Depois temos também o depoimento de D………., agente da PSP, que alertado do assalto em casa e de que havia alguém no interior da casa acedeu à mesma por um terraço, tendo visto os vidros partidos, fez a busca no interior da mesma e encontrou o arguido C………. escondido no telhado. Referiu ainda credivelmente que o referido arguido estaria ainda dentro de casa quando entrou na mesma, fugindo à pressa, atenta a forma como se encontravam os quartos, que denotavam não terem sido completamente “explorados”, tendo inclusive descrito onde se encontravam os objectos que o assaltante se apropriou e se procurou alijar, escondendo-os toscamente debaixo de um colchão num saco. Pôde ainda constatar que existia uma janela que dava para as águas furtadas aberta e que o conduziu ao telhado onde encontrou o arguido, concluindo, pois, de forma absolutamente razoável, tal como nós, que foi por aí que o mesmo saiu.
«Sublinhe-se ainda que para além das declarações do arguido, inexiste qualquer elemento probatório que aponte no sentido da existência de um terceiro assaltante, bem pelo contrário, como vimos, as provas são esmagadoras no sentido oposto. Note-se, porém, que ainda que se acolhesse a fantasiosa tese do arguido C………., como é óbvio, ser-lhe-ia de imputar também a prática do aludido ilícito pelo qual se acha acusado, com a agravante de termos em então um assalto cometido não por duas mas por três pessoas.
«Em relação ao assalto, considerou-se também o depoimento de F………., que confirmou os objectos que lhe foram retirados, o seu valor e onde se encontravam, bem como o seu valor, bem como o vidro partido na marquise por onde o assaltante se introduziu.
«Finalmente, a nível testemunhal, valoraram-se as declarações de AB………. e AC………., agentes da P.S.P., que interceptaram o arguido B………., o detiveram e fizeram a apreensão de objectos, tudo conforme o auto respectivo de fls. 5, que igualmente se valorou.
«Quanto ao valor da reparação do vidro partido valorou-se a “venda a dinheiro” junta a fls. 502.
«Consideraram-se ainda as declarações confessórias dos arguidos nos termos dados por assente[s] relativamente à detenção das armas (onde se incluem o spray paralisante e os aerossóis) e munições, bem como a falta de licenças de uso e porte de arma, registos e manifestos respectivos.
«Tiveram-se também em conta as declarações cabalmente confessórias do arguido C………. no que concerne à forma falsa como se identificou nos presentes autos, bem como à detenção de passaporte e carta de condução falsos.
«Valoraram-se ainda os autos de busca apreensão de fls.5, 15 e 16, 17, 18, 19, 54 a 56, 93 e 94, para prova da atinente matéria designadamente da detenção pelos arguidos dos objectos em causa, bem como os documentos apreendidos de fls. 95 a 101, onde se inclui certidão do assento de nascimento de C………. apreendida na sua residência e documentos de fls. 541 a 551, passaporte e carta de condução emitidos em nome de L………., reportagem fotográfica de fls. 38 a 48, 470 a 472, 500 e 501, reportagem fotográfica de fls. 514 a 521, onde se vê o estado da residência após ter sido objecto do assalto e que confirma designadamente as palavras da testemunha D………, sobre a forma como arguido C…….. foi surpreendido ainda no seu interior pela sua entrada na residência.
«Considerou-se a relação detalhada dos artigos apreendidos com a correspondente reportagem fotográfica e documentos apreendidos de fls. 182 a 273, o auto de primeiro interrogatório judicial de fls. 62 a 76, maxime a fls. 66, 67 e 69 e do termo de identidade e residência de fls. 77 e 78, em que arguido C………. se identificou, para além do mais, como L………., assinando com tal identificação, a procuração de fls. 128 subscrita pelo arguido C………. a favor do Dr. X………. com o nome de L………., a Informação do gabinete AD………. de fls. 142 a 145, com cópia do original do passaporte de L………., em que se torna ostensivo ser outra a pessoa titu[l]ar desse documento que não o arguido C………. e informações da AE………. de fls. 671, 62 e 690-A (com fotografia), em que confirmam pela fotografia e impressões digitais que o C………. é o nome do arguido que no processo se identificou com L……….. .
«Consideraram-se ainda para prova da pertinente matéria os autos de peritagem de arma de fls. 20 e 21, o auto de exame directo e de avaliação de fls. 526 e 527.
«Relatório do exame efectuado a 7 embalagens de spray de gás de fls. 600 e a 1 embalagem de spray de gás de fls. 817, o relatório de exame pericial e fls. 697 a 700 incidente sobre o passaporte a carta de condução juntos a fls. 696 em nome de L………., onde se concluiu que o passaporte é autêntico, mas a imagem nele impressa não é a original e que a carta de condução é falsa.
«Relativamente aos antecedentes criminais dos arguidos, consideraram-se os certificados de registo criminal juntos aos autos a fls. 879, 895, 896, 1150 e 1151 e as suas próprias declarações.
«Para além das próprias declarações dos arguidos, considerou-se também o relatório social de fls. 783 a 785 e o relatório de avaliação psicológica de fls. 1101 a 1112 para apuramento das condições pessoais (do arguido B………).
«Quanto à matéria que não obteve adesão de prova, tal resultou da total ausência de prova com o mínimo de consistência sobre a mesma.
«Finalmente e quanto ao processos de inquérito que alegadamente corriam contra os arguidos por factos em tudo similares aos presentes, tal matéria revela-se perfeitamente anódina para a sorte dos presentes autos, pois ainda que os arguidos tivessem sido acusados da prática de furtos múltiplos, o certo é que tal por si se revelaria de todo em todo indiferente para a qualificação do crime de furto, pois que só condenações transitadas em julgado e não meros inquéritos ou acusações poderiam ter, como é óbvio, tal virtualidade desde que coonestados com outros elementos fácticos.
«Assim, por irrelevante, tal matéria não consta dos factos provados ou não provados, sendo certo que dos autos nem sequer emerge que contra os arguidos corressem todos os processos de inquérito referidos na acusação.»
3. Passaremos, agora, a conhecer das questões postas nos recursos.
Se mais não fosse por razões de precedência lógica, serão elas tratadas pela seguinte ordem:
– nulidade da decisão;
– impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto;
– qualificação jurídica dos factos respeitantes ao crime de furto;
– medidas das penas, aqui se incluindo a ponderação da aplicação do artigo 206.º do CP e da opção pela pena de multa;
– suspensão da execução da pena.
3.1. O recorrente B………. suscita a questão da nulidade da sentença do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, com referência ao n.º 2 do artigo 374.º, do mesmo diploma, por deficiente explicitação da formação da convicção do tribunal [conclusões 1.ª a 14.ª].
3.1.1. Sobre os requisitos da sentença dispõe o n.º 2 do artigo 374.º que: «2 – Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
E a alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º comina a nulidade da sentença que: «a) […] não contiver as menções referidas no artigo 374.º, n. os 2 e 3, alínea b)».
O legislador, para além de determinar a obrigatoriedade de fundamentação, de facto e de direito, de todos os actos decisórios proferidos no decurso do processo (artigo 97.º, n.º 5, do CPP), a qual decorre de imperativo constitucional (artigo 205.º, n.º 1, da CRP), instituiu, para as decisões que conheçam, a final, do objecto do processo, uma exigência de fundamentação acrescida, que passa pela explicitação do processo de formação da convicção do tribunal.
Como escreveu Marques Ferreira[6], «exige-se não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão.
«Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.»
Desta forma, visa-se permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo subjacente à apreciação da prova e garantir que o tribunal seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo, pois, uma decisão ilógica, contraditória, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
«A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina.»[7]
3.1.2. A explicitação da convicção do tribunal satisfaz, de forma que consideramos suficiente, a exigência que decorre do segmento do n.º 2 do artigo 374.º do CPP que estamos a analisar.
O tribunal especificou todos os meios de prova que serviram para formar a sua convicção, quanto aos factos provados, relativamente à prova testemunhal esclareceu a respectiva razão de ciência e explicitou o sentido em que valorou, positivamente e negativamente, as provas produzidas, nelas incluídas as declarações dos arguidos, desse modo tornando claro o processo de formação da convicção do tribunal e garantindo que não se tratou de uma ponderação arbitrária das provas.
Da leitura da motivação extrai-se, na verdade, com razoável facilidade, os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal em relação aos factos provados relativamente a cada um dos recorrentes e as razões por que esses meios de prova foram positivamente valorados pelo tribunal.
A lei «não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de transformar o acto de decidir numa tarefa impossível»[8]. Efectivamente, «a motivação de facto, seja qual for o conteúdo que se lhe dê, não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação no que tange à actividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe reflectir nela exaustivamente todos os factores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção ou resultado probatório»[9].
«O n.º 2 do artigo 374.º do CPP, não pode nem deve ser entendido como exigindo que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico que se acha na base da sua convicção de dar como provado determinado facto, sobretudo quando, relativamente a tal facto, se procedeu a uma dada inferência mediata a partir de outros havidos como provados.»[10]
A minuciosa e exaustiva explanação, facto a facto, do raciocínio lógico que se acha na base da formação da convicção do tribunal não é exigência compreendida no dever de indicação e exame crítico das provas imposto pelo n.º 2 do artigo 374.º do CPP.
Por isso, não pode proceder a pretensão do recorrente de ver declarada a nulidade da sentença, por via da deficiente explicitação do processo de formação da convicção do tribunal.
3.1.3. Infere-se, até, de algumas das conclusões relativas a esta questão [especialmente 11.ª] que, a pretexto de a motivação da decisão de facto não satisfazer as exigências contidas no artigo 374.º, n.º 2, o recorrente pretende, afinal, censurar a formação da convicção do tribunal, o que já nos situa fora do âmbito da nulidade do acórdão e nos remete para o conhecimento efectivo da matéria de facto produzida e examinada em audiência, o que constitui o objecto do recurso em matéria de facto.
Ora, no caso, conhecendo este tribunal também de facto, obtém-se o efectivo controlo da apreciação da prova pelo acesso à prova registada, com secundarização do exame do processo lógico e racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova que a exigência de motivação, contida no artigo 374.º, n.º 2, visa garantir.
Aliás, a partir da revisão de 98 do CPP, a consagração de um duplo grau efectivo de jurisdição em matéria de facto, torna muito menos valiosas as razões que levaram o legislador a instituir um sistema de motivação da decisão proferida sobre matéria de facto de modo a possibilitar o seu efectivo controlo.
3.2. O recorrente B………. impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, pretendendo que se encontram incorrectamente julgados os factos elencados nos pontos 5, 6, 7, 8, 36 e 37 da matéria de facto provada, em síntese, por não ter sido produzida prova que permitisse ao tribunal dá-los por assentes [conclusões 15.ª a 22.ª].
O que o recorrente põe em causa é, afinal, ter sido dado por provado que o co-arguido C………. chegou a ter na sua posse objectos pertencentes à ofendida, querendo daí retirar a consequência jurídica da não consumação do crime de furto, «restando, assim, a prática do mencionado crime de furto qualificado na forma tentada».
3.2.1. Como tem sido insistentemente afirmado o recurso em matéria de facto perante as relações não se destina a um novo julgamento mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1.ª instância[11].
Como não pode deixar de ser. O tribunal de recurso não dispõe da relação de proximidade comunicante com os participantes processuais, de modo a obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão, que só o princípio da imediação, intrinsecamente ligado ao da oralidade, assegura.
Sem dispor da apreciação directa e imediata da prova, ao tribunal de recurso cabe, em face da transcrição da prova produzida em audiência e da análise das provas examinadas em audiência, averiguar se existe um erro de julgamento na fixação da matéria de facto, por essa transcrição ou essa análise evidenciarem ou que foram valoradas provas proibidas ou que as provas (admissíveis) foram valoradas com patente violação das regras que regem a apreciação da prova.
Na verdade, deve ter-se presente que o legislador, ao impor que os recorrentes indiquem as provas em que sustentam a impugnação dos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, se refere às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida». Esta expressão não é anódina. Com ela, pretende-se assinalar que a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto tem de sustentar-se numa evidente divergência entre a decisão e as provas examinadas ou produzidas pois só assim se poderá afirmar que as provas «impõem» decisão diversa da recorrida.
O uso pela relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto tem, portanto, de se restringir aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.
3.2.2. A matéria de facto que o recorrente pretende que se encontra incorrectamente julgada reconduz-se à questão fulcral de ter sido dado por provado que, no interior da residência, o co-arguido C………. se apoderou e fez coisa sua dos objectos descritos no ponto 5 da matéria de facto provada.
Efectivamente, tal como o recorrente destaca, não foi produzida prova directa desse facto. O recorrente ignora o facto, o co-arguido C………. negou-o e a testemunha D………. não encontrou o arguido C………. na posse de quaisquer objectos provenientes da residência em causa. Mas o que o recorrente desconsidera é que a convicção do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto probando.
É legítimo o recurso a presunções simples ou naturais, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do CPP), prescrevendo o artigo 349.º do Código Civil que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido.
«Depois, as presunções simples ou naturais (as aqui em causa) são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto conhecido para um facto desconhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
«As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas; são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto (Cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 333 e segs.).»[12]
Se não foi produzida prova directa quanto ao facto de o co-arguido C………. ter chegado a ter na sua posse, no interior da residência, objectos da ofendida, os depoimentos da mesma e da testemunha D………, valorados com recurso a critérios lógicos e às regras da experiência comum, autorizam uma ilação segura quanto a esse facto.
Na verdade, o “aparecimento” de objectos da ofendida, dentro de uma bolsa com outros objectos, que não lhe pertenciam, debaixo de um colchão é facto que permite inferir que o co-arguido C………. chegou a ter esses objectos em seu poder e que se quis livrar deles (pelo menos temporariamente) na iminência de ser descoberto.
Da prova indiciária induz-se, por meio de raciocínio alicerçado em regras de experiência comum ou da ciência ou da técnica, o facto probando. A prova deste reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova. É do facto indiciante que se infere um facto conclusivo quanto ao facto probando, juridicamente relevante no processo[13].
Não se ignora que o recurso a este tipo de prova consente erros, na medida em que a convicção terá que se obter através de conclusões baseadas em raciocínios e não directamente verificadas; «a conclusão funda-se no juízo de relacionação normal entre o indício e o facto probando. O carácter falível destes raciocínios de relacionação entre dois factos revela o evidente perigo de erro, ou a relativa fragilidade da prova em si mesma.»[14]
Todavia, o valor probatório dos indícios é extremamente variável. Um indício revela, com tanto mais segurança o facto probando, quanto menos consinta a ilação de factos diferentes. Quando um facto não possa ser atribuído senão a uma causa – facto indiciante –, o indício diz-se necessário e o seu valor probatório aproxima-se do da prova directa. Quando o facto pode ser atribuído a várias causas, a prova de um facto que constitui uma destas causas prováveis é também somente um indício provável ou possível. Para dar consistência à prova será necessário afastar toda a espécie de condicionamento possível do facto probando menos uma. A prova só se obterá, assim, excluindo hipóteses eventuais divergentes, conciliáveis com a existência do facto indiciante[15].
Ora, o facto de os objectos terem “aparecido” debaixo do colchão – e resultando da ponderação global da prova como certo que foi o co-arguido C………. quem, ali, os colocou (outra hipótese não é verosímil) – permite, na base de uma análise racional e crítica, a inferência ou conclusão quanto ao acto prévio da detenção das coisas em seu poder, por parte do co-arguido C………. . A posse das coisas aparece, assim, como acto prévio indispensável à actuação posterior de colocar as coisas debaixo do colchão.
Em suma, o “aparecimento” das coisas debaixo do colchão é um indício necessário de que o co-arguido C………. as teve, previamente, em seu poder.
Termos em que improcede a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto a que o recorrente B………. procedeu.
3.3. Ambos os recorrentes suscitam a questão de direito de o crime de furto não poder ter-se por consumado.
3.3.1. O recorrente B………. coloca-a na estrita dependência da alteração da decisão proferida sobre matéria de facto [conclusão 23.ª].
Não tendo procedido a sua impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, fica a mesma prejudicada.
3.3.2. Já o recorrente C………. coloca a questão no quadro dos factos dados por provados [conclusões II a IX].
Sustenta, em síntese, que os objectos pertencentes à ofendida, por não terem, sequer, saído fisicamente da casa, nunca saíram do domínio de facto dela nem, consequentemente, chegaram a entrar na esfera patrimonial do recorrente.
A questão que deve ser apreciada está em saber, portanto, se perante os factos provados o crime de furto se consumou.
3.3.2.1. A determinação do momento em que com certeza jurídico-penalmente relevante se pode afirmar que o crime de furto consumou tem suscitado longos debates na doutrina e na jurisprudência.
Numa aproximação sintética, é reclamada, antes de mais, a distinção entre consumação formal e consumação material, terminação ou exaurimento.
A consumação formal dá-se quando se encontram preenchidos todos os requisitos mínimos que são necessários e suficientes para a existência do crime, enquanto que a consumação material só ocorre quando o crime já perfeito (consumação formal) atinge a sua máxima gravidade objectiva.
Se em muitos tipos de ilícito há coincidência da consumação formal e da consumação material, no furto [e noutros tipos] tal não acontece.
No furto, com a apropriação, com o efectivo domínio de facto sobre a coisa, verifica-se a consumação formal, mas só quando o domínio de facto sobre a coisa se opera em pleno sossego ou em estado de tranquilidade é que se pode afirmar a consumação material.
A tese de que a consumação do furto reclama a consumação material não é já acolhida nem na doutrina nem na jurisprudência, sendo, na jurisprudência portuguesa, inumeráveis as decisões que, de forma constante, repudiam a tese da posse pacífica ou em pleno sossego [a consumação do furto não requer que a coisa entre pacificamente na esfera de disponibilidade do agente e esteja na sua posse em pleno sossego].
A tese que prevaleceu foi, portanto, a da consumação formal. O furto consuma-se quando a coisa entra na esfera de domínio de facto do agente, o que pressupõe, como prioridade lógica, a saída da coisa da esfera de domínio de facto do sujeito passivo.
Se, com o domínio de facto do agente sobre a coisa, o crime está consumado, o que, agora, se discute é que tipo de domínio de facto é requerido [basta o instantâneo domínio de facto ou deve exigir-se um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa].
Em variadíssimas decisões, o Supremo Tribunal de Justiça acolheu a instantaneidade do domínio de facto. Todavia, nota-se, mais recentemente, um grau acrescido de exigência na determinação do momento em que se pode normativamente dizer que a coisa saiu da posse do seu dono e entrou na posse ou esfera patrimonial do agente da infracção[16].
Segundo Faria Costa[17], o furto consuma-se “quando a coisa entra, de maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção”. No entanto, importa diferenciar dois momentos; o primeiro “é a entrada de coisa alheia na esfera de domínio de facto do agente da infracção”, o segundo “liga-se, indissoluvelmente, ao decurso de tempo considerado necessário para que se julgue consumada a infracção”. Para que haja consumação formal “não basta que o sujeito passivo se veja privado do domínio de facto sobre a coisa, é ainda imprescindível que o agente da infracção tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa”.
Sobre o tipo de domínio de facto que se exige, o mesmo Autor rejeita o instantâneo domínio de facto, até pelas consequências desastrosas que acarreta nos planos da desistência da tentativa e do arrependimento activo, para concluir como irrecusável “que tem de haver um mínimo de tempo que permita dizer que um efectivo domínio de facto sobre a coisa é levado a cabo pelo agente” sem que defenda, no entanto, “que o domínio de facto se tenha de operar em pleno sossego ou em estado de tranquilidade”. E reconhece, ainda, “que não há nem deve haver uma medida certa e exacta para o preenchimento daquele mínimo”, pois “as circunstâncias e, com igual peso, a natureza da coisa furtada, serão os elementos mais capazes de nos orientarem neste campo”.
3.3.2.2. A análise do caso passa a ser feita na linha da abordagem teórica realizada, com consagração na mais recente jurisprudência.
Os factos provados demonstram que o recorrente se introduziu na residência e, aí, foi-se apoderando de vários objectos que foi guardando consigo – numa bolsa de cintura que trazia. Depois de se aperceber de que, no exterior, o co-arguido tinha sido interceptado por agentes policiais, decidiu sair da residência mas, antes, escondeu os objectos da ofendida, que tinha consigo, e outros seus, debaixo de um colchão, num quarto da residência.
Não pode, portanto, duvidar-se de que o recorrente teve os objectos na sua disponibilidade fáctica [a circunstância de os ter escondido debaixo de um colchão pressupõe que anteriormente eles tivessem chegado à sua esfera de domínio] e também não pode duvidar-se de que o recorrente adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa. Sem esse autónomo domínio de facto sobre a coisa não é concebível a execução da decisão de esconder os objectos, antes de sair da residência, para, caso viesse a ser interceptado pela polícia, no exterior, não ser com eles encontrado, e para o caso, interrogamo-nos nós, de “voltar por eles”, caso a polícia abandonasse o local, sem mais averiguações.
Se bem que por limitado período de tempo, o recorrente transferiu o domínio autónomo da coisa para a sua esfera de disponibilidade.
O facto de os objectos não terem chegado a sair do espaço físico da residência não assume, nessa perspectiva, qualquer relevo, tanto mais quanto a actuação do recorrente, traduzida em, aí, os deixar escondidos, não significa desistência ou arrependimento activo.
Neste entendimento, houve consumação do crime de furto, improcedendo, consequentemente, o recurso, nesta parte.
3.4. Tanto o recorrente B………. [conclusões 29.ª a 44.ª] como o recorrente C………. [conclusões X a XIII, aqui compreendidas as que resultam de repetição de numeração, e XV a XXV] reagem às medidas das penas parcelares e única.
A questão será tratada no quadro da qualificação jurídica dos factos operada no acórdão, em vista da improcedência da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto a que o recorrente B………. procedeu e da qual dependia a pretendida determinação da pena dentro da moldura abstracta correspondente à tentativa do crime de furto [conclusões 24.ª a 28.ª] e em função da improcedência da questão da subsunção dos factos provados à figura da tentativa, suscitada pelo recorrente C………. .
3.4.1. Previamente, deverá ser abordada a questão da atenuação especial da pena, ao abrigo do artigo 206.º do CP, suscitada pelo recorrente C………. [conclusão XIV], uma vez que da sua procedência resultaria a determinação da medida da pena, pelo furto, na consideração de uma diferente moldura penal abstracta – a resultante da atenuação especial da pena (artigo 73.º do CP).
Considerando a data da prática dos factos, a pretensão do recorrente terá de ser analisada em função da redacção do artigo 206.º do CP, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro. Se é certo que com a enunciada pretensão de atenuação especial da pena se torna evidente que o recorrente não convoca o n.º 1 do artigo 206.º, teria sido conveniente que o recorrente esclarecesse se entende que é caso de atenuação especial obrigatória (n.º 2 do artigo 206.º) ou meramente facultativa (n.º 3 do artigo 206.º).
Seja como for, o valor das coisas – aspecto que o recorrente realça – é anódino, para os efeitos dos n.os 2 e 3 do artigo 206.º, e, por outro lado, a restituição ou reparação – total, no caso do n.º 2, parcial, no caso do n.º 3 – são seus pressupostos necessários.
Na consideração dos fundamentos político-criminais das soluções do artigo 206.º [18], torna-se indiscutível que a restituição ou reparação não pode deixar de ser da iniciativa do agente, por mais facticamente condicionada que ela tenha sido[19].
Ora, os factos provados demonstram que não ocorreu nem restituição nem reparação. O que houve foi uma mera recuperação das coisas, as quais o recorrente escondeu, dentro da casa é certo, mas por razões exclusivas da sua conveniência pessoal (não ser encontrado com elas em seu poder quando a percepção da intervenção dos agentes policiais o “levou” a sair da residência e esconder-se no telhado de uma habitação contígua). Não ocorreu, portanto, qualquer acto de entrega por parte do recorrente; o que se verificou foi uma recuperação das coisas exclusivamente devida à actuação policial.
Improcede, portanto, a enunciada pretensão do recorrente C………. .
3.4.2. As finalidades da punição, quer dizer, as finalidades das penas são, como paradigmaticamente declara o artigo 40.º, n.º 1, do CP, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Com este texto, introduzido na revisão de 95 do CP[20], o legislador instituiu no ordenamento jurídico-penal português a natureza exclusivamente preventiva das finalidades das penas[21].
Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial. «Umas e outras devem coexistir e combinar-se da melhor forma e até ao limite possíveis, porque umas e outras se encontram no propósito comum de prevenir a prática de crimes futuros.»[22]
Com a finalidade da prevenção geral positiva ou de integração do que se trata é de alcançar a tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto. No sentido da tutela da confiança das expectativas de todos os cidadãos na validade das normas jurídicas e no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.
A medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos é um «acto de valoração in concreto, de conformação social da valoração legislativa, a levar a cabo pelo aplicador à luz das circunstâncias do caso. Factores, por isso, da mais diversa natureza e procedência – e, na verdade, não só factores do “ambiente”, mas também factores directamente atinentes ao facto e ao agente concreto – podem fazer variar a medida da tutela dos bens jurídicos»[23]. Do que se trata – e uma tal tarefa só pode competir ao juiz - «é de determinar as referidas exigências que ressaltam do caso sub iudice, no complexo da sua forma concreta de execução, da sua específica motivação, das consequências que dele resultaram, da situação da vítima, da conduta do agente antes e depois do facto, etc.»[24].
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva, devem actuar as exigências de prevenção especial. A medida da necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo do ponto de vista da prevenção especial.
Se a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, do CP), a culpa tem a função de estabelecer «uma proibição de excesso»[25], constituindo o limite inultrapassável de todas as considerações preventivas.
A aplicação da pena não pode ter lugar numa medida superior à suposta pela culpa, fundada num juízo autónomo de censura ético-jurídica. E o que se censura em direito penal é a circunstância de o agente ter documentado no facto – no facto que é expressão da personalidade – uma atitude de contrariedade ou de indiferença (no tipo-de-culpa doloso) ou de descuido ou leviandade (no tipo-de-culpa negligente) perante a violação do bem jurídico protegido. O agente responde, na base desta atitude interior, pelas qualidades jurídico-penalmente desvaliosas da sua personalidade que se exprimem no facto e o fundamentam[26].
Os concretos factores de medida da pena, constantes do elenco, não exaustivo, do n.º 2 do artigo 71.º do CP, relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.
3.4.3. Relativamente a ambos os recorrentes, as exigências de prevenção geral positiva são especialmente intensas, quanto aos crimes de furto e de detenção de arma proibida.
Os propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade das normas violadas, pelos «sentimentos» de insegurança e intranquilidade que causam na comunidade – particularmente intensos pela frequência com que estão a ser cometidos assaltos a residências e pelo uso generalizado de armas, na prática de crimes contra o património –, reclamam, em geral, uma intervenção forte do direito penal sancionatório, por forma a que a aplicação da pena, no seu quantum, responda às necessidades de tutela dos bens jurídicos, assegurando a manutenção, apesar da violação das normas, da confiança comunitária na prevalência do direito.
No caso concreto, o modo de execução do crime de furto, pelo seu grau de planeamento e pela sofisticação de meios posta ao seu serviço, se conforma um elevado grau de ilicitude – no plano de desvalor de acção, que não no de desvalor de resultado – também se reflecte no plano das exigências de prevenção geral.
Muito elevada, ainda, a ilicitude quanto ao crime de detenção de arma proibida, relativamente aos dois recorrentes, pelo número de armas que o conformam.
No plano das exigências de prevenção especial releva, muito negativamente, quanto a ambos os recorrentes, a ausência de uma inserção social efectiva no nosso país. Embora recentemente chegados a Portugal, nenhum dos arguidos apresenta um projecto de vida consistente de integração comunitária, que tivesse passado, nomeadamente, pela obtenção de rendimentos em função do exercício estável de uma actividade profissional [lícita].
Nesta perspectiva, o enquadramento familiar dos recorrentes não é um factor que interfira decisivamente na medida da necessidade de socialização. Sobretudo porque não se detecta, pré-existente à vinda dos recorrentes para Portugal, qualquer projecto ou expectativa sólida de inserção social.
Ainda no mesmo plano das exigências de prevenção especial, e agravando-as, destacam-se os antecedentes criminais dos recorrentes, no país de origem. Muito especialmente os do recorrente B………. dado o curto período que mediou entre a sua libertação [depois do cumprimento de 2 anos e 5 meses de prisão] e a prática dos factos objecto do processo.
Não se verificam, a favor de qualquer dos recorrentes, circunstâncias adequadas a diminuir a sua culpa pelos factos.
Não se mostrando fundada a alegação do recorrente C………. de que confessou os factos por que veio a ser condenado [conclusão IX].
Ainda quanto ao recorrente C………., a intensidade manifestada na prática dos factos que consubstanciam os crimes de falsificação e de falsidade de declaração, quer pela persistência com que foram cometidos quer pela “preparação” suposta na sua execução, é de molde a agravar a sua culpa. Também, especialmente quanto ao crime de falsificação, a ilicitude é elevada pelo número de condutas que o consubstanciam.
3.4.4. São, justamente, as exigências de prevenção, a que antes aludimos, que constituem um verdadeiro obstáculo à opção pela pena de multa, de acordo com o critério enunciado no artigo 70.º do CP.
Relativamente aos crimes a que são aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal só deverá dar preferência à pena de multa se ela realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, na consideração das finalidades da punição, já antes enunciadas, e das exigências de prevenção, especialmente de prevenção geral positiva, que no caso se manifestam, esse juízo positivo não pode ser formulado.
Improcedendo, portanto, a pretensão do recorrente C………. [conclusões XV aXX] de as penas pelos crimes punidos, em alternativa, com prisão ou multa, serem determinadas em função da opção pela pena de multa.
Pretensão que, aliás, não é congruente com o “pedido final” de ser condenado numa pena única de prisão não superior a 5 anos e 3 meses.
3.4.5. Na base da fundamentação exposta nos pontos 3.4.3. e 3.4.4. precedentes, não se encontram razões que justifiquem uma redução das penas parcelares cominadas.
Na ponderação, em suma, das exigências de prevenção geral e especial e da culpa dos recorrentes, as penas concretas fixadas no acórdão recorrido encontram-se criteriosamente fundamentadas e não se mostram excessivas. Antes satisfazem aquelas exigências de prevenção sem que ultrapassem a medida da culpa dos recorrentes pelos factos.
3.4.6. Segundo o critério do artigo 77.º, n.º 1, segundo parte, do CP, na determinação da pena do concurso são considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente.
No nosso sistema, a pena conjunta pretende ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
Como destaca Cristina Líbano Monteiro[27]:
«(...) quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que está na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido. Adverte que o todo não equivale à mera soma das partes e repara, além disso, que os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete de caso para caso. A esse novo ilícito corresponderá uma nova culpa. Que continua a ser culpa pelos factos em relação. Afinal, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade de que fala o CP.»
O que significa que o nosso sistema rejeita uma visão atomística da pluralidade dos crimes e obriga a ponderar o seu conjunto, a possível conexão dos factos, entre si, e a relação da personalidade do agente com o conjunto de factos.
Na avaliação unitária dos factos e da personalidade dos recorrentes neles manifestada, atendemos, especialmente, à conexão que só abstractamente se pode estabelecer entre o crime de furto e o crime de detenção de armas proibidas e à ausência de qualquer relação entre esses crimes e os restantes praticados pelo recorrente C………., às qualidades da personalidade (muito desvaliosas) dos recorrentes que se exprimem na prática dos factos, sobressaindo o empenho e a sofisticação de meios posto na preparação e na execução do furto e a circunstância de os recorrentes disporem de instrumentos [armas e outros objectos] especialmente aptos à concretização de práticas criminosas.
Nesta ponderação, que prescinde de uma avaliação centrada em operações de cariz meramente aritmético, as penas únicas cominadas, no acórdão recorrido, não merecem qualquer censura.
3.5. Resta abordar a questão da suspensão da execução da pena suscitada pelo recorrente B………. [conclusões 47.ª a 63.ª].
Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, ao CP, ampliou-se de um modo importante o limite superior da pena de prisão cuja execução pode (poder/dever) ser suspensa.
Se a suspensão da execução da pena estava limitada a penas até 3 anos de prisão, na actual redacção, o artigo 50.º do CP alargou esse limite, admitindo a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos.
Já os pressupostos materiais da suspensão da execução da pena não sofreram alteração.
Agora, como antes, o tribunal suspende a execução da pena de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
As finalidades da punição, quer dizer, as finalidades das penas são, como já vimos, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Daí que a aplicação de uma pena de substituição, como a suspensão da execução da pena de prisão não se possa alhear da realização daquelas finalidades.
Dos factos provados emerge uma imagem global de particular gravidade dos crimes praticados pelo recorrente.
Na forma concreta da realização do furto manifesta-se o planeamento da sua execução e a audácia criminosa dos executantes, servidos por uma sofisticação de meios, nestes incluídos os que vieram a relevar para o preenchimento do tipo de detenção de arma proibida.
Por isso, no caso, a suspensão da execução da pena não seria compreensível para o sentimento jurídico da comunidade e para a manutenção da sua confiança no direito e na administração da justiça. Com a suspensão da execução da pena não ficaria acautelada a defesa do ordenamento jurídico.
Jescheck[28], sobre a interpretação do conceito “defesa do ordenamento jurídico”, justamente como obstáculo à suspensão a execução da pena, dá conta da acentuada interpretação restritiva do conceito seguida pelo Tribunal Supremo Federal. De acordo com essa interpretação, o decisivo é, por um lado, a função que tem a pena de “manter ante a comunidade a evidência da inquebrantabilidade do ordenamento jurídico e de prevenir, ao mesmo tempo, outras lesões futuras análogas do direito por parte dos potenciais delinquentes” e, por outro, o “critério da manutenção da confiança da população no direito” que, aqui, não obstante, se utiliza numa função limitadora. A execução de uma pena só é, portanto, necessária “quando de outro modo pudesse produzir-se um sério perigo para a atitude face ao direito da população como consequência da diminuição da confiança na função da administração da justiça”. Igualmente, considera-se que, em todo o caso, deve executar-se a pena “quando a simples condenação penal sem execução pudesse ser entendida pela população, dada a inabitual configuração do caso concreto, como uma injustificada indulgência e como mostra de insegurança face ao crime”. Num caso destes a suspensão “pareceria para o sentimento jurídico geral simplesmente incompreensível”.
Se são factores atinentes ao facto que relevarão as mais das vezes para a determinação da medida necessária para satisfazer as exigências de prevenção geral, também factores relevantes do ponto de vista da personalidade contribuem para a definição das exigências de prevenção geral. «Também deste ponto de vista o que interessará é considerar a personalidade consoante ela se apresente como mais ou menos respeitadora das normas jurídico-penais, sendo certo que o abalo sofrido na confiança comunitária na validade das referidas normas e as necessidades de estabilização da confiança nessa validade serão avaliadas (...) consoante aquela personalidade é captada positiva, negativa ou indiferentemente pela comunidade, tendo em vista o que ela representa quanto ao respeito pelas normas jurídico-penais.»[29]
O recorrente manifestou na prática dos factos uma personalidade criminosa arrojada e uma absoluta indiferença pela condenação anterior e pelo cumprimento de uma pena de prisão. Recorde-se que praticou os factos escassos meses após ser restituído à liberdade. O que não pode deixar de ser muito negativamente captado pela comunidade.
Por outro lado, o recorrente apresenta uma efectiva carência de inserção social, em Portugal, que não é colmatada pelo enquadramento familiar, pelo que a prática do crime é ainda a expressão de um defeito de socialização do recorrente, que não consente uma esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda.
Por isso, só a pena efectiva de prisão poderá assegurar o efeito essencial de prevenção geral e satisfazer a necessidade de socialização do recorrente.
Não pode, portanto, proceder, a pretensão do recorrente B………. de obter a suspensão da execução da pena, mostrando-se, ainda, neste aspecto, correctamente fundamentada a decisão recorrida.
III

Termos em que, pelos fundamentos expostos, negamos provimento aos recursos e confirmamos o acórdão recorrido.
Por terem decaído, vão os recorrentes condenados, cada um deles, em 5 UC de taxa de justiça, e nas custas solidárias.

Porto, 4 de Fevereiro de 2009
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro

___________________
[1] Doravante designado pelas iniciais CP.
[2] “há apenas tentativa de furto se o agente, que entrou numa arrecadação e aí agarrou, com intuitos apropriativos, em determinados objectos alheios, é encontrado com eles, à saída desse espaço, por um agente da autoridade, que lhe tira esses objectos”
[3] Mantém-se, sem correcção, a numeração original.
[4] Doravante designado pelas iniciais CPP.
[5] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2000, p. 335.
[6] «Meios de Prova», Jornadas de Direito Processual Penal, Livraria Almedina, Coimbra, 1988, pp. 229-230.
[7] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2000, p. 294.
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.01.2002, sumariado por Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 2002, pp. 739-740.
[9] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.06.1999, sumariado por Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal cit., pp. 737-738.
[10] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-05-98, sumariado por M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, ob. cit., p. 559.
[11] Germano Marques da Silva, «A aplicação das alterações ao Código de Processo Penal», Forum Iustitiae, Maio de 1999, p. 21.
[12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Outubro de 2004, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2004, Tomo III, p. 197 e ss.
[13] Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, Lições, Lisboa, 1955, p. 288 e ss.
[14] Ibidem, p. 290.
[15] Ibidem.
[16] A título meramente exemplificativo, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/01/2002, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2002, I, pp. 170 e ss.
[17] Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pp. 49-50.
[18] Sobre o tema, cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, anotação ao artigo 206.º, especialmente §§ 3 a 6, pp. 116 a 118.
[19] Ibidem, p. 119.
[20] Inexistente na versão primitiva do CP, foi introduzido com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
[21] Sobre a evolução, em Portugal, do problema dos fins das penas e a doutrina do Estado, cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 88 e ss.
[22] Ibidem, p. 105.
[23] Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 228.
[24] Ibidem, p. 241.
[25] Figueiredo Dias, Temas, cit., p. 109.
[26] Figueiredo Dias, «Sobre o Estado Actual da Doutrina do Crime» Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 2, Fasc.1, Janeiro-Março de 1992, Aequitas, Editorial Notícias,p. 14.
[27] «A pena “unitária” do concurso de crimes», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16.º, n.º 1, Janeiro-Março 2006, Coimbra Editora, p. 151 e ss.
[28] Tratado de Derecho Penal, Parte General, volume segundo, tradução de S. Mir Puig e F. Muñoz Conde, Bosch, Casa Editorial, pp. 1156-1157.
[29] Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995, p. 674.